Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 00001/17.0BEMDL |
| Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
| Data do Acordão: | 01/26/2018 |
| Tribunal: | TAF de Mirandela |
| Relator: | Hélder Vieira |
| Descritores: | DISCIPLINAR; MEDIDA DA PENA; PODER DISCRICIONÁRIO |
| Sumário: | A graduação da sanção disciplinar de suspensão, dentro dos limites legalmente estabelecidos, é uma actividade incluída na discricionariedade imprópria (justiça administrativa), podendo sofrer os vícios típicos do exercício do poder discricionário, admitindo-se um controlo jurisdicional que abranja, pelo menos: a) a correcção da interpretação da norma; b) a verificação dos pressupostos de aplicação da norma; c) e a observância do princípio da proporcionalidade, ou seja, do «iter» lógico seguido pela Administração na valoração dos elementos da situação concreta e da correcção interna dos raciocínios lógico-discursivos que presidiram à aplicação da norma ao caso concreto.* *Sumário elaborado pelo relator |
| Recorrente: | Ministério da Educação e Ciência |
| Recorrido 1: | AACR |
| Votação: | Unanimidade |
| Meio Processual: | Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
| Decisão: | Conceder provimento ao recurso Revogar a decisão na parte recorrida Manter a decisão de anulação do acto |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO Recorrente: Ministério da Educação e Ciência Recorrido: AACR Vem interposto recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, que julgou procedente a supra identificada acção administrativa e anulou o acto impugnado, que aplicou ao Autor sanção disciplinar, com pena de suspensão, graduada em 30 dias, e acessória, de cessação de comissão de serviço. * O objecto do recurso é delimitado pelas seguintes conclusões da respectiva alegação:1. “O Tribunal a quo cometeu um erro de julgamento ao julgar a presente ação procedente e, em consequência, declarar anulado o ato impugnado com o fundamento de que, relativamente aos factos constantes da acusação notificada a 07.01.2016, deveria ter sido aplicada a pena de multa e de que não está “fundamentada por que razão se optou por concluir que a infração em causa deveria ser punida com pena de suspensão”, cfr. fls. 33 e 34 da sentença. 2. O Tribunal a quo fez uma errada apreciação da matéria de facto dada por provada e uma errada interpretação e aplicação do direito. 3. A sentença em crise padece de contradição entre a matéria de facto provada e a decisão, assim como de erro na interpretação e aplicação do direito, nomeadamente dos arts. 186º e 189º da LTFP. 4. O Tribunal a quo erra quando considera que os factos descritos na acusação notificada em 07.01.2016 são puníveis com a sanção de multa e que deveria ter sido essa a sanção aplicada, não a de suspensão. 5. Erra igualmente quando afirma que não está fundamentada por que razão se optou por concluir que a infração em causa deveria ser punida com pena de suspensão. 6. A decisão tomada, quanto a esta questão, além de estar vedada ao Tribunal a quo, enferma de grave erro de julgamento. 7. O Tribunal apenas aprecia a legalidade do ato, anulando-o se estiver em desconformidade com a lei ou os princípios jurídicos, não podendo ele próprio, analisar os factos fornecidos pelo processo e o direito aplicável e definir a situação jurídica individual, pois tal consiste em fazer administração ativa, o que lhe está vedado. 8. Ao Tribunal não cabe fixar em concreto a pena a aplicar em função da infração de que o trabalhador vem acusado, podendo somente sindicar a proporcionalidade da pena aplicada. 9. A determinação da pena envolve o exercício de um poder discricionário por parte da Administração, que é contenciosamente insindicável, salvo se for invocado desvio de poder, erro grosseiro ou violação dos princípios da justiça e da proporcionalidade, não devendo o juiz, em princípio, sobrepor o seu poder de apreciação ao da autoridade investida do poder disciplinar, reservando a sua intervenção para os casos em que a pena aplicada revelar erro grosseiro, por manifesta desproporção entre a sanção e a falta cometida, com violação clara do princípio da proporcionalidade, o que não sucede, com toda a certeza, no caso sub judice 10. A factualidade relevante referida pelo Tribunal a quo consta da própria acusação e foi devidamente ponderada na medida e graduação da pena aplicada. 11. No caso em apreço, face aos factos provados no processo disciplinar e nos presentes autos, é seguro afirmar que o enquadramento jurídico sancionatório dos factos descritos na acusação de 07.01.2016 na sanção de suspensão é correto, não se verifica erro grosseiro ou violação manifesta dos princípios da justiça e da proporcionalidade. 12. A factualidade apontada pelo Tribunal a quo foi devidamente analisada e ponderada, constando, inclusive da acusação. 13. Essa factualidade e toda a descrita na acusação conduzem, inevitavelmente ao enquadramento jurídico efetuado, nomeadamente na sanção de suspensão. 14. O decisor considerou e bem, que com a prática dos factos descritos na acusação, que ficaram provados, o Autor agiu com grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres funcionais e atentou gravemente contra a dignidade e o prestígio da função, pelo que, o enquadramento efetuado no corpo do art. 186º da LTFP, não merece qualquer reparo. 15. Foi por ter ponderado a factualidade e circunstâncias referenciadas, nomeadamente a de não ter existido qualquer pagamento efetivo que o enquadramento sancionatório foi efetuado na sanção de suspensão, pois caso contrário teria de ser, inevitavelmente, na sanção de demissão. 16. No relatório final, o Instrutor explicou e fundamentou devidamente o enquadramento efetuado na acusação e a proposta de sanção de suspensão. 17. A sentença recorrida erra ainda quando afirma que não inexiste “factualidade apurada nos autos disciplinares que possa ser subsumível a uma das alíneas do artigo 186.° da LGTFP”, porquanto a infração disciplinar foi e é subsumível apenas no corpo do art. 186º da LTFP, sendo punível. 18. O Tribunal a quo erra, também, ao decidir com fundamento no argumento de que “No próprio relatório é feito constar que se entende que as condutas infracionais em causa são de baixa gravidade não se percebendo por que razão relativamente à primeira das infracções se propõe a pena de suspensão e não a pena de multa”, porquanto, tal referência é feita já em sede de graduação da sanção de suspensão, pois, estando assente que o comportamento do trabalhador era punível com a sanção de suspensão, impunha-se encontra a medida concreta da mesma, atento o disposto no n.º 4 do art. 181º da LTFP. 19. Foi para fundamentar a proposta de 30 dias, aliás, um número muito perto do limite mínimo, que, o Instrutor, atento o intervalo definido na lei (20 e 90 dias), por referência ao estabelecido no art. 189º da LTFP, escreveu: “Consideramos que as condutas infracionais em causa, por serem de baixa gravidade, no quadro da dosimetria de censurabilidade em que foi cominada cada uma das condutas do trabalhador nas acusações notificadas – Suspensão e Multa – cada uma delas deverá ser fixada em um terço do limite máximo da variação fixada para as mesmas pela lei”, fl. ….do PA. 20. A referência a condutas infracionais de “baixa gravidade”, no contexto em que foi efetuada, aconteceu tão só para estabelecer o número de dias de suspensão, atento o intervalo legal definido – entre 20 e 90, não podendo esquecer-se que o trabalhador estava a ser punido pela prática de três infracções disciplinares, ainda que só à primeira fosse aplicável a sanção de suspensão. 21. Posto isto, dúvidas não restam que a sanção aplicada e a sua graduação em 30 dias apresenta-se como justa, adequada e proporcional à gravidade das infracções, mais precisamente, à gravidade da infração constante da acusação de 07.01.2016,cuja factualidade ficou plenamente provada no PA. 22. Assim, a sentença recorrida lavrou em erro, grave, errando na qualificação jurídica dos factos. 23. A sentença em crise violou o art. 186º e 189º, da Lei n.º 35/2024, de 20 de Junho, pelo que deve ser anulada, com as devidas consequências legais. TERMOS EM QUE: Concedendo provimento ao recurso, revogando a sentença ora recorrida, proferindo-se nova decisão que julgue a sanção aplicada justa, adequada e proporcional e, ainda, que julgue a presente ação improcedente, por não provada e absolva o Réu dos pedidos, farão V. Exas. a habitual, JUSTIÇA!”. * O Recorrido contra-alegou, em termos que se dão por reproduzidos, e, tendo elaborado conclusões, aqui se vertem:“I - O MEC, recorrente nos presentes autos, entende, nas suas mui doutas alegações de recurso, que o Tribunal a quo fez uma errada apreciação da matéria de facto dada como provada e fez, também, uma errada interpretação e aplicação do direito, e, em consequência, errou ao julgar a acção procedente e ao anular o acto impugnado. II - Tal não corresponde à verdade. III - Também não assiste qualquer razão ao recorrente quando afirma que a mui douta decisão, ora recorrida, faz confusão entre a graduação da pena e a proporcionalidade da mesma. IV - A sanção disciplinar de suspensão aplicada no âmbito do processo disciplinar, relativa aos factos da acusação notificada a 07-01-2016, não está fundamentada, ou seja, não se refere por que razão se optou por concluir que a infracção em causa deveria ser punida com pena de suspensão. V - Não foi devidamente ponderada na sua medida e graduação. VI - A mesma não atendeu, nem ponderou o facto de não ter existido qualquer pagamento efectivo. VII - Não atendeu, nem ponderou o facto de a verba destinada para o fim em causa (remoção e tratamento de placas de fibrocimento) ter de ser gasta em 2014, quando apenas ficou disponível quase no final do ano. VIII - Não foi devidamente ponderado o facto de o parecer vinculativo para efeitos da Portaria n.º 53/2014, de 3 de Março, apenas ter sido remetido ao Agrupamento de Escolas de Valpaços a 02.03.2015. IX - Face a este circunstancialismo, a aplicação de pena disciplinar de suspensão à primeira infração, era necessariamente desproporcional, injusta, incorrecta e ilegal. X - Tais circunstâncias militam a favor do A./Recorrido e deveriam ter sido devidamente tomadas em consideração na determinação concreta da pena disciplinar. XI - Já no relatório final elaborado pelo Réu/Recorrente se fez constar que se entendia que “as condutas infracionais em causa são de baixa gravidade”. XII - Todavia, sem qualquer justificação, nesse mesmo relatório final é proposta a pena de suspensão para a primeira infração e não a pena de multa. XIII - Refere também a mui douta sentença que não resulta dos autos qualquer circunstância que permita justificar a aplicação de sanção de suspensão em relação às demais infrações. XIV - Inexiste factualidade apurada nos autos disciplinares que possa ser subsumível a uma das alíneas do artigo 186º da LGTFP. XV - Este último preceito legal refere expressamente que: “A sanção disciplinar de suspensão é aplicável aos trabalhadores que atuem com grave negligência ou com grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres funcionais e àqueles cujos comportamentos atentem gravemente contra a dignidade e o prestígio da função…” XVI - É o próprio Réu/Recorrente que admite expressamente, no seu referido relatório final, que “as condutas infracionais em causa são de baixa gravidade”. XVII - A pena de multa para a primeira infracção mostra-se, assim, correctamente justificada e ponderada, ainda que no entender do A./Recorrido, tal como resulta expresso na P.I., a sanção da simples repreensão escrita se mostrasse mais adequada e justa, tendo em conta todas as circunstâncias presentes e, sobretudo, as atenuantes que lhe assistiam. XVIII - De igual modo se mostra correcta e justa a mui douta decisão relativamente aos factos relativos à acusação adicional. XIX - É por demais notório e evidente que o Tribunal a quo respeitou o princípio da separação e interdependência de poderes e julgou apenas pelo cumprimento/incumprimento pela Administração das normas e princípios jurídicos. XX - O Tribunal a quo deu, por isso, integral cumprimento ao disposto no artigo 3º da CPTA. XXI - Deu cumprimento ao disposto no artigo 202º da Constituição da República Portuguesa que define a função jurisdicional. XXII - Refere este último preceito constitucional no seu n.º 2: “Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados”. XXIII - Refere ainda o dito diploma no seu artigo 203º: “Os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei”. XXIV - Com efeito, Como o próprio Réu/Recorrente refere e admite: “… não devendo o Juiz, em princípio, sobrepor o seu poder de apreciação ao da autoridade investida do poder disciplinar, reservando a sua intervenção para os casos em que a pena aplicada revelar erro grosseiro, por manifesta desproporção entre a sanção e a falta cometida, com violação clara do princípio da proporcionalidade”. XXV - Nos presentes autos (Processo disciplinar) verificou-se, no essencial, para além do mais, a violação clara e notória do dito princípio da proporcionalidade na determinação da medida da pena aplicável, bem como do princípio da justiça, para além de outros mais. XXVI - O Tribunal a quo, com a sua decisão, não foi além do mero exercício da função jurisdicional. XXVII - O Tribunal a quo não incorreu em erro, não fez uma errada qualificação jurídica dos factos, nem cometeu qualquer erro na interpretação e aplicação do direito. XXVIII - Não violou qualquer preceito legal, nomeadamente os artigos 186º e 189º da LGTFP, os quais, pelo contrário, se mostram correcta e justamente interpretados e aplicados. TERMOS em que, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Ex.cias, deve a decisão recorrida ser integralmente mantida e, em consequência, ser julgado improcedente, por não provado o recurso de apelação ora interposto pelo Réu/Recorrente - MEC, com todas as legais consequências. Assim se fará JUSTIÇA”. * O Ministério Público foi notificado ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA.* De harmonia com as conclusões da alegação de recurso, que balizam o objecto do recurso (artigos 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi artigo 140º do CPTA), impõe-se determinar, se a tal nada obstar, se a decisão recorrida padece do imputado erro de julgamento, com violação dos artigos 186º e 189º da Lei nº 35/2014, de 20 de Junho.Cumpre decidir. * II – FUNDAMENTAÇÃOII.1 – OS FACTOS ASSENTES NA DECISÃO RECORRIDA A matéria de facto fixada pela instância a quo é a seguinte: IV.1.1 – Factos Provados Com interesse para a decisão da causa consideram-se como provados os seguintes factos: 1) Resultava do ofício S/8587/2014 da Direção Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE), que as quantias em causa se destinam exclusivamente à execução do “Plano de Remoção de Fibrocimento - Galerias” da Escola EB José dos Anjos, Carrazedo de Montenegro, Valpaços; Artigos 3º da p.i. e 1º da contestação 2) Essa comunicação da DGEstE só ocorreu a 21.08.2014; Artigos 4º da p.i. e 1º da contestação 3) O autor, na qualidade de Presidente do Conselho Administrativo do Agrupamento de Escolas de Valpaços, conseguiu ter aprovado o Caderno de Encargos, Mapa de Quantidades e Condições Técnicas e Específicas para a abertura do procedimento, “Obras de remodelação da cobertura das galerias de ligação entre blocos”, no dia 09.09.2014; Artigos 7º da p.i. e 1º da contestação 4) Uma vez que a quantia se mostrou insuficiente para a realização dos trabalhos pretendidos, só se verificou o seu reforço para o valor de € 20 315,10 no dia 14.10.2014; Artigos 8º da p.i. e 1º da contestação 5) No dia 16.10.2104 fez o pedido de parecer para a celebração do contrato em causa, tendo sido feito o alerta de que a verba atribuída tinha como destino a referida obra e teria de ser gasta até ao final do ano de 2014; Artigos 10º da p.i. e 1º da contestação 6) No dia 03.11.2014 insistiu o autor na urgência do citado parecer; Artigos 11º da p.i. e 1º da contestação 7) No dia 27.11.2014 foi o Agrupamento de Escolas de Valpaços informado pelo Chefe de Serviços que ao pedido de parecer apresentado nos termos da Portaria n.º 53/2014, de 3 de Março, fora atribuído o n.º P/2844/2014; Artigos 13º da p.i. e 1º da contestação 8) No dia 02.03.2015 recebeu o dito Agrupamento de Escolas parecer favorável, condicionado nos termos propostos, emitido pelo Sr. Secretário de Estado da Administração Pública; Artigos 14º da p.i. e 1º da contestação 9) A abertura de propostas ocorreu a 03.12.2014; Artigos 19º da p.i. e 1º da contestação 10) Tendo sido selecionada a firma SICF, S.A., pelas razões constantes do relatório final; Artigos 20º da p.i. e 1º da contestação 11) O contrato foi elaborado a 15.12.2014; Artigos 25º da p.i. e 1º da contestação 12) A firma adjudicatária da empreitada comprometeu-se, a 18.12.2014, a realizar os trabalhos contratados após receber autorização por parte da Autoridade das Condições de Trabalho; Artigos 26º da p.i. e 1º da contestação 13) Pedido que havia formulado no dia 16.12.2014; Artigos 27º da p.i. e 1º da contestação 14) A qual não chegou sequer a ser recebida de acordo com a informação prestada pela dita firma, o que inviabilizou, por isso, a assinatura do contrato por parte da firma e a execução da empreitada para a data que esteve sempre prevista, ou seja, entre o dia 1.12.2014 e o dia 16.12.2014; Artigos 28º da p.i. e 1º da contestação 15) O Conselho Administrativo do Agrupamento de Escolas de Valpaços autorizou o pagamento à dita firma em reunião do dia 24.12.2014; Artigos 29º da p.i. e 1º da contestação 16) E, por isso, foi emitido o cheque; Artigos 30º da p.i. e 1º da contestação 17) O dito contrato não chegou a ser assinado pela firma adjudicatária da empreitada por falta da autorização da Autoridade das Condições de Trabalho; Artigos 31º da p.i. e 1º da contestação 18) No dia 05.02.2015 o Conselho Administrativo é informado pelo autor de que a firma adjudicatária da empreitada já não podia realizar a obra por se encontrar em processo de insolvência; Artigos 33º da p.i. e 1º da contestação 19) Face à situação criada, o autor solicitou esclarecimentos à DGEstE – DSRN; Artigos 34º da p.i. e 1º da contestação 20) Tendo obtido resposta, datada de 06.02.2015, onde se insiste em se questionar a empresa adjudicatária sobre a calendarização acordada; Artigos 35º da p.i. e 1º da contestação 21) O que foi feito; Artigos 36º da p.i. e 1º da contestação 22) O autor obteve, a 09.02.2015, resposta que a firma estava a passar por sérias dificuldades financeiras não podendo, por isso, realizar os trabalhos que estavam adjudicados e calendarizados; Artigos 37º da p.i. e 1º da contestação 23) Tendo sido proferida, no dia 18.03.2015, sentença de Insolvência dessa mesma firma pelo Tribunal de Comarca de Vila Real; Artigos 38º da p.i. e 1º da contestação 24) O Conselho Administrativo foi informado pelo autor da resposta dada pela dita firma em reunião do dia 11.02.2015; Artigos 39º da p.i. e 1º da contestação 25) No dia 12.02.2015, o autor solicitou novamente informações aos competentes serviços da DGEstE-DSRN, com vista a encontrar a melhor solução; Artigos 40º da p.i. e 1º da contestação 26) E fez, no dia 13.02.2015, um pedido de ajuda; Artigos 41º da p.i. e 1º da contestação 27) Este último pedido já não obteve qualquer resposta; Artigos 42º da p.i. e 1º da contestação 28) Informou o Conselho Administrativo dessa atuação; Artigos 43º da p.i. e 1º da contestação 29) No dia 13.04.2015, em reunião do Conselho Administrativo do Agrupamento de Escolas de Valpaços, foi decidida a anulação do cheque emitido a favor da firma e a reposição da verba; Artigos 44º da p.i. e 1º da contestação 30) Foi instaurado contra o autor o processo disciplinar n.º 10.07/044/RN/15, a que foram apensados os processos disciplinares n.os 10.07/081/RN/15 e 10.07/044/RN/16; Doc. 5 junto com a p.i. 31) Por despacho proferido pelo Sr. Instrutor a 06.07.2015 foi requisitada a colaboração de técnico com o objetivo de obter parecer escrito, no âmbito desses mesmos autos; Artigos 47º da p.i. e 1º da contestação 32) Do Auto de Perícia, entretanto levado a efeito, constam como conclusões: Artigos 48º da p.i. e 1º da contestação 1. O orçamento de 2014 do AEV foi objeto de reforço orçamental em novembro para proceder à remoção das placas de fibrocimento degradadas existentes na EB23 José dos Anjos em 2014. 2. O AEV desenvolveu os procedimentos necessários à contratação dos serviços dentro dos termos e princípios legais aplicáveis, designadamente, o Código do Contratos Públicos. 3. A execução dos serviços contratados obriga à existência de prévia autorização e validação do plano de trabalhos por parte da ACT, que não foi obtida pela SICF em 2014. A empresa responsabilizou-se pela execução dos serviços após a receção da referida autorização. 4. No âmbito das suas competências próprias, o CA do AEV validou em dezembro de 2014 para efeitos de execução orçamental, a fatura n° 3133 de 19/12/14 da SICF como despesa e o cheque n° 4473709721 sobre a CGD como pagamento, no valor de 17.870,52€, não existindo qualquer prestação dos serviços contratados. O cheque referido não foi remetido à SICF, ficando à guarda dos Serviços Administrativos em cofre próprio. 5. Verifica-se, portanto, a inexistência de um facto gerador da obrigação de despesa, pelo que, de acordo com as normas legais aplicáveis designadamente a Lei de Enquadramento Orçamental, nenhuma despesa poderia ser autorizada ou paga. 6. De acordo com a informação prestada pelo Presidente do CA, a decisão referida em 4. foi assumida tendo presente que a SICF tinha assumido a responsabilidade pela execução dos serviços contratados após a receção da autorização da ACT e sabendo que o valor do reforço “consignado" à remoção das placas de fibrocimento degradadas teria que ser devolvido em sede de prestação de contas se não fosse considerado na execução orçamental de 2014. 7. Em 2015 a SICF informou o AEV que não poderia realizar os trabalhos contratados. 8. Tendo considerado a despesa e o pagamento na execução orçamental de 2014, e a informação referida em 7., o AEV solicitou apoio à DGEstE no sentido de conhecer a forma de corrigir e ultrapassar o procedimento utilizado. 9. O CA do AEV decidiu em 2015 proceder ao estorno do registo contabilístico da fatura da SICF através de uma nota de crédito emitida por esta empresa. O cheque emitido e o respectivo registo contabilístico foram anulados. O valor correspondente ao cheque foi entregue ao Tesouro através de DUC. A prestação de contas de 2014 foi enviada ao Tribunal de Contas em abril de 2015 e inclui estas correções. 10. Em julho de 2015 a DGEstE informa o AEV que terá que declarar nula a autorização de pagamento em análise e proceder à correção dos registos contabilísticos inerentes. O AEV informa a DGEstE das correções já efetuadas. 11. Não obstante o incumprimento referido em 5., parece razoável considerar que o AEV diligenciou no sentido de encontrar uma solução e tomou a iniciativa de corrigir o procedimento por forma a apresentar uma execução orçamental fiável. 33) Do depoimento da testemunha BCCNA, ouvida no âmbito do dito processo disciplinar, consta de relevante: Artigos 50º da p.i. e 1º da contestação Perguntada se sabia que a fatura titulava obras não realizadas disse que ouvia falar, ouvia comentários dispersos entre os colegas. Por isso é que a depoente guardou o cheque até que a obra fosse realizada. Pedida que fizesse um descritivo da circulação desta fatura nas mãos da depoente disse que a primeira vez que viu a fatura foi no dia 29/12/2014 e passou o cheque no dia 30/12/2014. Quem a deu foi a MJ juntamente com outras faturas e a depoente passou então o cheque mediante esta fatura. Depois guardou o cheque no cofre grande da escola e já não se lembra do destino da fatura. Perguntada se é comum aceitar faturas antes da obra realizada disse que não é, foi apenas por ser fim de ano e não ter de devolver a verba até 08/09 Janeiro de 2015, mais ou menos a altura em que se entregam os saldos, primeira quinzena de janeiro. Perguntada se houve celebração do contrato entre o AE de Valpaços e a SICF, com data de 15.12.2014, disse que não viu mas faz-se tudo dentro das legalidades pelo que de certeza houve contrato. Perguntada se o cheque foi movimentado e enviado à SICF disse que não, não saiu daqui. Onde ficou o cheque, disse que ficou e está anulado no cofre da escola. 34) Do depoimento da testemunha PCCRTC consta, no essencial, o seguinte: Artigos 51º da p.i. e 1º da contestação Perguntada se o cheque foi movimentado e enviado à SICF disse que não foi. Onde ficou o cheque, disse que pensa que ficou em cofre. 35) Do depoimento da testemunha MMMFA consta, no essencial, o seguinte: Artigos 52º da p.i. e 1º da contestação Perguntada se o cheque foi movimentado e enviado à SICF disse que não foi. Onde ficou o cheque, disse que ficou na posse da tesoureira. 36) Do depoimento da testemunha MJFML consta, no essencial, o seguinte: Artigos 53º da p.i. e 1º da contestação Perguntada se o cheque foi movimentado e enviado à SICF disse que não foi enviado, nem movimentado. Onde o cheque ficou, disse que ficou no cofre, pensa. 37)Do depoimento da testemunha LMTT consta, no essencial, o seguinte: Artigos 54º da p.i. e 1º da contestação Perguntada se o cheque foi movimentado e enviado à SICF disse que o cheque nunca saiu da escola. 38) A 07.01.2016 o autor foi notificado de acusação, da qual consta, entre o mais, o seguinte: Doc. 1 junto com a p.i. [imagem omissa] 39) E a 19.05.2016 foi notificado de acusação adicional da qual, conta, entre o mais, o seguinte: Doc. 3 junto com a p.i. [imagem omissa] 40) O autor apresentou defesa quanto a cada uma das acusações; Docs. 2 e 4 juntos com a p.i. 41) Foi elaborado relatório, do qual consta, entre o mais, o seguinte: Doc. 5 junto com a p.i. [imagem omissa] 42) A 15.07.2016 foi proferida informação propondo, entre o mais, a aplicação ao autor de sanção se suspensão, graduada em 30 dias, bem como, a título acessório, sanção de cessação da comissão de serviço como diretor do Agrupamento de Escolas de Valpaços; Doc. 5 junto com a p.i. 43) Sobre a informação supra recaiu despacho de concordância, datado de 25.07.2016, da Sr.ª Subdiretora-Geral dos Estabelecimentos Escolares, que aplicou ao autor as sanções disciplinares propostas; Doc. 5 junto com a p.i. 44) O autor apresentou recurso hierárquico; Doc. 6 junto com a p.i. 45) A 03.11.2016 foi proferida informação, da qual consta, entre o mais, o seguinte: Doc. 7 junto com a p.i. [imagem omissa] 46) Sobre a informação supra recaiu despacho de concordância, datado de 15.11.2016, do Sr. Ministro da Educação que indeferiu o recurso hierárquico apresentado pelo autor. Doc. 7 junto com a p.i. * IV.1.2 – Factos não provadosInexistem factos com interesse para a decisão da causa que importe dar como não provados. * II.2 – DO MÉRITO DO RECURSOA sentença sob recurso titulou três questões dirimendas: “infracção disciplinar”, “graduação da pena” e “prescrição”. Na sentença entendeu-se que relativamente às questões “infracção disciplinar” e “prescrição”, o Autor não tinha razão. Não tendo sido objecto de impugnação, a decisão destas questões é pacífica nos autos. A propósito do identificado tema da “graduação da pena”, no qual se centra a impugnação que o presente recurso carreia, a decisão sob recurso apreciou e decidiu as seguintes questões: (i) Não terem sido tomadas em devida conta as circunstâncias dirimentes e as circunstâncias atenuantes dadas como provadas — a questão improcedeu; (ii) Se deveria ter sido aplicada pena inferior à de suspensão — a sentença deu razão a esta posição do Autor. Quanto a esta última questão, foram apreciados os seguintes três aspectos fundamentais: 1 — A escolha da medida da pena, no caso, pena de suspensão, concluindo-se que “face ao circunstancionalismo apurado, e à fundamentação que é apresentada nas várias decisões proferidas, afigura-se existir factualidade relevante que não foi devidamente ponderada na medida e graduação da pena e que deveria ter sido”. E ali se explicou: “Ora, afigura-se que não foi ponderado devidamente o facto de não ter existido qualquer pagamento efetivo. O cheque, como resulta dos autos, nunca foi descontado, tendo permanecido sempre no cofre da Escola. Por outro lado, o autor procurou, embora que tardiamente, regularizar a situação, o que veio a ocorrer a 13.04.2015, embora devesse ter ocorrido até 12.01.2015. A isto acresce que, como também é pacificamente aceite pelas partes, a verba destinada para o fim em causa (remoção e tratamento de placas de fibrocimento) teria que ser gasta em 2014, tendo apenas ficado disponível a verba quase no final desse ano. E repare-se que, como também resulta dos autos, o parecer favorável vinculativo para efeitos da Portaria n.º 53/2014, de 3 de março, apenas foi remetido ao Agrupamento de Escolas a 02.03.2015. Face a este concreto circunstancialismo, afigura-se desproporcional, no caso em apreço, a aplicação de pena disciplinar de suspensão face à primeira infração, que constitui a pena mais gravosa aplicada às três infrações. Portanto, embora o comportamento do autor não possa ser considerado justificado, conforme argumentado na p.i., afigura-se existirem circunstância, que militam a favor do autor, que não foram devidamente tomadas em consideração e que levaria a que a pena não pudesse ser de suspensão. No próprio relatório é feito constar que que se entende que as condutas infracionais em causa são de baixa gravidade, não se percebendo por que razão relativamente à primeira das infrações se propõe a pena de suspensão e não a pena de multa. E ponderadas as demais infrações, já que ao autor terá que ser aplicada uma sanção disciplinar única, não se afigura qualquer circunstância que permita justificar a aplicação de sanção de suspensão, por inexistir factualidade apurada nos autos disciplinares que possa ser subsumível a uma das alíneas do artigo 186.º da LGTFP.”. De seguida, a sentença afasta a aplicabilidade da pena de simples repreensão escrita proposta pelo Autor e justifica a aplicação da pena de multa, assim, designadamente: “Não se vislumbra existir uma circunstância atenuante no caso em apreço que substancialmente diminua a culpa do autor. É reconhecido que o autor prestou mais de 10 anos de serviço com exemplar comportamento e zelo e que confessou espontaneamente a infração, porém, estas circunstâncias não contendem diretamente com o concreto comportamento de aprovação da ordem de pagamento, sendo alheias a tal comportamento, pelo que não há diminuição substantiva da culpa do autor. Perante um juízo de imputação subjetiva (juízo de culpa) é irrelevante a larga experiência exemplar do autor, reconhecida e que não é colocada em causa no processo disciplinar, bem como o facto de ter confessado espontaneamente a infração. E além disso, não pode esquecer-se a existência de uma circunstância agravante especial da responsabilidade disciplinar por existir acumulação de infrações. E repare-se que, como já referido, as circunstâncias factuais que não foram efetivamente ponderadas na fixação da sanção, nos termos já referidos supra, justificam que no caso em apreço seja aplicada pena de multa, mas não de repreensão escrita, já que, como decorre do artigo 184.º da LGTFP, a repressão escrita é apenas aplicada a infrações leves de serviço, não se afigurando que no caso em apreço esteja em causa uma infração que possa ser considerada leve, muito embora, como também já referido, se afigure que também não justificam uma censurabilidade que justifique a aplicação de pena se suspensão.”. 2 — Na sequência do acabado de transcrever, quanto à acusação adicional, a sentença pronunciou-se ainda sobre a mesma questão, podendo ler-se: “O mesmo não ocorre quanto aos factos relativos à acusação adicional. A propósito destes factos o autor limita-se a referir que não foi dado o devido valor às circunstâncias atenuantes. Todavia, como já se referiu, os aspetos invocados pelo autos a este propósito não contendem nem permitem concluir por uma diminuição substancial da culpa que origine uma atenuação da concreta sanção disciplinar, aplicando-se sanção inferior, a de repreensão escrita. E quanto a tais factos, não se vislumbra que ocorra situação idêntica à que se referiu a propósito da primeira acusação, já que se vislumbra que todos os factos foram ponderados na medida em que o deveriam ser. Assim, foi tido em consideração o tempo de serviço do autor, e o seu comportamento exemplar, e até o louvor. Por outro lado, embora o autor, também a propósito de tal factualidade faça referência a circunstâncias dirimentes, também se constata não terem sido dadas como provadas no processo disciplinar quaisquer circunstâncias dirimentes, nem resulta da p.i. ou dos autos que existam quaisquer circunstâncias dirimentes da atuação do autor ao travar o prosseguimento do processo disciplinar instaurado contra o aluno. É que, como referido no ponto anterior, se afigura que o autor não utilizou toda a diligência que se lhe impunha como diretor.”. 3 — Por fim, a sentença particulariza questão atinente ao artigo 3º da acusação adicional: “Por fim, quando ao artigo 3º da acusação adicional. A pena disciplinar, a título principal, a que está sujeito quem não instaure processo disciplinar contra trabalhadores seus subordinados é a cessação da comissão de serviço, como decorre do artigo 188.º, n.º 1, al a) da LGTFP. Quanto a esta infração, no entanto, afigura-se que as circunstâncias de facto, em concreto, constituem uma circunstância dirimente ao abrigo do disposto no artigo 190.º, n.º 1, al. d) da LGTFP. Conforme resulta do relatório elaborado, o autor solicitou que a IGEC tomasse conta da instauração do procedimento disciplinar a instaurar aos docentes. A IGEC não apresentou qualquer resposta. No entanto, o autor pode verificar que foi enviado inspetor à escola. E resulta também do relatório que efetivamente a IGEC instaurou procedimento disciplinar contra os docentes em causa. Face a este circunstancialismo afigura-se que o autor pôde, razoavelmente, confiar que a IGEC teria aceite o seu pedido para prosseguir o apuramento da responsabilidade disciplinar dos docentes. Perante estas circunstâncias, a diluição da culpa do autor é de tal modo acentuada (tudo contribuiu para que o autor pudesse confiar que o assunto seria tratado pelo IGEC), que se vislumbra não ser exigível que tivesse emitido decisão liminar sobre as queixas em causa. É certo que poderia censurar-se ao autor o facto de não o ter feito, mas também se poderia censurar o facto de a entidade demandada não ter respondido à solicitação do autor. Assim, quanto a este ponto, afigura-se assistir razão ao autor, sendo, portanto, de anular a sanção disciplinar aplicada.”. O recurso incide apenas sobre a decisão relativa à questão da denominada “graduação da pena”, o que, de seguida, apreciaremos, permanecendo não impugnada a parte da decisão atinente à questão do “artigo 3º da acusação adicional”, que conduziu, também, à decisão de “anular a sanção disciplinar aplicada”. Na senda do alegado pelo Autor, a sentença refere-se a “graduação da pena”, expressão que titula a questão em apreço, sendo certo que em substância discutiu, isso sim, a medida e aplicação da pena, no sentido de dever ter sido aplicada uma pena inferior à pena de suspensão efectivamente aplicada. Dois planos de análise se perspectivam na infracção disciplinar: (i) O que respeita ao facto, à materialidade, autoria e voluntariedade e (ii) o que constitui qualificação jurídica do facto como falta disciplinar. Apurado o facto, impõe-se saber se ele pode ser juridicamente qualificado como infracção disciplinar e se pode ser reconduzido a um determinado tipo de infracção. Para tanto, o órgão instrutor opera uma interpretação e apreciação das provas, actividade que tem por fim extrair de cada um dos meios de prova o máximo de conclusões com o máximo de probabilidades; Do conjunto do material probatório alcança-se uma determinada conclusão, sendo necessário operar uma avaliação ou valoração em ordem a determinar a existência material das faltas e, sendo disso caso, a sua qualificação e gravidade (veja-se o artigo 219º da LGTFP — Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei nº 35/2014, de 20 de Junho) ou proposta de arquivamento do processo (artigo 213º da LGTFP). Dada a natureza inquisitória do procedimento disciplinar (cfr. v.g. artigos 58º, 115º do CPA, 201º, 212º da LGTFP) e em conjugação com o princípio da verdade material, em regra, nessa fase vigora o princípio da livre apreciação das provas, segundo o qual o órgão instrutor tem a liberdade de, em relação aos factos que hajam servir de base à aplicação do direito, interpretar e avaliar as provas de harmonia com a sua própria convicção. Como já se escreveu no acórdão deste TCAN, de 18-02-2011, processo nº 344/08.3BEPRT, esta “liberdade probatória” não é, todavia, total e completa, pois evidentemente que está condicionada pela finalidade de se obter o mais elevado grau possível de aproximação à verdade. O instrutor não pode avaliar as provas simplesmente segundo as suas opiniões individuais, mas segundo as regras da verdade histórica e com fundamentação da decisão. A «livre convicção», sob pena de não ter qualquer conteúdo lógico, não significa ausência de motivos de convicção, mas apenas que o juízo em que se traduz a apreciação não decorre directamente de regras legalmente impostas. O condicionamento da ampla zona de liberdade probatória pelo fim de se obter a verdade material, conduz necessariamente à revisibilidade jurisdicional do juízo efectuado pelo órgão instrutor ou decisor sobre a apreciação e valoração das provas. O tribunal não está vinculado à apreciação que esse órgão tenha feito das provas recolhidas. O juiz fará o seu próprio juízo a propósito dos factos e elementos que o processo forneça, certamente persuadido racionalmente por uma positiva convicção de que os factos ocorreram muito provavelmente de uma certa maneira. Mas, se o princípio da livre apreciação das provas confere ao órgão decisor do procedimento o poder de basear a sua decisão numa íntima convicção livremente formada sobre o exame e avaliação dos motivos probatórios reunidos no processo, a actividade do tribunal não pode limitar-se a substituir essa convicção pelo íntimo convencimento do juiz. Na apreciação das provas, não se trata de decidir através da impressão ou intuição que se tem, mas segundo a persuasão racional que o órgão administrativo tem das provas recolhidas através do processo. A autonomia que o órgão administrativo tem na apreciação das provas está pois submetida a um princípio de racionalidade, cuja violação é controlável pelo tribunal. A função de controlo judicial limita-se assim a detectar, através da fundamentação da decisão disciplinar, se a apreciação das provas tem uma base racional, se o valor das provas produzidas foi pesado com justo critério lógico, não enfermando de erro de facto ou erro manifesto de apreciação. Utilizando o discurso, adaptado, que no identificado acórdão deste TCAN serviu de fundamentação para situação idêntica, dir-se-á que diferentemente do que acontece com o direito criminal, a tradição legislativa no direito disciplinar tem sido a de não tipicizar a ilicitude dos factos. Como refere Marcello Caetano, «enquanto o ilícito criminal se traduz na formulação exacta e precisa da conduta proibida, originando tipos legais de infracção fora de cujo esquema não é admissível a punibilidade, é disciplinarmente ilícita qualquer conduta do agente que transgrida a concepção dos deveres funcionais válida para as circunstâncias concretas da sua posição e actuação» (cf. Manual. Vol. II, pág. 786). Os artigos 183º, 184º, 185º, 186º, 187º, 188º da LGTFP confirmam que, em regra, a infracção disciplinar é atípica. Depois de definir os deveres gerais dos funcionários (artigo 73º da LGTFP) e de fixar taxativamente as penas disciplinares (artigo 180º da LGTFP), define-se, relativamente a cada uma das penas, as respectivas infracções, através de cláusulas gerais, conceitos indeterminados e enumeração exemplificativa, com o propósito de facilitar a subsunção das condutas disciplinarmente relevantes. Naquelas disposições, o legislador deixa em aberto, pelo carácter exemplificativo e pela utilização de expressões de conteúdo, extensão e sentido impreciso e incerto, as descrições dos comportamentos considerados ilícitos. Atente-se, por exemplo, nas directivas de qualificação de um facto disciplinarmente punido constantes daqueles artigos: «infracções leves de serviço» (artigo 184º); «negligência ou má compreensão dos deveres funcionais» (artigo 185º); «grave negligência ou com grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres funcionais» e «atentem gravemente contra a dignidade e o prestígio da função» (artigo 186º); «inviabilize a manutenção do vínculo de emprego público» (artigo 187º). Nestes casos, a lei aqui não define de modo preciso todos os pressupostos de facto de que depende a aplicação da sanção disciplinar. O que são faltas leves ou com grave desinteresse? Quando é que a falta atenta gravemente contra o prestígio da função ou inviabiliza a manutenção do vínculo de emprego público? Prossegue aquele acórdão: «Se as normas que referem os factos disciplinarmente puníveis são normas abertas, indicativas ou modulares ou, como refere Marcello Caetano, «meras normas de orientação para servirem de padrão ao intérprete», depressa se colocam as questões que o recorrente refere na última parte das alegações: Que autonomia de livre decisão dispõe a Administração na interpretação e aplicação de tais conceitos? Que tipo de controlo o tribunal pode fazer da aplicação administrativa desses conceitos? A resposta a estas questões é suficientemente conhecida na doutrina e na jurisprudência, embora nem sempre no mesmo sentido: uns consideram que os conceitos indeterminados integram-se na chamada «discricionariedade técnica» ou «discricionariedade imprópria» e, por isso, embora entendam que a interpretação e aplicação de tais conceitos configura uma situação de vinculação, dizem que não há controlo judicial pleno, a não ser nos casos de «erro manifesto» (Marcello Caetano e Freitas do Amaral); outros submetem a generalidade dos conceitos indeterminados ao controlo total da Administração, mas reconhecem que há certos conceitos — os «conceitos discricionários» — que reconhecem a favor do órgão administrativo que os aplica uma liberdade discricionária (Rogério Soares, Afonso Queiró, Sérvulo Correia, Gomes Canotilho, Azevedo Moreira, Esteves de Oliveira e Gonçalves Pereira); e há ainda a acrescentar a posição mais radical de António Francisco de Sousa, alimentada pela doutrina germânica actual, para quem as doutrinas dos «conceitos discricionários», da «discricionariedade técnica» e da «discricionariedade imprópria» são inconstitucionais, porque «por força do princípio do Estado de Direito, os conceitos indeterminados não só não excluem como exigem o seu controlo jurisdicional pleno, sob pena de comprometimento irremediável da segurança dos particulares perante o Estado» (Conceitos Indeterminados» no Direito Administrativo, págs. 86 a 103 e 103 e 211). É verdade que os conceitos que envolvam a emissão de juízos técnicos valorativos «têm o significado inequívoco de atribuição de uma margem de livre apreciação ao órgão competente» e, portanto, a sua aplicação ao caso concreto não pode ser repetida pelo tribunal administrativo, «pois apenas faria suceder um segundo a um primeiro juízo subjectivo, sem nada acrescentar quanto a garantias de legalidade» (cfr. Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, págs.116 a 137 e 473 a 478). Todavia, não se deve esquecer que, tal como acontece com os poderes discricionários, os conceitos indeterminados devem encontrar na letra da lei um tal grau de densificação normativa que correspondam a um mínimo de critérios objectivos que balizem a margem de livre apreciação da Administração, em termos tais que permitam aos cidadãos, com um mínimo de segurança, saber com que quadro normativo contam quanto à possível aplicação dessa lei e que simultaneamente confiram aos tribunais elementos objectivos suficientes para apreciação da adequação e proporcionalidade no uso de tais poderes (cfr. Ac. do Tribunal Constitucional de Portugal, nº 285/92, publicado no Diário da República, 1ª série – A, de 17 de Agosto de 1992). Portanto, constitui exigência do princípio da legalidade que os conceitos indeterminados contenham uma densificação normativa que permitam, por um lado, aos administrados saber em que situações concretas é possível a Administração agir e, por outro, ao tribunal conhecer da exigibilidade e da proporcionalidade da conduta da Administração. Em face dos avanços doutrinais e jurisprudenciais ocorridos nesta matéria terá que se admitir um controlo jurisdicional que abranja, pelo menos: a) a correcção da interpretação da norma; b) a verificação dos pressupostos de aplicação da norma; c) e a observância do princípio da proporcionalidade, ou seja, do «iter» lógico seguido pela Administração na valoração dos elementos da situação concreta e da correcção interna dos raciocínios lógico-discursivos que presidiram à aplicação da norma ao caso concreto. Quer dizer: o que se avançou relativamente à doutrina da «discricionariedade técnica», no sentido de um controlo «mais profundo», foi a inclusão na fiscalização contenciosa da apreciação da exactidão dos elementos que integram o conceito indeterminado, isto é, os chamados juízos técnicos de existência ou de accertamento técnico. Pode, pois, o tribunal controlar os juízos técnicos da Administração, emitidos ao abrigo da norma que contém o conceito indeterminado, destinados a verificar a existência de elementos de facto predeterminados e tendo em vista a prossecução do interesse público que subjaz à intervenção administrativa, uma vez que, embora esta intervenção «accertativa» se caracterize por uma assinalável subjectividade, ela não exclui a possibilidade da sua reedição e subsequente controlo, enquanto actividade de avaliação e de determinação de factos e de censura em sede de um juízo de legalidade. Mas já não pode controlar os juízos técnicos valorativos ou de probabilidade, pois, a previsão normativa que os concebe significa a atribuição de uma reserva de decisão da Administração (ou como prefere a doutrina alemã, uma “margem de apreciação” ou uma “prerrogativa de avaliação”. Em face do exposto, não há dúvida que o tribunal pode averiguar se a aplicação da medida sancionatória observou os parâmetros do princípio da proporcionalidade. E pode fazê-lo em dois momentos diferentes: na subsunção dos factos à norma qualificativa e na determinação da medida concreta da sanção. Como refere Ana Fernanda Neves, no direito disciplinar da função pública há duas operações distintas: «há a proporcionalidade na subsunção – a adequação do preenchimento dos conceitos indeterminados e de cláusulas gerais utilizados no recorte infraccional não pode deixar de ser controlada; para cada sanção a lei prevê uma determinada sanção e não a possibilidade de várias sanções para uma mesma infracção – e a proporcionalidade no apuramento da concreta sanção» (cfr. O princípio da tipicidade no direito disciplinar da função pública, CJA, nº 32, pág. 27).». Quanto à medida concreta da pena, pode o tribunal apreciar a questão apenas no caso de ser invocado, nomeadamente, o desvio de poder, o erro sobre os pressupostos, o “erro grosseiro e manifesto”, a violação dos princípios da justiça e da proporcionalidade, porquanto é uma tarefa da Administração que se insere na chamada “discricionariedade técnica ou administrativa” — cfr., entre outros, acórdãos do STA: de 18-01-2000, proc. nº 038605; de 17-05-2001 (Pleno), proc. nº 040528; de 07-02-2002, proc. nº 048149; de 07-02-2004, proc. nº 048149; de 12-10-2004, proc. nº 0692/04; de 03-11-2004, proc. nº 0329/04; de 31-05-2005, proc. nº 02036/03; de 16-02-2006, proc. nº 0412/05; de 21-03-2006 (Pleno), proc. nº 020/03; de 08-05-2007, proc. nº 01085/06; de 29-03-2007 (Pleno), proc. nº 0412/05; de 02-07-2009, proc. nº 0639/07; de 07-09-2010, proc. nº 01012/09. A este propósito, veja-se a argumentação expendida no citado acórdão do STA de 03-11-2004, proc. nº 0329/04, que aqui se acolhe, com nossos sublinhados, no sentido de que é “… verdade, em primeiro lugar, que no domínio da fixação concreta de uma sanção disciplinar, variável (com um limite máximo e um limite mínimo) …, a Administração age no exercício do poder discricionário. (…) É vinculada, por exemplo, a verificação dos factos de que depende a aplicação do critério da medida e graduação das penas como é vinculada a verificação dos requisitos e os limites (…). É vinculada a existência dos factos e a sua qualificação jurídica como infração disciplinar. É vinculada também a verificação dos requisitos e a duração da suspensão das penas disciplinares. (…) Porém a graduação da pena … - questão concretamente levantada nestes autos - cabe no poder discricionário (discricionariedade imprópria, ou justiça burocrática) da Administração. (…) É verdade, …, que o exercício de tal poder só pode ser sindicado, pelos vícios típicos de tal exercício. É certo que a fiscalização contenciosa da atividade jurisdicional, devido ao aumento do número de vinculações legais que a jurisprudência e a doutrina têm assinalado, tem vindo também a aumentar. É o caso da (i) admissão do erro de facto, (ii) da existência ou inexistência de pressupostos de facto, (iii) da fundamentação, (iii) da sujeição aos princípios gerais de direito – audiência prévia, igualdade, proporcionalidade, justiça e imparcialidade. (…) Em todos estes casos, porém, não se põe em causa o núcleo de autonomia ou de reserva administrativa insindicável jurisdicionalmente, uma vez que previamente são definidas as vinculações legais. Como se disse, …, seguindo jurisprudência uniforme «os tribunais não podem substituir-se à Administração na fixação concreta da pena, pelo que a graduação da pena disciplinar, não sendo posta em causa a qualificação jurídico-disciplinar das infrações, não é contenciosamente sindicável, salvo erro grosseiro ou manifesto, ou seja, se a medida da pena for ostensivamente desproporcionada, uma vez que tal atividade se insere na chamada atividade discricionária da Administração». Erro grosseiro (.) que pode consistir na manifesta desproporção entre a sanção e a falta cometida, com violação clara do princípio da proporcionalidade (art. 266.º, n.º 2 da CRP), princípio que funciona como limite intrínseco ao exercício de poderes discricionários …” (sublinhados nossos). No presente caso e quanto à questão controvertida, a sentença recorrida fundamentou a sua decisão com os seguintes argumentos: “Desde logo, porque não está fundamentada por que razão se optou por concluir que a infração em causa deveria ser punida com pena de suspensão. Conforme facilmente se pode apreender da leitura dos artigos 185.º, als. a) e d) e 186.º, al. d) da LGTFP, a violação de normas legais e a não observância de procedimentos pode dar origem a uma das duas sanções disciplinares: a suspensão ou a multa. A diferença entre a aplicação de uma ou outra reside na existência ou inexistência de prejuízo para o órgão, serviço ou terceiros. Face ao circunstancialismo apurado, e à fundamentação que é apresentada nas várias decisões proferidas, afigura-se existir factualidade relevante que não foi devidamente ponderada na medida e graduação da pena aplicada e que deveria ter sido. Conforme resulta dos autos, a primeira acusação reporta-se ao facto de o autor, enquanto Presidente do Conselho Administrativo do Agrupamento de Escolas de Valpaços, ter, juntamente com os restantes membros desse órgão, deliberado, ilegalmente, aprovar autorização de pagamento que teve por base fatura apresentada pela sociedade SICF, relativa a obras de remodelação das galerias entre blocos da Escola EB23 José dos Anjos em Carrazedo de Montenegro, originando cheque no valor de € 17 870,52, o qual nunca chegou a ser movimentado e acabou por ser anulado. Ora, afigura-se que não foi ponderado devidamente o facto de não ter existido qualquer pagamento efetivo. O cheque, como resulta dos autos, nunca foi descontado, tendo permanecido sempre no cofre da Escola. Por outro lado, o autor procurou, embora que tardiamente, regularizar a situação, o que veio a ocorrer a 13.04.2015, embora devesse ter ocorrido até 12.01.2015. A isto acresce que, como também é pacificamente aceite pelas partes, a verba destinada para o fim em causa (remoção e tratamento de placas de fibrocimento) teria que ser gasta em 2014, tendo apenas ficado disponível a verba quase no final desse ano. E repare-se que, como também resulta dos autos, o parecer favorável vinculativo para efeitos da Portaria n.º 53/2014, de 3 de março, apenas foi remetido ao Agrupamento de Escolas a 02.03.2015. Face a este concreto circunstancialismo, afigura-se desproporcional, no caso em apreço, a aplicação de pena disciplinar de suspensão face à primeira infração, que constitui a pena mais gravosa aplicada às três infrações. Portanto, embora o comportamento do autor não possa ser considerado justificado, conforme argumentado na p.i., afigura-se existirem circunstância, que militam a favor do autor, que não foram devidamente tomadas em consideração e que levaria a que a pena não pudesse ser de suspensão. No próprio relatório é feito constar que que se entende que as condutas infracionais em causa são de baixa gravidade, não se percebendo por que razão relativamente à primeira das infrações se propõe a pena de suspensão e não a pena de multa. E ponderadas as demais infrações, já que ao autor terá que ser aplicada uma sanção disciplinar única, não se afigura qualquer circunstância que permita justificar a aplicação de sanção de suspensão, por inexistir factualidade apurada nos autos disciplinares que possa ser subsumível a uma das alíneas do artigo 186.º da LGTFP.”. Vejamos. Não se acompanham os argumentos expendidos na sentença recorrida. Na relevância do disposto no nº 1 do artigo 219º da LGTFP, verifica-se que o artigo único da acusação foi acolhido no relatório final — o qual, por sua vez, integra os fundamentos do acto impugnado —, nele se explanando a existência material das faltas em questão, a sua qualificação e gravidade, a sanção disciplinar que se entendeu justa — cfr. facto 38) do probatório. No que vem posto em causa, e em termos sintéticos, verifica-se que o trabalhador visado, na qualidade de Presidente do Conselho Administrativo do AE de Valpaços e juntamente com os restantes membros daquele órgão, perante a necessidade de remover de fibrocimento de uma escola, e antes ainda de obtenção do parecer vinculativo do membro do Governo para proceder à celebração de contrato de prestação de serviço para a realização das obras de remoção do fibrocimento, deliberaram realizar o «Ajuste Directo nº 6/Escola/2014» com tal finalidade, sendo de 17.870,52€ o seu valor. A empresa escolhida (SICF), todavia, não celebrou contrato escrito (assinado pelo AE de Valpaços e entregue para assinatura à SICF, esta nunca o devolveu, assinado), e não iniciou as obras. Relativamente a essa empresa veio a ser publicado no CITIUS, em 19-03-2015, o anúncio da sua insolvência. Entretanto, a situação à data de 18-12-2014 era a de não ser utilizada, para o fim a que se destinava, a verba de 17.870,52€ e, aproximando-se o período de fecho de contas de 2014, a mesma constituiria parcela do Saldo da Gerência de 2014 do Agrupamento, sendo que, nos termos do Anexo VI à Circular da Direcção-Geral do Orçamento, Série A, nº 1375 da Execução Orçamental para o ano de 2014, teria de ser devolvida ao Estado. Ora, em vez dessa devolução, o trabalhador em causa, na referida qualidade de Presidente do Conselho Administrativo do AE, permitiu que esse Conselho deliberasse a «autorização de pagamento», de 29-12-2014, originando a emissão, à SICF, do cheque nº 7…..1, de 30-12-2014, da conta nº 08…..0, da Caixa Geral de Depósitos, no valor de 17.870,52€, por si assinado e pela Subdirectora do AE de Valpaços, sendo certo, todavia, que tal cheque não foi enviado à SICF, vindo mais tarde, em 13-04-2015, a ser anulado. Essa “autorização de pagamento” teve por base a factura nº 3133, apresentada pela SICF, datada de 19-12-2014, no valor de 17.870,52€, com a designação «Obras de remodelação de cobertura das galerias entre blocos na escola EB23 José dos Anjos em Carrazedo de Montenegro, Valpaços; Auto de Medição nº 1», a qual, embora sem data de entrada nas instalações do AE de Valpaços, ficou registada (nº 3129) nos seus livros contabilísticos, designadamente, Folha do Diário de Compromissos, Folha do Livro de Caixa, Folha do Conta-Correntes, Folha do Diário de Fluxos Financeiros e ainda no Balancete de Dezembro de 2014 de execução orçamental do ano de 2014. Como tal, ali se deixou exarado, em fundamentação, que o trabalhador, ora Recorrido, na qualidade de Presidente do Conselho Administrativo do AE de Valpaços, não verificou a legalidade da gestão financeira da escola, prevista na alínea c) do artigo 38º do Decreto-Lei nº 75/2008, de 22 de Abril, relativamente à aplicação da verba consignada ao Agrupamento para dar execução ao «Plano de Remoção do Fibrocimento-Galerias» na Escola EB José dos Anjos, Carrazedo de Montenegro, e “actuou com grave negligência ou com grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres funcionais e atentou gravemente contra a dignidade e o prestígio da função por ter violado os deveres gerais de prossecução do interesse público, de zelo e de lealdade previstos nas alíneas a), e) e g) do nº 2, e definidos nos nºs 3, 7 e 9 do artigo 73º da LGTFP, “comportamento esse punível nos termos do corpo do artigo 186º da LTFP, com a sanção disciplinar de Suspensão, sanção prevista na al. c) do nº 1 do artigo 180º da referida LTFP”. Consta do referido relatório final, no «Capítulo VI Medida e graduação da pena», designadamente, que “A pena disciplinar concreta resulta de uma ponderação dos critérios enunciados no artigo 189º da LTFP. A este propósito diremos que se tem presente, na formulação da pena constante do capítulo VII deste relatório, a responsabilidade do trabalhador por deter o cargo de Diretor e, por inerência, o de Presidente do CA do AE de Valpaços, sendo por conseguinte de se lhe exigir maior rigor no desempenho das suas funções em relação a outros trabalhadores do mesmo agrupamento e, no caso concreto, relativamente aos outros membros do CA e da direção do AE de Valpaços. A análise dos autos relativamente aos procedimentos do trabalhador, permite-nos concluir por culpa inegável, se atentarmos nas funções (e inerentes responsabilidades) de cúpula que exercia (e ainda exerce), em concreto, as de Diretor e Presidente do CA do AE de Valpaços.”. Por mais nobres os fins, quando não excludentes da ilicitude ou da culpabilidade, estes não podem justificar os meios traduzidos em condutas adoptadas em violação da juridicidade. Ora, foi até aceite (pág. 23 e 24 do Relatório) que, em todo o procedimento, o trabalhador esteve com a louvável intenção de dar execução às obras de remodelação em causa, visando a salvaguarda da saúde da população escolar. No entanto, a propósito da actuação de boa-fé por banda do trabalhador ora Recorrido, ali se exarou, com nossos sublinhados: “Ora os deveres de defesa da saúde da população escolar (…) são indiscutivelmente importantes já que os alunos, o pessoal docente e o pessoal não do0cente desta Escola têm o direito à preservação da saúde e a minimizar os riscos de atentado a mesma. Neste sentido entendemos a argumentação da peça de defesa. Mas já não podemos colher a alegação de que «nenhuma censura se lhe pode fazer», já que o objectivo da defesa da saúde da população em geral e da população escolar da Escola EB José dos Anjos, não podem justificar o emprego de quaisquer métodos, muito menos, não legalmente previstos, como os de utilizar a fatura nº 3133, da SICF, de 19.12.2014, fls. 243, sem data de entrada nas instalações do AE Valpaços e sem correspondência ao trabalho debitado na mesma, e assim dar origem a registos contabilísticos que não reflectem fielmente as operações materiais do AE de Valpaços. Ora o trabalhador poderia ter seguido a Lei e evitava o incumprimento normativo sem que tal conflituasse com a defesa do interesse público, defesa da saúde da população (…). O modo como agiu não preservou a legalidade da gestão financeira e não garantiu sequer a defesa da saúde da população em geral e da população escolar (…), como se prova com o facto de o amianto ainda não ter sido removido. (…)”. Assim, a decisividade que a sentença recorrida encontrou nos argumentos de que o referido cheque “nunca chegou a ser movimentado” e “não ter existido qualquer pagamento efectivo” cai pela diminuída relevância no âmbito dos factos e apreciação jus-disciplinar que sobre eles efectuou o ora Recorrente, pois, nem sequer o objectivo que alegadamente tal actuação à margem da lei pretendia prosseguir foi ou seria susceptível de ser alcançado. A regularização, tardia, da situação é mera reposição da legalidade que sempre se imporia. O argumento segundo o qual a verba em causa “teria que ser gasta em 2014” é argumento que não se compreende enquanto argumento da violação da proporcionalidade na medida da pena, em face das soluções legais, acima transcritas, para o tratamento da situação contabilística, as quais deveriam, essas sim, ter sido observadas e, como tal, do mesmo passo, irrelevando a questão do parecer vinculativo para efeitos da Portaria nº 53/2014, de 3 de Março, pois a montante sempre se imporia a prioritária observância da legalidade da gestão financeira da escola, prevista na alínea c) do artigo 38º do Decreto-Lei nº 75/2008, de 22 de Abril. Também não se verifica maior relevo à qualificação de baixa gravidade das condutas infraccionais em causa na acusação e na acusação adicional, utilizada que foi no quadro da dosimetria de censurabilidade em que foi cominada cada uma das condutas do trabalhador nas ditas acusações — suspensão e multa —, tendo cada uma delas, por tal motivo, sido fixadas em um terço do limite máximo da variação fixada na lei para as mesmas. (fls. 13 do relatório final). No mais, em sede das penas disciplinares o princípio da proporcionalidade postula a adequação da pena imposta à gravidade dos factos apurados, de molde a que a medida punitiva a aplicar seja aquela que, sendo idónea aos fins a atingir, se apresente como a menos gravosa para o arguido, em decorrência ou emanação também do princípio da intervenção mínima ligado ao princípio do "favor libertatis". Ademais, o trabalhador ora Recorrido foi punido disciplinarmente, como acima se transcreveu, pelo “comportamento (…) punível nos termos do corpo do artigo 186º da LTFP”, que não nos termos de uma das suas exemplificativas alíneas. Na sequência dos artigos 73º e 183º da LGTFP, que definem os deveres do trabalhador e o conceito de infracção disciplinar é a violação desses deveres que constitui infracção disciplinar. Nestes, a lei utiliza a técnica legislativa dos «exemplos padrão», que consiste na cumulação dum conceito aberto com uma série de exemplos que o concretizam e, dessa forma, delimitam. É uma técnica habitual e característica do direito disciplinar. Como diz Taipa de Carvalho (Direito Penal, 2.ª ed., 2008, p. 147), «o direito disciplinar utiliza, na definição das infracções disciplinares, a técnica da cláusula geral com enumeração exemplificativa, excepto no caso da menos grave das infracções disciplinares em que há apenas a cláusula geral». Tudo ponderado, dúvidas não se nos colocam de que, na concreta situação, vistos os factos apurados nos autos e os fundamentos do acto punitivo nos aspectos impugnados, deve proceder o fundamento de ilegalidade da decisão recorrida na parte impugnada, já que a violação ou desrespeito ao princípio da proporcionalidade por incorrecta escolha, definição ou aplicação da pena disciplinar ao caso mercê do facto ilícito dever ser sancionado com outra pena disciplinar, ao contrário da conclusão alcançada na decisão sob recurso, não se traduz ou integra ilegalidade por desrespeito ao princípio da proporcionalidade. Tendo presente a matéria de facto relevante para a ponderação e graduação da pena aplicada efectuada à luz dos juízos supra enunciados, as circunstâncias do caso, não se vislumbra qualquer realidade material na qual se possa fundar um juízo manifesto e de grosseira desproporcionalidade ou desadequação quanto à decisão disciplinar punitiva em apreciação. Procedem os fundamentos do recurso. Mantendo-se o decisório da sentença recorrida, pois subsiste, por não impugnado, outro motivo de anulabilidade do acto — “quanto ao artigo 3º da acusação adicional”, a fls. 37 da sentença —, revoga-se, todavia, a fundamentação quanto à questão supra apreciada que, assim, se substitui pela fundamentação acabada de expor. *** II.2.1. III.DECISÃO Termos em que os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte acordam em conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida quanto à questão apreciada, mantendo-se a decisão de anulação do acto, por via da verificação de outro vício cuja decisão não foi objecto de impugnação no presente recurso jurisdicional. Custas pelo Recorrido (artigo 527º do CPC). Notifique e D.N.. Porto, 26 de Janeiro de 2018 Ass. Hélder Vieira Ass. Fernanda Brandão Ass. Joaquim Cruzeiro |