Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00415/11.9BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/22/2016
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Esperança Mealha
Descritores:CONVENÇÃO ARBITRAGEM; CONTRATO RECOLHA EFLUENTES
Sumário:“Prevendo-se que ´ao tribunal arbitral poderão ser submetidas todas as questões relativas à interpretação ou execução deste contrato, com exceção das respeitantes à faturação emitida pela Sociedade e ao seu pagamento ou falta dele´ não fica preterida essa instância quando a autora peticiona em juízo os valores faturados por alegados serviços prestados” (Acórdão do TCAN, de 06.03.2015, P. 00036/12.9BEMDL).*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:ÁGUAS DE TRÁS-OS-MONTES E ALTO DOURO, SA
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE BRAGANÇA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte
1. Relatório
ÁGUAS DE TRÁS-OS-MONTES E ALTO DOURO, SA, interpõe recurso jurisdicional do despacho saneador-sentença do TAF de Mirandela que, no âmbito da ação administrativa comum intentada pela Recorrente contra o MUNICÍPIO DE BRAGANÇA, absolveu o Réu da instância com fundamento em exceção inominada, consistente em preterição da cláusula 10.ª do “Contrato de Recolha de Efluentes”, por a autora não ter comprovado diligências tendentes a uma solução negociada e amigável e, em caso de impossibilidade, por não ter recorrido ao tribunal arbitral.

A Recorrente apresentou alegações, onde conclui nos seguintes termos, que delimitam o objeto do recurso:

1.º Veio, agora, o Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, na sua Douta Sentença, concluir pela incompetência deste Tribunal, em razão da matéria, por alegada inobservância da competência convencional, considerando competente o Tribunal Arbitral.

2.º Afirmando mesmo que: “Para o que interessa aqui dirimir, o R. defende-se por exceção invocando que a A. não cumpriu o procedimento prévio previsto no Contrato de Fornecimento, uma vez que não diligenciou pelo acordo amigável nem, no caso de impossibilidade de solução negociada, a obrigatoriedade de recurso ao tribunal – conforme previsto na cláusula 10.ª do “Contrato de Recolha de Efluentes entre o Município de Chaves e Águas de Trás-os-Montes e Alto Douro, SA”.

3.º Na verdade, o R./Apelado arguiu a exceção de violação de convenção de arbitragem, nos termos da Cláusula 10.ª, n.º 1 do Contrato de Fornecimento entre o Município de Chaves e as Águas de Trás-os-Montes e Alto Douro, SA, (Doc. 2 da P.I.).

4.º No entanto, deverá ter-se aqui em linha de conta a resposta apresentada pela A./Apelante.

5.º Ora, afirmou a A.A/Apelante, em sede de resposta à exceção apresentada pelo R./Apelado que o litígio em causa prende-se exclusivamente com facturas emitidas pela A. e não pagas pela R.

6.º Pelo que, considera não se poder aplicar ao caso em concreto a convenção arbitral estipulada pelas partes no Contrato de Fornecimento.

7.º Entende ainda a A./Apelante que nem tão-pouco se poderia exigir um procedimento prévio à Ação Judicial, com vista ao alcance de um acordo extrajudicial, com base em eventuais divergências interpretativas ou que se prendam com a execução do contrato, porquanto não é isso que está em causa.

8.º A A./Apelante, na sua Petição Inicial, concluiu exclusivamente pela petição da quantia de € 88.448,67 (oitenta e oito mil, quatrocentos e quarenta e oito euros e sessenta e sete cêntimos), na sequência do incumprimento do pagamento das facturas aí elencadas, vencidas e emitidas ao Município de Bragança,

9.º jamais levantando qualquer questão interpretativa ou que pusessem em causa a execução do contrato.

10.º Ora, salvo o devido respeito, não pode a A./Apelante concordar com a interpretação de que se deveria aplicar ao presente litígio a convenção arbitral, porquanto tal importaria o vazio jurídico da exceção vertida na II parte do n.º 3 da Cláusula 10.ª.

11.º Até porque, qualquer ação judicial que surgisse na sequência do não pagamento das facturas decorrentes deste contrato poderia, com toda a probabilidade, trazer à colação uma eventual discussão sobre a atuação da A./Apelante na execução do contrato,

12.º o que não significa que tal não tenha de, obrigatoriamente, ser considerado secundário em relação ao pedido – esse sim, apenas relacionado com o incumprimento de pagamento de facturas devidas.

13.º Cumpre, ainda, sublinhar que em momento algum o R./Apelado impugnou a falta de pagamento das facturas elencadas pela A./Apelante na sua P.I., e apresentadas como vencidas e não pagas, admitindo, como tal, esse incumprimento.

14.º Facto esse que deveria ter sido considerado provado,

15.º e discriminado na Douta Sentença,

16.º o que não acontece.

17.º Mais, apesar de o R./Apelado a ter classificado a sua restante defesa como impugnação, a mesma concretiza verdadeiras exceções, pelo que a A./Apelante foi também obrigada a responder.

18.º No entanto, tais exceções não foram elencadas na Douta Sentença in casu.

19.º O R./Apelado centrou, ainda, a sua defesa, no facto de que os quantitativos reclamados pela A./Apelante só são parcialmente devidos, uma vez que, em seu entender, a A./Apelante introduziu um custo adicional não previsto nem acordado na faturação dos seus serviços,

20.º alegando, ainda, não serem devidos juros de mora.

20.º Ora, consequentemente, e sob pena de se darem como provados os factos arguidos pelo R./Apelado, em sede de Contestação, foi a A./Apelante “obrigada” a impugnar todas as exceções, em sede de Resposta, apresentando, para tal, fundamentos de facto e de direito, suportados por prova documental, junta aos autos com a correspondente peça processual.

21.º Tal não significa que a A./Apelante quisesse ver essas questões esclarecidas aquando da entrada da presente Ação Administrativa Comum,

22.º até porque, no seu entendimento, não há lugar a dúvidas.

23.º Não obstante, ainda que assim não se entendesse, e tratando-se de matéria controvertida, a mesma deveria ser provada em sede de Audiência de Julgamento.

24.º Neste sentido, e remetendo-se para a resposta, às exceções, apresentada pela A./Apelante, que aqui se considera integralmente reproduzida, não se pode senão concluir reiterando que, na verdade, o que está aqui em causa é tão-somente o pagamento de facturas emitidas pela A./Apelante e não pagas pela R./Apelada, independentemente de esta última concordar ou não com a legalidade da emissão das mesmas.

25.º Contrariamente, fundamentou o Meritíssimo Juiz estarmos perante um desacordo ou litígio relativamente à interpretação ou execução do contrato em causa,

26.º afirmando mesmo que tal conclusão resulta também da resposta da A./Apelante, o que, com o devido respeito, muito dificilmente se pode conceber.

28.º Pelo que, salvo melhor opinião em contrário, deveria o Meritíssimo Juiz a quo, cingindo-se ao pedido, ter aplicado a exceção da II parte do n.º 3, da Cláusula 10.ª do Contrato de Fornecimento entre o Município de Chaves e as Águas de Trás-os-Montes e Alto Douro, SA.

29.º No entanto, no caso sub judice, e conforme descrito supra, entendeu o Meritíssimo Juiz estarmos perante uma questão que obsta ao conhecimento do objecto do processo.

30.º Assim, deveria ter sido convocada Audiência Preliminar, nos termos do artigo 508.º-A, n.º 1, alínea b), do C.P.C., por aplicação do artigo 42.º, n.º 1, do C.P.T.A.,

31.º o que não aconteceu.

32.º Ou seja, não foi dada oportunidade à A./Apelante de discutir de facto e de direito de uma exceção dilatória, numa situação em que a sua procedência obstaria ao mérito da causa.

33.º Ora, assim sendo, estamos perante uma violação do princípio do contraditório, vertido no artigo 3.º do C.P.C., mais concretamente no seu n.º 3., que estipula que: “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.

34.º Veja-se nesse sentido o Ac. do STJ de 09-05-2012: “O art.º 3, n.º 3 do CPC, que proíbe as decisões - surpresa visa impedir que o juiz decida questões de direito ou de facto sem que as partes tenham a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.

35.º A inobservância desta formalidade processual corresponde a uma verdadeira violação do princípio do contraditório, pelo que, deverá, salvo melhor opinião, acarretar a nulidade da Sentença, nos termos do artigo 201.º, n.º 1, última parte, do C.P.C., na medida em que tal omissão influiu no exame e na decisão da causa.

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O Recorrido não contra-alegou.

O tribunal recorrido pronunciou-se no sentido de inexistir a nulidade invocada nas alegações.
O Ministério Público emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, considerando verificada a invocada preterição do direito do contraditório.

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2. Nulidade por violação do princípio do contraditório
A Recorrente alega que o tribunal recorrido violou o princípio do contraditório, na medida em que não lhe foi dada oportunidade de discutir a exceção que veio a determinar a absolvição do réu da instância.

O despacho recorrido absolveu o réu da instância, com fundamento em exceção inominada, consistente em preterição da cláusula 10.ª do “Contrato de Recolha de Efluentes”, por a autora não ter comprovado diligências tendentes a uma solução negociada e amigável e, em caso de impossibilidade, por não ter recorrido ao tribunal arbitral.

Ta decisão foi tomada logo após a apresentação dos articulados. Contudo, verifica-se que na contestação, o Réu havia invocado a exceção de “violação de convenção de arbitragem” e pedido a sua absolvição da instância, com base, precisamente, na violação da referida cláusula 10ª do contrato e que a Autora, aqui Recorrente, apresentou articulado de resposta a tal exceção.
O que significa que a Autora/Recorrente já se havia pronunciado sobre a matéria de exceção apreciada no despacho recorrido (ainda que em termos não exatamente idênticos aos que vinham invocados na contestação, mas sendo certo que o tribunal não está vinculado à qualificação jurídica dada pelas partes), pelo que não se verifica a alegada violação do princípio do contraditório.

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3. Mérito do recurso
O despacho recorrido decretou a absolvição da instância do Réu Município, com fundamento no facto de a autora não ter comprovado as diligências tendentes a uma solução negociável amigável e, em caso de impossibilidade, poder recorrer ao Tribunal Arbitral, nos termos previstos na cláusula 10ª do contrato de fornecimento celebrado entre as partes.

Trata-se de questão que não é nova e que já foi apreciada neste TCAN, nomeadamente, no Acórdão de 03.12.2015, P. 0911/15, onde seguindo jurisprudência anterior deste TCAN, aí citada, sobre cláusula idêntica, se concluiu que na ação a autora apenas pretendia o pagamento de quantias faturadas e não pagas e respetivos juros de mora, questão expressamente excecionada do compromisso arbitral, pelo que não se mostrava verificada qualquer exceção inominada ou incompetência do tribunal administrativo. Como também se elucida no Acórdão do TCAN, de 06.03.2015, P. 00036/12.9BEMDL, aí citado: “Prevendo-se que ´Ao tribunal arbitral poderão ser submetidas todas as questões relativas à interpretação ou execução deste contrato, com exceção das respeitantes à faturação emitida pela Sociedade e ao seu pagamento ou falta dele´ não fica preterida essa instância quando a autora peticiona em juízo os valores faturados por alegados serviços prestados.

Daquele Acórdão do TCAN de 03.12.2015, P. 0911/15, foi interposto recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo que, por Acórdão STA, de 03.12.2015, P. 0911/15, negou a revista e confirmou o acórdão recorrido, concluindo, além do mais o seguinte:

I – A previsão contratual de que as partes diligenciarão, «ante causam», por chegar a um «acordo amigável» não pode traduzir a criação de uma exceção dilatória inominada.

II – A cláusula negocial que expressamente exceptuou de um compromisso arbitral as questões relativas «à faturação e ao seu pagamento ou falta dele» legitima a parte credora a exigir da outra, «in judicio», o preço contratualizado para os bens que forneceu e os serviços que prestou.

III – A letra e a «ratio» dessa cláusula afastam a possibilidade da exigência referida em II apenas funcionar numa fase já executiva.

No caso em apreço, a cláusula 10ª, n.º 1, do “contrato de recolha de efluentes celebrado” entre as partes e junto aos autos a fls. 38, prevê que “Em caso de desacordo ou litígio, relativamente à interpretação ou execução deste contrato, as partes diligenciarão no sentido de alcançarem, por acordo amigável, uma solução adequada e equitativa” e o n.º 3 da mesma cláusula 10ª, estabelece que “Ao tribunal arbitral poderão ser submetidas todas as questões relativas à interpretação ou execução deste contrato, com exceção das respeitantes à faturação emitida pela Sociedade e ao seu pagamento ou falta dele, casos em que o foro competente é o de Vila Real”. Por outro lado, constata-se que, nos presentes autos, o pedido e a causa de pedir respeita à faturação de serviços alegadamente prestados pela autora ao município réu. O que literalmente se incluiu na exceção ao compromisso arbitral, constante na segunda parte do citado n.º 3 da cláusula 10ª.

Pelo que, pelos fundamentos já alinhados na jurisprudência citada, que subscrevemos e são inteiramente aplicáveis ao caso em apreço, forçoso é concluir pela inexistência de uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, fundada no referido compromisso arbitral.
Termos em que, sem necessidade de outros considerandos, se julga procedente o recurso, devendo a decisão recorrida ser revogada e ordenado o prosseguimento dos autos.

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4. Decisão
Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e ordenando a baixa dos autos ao TAF de Mirandela, para aí prosseguirem os seus termos, se a tanto nada mais obstar.
Sem custas.


Porto, 22.01.2016
Ass.: Esperança Mealha
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Hélder Vieira