Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00439/18.5BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/14/2020
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Helena Canelas
Descritores:CONTRAORDENAÇÃO – URBANISMO – VEDAÇÃO –FUNDAMENTAÇÃO – COIMA – ADMOESTAÇÃO
Sumário:I – A sentença que decide a impugnação da contraordenação deve na respetiva fundamentação conter os elementos referidos no nº 2 do artigo 374º do CPP, os quais, aliás, se mostram também enunciados no artigo 64º nºs 4 e 5 do RGCO.

II – Nos termos do disposto ma segunda parte da alínea a) do artigo 2º do RJUE (DL. nº 555/99), deve entender-se como «edificação» para efeitos daquele diploma qualquer construção “…que se incorpore no solo com caráter de permanência”.

III – Verificando-se o caráter inamovível da construção, aferida em função da insusceptibilidade da respetiva deslocação sem perda da sua individualidade construtiva, e permanência, aferida em função da sua natureza duradoura da sua incorporação no solo, estamos perante uma «edificação» nos termos do disposto na segunda parte da alínea a) do artigo 2º do RJUE.

IV – Se o legislador do RJUE (DL. nº 555/99) estabeleceu no leque das contraordenações coimas de mínimos e máximos mais baixos daqueles que estabelece para a contraordenação em causa, dificilmente se poderá concluir pela «reduzida gravidade da infração» para, ao abrigo do artigo 51º do RGCO, não se condenar em coima mas apenas em mera admoestação. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:D.F.R.S.R.
Recorrido 1:Ministério Público e outro
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO
D.F.R.S.R., (devidamente identificado nos autos) inconformado com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro datada de 04/06/2019 (fls. 164 SITAF) que julgou improcedente o Recurso de contraordenação que interpôs da aplicação de coima de 500,00 € nos autos de contraordenação n.º 116/2016/CO da Câmara Municipal de (...), com fundamento na prática da contraordenação prevista e punida nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 98.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, dela interpôs o presente recurso de apelação (fls. 164 SITAF) formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos:
1. A sentença de que ora se recorre julgou improcedente o recurso apresentado pelo ora Recorrente e manteve a decisão administrativa que aplicou a coima de 500,00€, por violação da alínea b) do n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 555/999, de 16 de Dezembro e, assim, na prática de uma contraordenação punida nos termos da alínea a) do n.º 1 e 4 do artigo 98.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro.
2. O Recorrente não concorda nem pode concordar com a decisão proferida pelo Douto Tribunal Administrativo e Fiscal, pelo que, vem da mesma interpor o presente Recurso.
3. O Recorrente entende que a Douta Sentença enferma de erro de julgamento que determina a sua alteração, impondo-se a modificação da Decisão.
4. O presente Recurso incide, assim, nos seguintes pontos: da falta e/ou insuficiência de fundamentação da Decisão administrativa; da incorreta subsunção dos factos ao Direito e da alegada culpa do Recorrente e da invocada inaplicabilidade da sanção de admoestação ao Recorrente.

5. Entende o Recorrente que a Douta Sentença não se encontra fundamentada ou suficientemente fundamentada, não cumprindo os requisitos legais que lhe são impostos.
6. Entende pois, o Recorrente, com todo o respeito, que Meritíssima Juiz a quo proferiu uma decisão ausente de fundamentação bastante, capaz de legitimar a condenação do Recorrente nos termos naquela constantes.
7. A Meritíssima Juiz a quo proferiu a seguinte decisão: “Pelo exposto, julgo improcedente o presente recurso, mantendo a decisão administrativa que aplicou a coima de €500,00, por violação da alínea b) do n.º 2, do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro e, assim, na prática de uma contraordenação punida nos termos da alínea a) do n.º 1 e 4 do artigo 98.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro.”.
8. Tal decisão, conforme supra mencionado, peca pela ausência e/ou insuficiência de fundamentação bastante que permita ao Recorrente convencer-se do vertido na mesma.
9. A Meritíssima Juiz a quo limita-se a apresentar uma argumentação vaga e pouco robusta do juízo de valor por si defendido.
10. Primeiramente, evidencie-se a falta de apreciação e valoração da prova testemunhal produzida no decurso da audiência de julgamento, mais concretamente, as declarações prestadas pelas testemunhas C.S.R. e A.S.R., arroladas pelo Recorrente.
11. O artigo 50.º, do Regime Geral das Contraordenações consagra o direito de audição e defesa do arguido, sendo que, esse direito de audição e defesa não se limita à possibilidade de o arguido ser ouvido no processo de contraordenação, abrangendo o direito de intervir neste, apresentando provas ou requerendo a realização de diligências que ache convenientes e adequadas à sua defesa.
12. O Recorrente apresentou em tempo e pelos meios corretos, a prova testemunhal e documental que pretendia ver apreciada e valorada nos presentes autos.
13. As testemunhas em referência relataram os factos do seu conhecimento, factos estes que evidenciaram a inexistência de fundamento bastante para a condenação do ora Recorrente nos termos expostos pela Meritíssima Juiz.
14. Porquanto, conforme referido pela testemunha C., foi este quem providenciou pela colocação da vedação no terreno em causa. Pois, naquele terreno a testemunha guardava alguma lenha proveniente da sua atividade profissional e algumas ovelhas que lá colocou também, por não ter outro local para o fazer. Assim, deu a saber que foi ele quem pediu ao Recorrente para que o deixar lá colocar a referida lenha e ovelhas. Porquanto, a testemunha também relatou que a ideia de colocar lá aquela vedação partiu de si. Pois, já antes de colocar lá as ovelhas e a lenha, o Recorrente lhe havia confidenciado algumas queixas em virtude de, constantemente, terceiros, colocarem lixo naquele terreno e de lhe furtarem coisas que lá depositava. Assim, a vedação foi colocada com o intuito de, para além de manter aquele local limpo, ficassem protegidos os animais e a lenha lá depositada. Acrescentou ainda que desconhecia a necessidade de obtenção de licença por estar em causa uma vedação irrelevante, sem caráter de permanência, de a mesma ter sido colocada antes do limite confinante com a via pública e de, o mesmo tipo de vedação ser utilizado pela restante vizinhança que também não procedeu a qualquer lincenciamento, o que veio a saber após o Recorrente lhe ter comunicado que lhe havia sido levantado um processo de contraordenação.
15. Também a testemunha Amaro Rocha, confirmou que a vedação foi colocada pela testemunha C. e referiu que desconhecia a necessidade de obtenção de licença por estar em causa uma vedação irrelevante, sem caráter de permanência, sendo até uma vedação dadas as suas caraterísticas, comummente utilizada na vizinhança e que ainda é facto querido por todos para a colocação da mesma não seria necessária qualquer licença.
16. Face à prova produzida em audiência de julgamento, nomeadamente, a prova testemunhal, a mesma não foi atendida pela Meritíssima Juiz e nem sequer mereceu qualquer comentário por parte desta, nomeadamente, para fundamentar a decisão de que ora se recorre.
17. O Recorrente entende que a prova testemunhal devia também ter sido escrutinada na douta decisão, o que não aconteceu.
18. Entende o Recorrente que a prova oferecida por si, nos presentes autos e em sua defesa, foi simplesmente desvalorizada.
19. A Meritíssima Juiz podia e devia ter-se pronunciado sobre as declarações prestadas pelas testemunhas, nem que fosse para retratar a razão pela qual as mesmas não serviram em benefício do Recorrente (se fosse esse o seu entendimento).
20. A Meritíssima Juiz a quo limitou-se às declarações do arguido, ora Recorrente, nomeadamente as prestadas em sede de impugnação.
21. Conforme defende o Prof. Gomes Canotilho (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, págs. 583), a necessidade de fundamentação dos actos decisórios assenta essencialmente em três razões: controlo da administração da justiça, exclusão do carácter voluntarístico e subjectivo do exercício da actividade jurisdicional e abertura do conhecimento da racionalidade e coerência argumentativa dos juízes e melhor estruturação dos eventuais recursos, permitindo às partes um recorte mais preciso e rigoroso dos vícios das decisões judiciais recorridas.
22. A necessidade de fundamentação possui várias finalidades, nomeadamente, a possibilidade da legalidade do ato decisório ser sindicado e ser passível de convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça.
23. Além disso, serve para obrigar a autoridade decisora a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando por isso como meio de autodisciplina (Neste sentido, v. Prof. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol. III, págs. 294).
24. A necessidade de fundamentar que se evoca aqui assenta no postulado legal que é o artigo 97.º, n.º 5 do Código de Processo Penal, ex vi do artigo 41.º do Regime Geral das Contraordenações, que prevê que: “Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.”.
25. A fundamentação de facto e de de direito apresentada é, com todo o respeito, deficiente.
26. O Recorrente não consegue vislumbrar as razões pelas quais foi condenado.
27. A Meritíssima Juiz não esclarece na douta sentença, de que modo chegou à conclusão de que haveria que ser dado como provado que o ora Recorrente (alegadamente) construiu uma vedação passível de integrar o conceito de operação urbanística, decorrente de uma edificação ou obra de construção e que, consequentemente, a mesma dependeria de licença prévia.
28. Ou seja, entende o Recorrente que era necessário a Meritíssima Juiz ter transmitido na douta sentença o raciocínio lógico que supostamente efetuou para dizer que o Recorrente não tinha razão, quando o mesmo referiu não estarem preenchidos os requisitos para que a vedação em causa constitua uma obra de construção.
29. O Recorrente alegou em sua defesa muito mais do que simplesmente referir que a vedação tinha caráter amovível.
30. A Meritíssima não fundamentou a douta decisão de modo a que, de acordo com critérios de normalidade de entendimento, o arguido, ora Recorrente, ao lê-la ficasse esclarecido e convencido da imputação que lhe é feita.
31. A decisão de que ora se recorre não contém os requisitos previstos no artigo 58.º do Regime Geral das Contraordenações, por tudo o que foi exposto, pelo que, está a mesma ferida de nulidade nos termos do artigo 379.º, n.º 1, al. a) e 374.º do Código de Processo Penal.
32. Entende também o Recorrente, que Meritíssima Juiz andou mal no que respeita à subsunção dos factos em análise ao Direito.
33. Conforme já foi alegado pelo Recorrente, quer em sede de impugnação, quer aquando da prestação de declarações em sede de audiência de julgamento, quer pela restante prova testemunhal produzida, a rede foi erguida junto ao limite da propriedade com o desígnio de proteger além da propriedade, a lenha cortada e empilhada, as ovelhas que lá foram colocadas e ainda, a evitar furtos.
34. No entender do ora Recorrente, a colocação da rede de vedação não constitui uma ‘’obra de urbanização’’ para efeitos do disposto no artigo 4.º, n.º 2, alínea b) do Regime Jurídico do Urbanismo e da Edificação, pois, trata-se de algo amovível e facilmente retirável, foi colocada com o propósito de proteger as ovelhas e o amontoado de lenha colocado pelo arguido em virtude de até à data não dispor de um espaço onde possa resguardar os seus animais e a referida madeira de intrusões e furtos como os que já sofreu.
35. Além de que, não se inclui também no conceito de ‘’edificação’’ para efeitos da alínea a) do n.º 2 do diploma legal acima referido, contrariamente ao que se alude na proposta de decisão.
36. Defende o ora Recorrente que a referida vedação não possui caráter permanente, pois, ainda que a vedação em causa se encontre ligada ao solo por intermédio de alguns esteios, a verdade é que não se incorpora no solo com caráter de permanência, pelo que, ao contrário do defendido na Douta sentença, nunca poderá ser considerada uma edificação/construção, revestindo caráter provisório.
37. A vedação em análise como já se referiu supra, é precária, composta por cerca de 40 metros de rede na sua extensão e cerca de quatro esteios em cimento e foi colocada pelas suas mãos, sem recurso a mecanismos de grande força, não tendo mais do que 2 metros de altura, não se verificando desrespeitado o disposto no artigo 9.º, n.º 1, alínea d) do Regulamento Municipal aplicável (publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 203, 16 de Outubro de 2015), contrariamente ao alegado na douta sentença.
38. É irrealizável dizer-se que a vedação em análise assume caráter de permanência no solo, porque efetivamente não o tem, sendo a mesma, muito facilmente retirável.
39. A referida vedação não caberá no concreto âmbito de aplicação do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação;
40. Não consta do elenco previsto no artigo 4.º do referido diploma o ato de colocação de uma rede de vedação, nomeadamente, com as caraterísticas da que ora se analisa.
41. A entender-se que a factualidade em causa cabe no âmbito de aplicação deste regime jurídico, sempre estaríamos perante uma obra de escassa relevância.
42. Entendendo o conceito de ‘’obra’’ como algo produzido pelo homem, sempre estaríamos perante uma obra que pela sua natureza se demonstra irrelevante, atrevemo-nos mesmo a dizer, insignificante.
43. Insignificante porque se trata de uma pequena obra, de cariz corriqueiro, que pode ser levada a cabo por qualquer pessoa, sem auxílio de mecanismos de força, com materiais de fácil apreensão e de duração temporária, e, sobretudo pela sua natureza amovível.
44. A colocação da rede de vedação pelo Recorrente não carecia de autorização de licenciamento, e, mesmo que se admitisse que estaríamos perante uma obra de escassa relevância, a mesma estaria isenta de controlo prévio nos termos do artigo 6.º, n.º 1, c) do Regime Jurídico de Urbanização e Edificação.
45. A Meritíssima Juiz a quo direciona ao Recorrente, na douta decisão de que se recorre, um juízo de culpabilidade que o mesmo não aceita e com o qual o mesmo não consegue concordar.
46. Ora, a Meritíssima Juiz a quo dá a entender que o Recorrente tinha a consciência de que havia a possibilidade de ser necessário solicitar uma licença para a colocação da vedação, o que não corresponde à realidade.
47. O Recorrente desconhecia a obrigatoriedade da obtenção de uma licença para a colocação de uma vedação daquela natureza. E referiu-o por diversas vezes. Até porque, não foi o Recorrente quem providenciou pela colocação da mencionada vedação, mas sim o seu tio, C. Rocha, que também prestou declarações no âmbito deste processo e que, conforme supra referiu também desconhecia tal obrigação, sendo esse também o entendimento da vizinhança o qual foi apurando já no decurso do processo de contraordenação.
48. É na sequência do alegado pela Meritíssima Juiz que esta vem negar a aplicação ao recorrente da sanção da admoestação prevista no artigo 51.º do Regime Geral das Contraordenações.
49. A Meritíssima Juiz refere na douta decisão que: “tendo em vista a gravidade da contraordenação, que decorre da importância do bem tutelado, bem como a culpa do Recorrente, é manifesta a inaplicabilidade da sanção de admoestação.”.
50. O Recorrente não pode concordar com o decidido.
51. Para que seja aplicável a medida da admoestação, é necessário que se verifiquem dois requisitos: a reduzida gravidade da infração e a reduzida culpa do agente.
52. No que respeita à culpa, é necessário efetuar-se um juízo de prognose e averiguar-se, se a infração em causa pode ser imputada ao Recorrente a título de dolo ou negligência.
53. Quanto ao dolo, o mesmo pode ser avaliado tendo em conta três graus: dolo direto, dolo eventual e dolo necessário.
54. É por demais evidente que a infração em causa nos autos nunca pode ser imputada ao Recorrente a título de dolo. Porquanto, não pode ser assacado ao Recorrente o conhecimento e vontade de realizar a conduta em referência, nomeadamente, a alegada violação do disposto na alínea b) do n.º 2, do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro.
55. O Recorrente nem sequer teve consciência de qualquer ilicitude, até porque, não tendo sido o mesmo a colocar a vedação, também tal vedação não pode ser considerada como uma obra carecida de licenciamento pelo que, nunca lhe podia ser imputada tal conduta nestes termos.
56. Nunca a infração em causa poderia ser imputada ao Recorrente a título de dolo.
57. A negligência funciona em dois níveis: a negligência grosseira e a negligência simples.
58. A negligência traduzir-se-á na violação de um dever de cuidado pelo agente da infração.
59. O Recorrente entende que, para além das questões por si levantadas quanto à impossibilidade de fazer subsumir os factos em causa à violação de uma norma legal, também esta alegada infração não lhe poderia ser imputada a título de negligência.
60. O Recorrente entende que não foi violado qualquer normativo legal e que o alegado pedido de licenciamento não lhe poderia ser exigido.
61. Não se olvide, o entendimento do homem médio, que ficou até bem subjacente na audiência de julgamento. Foi, pois, notório que, além do Recorrente e das testemunhas que prestaram declarações, também a maioria das pessoas, nomeadamente, os residentes na vizinhança do Recorrente, desconheciam a necessidade de licenciamento para a colocação de uma rede de vedação tão insignificante quanto aquela, e, evidenciaram também algum espanto, na medida em que, essas próprias pessoas possuem redes dessa natureza e/ou até mais reboscadas não tendo para o efeito qualquer licença.
62. Sem prescindir, mesmo que se entendesse que a infração em causa deveria ser imputada ao ora Recorrente a título de negligência sempre a mesma se caraterizaria por uma negligência simples e nunca, grosseira.
63. Isto porque, conforme entendimento do Ac. do STJ de 29-04-1998, permitimo-nos concluir que nunca estaria em causa a violação grave de um dever de cuidado e/ou a grave omissão de cautelas necessárias para evitar a realização do facto antijurídico, sendo que, sempre a atuação alegadamente exigida (o pedido de licenciamento) não se trataria de um facto evidente para qualquer pessoa.
64. Já no que respeita ao requisito da reduzida gravidade da contraordenação, importa salientar que, contrariamente ao alegado na douta sentença, não estamos perante uma infração cujo cunho é tutelar a segurança dos cidadãos.
65. A norma que se alega ter sido violada, pretende apenas ver cumpridas as normas legais e regulamentos que as reforçam criadas para urbanização e edificação, ou seja, fazer valer o poder administrativo.
66. Não é sequer plausível vir dizer-se que uma omissão de um pedido de licença por parte do Recorente colocou em causa a segurança dos cidadãos, pois, foi também a pensar na segurança das pessoas que a vedação foi colocada.
67. Aresce também que, contrariamente ao alegado na douta sentença quando se refere que ao Recorrente “era-lhe exigível que se tivesse dirigido aos Serviços da Câmara no sentido de obter a informação quanto a essa exigência e, assim, deveria ter providenciado no sentido de obter essa licença”, e, conforme já supra se referenciou, o homem médio, também não o teria feito.
68. A imputar-se ao Recorrente a prática de uma infração, os factos em causa não assumem relevância, e deles não resultou qualquer perigosidade ou dano para as pessoas, nem para o ambiente.
69. Sempre estaríamos perante uma infração cuja gravidade seria muito reduzida e cuja culpa do agente também seria ela própria bastante reduzida.
70. Deste modo, ainda que se admitisse a aplicação da infração em causa a título de negligência – que apenas poderia ser simples - , era de admitir a aplicação da sanção de admoestação ao Recorrente.
71. Atente-se ainda ao entendimento sufragado no Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 02/12/2015, processo n.º 531/15.8T8GRD.C1, disponível em http://www.dgsi.pt:
“A gravidade da contraordenação depende do bem ou interesse jurídico que a mesma visa tutelar e, ainda, do eventual benefício retirado pelo agente da prática daquela e do resultado ou prejuízo causado.
Além disso, a gravidade da contraordenação pode, também, depender ou aferir-se a partir diretamente da lei. É o caso, por exemplo, das contraordenações estradais em que o legislador as qualifica, em função da sua gravidade, como simples, graves e muito graves.
Pois bem, quanto à contraordenação ora em causa, o Decreto-Lei n.º 95/2011, de 21 de agosto não a qualifica pelo que há que analisar, no caso concreto, qual a sua gravidade.
Pois bem, não colocamos em causa que, no domínio da salvaguarda do património florestal, as contraordenações assumem, à partida, gravidade, uma vez que está em causa a preservação do ambiente.
No entanto, salvo o devido respeito, a gravidade de cada situação deve ser aferida em função, não só do modo de execução e da natureza dos deveres violados, mas também, e muito, das suas consequências.
Acontece que não decorre dos presentes autos, por força da infração detetada, que tenha acontecido qualquer dano efetivo, sendo certo que a decisão ora em crise reconhece que o respetivo grau de ilicitude deve ser reputado como normal, o que afasta uma dimensão acrescida daquela.
Mais, a execução dos trabalhos de corte e extração de material lenhoso, bem como a remoção dos sobrantes da exploração florestal em causa, decorreram com total normalidade, sem verificação de qualquer incidente à data de execução dos mesmos, pelo que nada existe que possa levar a pensar ser elevada a culpa do agente, sendo certo, também, que a arguida não apresenta qualquer condenação anterior”.
72. Porquanto, estão verificados os requisitos previstos no artigo 51.º, n.º 1 do Regime Geral das Contraordenações, razão pela qual, violou a Merítíssima o disposto naquele artigo.
73. Concluindo, decidindo como decidiu, a Meritíssima Juiz violou o disposto nos artigos 97.º, n.º 5 do Código Processo Penal e 41.º do Regime Geral das Contraordenações, 58.º do Regime Geral das Contraordenações, 379.º, n.º 1, al. a) e 374.º do Código de Processo Penal, 4.º, n.º 2, 5.º, 98.º, n.º 1, al. a), 2, 4 e 9, 2º, 6.º A do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, 50.º e 51.º do Regime Geral das Contraordenações.

O MINISTÉRIO PÚBLICO contra-alegou (fls. 217 SITAF), pugnando pela improcedência do recurso, com manutenção da decisão recorrida, formulando a final o seguinte quadro conclusivo, nos seguintes termos:
1.º O objecto do recurso, aferido à luz das conclusões formuladas pela recorrente, cinge-se à falta e/ou insuficiência de fundamentação da decisão administrativa; b) na incorrecta subsunção dos factos ao Direito; c) da alegada culpa do Recorrente e da invocada inaplicabilidade da sanção de admoestação o arguido.
2.º Mas, para além destes itens, constata-se que o arguido, em diversos pontos das suas conclusões, pretende atacar é o julgamento da matéria de facto feito neste Tribunal, quando o recurso interposto está limitado, por imperativo legal, a matéria de direito.
3.º É que em matéria de contraordenaçõeso recurso para o Tribunal Superior visa apenas matéria de Direito, como estatui o art. 75º, nº 1, do DL. n.º 433/82 de 27/10, em consonância com o art.º 66º do mesmo diploma.
4.º Daqui decorre que a sindicância da sentença quanto à decisão de facto apenas poderá ser feita no estrito domínio dos vícios enunciados no art.º 410º, n.ºs 2, do CPP, vícios estes, aliás, de conhecimento oficioso, a detectar unicamente pelo exame do texto da sentença recorrida, sem recurso a qualquer elemento exterior a esta, apenas fazendo uso das regras da experiência comum, sendo que, a este propósito, nada vem arguido pelo recorrente e afigura-se, efectivamente, feito o exame da sentença em apreço, que nada há que justifique qualquer reparo à douta decisão.
5.º E repita-se, ainda, que o arguido questione, abertamente, o quadro fáctico apurado na primeira instância (sem contudo qualquer razão) tal circunstância choca com o disposto no art.º 75º do RGCO, segundo o qual a 2ª instância «apenas conhece da matéria de direito».
6.º No âmbito do recurso contra-ordenacional, neste caso o TCA Norte funciona como tribunal de revista e apenas conhece da matéria de direito (art. 75º, n.º 1 do RGCO), pelo que o erro na apreciação da prova produzida e na fixação da matéria de facto provada e não provada não pode ser objecto de recurso para o Tribunal Superior.
7.º Consequentemente, sempre a matéria de facto fixada tem que considerar-se inalterável, sendo de rejeitar o recurso intentado a esse respeito.
8.º No que concerne à alegada falta e/ou insuficiência da decisão administrativa, na medida em que é entendimento do arguido que a sentença ora em crise enferma de nulidade por falta de fundamentação, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 379.º, n.º 1, a), e 374.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal, também a este propósito não tem qualquer razão.
9.º As disposições invocadas pelo arguido dizem respeito à sentença que condena ou absolve pela prática de um crime (e a ela se equipara a norma relativa à decisão de aplicação de uma coima - artigo 58.º do Regime Geral das Contra-Ordenações), não sendo aplicáveis a uma sentença que, como a recorrida, aprecia o recurso de uma decisão de aplicação de uma coima. O que é exigível no plano da fundamentação de uma sentença, como a recorrida, que aprecia um recurso de aplicação de uma coima, é que sejam analisadas as questões suscitadas na motivação desse recurso.
10.º Ora, a douta sentença recorrida analisou todas as questões suscitadas na motivação do recurso sobre que se debruçou (e nada há a apontar nesse respeito).
11.º E como resulta dos próprios termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 58 do Regime Geral das Contra-Ordenações, é necessário incluir na decisão a descrição factual e a indicação das normas violadas que contribuíram para a fixação da coima. Mas seguramente não exige «a enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal», que é exigida pelo art. 374.º, n.º 2, do C.P.P. para as sentenças proferidas em processo criminal.
12.º No caso em apreço, ao contrário do que diz o arguido, a sentença recorrida é exemplar no que se reporta à descrição factual (elenco de factos provados e não provados) e indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. E expõe, a mesma, de forma clara e lógica, os motivos que fundamentaram a condenação e o acerto da subsunção dos factos ao direito. Em suma: mostra-se a sentença ora posta em crise muito bem fundamentada.
13.º Em relação à alegada incorrecta subsunção dos factos ao Direito, afigura-se-nos ser por demais manifesta a insustentabilidade dos argumentos esgrimidos pelo arguido. Com efeito, na douta sentença faz-se um desenvolvimento assertivo sob o que se deve entender por obra de construção, nela se concluindo estar integrada a vedação composta por arame e segura por esteios de cimento implantados no solo, circunstância que lhe retira a qualidade da amovibilidade pretendida, e bem ainda no que respeita ao não enquadramento no conceito de obras de escassa relevância urbanística, na medida em que confina com a via pública.
14.º Constando da douta decisão recorrida toda a materialidade fáctica subjacente à contraordenação e bem ainda à caracterização e integração do elemento subjectivo, forçoso se torna concluir que bem andou a Exma Sr.ª Juiz ao manter a decisão administrativa nos seus exactos termos, condenando o arguido pela contraordenação em apreço.
15.º Por último, acertada se revelou a sua não opção pela admoestação, quer pela não verificação da reduzida gravidade da contraordenação, quer pela não verificação da reduzida gravidade da culpa.
16.º Assim, e pelo exposto, entendemos que bem andou a Mmª Juiz ao condenar o arguido pela prática da contraordenação em causa, mantendo a decisão administrativa, não merecendo tal decisão qualquer reparo, até porque fez a correcta interpretação e aplicação do direito.
*
Com dispensa de vistos, foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.
*
II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/das questões a decidir
O presente recurso, que vem interposto de sentença do Tribunal Administrativo de Circulo que julgou improcedente a impugnação da decisão de aplicação de coima no âmbito do processo de contraordenação, é admissível, sendo este Tribunal Central Administrativo do Norte, secção de contencioso administrativo, o material e territorialmente competente para dele conhecer.
Mas neste âmbito, regra geral, o Tribunal ad quem conhece apenas da matéria de direito (cfr. artigo 75º nº 1 do Regime Geral das Contraordenações– RGCO, aprovado pelo DL. n.º 433/82, de 27 de outubro), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, previstas no artigo 410º nºs 2 e 3 do Código de Processo Penal, nos termos do qual “…mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) erro notório na apreciação da prova”, podendo ainda o recurso ter como fundamento “…mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada”.
Cientes deste enquadramento, enfrentemos o recurso, tendo presente as respetivas conclusões.
*
III. FUNDAMENTAÇÃO

A – De facto

Pela Mmª Juíza a quo foi dada como provada a seguinte factualidade, assim vertida ipsis verbis na sentença recorrida:

A) Em 02.11.2016, foi levantado o seguinte auto de notícia por contraordenação: (…)
IDENTIFICAÇÃO DO INFRACTOR
D.R.R.
Residência: (…)
Concelho: (…)
LOCAL DA INFRACÇÃO
Local: (…)
Freguesa: (…)
DESCRIÇÃO DA INFRACÇÃO
Em visita ao local acima mencionado verifiquei que o infractor construiu de uma vedação à face da via pública em vigas de betão e rede metálica do tipo “Malha-Sol”, sem o respectivo alvará de licença de construção.
As obras executadas carecem de licenciamento e não podiam ser iniciadas sem a prévia emissão do competente alvará, nos termos do artigo 4º, 74º e 80º: do Decreto-Lei 555/99, de 16/12, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei 136/2014 de 9 de Setembro.
Os factos e comportamentos supra descritos constituem a contra-ordenação prevista na alínea a) do nº 1 do artigo 98º' do Decreto-Lei 555/99, de 16/12, com as alterações que lhe foram introduzdas pelo Decreto-Lei 136/2014 de 9 de Setembro, a qual é punível com coima graduada de € 500 até ao máximo de € 100 000, no caso de pessoa singular e de € 1 500 até € 250 000, no caso de pessoa colectiva.

(…) (cfr. fls. 1, do processo administrativo);

B) Em 16.12.2016, foi remetido um ofício ao Recorrente, dando-lhe conhecimento do auto de notícia acima identificado e para apresentar defesa escrita, fazendo-se aí menção ao processo de contraordenação n.º 116/2016/CO (cfr. fls. 3 e ss, do processo administrativo);
C) Em 09.01.2017, o Recorrente veio responder (cfr. fls. 7, do processo administrativo);
D) Em 05.02.2017, foi proferida decisão no processo de contraordenação a que respeita o auto de notícia identificado na alínea a), e onde o Recorrente foi condenado pela prática do ilícito de mera ordenação social previsto e sancionado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 98.º, do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, da qual se extrai o seguinte: “(…)

A - Dos factos
I- A Acusação
Da análise do processo acima referenciado, resulta, em síntese, que:
a) No dia 2 de Novembro de 2016 - cfr. Auto de notícia, foi realizada urna ação de fiscalização à Rua (...), freguesia de (...), pelo Sr. Fiscal J.C.R..
b) No dia 2/11/2016, o Sr. Fiscal verificou que o arguido procedeu à construção de urna vedação à face da via pública em vigas de betão e rede metálica do tipo “Malha-Sol", sem que tivesse sido emitido alvará de construção para o efeito.
c) O arguido não agiu com o devido cuidado a que estava vinculado, estando ciente que ao proceder ao aumento do muro de vedação cometia um ilícito contraordenacional.

ll- Contestação
Notificado nos termos e para os efeitos do disposto na artigo 50.º do D.L. 433/82, com a redação dada pelos 356/89 de 17/10, 244/95 de 14/9 e Lei 109/01, de 24/12, através do ofício n.º 13777 de 16-11-2016, o Arguido exerceu o seu direito de defesa, alegando em síntese o seu desconhecimento para a necessidade de licenciamento e que existia situações semelhantes no concelho e tem conhecimento que foram executadas sem licenciamento.

III- Prova documental e testemunhal:
Do arguido:
O arguido juntou quatro fotografias de prédios com vedações em malha sol e vigas de cimento.
DA CÂMARA MUNICIPAL:
Para prova dos factos constantes da acusação da presente decisão, a Câmara Municipal de (...), fundamentou a sua convicção tendo por base os factos vertidos no Auto de Noticia elaborado, e todas as informações prestadas no processo contraordenacional peia fiscalização municipal.

IV- Factos provados com interessa para a decisão:
Faca aos elementos recolhidos, é possível dar como provados seguintes factos:
a) No dia 2 de Novembro da 2016 - cfr. Auto de notícia, foi realizada uma ação de fiscalização à Rua (...), freguesia de (...), pelo Sr. Fiscal J.C.R..
b) No dia 2/11/2016, o Sr. Fiscal verificou que o arguido procedeu à construção de uma vedação à face da via pública em vigas da betão a rede metálica do tipo "'Malha-Sol", sem que tivesse sido emitido alvará de construção para o efeito.
c) O arguido foi notificado da instauração do presente processo contraordenacional através do ofício n.º 13777 de 16-12-2016 e exerceu o sou direito da defesa.
d) O arguido não apresentou pedido de licenciamento para a construção do muro do vedação à face da via pública em vigas do betão e rede metálica do tipo “Malha-Sol", sem estar municio do alvará da construção, cometia um ilícito contraordenacional.
o) O arguido violou o dever der cuidado a que estaria adstrito, pois previamente à construção do muro, deveria ter-se informado junto da câmara municipal de (...) da necessidade ou não de apresentar o pedido de licenciamento para as construções em causa.

B- Do Direito
III- Fundamentação de direito
1— Enquadramento jurídico
Ao arguido é imputada a prática da uma contraordenação p. e p. pelo artigo 98.º, n °1, alínea a) do D.L. 555/99 de 16/12, na sua redação atualizada sancionável com coima graduada de €500,00 a €100.000,00 por se tratar de pessoa singular, nos termos do n.° 2 da mesma disposição legal.
Nos termos do estipulado na alínea b) do n.° 2 do artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 555/99, de 16/12 com a redação atualizada (R.J.U.E.), estão sujeitas a licença administrativa as obras de construção, ampliação ou alteração em área abrangida por operação de loteamento.
O mesmo diploma legal contempla exceções que não se enquadram ao caso sub judice, porquanto o n.º 1 do artigo 6.º isenta de licenciamento ou autorização as obras de conservação, as obras de alteração no interior de edifícios não classificados ou suas frações que não impliquem modificações da estrutura resistente dos edifícios, das cérceas, das fachadas e da forma dos telhados e ainda os destaques referidos nos n.°s 4 e 5.
Por seu turno, decorra do estipulado no n.º 1 do artigo 80.° do R.J.U.E. que a execução de obras e trabalhos sujeitos a licença ou autorização só pode iniciar-se depois de emitido o respetivo alvará com exceção das situações referidas no artigo 81.° e salvo o disposto no artigo 113.º. O primeiro artigo mencionado regula a execução de demolições, escavações e contenção periférica e o segundo retracta o deferimento tácito, não sendo ambos por conseguinte aplicáveis ao caso em apreço.
Ora conforme ressalta da informação dos serviços de fiscalização, as obras descritas no auto de notícia, foram executadas sem que o arguido fosse portador da necessária autorização administrativa e competente alvará.
O arguido não apresentou junto da Câmara Municipal o pedido de licenciamento para construção do muro de vedação junto à via pública.
Ora, resulta dos factos provados que o arguido procedeu à construção do muro de vedação em vigas de betão e rede metálica do tipo "malha-sol” confinante com a via pública na Rua (...), freguesia de (...), executadas sem possuir a licença camarária e alvará de licença de construção.
Nos termos da alínea a) do art. 2° do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, atualmente, em vigor, considera-se obra de edificação e atividade ou o resultado da construção, reconstrução, ampliação, alteração ou conservação de um imóvel destinado a utilização humana, bem corno de qualquer outra construção que se incorpore no solo com caráter de permanência.

A jurisprudência do Tribunal Administrativo tem vindo a considerar obra de construção civil, o conjunto erigido pelo homem com quaisquer materiais reunidos e ligados artificialmente ao solo ou a um imóvel com carácter de permanência, com individualidade própria e distinta dos seus elementos – Ac. do Processo 0600/05 do STA datado de 14/2/2006 in www.dgsi.pt. Sendo ainda certo que todas estas construções (que não precisam de construir um edifício para estarem sujeitas a licença), são formas de intervenção humana sobre um terreno que podem designar-se, então, por obra de construção civil, quer pela sua finalidade, quer pelos materiais empregues.
Ora, a instauração do processo contraordenacional teve par base o auto da notícia levantado pelo Fiscal Municipal fazendo, portanto fé pública sobre os factos presenciados pelo autuante, até prova em contrário.
Constitui, portanto, prova legal se podendo ser contrariado por meio de prova que mostre não ser verdade o facto que dela for objeto (cf. Art. 347. do Código Civil).
Conforme reterem os Autores Antunes Varela / Miguel Bezerra / Sampaio e Nora (manual de processo Civil, Coimbra Editora, 1984, p. 457) sempre que assim seja para destruir a demonstração da existência do facto, feita através do elemento dotado de força probatória plena, não basta a contraprova, não chega a neutralização da prova efetuada. É necessário a prova do contrário.
Não basta criar no espírito do julgador a dúvida sobre a existência do facto, tornando o facto subjetivamente incerto. É essencial convencer o julgador da existência do facto contrário.
Ora, resulta dos factos provados que o arguido procedeu ao aumento do muro de vedação construção do muro de vedação em vigas de betão e rede metálica do tipo "malha-sol" confinante com a via pública na Rua (...), freguesia de (...) executadas sem possuir a licença camarária e alvará de licença de construção.
A operação urbanística não se enquadra no estipulado nos artigos 81.º e 113.º.
Os factos provados integram, assim, a prática por parte do arguido da contraordenação prevista nas supra identificadas disposições legais e punível com coima graduada de € 500,00 a € 100.000,00.
(…)
Ora, a verdade é que o arguido procedeu construção do muro de vedação em vigas de betão e rede metálica do tipo "malha-sol” confinante com a via pública na Rua (...), freguesia de (...), sem alvará de construção e até aos dias de hoje não tentou regularizar a situação.
Assim, torna-se necessário, para além do fim dissuasor, reprovar este tipo de condutas, sobretudo numa época em que e preocupação geral a defesa dos valores urbanísticos e de ordenamento do território.

Da imputação subjetiva
Na apreciação do grau de culpa com que a arguido atuou_ entendida aquela enquanto elemento da imputação subjetiva ao agente, tem de considerar-se a atuação do arguido doloso pois, apesar de ter conhecimento de que nunca se pode iniciar e execução de quaisquer obras sem a prévia licença, não se coibiu de o fazer.
Não apresentou elementos que permitam atenuar ou excluir a sua culpa.
O arguido agiu assim com intenção ou vontade consciente a livre da realizar o facto ilícito aceitando-o como consequência direta da sua conduta.
No que respeita à situação económica do arguido, não foi possível apurar a mesma.
Finalmente, e no que toca ao benefício retirado pelo arguido com a prática da infração, o apuramento deste benefício deverá ser feito tendo em conta a natureza da contraordenação cometida e o apuramento das circunstâncias que rodearam a sua prática entendendo-se por benefício económico todo o proveito económico que não ocorreria no património do agente se este tivesse adotado a conduta que o ordenamento lhe impunha.
Assim sendo, no caso em apreço, existiu de facto algum benefício económico, consubstanciado, pelo menos no montante não pago a título de taxas com vista a obtenção do alvará de autorização construção, na utilidade que retira das obras de alteração, no enriquecimento do seu património, uma vez que apesar de a construção ainda ser ilegal, as obras não deixam de representar uma mais-valia na esfera do arguido.
IV- Proposta de Decisão
Face ao supra exposto, é nosso entendimento que deve o arguido ser condenado:
A) Pela prática da contraordenação p. e p. nos termos do artigo 98.º, n.º1, alínea a) do DL 555/99 de 16/12, na sua redação atualizada, na coima de € 500,00 (quinhentos euros):
B) ao pagamento das custas do processo, no montante de € 40,00 (quarenta euros), nos termos do disposto nos artigos 92.º e 94.º do DL 433/82, de 27/10, correspondente a encargos com comunicações, nomeadamente com as notificações efectuadas.
(…) (cfr. fls. 23 e ss, do processo administrativo);

E) O Recorrente, à data do auto de notícia, permitiu a construção no terreno de que é comproprietário, de uma vedação composta por rede de arame e segura por esteios em cimento implantados no solo;
F) O Recorrente não apresentou o pedido de licenciamento para a construção da referida vedação;
G) A vedação em causa confina com a via pública;
H) O Recorrente não sabia que a construção daquela vedação estava sujeita a licenciamento prévio, não tendo diligenciado, junto de vizinhos ou dos serviços da Câmara Municipal, na obtenção dessa informação.

E elencou como factos não provados, que:
1.º O Recorrente diligenciou, junto de vizinhos, na obtenção de informação sobre a necessidade de licenciamento prévio daquela construção.
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B – De direito

1. Da decisão recorrida
Pela sentença recorrida a Mmª Juíza do Tribunal a quo julgou improcedente o recurso de contraordenação, mantendo a decisão administrativa que aplicou ao recorrente a coima de 500,00€, na prática de uma contraordenação punida nos termos da alínea a) do n.º 1 e 4 do artigo 98.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, por violação da alínea b) do n.º 2, do artigo 4.º do mesmo diploma.

2. Da análise dos fundamentos do recurso
2.1 O recorrente invoca desde logo que a sentença recorrida está ferida de nulidade nos termos do artigo 379º nº 1 alínea a) e 374º do Código de Processo Penal sustenta, por não se encontrar suficientemente fundamentada, não cumprindo os requisitos previstos no artigo 58º do Regime Geral das Contraordenações, sustentando que a necessidade de fundamentar assenta no postulado legal que é o artigo 97º nº 5 do Código de Processo Penal, ex vi do artigo 41.º do Regime Geral das Contraordenações, que prevê que “Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.”. Alega para tanto, em suma, que argumentação é vaga e pouco robusta do juízo de valor por si defendido; que não fez apreciação e valoração da prova testemunhal produzida no decurso da audiência de julgamento, nem esta foi atendida; que a Mmª Juíza não esclarece na sentença de que modo chegou à conclusão de que haveria que ser dado como provado que o Recorrente (alegadamente) construiu uma vedação passível de integrar o conceito de operação urbanística, decorrente de uma edificação ou obra de construção e que, consequentemente, a mesma dependeria de licença prévia; que era necessário que a Mmª Juíza tivesse transmitido na sentença o raciocínio lógico que supostamente efetuou para dizer que o Recorrente não tinha razão, quando o mesmo referiu não estarem preenchidos os requisitos para que a vedação em causa constitua uma obra de construção; que a Mmª Juíza não fundamentou a douta decisão de modo a que, de acordo com critérios de normalidade de entendimento, o arguido, ora Recorrente, ao lê-la, ficasse esclarecido e convencido da imputação que lhe é feita, tal não sucedendo - (vide, designadamente, conclusões 5ª a 31º das alegações de recurso).
Vejamos.
2.1.1 O Regime Geral das Contraordenações(RGCO), aprovado pelo DL. nº 433/82, de 27 de outubro, estabelece no seu artigo 58º, a respeito da decisão condenatória proferida pela entidade administrativa, o seguinte:
“Artigo 58.º
Decisão condenatória
1 - A decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter:
a) A identificação dos arguidos;
b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas;
c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão;
d) A coima e as sanções acessórias.
2 - Da decisão deve ainda constar a informação de que:
a) A condenação se torna definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada nos termos do artigo 59.º;
b) Em caso de impugnação judicial, o tribunal pode decidir mediante audiência ou, caso o arguido e o Ministério Público não se oponham, mediante simples despacho.
3 - A decisão conterá ainda:
a) A ordem de pagamento da coima no prazo máximo de 10 dias após o carácter definitivo ou o trânsito em julgado da decisão;
b) A indicação de que em caso de impossibilidade de pagamento tempestivo deve comunicar o facto por escrito à autoridade que aplicou a coima.”

Trata-se, como é bom de ver, de exigências reportadas à decisão administrativa condenatória, que se traduza, assim, na aplicação de uma coima ou de sanções acessórias.
Se dessa decisão administrativa for deduzida impugnação judicial (cfr. artigo 59º RGCO), através do respetivo recurso para o Tribunal competente, este haverá de proferir decisão (se não houver fundamento para rejeição liminar – cfr. artigo 63º RGCO).
A esta se refere o artigo 64º do RGCO, dispondo o seguinte:
“Artigo 64.º
Decisão por despacho judicial

1 - O juiz decidirá do caso mediante audiência de julgamento ou através de simples despacho.
2 - O juiz decide por despacho quando não considere necessária a audiência de julgamento e o arguido ou o Ministério Público não se oponham.
3 - O despacho pode ordenar o arquivamento do processo, absolver o arguido ou manter ou alterar a condenação.
4 - Em caso de manutenção ou alteração da condenação deve o juiz fundamentar a sua decisão, tanto no que concerne aos factos como ao direito aplicado e às circunstâncias que determinaram a medida da sanção.
5 - Em caso de absolvição deverá o juiz indicar porque não considera provados os factos ou porque não constituem uma contraordenação.”

Assim, e no que respeita à sentença judicial que decide o recurso da decisão administrativa que em processo de contraordenação aplicou coima ou sanções acessórias, se a sentença foi absolutória, dela devem constar as razões porque não se consideram provados os factos ou porque os mesmos não constituem uma contraordenação (cfr. artigo 64º nº 5 RGCO). E se a sentença for condenatória, designadamente por manter a coima aplicada pela entidade administrativa, deve nela fundamentar-se a decisão, tanto no que concerne aos factos como ao direito aplicado e às circunstâncias que determinaram a medida da sanção (cfr. artigo 64º nº 4 RGCO).
Assim, a decisão judicial que recaia sobre a impugnação de decisão administrativa proferida no âmbito de processo de contraordenação está sujeita ao dever de fundamentação, devendo observar os requisitos previsto no artigo 64º nº 4 e 5 do RGCO conforme seja condenatória ou absolutória.
Lembre-se, ademais, que de acordo com o comando constitucional inserto no artigo 205º nº 1 da Constituição da República Portuguesa “…as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.
Simultaneamente, por efeito da remissão operada pelo artigo 41º nº 1 do RGCO, nos termos do qual “…sempre que o contrário não resulte deste diploma, são aplicáveis, devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal”, há também que convocar, quanto ao dever de fundamentação da sentença proferida no âmbito da impugnação judicial de decisão condenatória proferida no âmbito de processo de contraordenação, o disposto no artigo 97º nº 5 do Código de Processo Penal (CPP), aprovado pelo DL. nº 78/87, de 17 de fevereiro, onde também se estabelece que os atos decisórios dos juízes são “…sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”, bem como o disposto nos artigos 374º e 379º do mesmo Código, mormente no que respeita às exigências de fundamentação da sentença e respetivas causas de nulidade, por falta ou insuficiente fundamentação.
Assim, nos termos do disposto no artigo 374º nº 2 do CPP na fundamentação da sentença deve constar a “…enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.
Cominando o artigo 379º nº 1 alínea a) do CPP com nulidade a sentença de onde não constem aquelas menções.
E não obstante as reservas reiteradamente manifestadas quanto à aplicação, tout court, dos requisitos da sentença penal previstos no Código de Processo Penal, à sentença em processo de contraordenação, na medida em que nesta não está em causa uma condenação pela prática de um crime, mas apenas a condenação por um ilícito de mera ordenação social (vide, entre outros, Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, inContra-Ordenações – Anotações ao Regime Geral”, Almedina, 2011, pág. 502, e António Beça Pereira in, “Regime Geral das Contraordenaçõese Coimas”, Almedina, 12ª Edição, 2017), é consensual, e deve efetivamente assim entender-se, que a sentença que decide a impugnação da contraordenação deve na respetiva fundamentação, sob pena de nulidade, nos termos do artigo 379º nº 1 alínea a) do CPP, conter os elementos referidos no nº 2 do artigo 374º do CPP, os quais, aliás, se mostram também enunciados no artigo 64º nºs 4 e 5 do RGCO.
2.1.2 Isto dito, vejamos agora se, no caso, a sentença recorrida padece de nulidade por falta ou insuficiente fundamentação que lhe vem invocada pelo recorrente.
2.1.3 Percorrendo a sentença recorrida consta-se com imediata clareza que nela foram elencados os factos que a Mmª Juíza a quo considerou como provados e aqueles que deu como não provados.
Sendo que nela foi também externada a motivação daquele julgamento factual, que foi assim ali vertida: «A matéria de facto dada como assente nos presentes autos foi a considerada relevante para a decisão da causa controvertida, segundo as várias soluções plausíveis das questões de direito, sendo que, inexistem factos não provados considerados relevantes para a decisão. A formação da nossa convicção para efeitos da fundamentação dos factos atrás dados como provados, teve por base os documentos que constituem o processo administrativo, bem como o teor das declarações que constituem as alegações apresentadas pelo Recorrente, no processo administrativo, bem como no presente recurso de contraordenação, nos documentos juntos, e ainda pelos depoimentos prestados pelo Recorrente e pelas testemunhas em sede de audiência final, no que respeita aos factos indicados nas alíneas e) a h)).»
Bem como, e ainda, resulta que ao proceder-se nela à apreciação dos fundamentos da impugnação da decisão administrativa que aplicou a coima ao recorrente, a sentença teve em consideração os factos apurados e os normativos convocados, explicitando nela porque razões, de facto e de direito, considerou praticada a infração, e justificada a aplicação da coima pelo mínimo legal, como sucedeu.
2.1.4 O discurso judiciário vertido na sentença mostra-se, pois, fundamentado nos termos legalmente exigidos, assegurando as finalidades da fundamentação das decisões judiciais.
Não colhe, pois, o recurso nesta parte, não se verificando a invocada nulidade da sentença.
2.2 O recorrente sustenta, também, que a Mmª Juíza andou mal no que respeita à subsunção dos factos em análise ao Direito, defendendo que colocação da rede de vedação não constitui uma ‘’obra de urbanização’’ para efeitos do disposto no artigo 4.º, n.º 2, alínea b) do Regime Jurídico do Urbanismo e da Edificação, por não possui caráter permanente, antes se tratando de algo amovível e facilmente retirável, não se incluindo assim no conceito de ‘’edificação’’ para aqueles efeitos, nem constando do elenco previsto no artigo 4.º o ato de colocação de uma rede de vedação, nomeadamente, com as caraterísticas da que está aqui em causa; que assim a colocação da rede de vedação não carecia de autorização de licenciamento, e que mesmo que tal se admitisse, sempre se trataria de uma obra de escassa relevância, e por tal razão isenta de controlo prévio nos termos do artigo 6.º, n.º 1, c) do Regime Jurídico de Urbanização e Edificação - (vide conclusões 32ª a 44ª das alegações de recurso).
2.2.1 A invocação assim feita pelo recorrente reconduz-se a aferir se o Tribunal a quo andou bem, ou se pelo contrário incorreu em erro de julgamento, ao considerar verificada a infração que justificou a coima aplicada pela entidade administrativa.
Vejamos, então.
2.2.2 Resulta do probatório que pela decisão proferida no identificado processo de contraordenação, datada de 05/02/2017, foi o recorrente condenado pela prática do ilícito de mera ordenação social previsto e sancionado na alínea a) do n.º 1 do artigo 98º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro (vide D) do probatório).
Isto com o pressuposto de que a colocação da vedação à face da via pública em vigas de betão e rede metálica tipo «malha-sol» no terreno identificado, não podia ter sido efetuada sem prévia emissão da respetiva licença nos termos dos artigos 4º nº 2 alínea c) e 80 nº 1 do DL. nº 555/99, por a obra levada a cabo ser subsumível no conceito de «obra de edificação» constante do artigo 2º alínea a) do DL. nº 555/99, enquanto «construção incorporada no solo com caracter de permanência».
2.2.3 O artigo 2º alínea a) do DL. nº 555/99, de 16 de dezembro (diploma que, como é sabido, aprovou o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação - RJUE) define efetivamente, para efeitos daquele diploma (RJUE) como «Edificação» para além da “… atividade ou o resultado da construção, reconstrução, ampliação, alteração ou conservação de um imóvel destinado a utilização humana” também “…qualquer outra construção que se incorpore no solo com caráter de permanência”.
Por sua vez o artigo 4º nº 2 alínea c) do DL. nº 555/99 submetia a licença administrativa ou a comunicação prévia as “…obras de construção, de alteração ou de ampliação em área não abrangida por operação de loteamento ou por plano de pormenor”.
Fazendo o artigo 80º nº 1 do mesmo diploma depender a execução “…das obras e trabalhos sujeitos a licença nos termos do presente diploma” da emissão do respetivo alvará, exceto nos casos do artigo 113º.
Estatuindo a norma do artigo 98º nº 1 alínea a) do DL. nº 555/99, de 16 de dezembro que “…sem prejuízo da responsabilidade civil, criminal ou disciplinar, são puníveis como contraordenação: (…) a realização de quaisquer operações urbanísticas sujeitas a prévio licenciamento sem o respetivo alvará de licenciamento, exceto nos casos previstos nos artigos 81.º e 113.º”, a qual é punível “…com coima graduada de (euro) 500 até ao máximo de (euro) 200 000, no caso de pessoa singular, e de (euro) 1500 até (euro) 450 000, no caso de pessoa coletiva” (nº 4).
Esta é, por conseguinte, a norma punitiva, a qual tem como pressuposto que a tenha sido levada a cabo operação urbanística sujeita a prévio licenciamento.
2.2.4 A sentença recorrida entendeu que ao contrário do sustentado pelo recorrente, a construção daquela vedação, composta por rede de arame e segura por esteios em cimento implantados no solo, por confinar com a via pública, estava sujeita a licenciamento, e que, assim, se verificava a prática da contraordenação.
2.2.5 O recorrente não se conforma e reitera que a colocação da rede de vedação não constitui uma ‘’obra de urbanização’’ para efeitos do disposto no artigo 4.º, n.º 2, alínea b) do DL. nº 555/99, por não possuir caráter permanente, antes se tratando de algo amovível e facilmente retirável, não se incluindo assim no conceito de ‘’edificação’’ para aqueles efeitos.
Não lhe assiste razão.
2.2.6 A propósito do artigo 2º do DL. nº 555/99, Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves, Dulce Lopes e Fernanda Maças, in, “Regime Jurídico da Urbanização e Edificação – Comentado”, Almedina, 2012, 3.ª edição, pág. 46 dizem, desde logo, o seguinte: Uma leitura atenta a cada uma das alíneas deste normativo pode conduzir a algumas criticas aos conceitos a elas subjacentes. Do ponto de vista técnico e lógico, a noção de obras de edificação não coincide com a de obras de construção, sendo mais restrita do que esta. Enquanto aquelas dizem respeito a todas as obras relativas a edifícios, estas correspondem a todos os conjuntos erigidos pelo homem, com quaisquer materiais reunidos e ligados artificialmente ao solo ou a um imóvel com carácter de permanência, com individualidade própria e distinta dos seus elementos. Daqui pode concluir-se que se toda a edificação é uma construção, nem toda a construção se traduz necessariamente numa edificação (…). No entanto, ao contrário do que seria normal, o presente diploma utiliza o termo «edificação» como tendo um sentido mais amplo que o de construção, fazendo integrar nele não só as construções relativas a edifícios, mas todas as construções que se incorporem no solo com carácter de permanência (…).
No caso presente está precisamente a interpretação a dar à segunda parte da alínea a) do artigo 2º do RJUE, quando ali se considera, para efeitos daquele diploma, lembre-se, que deve entender-se como «edificação» “…qualquer outra construção que se incorpore no solo com caráter de permanência”.
A norma reporta-se, assim, a uma construção, qualquer uma, cuja incorporação no solo assuma caráter de permanência.
2.2.7 Como é referido no acórdão do TCA Sul de 08/11/2012, Proc. nº 08753/12, in, www.dgsi.pt/jtcaTanto a doutrina como a jurisprudência têm entendido que estamos perante uma obra de construção civil quando a construção em questão esteja ligada ao solo, ou a edifício pré-existente e que tenha o carácter de permanência.
Assim, pode definir-se obra de construção civil como “o conjunto erigido pelo homem com quaisquer materiais, reunidos ou ligados artificialmente ao solo ou a um imóvel com carácter de permanência, com individualidade própria e distinta dos seus elementos” – cfr. ANTÓNIO PEREIRA DA COSTA in REGIME JURIDICO DO LICENCIAMENTO DE OBRAS PARTICULARES, Anotado, Coimbra, 1993, pag. 25. No mesmo sentido pode ler-se em CUNHA GONÇALVES, em anotação ao artigo 2324 do Código Civil de 1867. “Tudo o mais que por acção do homem se ergue no solo, feito com materiais de alvenaria, pedra, ferro, madeira, etc… é simplesmente construção”. Acompanhando esta orientação o STA, no seu Acórdão de 8 de Novembro de 2007, in Proc. nº 0160/07, entendeu não estarem sujeitas a licenciamento as obras de carácter transitório ou amovíveis e sustentou que, para os trabalhos humanos de construção serem licenciáveis, é necessário que a obra esteja fixada ao solo ou a construção pré-existente como um conjunto holistico com carácter de permanência ainda que possam ser retiradas , ou substituídas, desconsiderando a natureza e a composição de algum dos seus elementos.
2.2.8 Na linguagem comum «permanente» é um adjetivo que caracteriza algo que permanece, que é duradouro, estável, constante ou inalterável.
Já o conceito de «amovível» que o recorrente propugna caracterizar a vedação instalada, convoca a ideia de temporário ou transitório, do que é passível de ser deslocável, afastado ou transferido.
2.2.9 Ora, no contexto do normativo inserto no artigo 2º alínea a) do RJUE só se quando se constate que a construção é passível de ser removida como um todo, mantendo a sua integralidade, é que poderá dizer-se que não se verifica incorporação no solo com caráter de permanência.
Ao contrário, verificando-se inamovibilidade, aferida em função da insusceptibilidade de deslocação da construção sem perda da sua individualidade construtiva, e permanência, aferida em função da sua natureza duradoura da sua incorporação no solo, estamos perante uma «edificação» nos termos do disposto na segunda parte da alínea a) do artigo 2º do RJUE.
2.2.10 E isso é o que sucede no caso, já que foi colocada no identificado terreno uma vedação em vigas de betão, incorporadas no solo, com rede metálica tipo «malha-sol», tratando-se de uma vedação que delimita o terreno com a via pública e visa simultaneamente, como explicita o recorrente, impedir o acesso de terceiros ao seu interior.
2.2.11 Naturalmente aquela vedação pode ser retirada. Mas essa tarefa só será conseguida com o seu desmantelamento, através da separação dos elementos que agora a compõem, no seu todo, e extração, uma a uma, das vigas de betão que se encontram enfiadas no solo, algumas delas por intermédio de alguns esteios, como refere o recorrente.
2.2.12 Aqui chegados, e por tudo o visto, tem, pois, que concluir-se que a vedação aqui em causa consubstancia uma «edificação» nos termos do disposto na segunda parte da alínea a) do artigo 2º do RJUE, não colhendo, nesta parte, a tese do recorrente.
2.2.13 E também não procede o argumento do recorrente no sentido de que mesmo que fosse de enquadrar a vedação na situação prevista na alínea a) do nº 1 do RJUE se estaria perante uma obra de escassa relevância urbanística, e por conseguinte, por tal razão, isenta de controlo prévio nos termos do artigo 6º nº 1 c) do RJUE.
2.2.14 O artigo 6º nº 1 do RJUE isenta de controlo prévio, entre outras, as “…obras de escassa relevância urbanística” (alínea c)).
Por sua vez o artigo 6º-A do RJUE elenca do seguinte modo, no seu nº 1, as obras que devem ser consideradas de escassa relevância urbanística para aqueles efeitos:
a) As edificações, contíguas ou não, ao edifício principal com altura não superior a 2,2 m ou, em alternativa, à cércea do rés do chão do edifício principal com área igual ou inferior a 10 m2 e que não confinem com a via pública;
b) A edificação de muros de vedação até 1,8 m de altura que não confinem com a via pública e de muros de suporte de terras até uma altura de 2 m ou que não alterem significativamente a topografia dos terrenos existentes;
c) A edificação de estufas de jardim com altura inferior a 3 m e área igual ou inferior a 20 m2;
d) As pequenas obras de arranjo e melhoramento da área envolvente das edificações que não afetem área do domínio público;
e) A edificação de equipamento lúdico ou de lazer associado a edificação principal com área inferior à desta última;
f) A demolição das edificações referidas nas alíneas anteriores;
g) A instalação de painéis solares fotovoltaicos ou geradores eólicos associada a edificação principal, para produção de energias renováveis, incluindo de microprodução, que não excedam, no primeiro caso, a área de cobertura da edificação e a cércea desta em 1 m de altura, e, no segundo, a cércea da mesma em 4 m e que o equipamento gerador não tenha raio superior a 1,5 m, bem como de coletores solares térmicos para aquecimento de águas sanitárias que não excedam os limites previstos para os painéis solares fotovoltaicos;
h) A substituição dos materiais de revestimento exterior ou de cobertura ou telhado por outros que, conferindo acabamento exterior idêntico ao original, promovam a eficiência energética;
i) Outras obras, como tal qualificadas em regulamento municipal.”

2.2.15 A vedação em causa nos autos não se subsume, como é bom de ver, em qualquer das hipóteses contempladas nas alíneas a) a h) daquele nº 1 do artigo 6º-A do RJUE. Sendo certo que independente da altura da vedação, a circunstância de a mesma confinar com a via pública impede desde logo que o recorrente se possa socorrer da alínea b).
Pelo que em face da remissão contida na alínea i) daquele nº 1 do artigo 6º-A sempre haveria que descortinar se existia previsão normativa em regulamento municipal que qualificasse outras obras como de escassa relevância urbanística, isentando-as, assim, de controlo prévio.
2.2.16 A sentença recorrida fez essa averiguação, e perscrutando o Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação do MUNICÍPIO DE (...) (publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 203, 16 de Outubro de 2015), em particular o seu artigo 9º nº 1 alínea d), onde se dispõe que “…para efeitos do disposto na alínea i) do n.º 1 e n.º 3 do artigo 6.º- A do RJUE, são consideradas de escassa relevância urbanística as seguintes obras: (…) … a edificação de muros de vedação, de suporte de terras ou outras vedações, não confinantes com a via ou espaço público até 2,00 m de altura a contar da cota mais baixa dos terrenos, desde que não alterem significativamente a topografia dos terrenos existentes”, concluiu que a situação dos autos também não se enquadrava naquele normativo.
2.2.17 Essa conclusão está correta na medida em que, novamente, e independentemente da altura da vedação, a circunstância de a mesma confinar com a via pública impede desde logo que o recorrente se possa dela socorrer.
2.2.18 Aqui chegados, tem que concluir-se encontrar-se preenchido o tipo legal de infração que conduziu à aplicação da coima. Falecendo, pois, também nesta parte o recurso.
2.3 Mas o recorrente sustenta também, por último, que a Mmª Juíza errou ao negar a aplicação, em substituição da coima, da mera sanção da admoestação prevista no artigo 51.º do RGCO, defendendo que os dois requisitos a tanto necessários, a reduzida gravidade da infração e a reduzida culpa do agente, se verificavam.
Vejamos.
2.3.1 O artigo 98º do RJUE (DL. nº 555/99) pune a contraordenação prevista na alínea a) do seu nº 1 com “com coima graduada de (euro) 500 até ao máximo de (euro) 200 000, no caso de pessoa singular, e de (euro) 1500 até (euro) 450 000, no caso de pessoa coletiva”.
E foi precisamente pelo mínimo legal de 500,00 € que a coima foi aplicada pela entidade administrativa e confirmada pela Mmª Juíza a quo.
Todavia, nos termos do disposto no artigo 51º do RGCO “…quando a reduzida gravidade da infração e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação” (nº 1).
2.3.2 Sobre a aplicação da sanção de mera admoestação a que se refere este artigo 51º do RGCO pronunciou-se o acórdão de uniformização de jurisprudência do STJ, de 26/09/2018, Proc. nº 215/15.7T8ACB.C1-A.S1, in, www.dgsi.pt/jstj, nos seguintes termos:
A admoestação constitui uma sanção substitutiva da coima. Todavia, de carácter diferente da admoestação prevista no âmbito do Código Penal (art. 60.º). Na verdade, o regime é distinto. Por exemplo, nos termos do art. 497.º, n.º 1, do CPP, a admoestação, que “consiste numa solene censura oral, feita ao agente, em audiência, pelo tribunal (art. 60.º, n.º 4, do CP) apenas é “proferida após o trânsito em julgado da decisão que a aplicar”.
Porém, não mais se deve considerar que a decisão que aplique uma admoestação é insuscetível de recurso, apesar do disposto no art. 73.º, do RGCO. Na verdade, o Tribunal Constitucional através do acórdão n.º 299/2013 decidiu “[j]ulgar inconstitucional o artigo 59.º, n.º 1, do Regime Geral das Contraordenações, na sua atual redação, na interpretação segundo a qual a decisão da autoridade administrativa que profere uma admoestação não é suscetível de impugnação judicial, por violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, consagrado nos artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.”.

Mas, a diferente natureza das duas sanções deve ser salientada: se, por um lado, a “admoestação penal” constitui uma censura dirigida ao agente, por outro lado, a “admoestação contraordenacional” “não é uma censura ética mas sim uma mera advertência (...). Não é uma medida de diversão. É uma sanção que, cumprindo as finalidades das sanções contraordenacionais — de mera advertência —, cumpre aquela finalidade sem necessidade de mais”.
Uma outra diferença reside no facto de a admoestação penal ser executada oralmente, contrariamente à admoestação contraordenacional que poderá, nos termos do art. 51.º, n.º 2, do RGCO, ser reduzida a escrito — assim permitindo, facilmente, a sua aplicação às pessoas coletivas (como aliás expressamente se consagra no art. 7.º, do decreto-lei n.º 28/84, de 20.01, por exemplo). É claro que também a admoestação penal pode ser aplicada a pessoas coletivas — caso em que consiste numa “solene censura oral feita em audiência, pelo tribunal, ao representante legal da pessoa colectiva ou entidade equiparada ou, na sua falta, a outra pessoa que nela ocupe uma posição de liderança” (art. 90.º-C, n.º 2, do CP), mas sendo aplicada a pessoa coletiva não deixa de ter uma carácter distinto da admoestação contraordenacional.
Resta acrescentar que a admoestação contraordenacional tanto pode ser aplicada pela autoridade administrativa finda a fase administrativa, como pelo tribunal, finda a fase judicial.
No âmbito do direito contraordenacional e em sede de aplicação das sanções, assume particular importância o princípio da proporcionalidade, segundo o qual deve existir uma correspondência entre a gravidade da infração e a gravidade da sanção.
Ora, considerando que a admoestação, consagrada no art.51.º, do RGCO, não tem uma função sancionatória constituindo uma mera advertência, esta deverá ser proporcional à gravidade da infração, isto é, tendo em conta as finalidades de aplicação das sanções no âmbito contraordenacional esta será a que de modo mais leve cumpre aquelas finalidades.
E, porque tem sido caracterizada como sendo uma mera advertência, Frederico da Costa Pinto entende que a admoestação contraordenacional tem mais afinidades com a figura da dispensa da pena, consagrada no art. 74.º, do CP — “as afinidades e as diferenças encontram-se nos pressupostos e na gravidade das sanções. A dispensa de pena exige um menor juízo de ilicitude e de culpa, o mesmo se passando com a admoestação contra-ordenacional. A figura da admoestação penal, por seu turno, não supõe qualquer juízo de menor culpa do agente. A admoestação penal é uma sanção estruturalmente mais grave do que aquela proferida em processo de contraordenação, sendo de destacar a publicidade que a figura penal exige que é completamente estranha à admoestação proferida perante ilícitos contra-ordenacionais. (...) A figura da admoestação (...) surge agora no Direito das Contraordenaçõescomo um mero aviso ao infractor, por razões de menor ilicitude e menor culpa, sendo materialmente equivalente a uma «advertência com dispensa de coima”. Ou seja, também neste entendimento se restringe a aplicação desta sanção a casos de menor ilicitude da conduta, a casos de menor gravidade da infração, a casos em que é menor a relevância dos direitos e interesses ameaçados.
Mas, atentemos nos pressupostos de aplicação da admoestação segundo o estipulado no art. 51.º, do RGCO. Segundo o disposto no artigo referido, são claros os requisitos impostos para a aplicação de uma admoestação: 1) “reduzida gravidade da infracção” e 2) reduzida “culpa do agente”.
Assim sendo, a aplicação de uma admoestação depende, desde logo, da maior ou menor ilicitude da infração. Esta ilicitude poderá ser aferida tendo em conta o que expressamente o legislador considerou — caso que se torna evidente quando o legislador classifica a infração de grave ou muito grave ou leve. No caso em discussão, o legislador referiu expressamente que constituíam uma contraordenação grave as previstas no n.º 2, do art. 34.º, do decreto-lei n.º 78/2004, de 03.04, pelo que não se pode considerar estar preenchido um dos requisitos impostos pelo art. 51.º, n.º 1, do RGCO — a “reduzida gravidade da infração”.
A gravidade de uma infração é determinada pela gravidade da ilicitude pressuposta pelo legislador. Ao classificar uma dada infração como grave o legislador considerou-a, em abstrato, portadora de uma ilicitude considerável, o que terá desde logo determinado uma moldura da coima com limites mínimos e/ou máximos superiores àqueles que foram determinados para as contraordenações que entendeu como sendo de gravidade menor ou de média gravidade. Depois, em função do caso concreto, e dentro dos limites da coima prevista pelo legislador, ir-se-á determinar a medida concreta da sanção em atenção às finalidades de punição das coimas e em atenção à culpa do agente. Todos estes elementos poderão ser determinantes para que se entenda que, pese embora se trate de uma contraordenação grave, portadora de uma ilicitude, em abstrato, grave, atento o caso concreto dever-se-á entender que o agente deverá ser punido com uma sanção próxima do seu limite mínimo. Porém, não se pode considerar que, atento o caso concreto, a ilicitude da conduta diminua de gravidade, depois de o legislador a ter classificado como sendo uma contraordenação grave, porque portadora de uma ilicitude considerada grave. Na verdade, sempre que o legislador, de forma geral e abstrata, classifica a infração como sendo grave, não poderá o julgador modificar a lei atribuindo menor gravidade àquela ilicitude. Por isto, não pode deixar de se entender que a classificação legal de uma contraordenação como grave afasta logo a possibilidade de o julgador considerar que aquela mesma contraordenação grave afinal é de “reduzida gravidade”.
O legislador, ao classificar as contraordenações como graves, muito graves ou leves pretendeu assegurar o princípio da proporcionalidade entre as infrações e as sanções previstas. Este princípio não é assegurado sempre que atenta a gravidade da infração se decide pela aplicação de uma sanção que pressupõe a reduzida gravidade daquela.
Pelo que, estando subjacente à admoestação uma menor ilicitude da conduta (assim, Augusto Silva Dias, ob. cit., p. 167), somos forçados a considerar que esta sanção não poderá ser aplicada às contraordenações expressamente classificadas pelo legislador como sendo contraordenações graves atenta a “relevância dos direitos e interesses violados” (art. 21.º, da lei-quadro das contraordenações ambientais).
Um último argumento decorrente da evolução legislativa. Na lei-quadro das contraordenações ambientais, após as alterações introduzidas pela lei n.º 114/2015, prevê-se a possibilidade de aplicação de uma advertência (cf. art. 47.º- A), no âmbito da fase administrativa do processo contraordenacional, “a contraordenações ambientais classificadas como leves”. Só na fase judicial valem as regras estabelecidas pelo regime geral das contraordenações que prevê, no art. 51.º, a possibilidade de aplicação da sanção de admoestação.
Ora se, na fase administrativa, a advertência é aplicada apenas quando estejam em causa contraordenações leves, também o mesmo deverá ser entendido quando, na fase judicial, se opte pela sanção de admoestação.
Assim sendo, uma contraordenação classificada como grave pelo legislador (nos termos do art. 34.º, n.º 2, do decreto-lei n.º 78/2004) não poderá ser objeto de uma advertência, na fase administrativa (porque o legislador, no art. 47.º-A, afastou claramente essa possibilidade), não podendo ser igualmente sancionada apenas com a admoestação, na fase judicial.”
2.3.3 Na situação presente o legislador do DL. nº 555/99 não estabeleceu no seu artigo 98º quanto às contraordenações ali previstas qualquer demarcação formal quanto às que consideraria leves e quais as que graves. Pelo que a aferição da «reduzida gravidade da infração» para efeitos do artigo 51º do RGCO não está constrangida por qualquer classificação legal da contraordenação, como leve ou grave, que no caso não se verifica.
Mas não pode ser despiciente, para esse efeito, a opção legislativa quanto ao diferente quadro sancionatório estabelecido em função de cada tipo de infração.
2.3.4 Se olharmos para o artigo 98º do RJUE (DL. nº 555/99) vemos que após enunciar os diversos tipos de contraordenação, que ali prevê no seu nº 2, estabelece de seguida as diferentes molduras sancionatórias para cada uma delas, nos seguintes termos:
Artigo 98º
Contra-ordenações
1 – (…)
2 - A contraordenação prevista nas alíneas a) e r) do número anterior é punível com coima graduada de (euro) 500 até ao máximo de (euro) 200 000, no caso de pessoa singular, e de (euro) 1500 até (euro) 450 000, no caso de pessoa coletiva.
3 - A contraordenação prevista na alínea b) do n.º 1 é punível com coima graduada de (euro) 1500 até ao máximo de (euro) 200 000, no caso de pessoa singular, e de (euro) 3000 até (euro) 450 000, no caso de pessoa coletiva.
4 - A contraordenação prevista nas alíneas c), d), s) e t) do n.º 1 é punível com coima graduada de (euro) 500 até ao máximo de (euro) 100 000, no caso de pessoa singular, e de (euro) 1500 até (euro) 250 000, no caso de pessoa coletiva.

5 - As contraordenações previstas nas alíneas e) a h) do n.º 1 são puníveis com coima graduada de (euro) 1500 até ao máximo de (euro) 200 000.
6 - As contraordenações previstas nas alíneas i) a n) e p) do n.º 1 são puníveis com coima graduada de (euro) 250 até ao máximo de (euro) 50 000, no caso de pessoa singular, e de (euro) 1000 até (euro) 100 000, no caso de pessoa coletiva.
7 - A contraordenação prevista nas alíneas o) e q) do n.º 1 é punível com coima graduada de (euro) 100 até ao máximo de (euro) 2500, no caso de pessoa singular, e de (euro) 500 até (euro) 10 000, no caso de pessoa coletiva.
8 - Quando as contraordenações referidas no n.º 1 sejam praticadas em relação a operações urbanísticas que hajam sido objeto de comunicação prévia nos termos do presente diploma, os montantes máximos das coimas referidos nos n.os 3 a 5 anteriores são agravados em (euro) 50 000 e os das coimas referidas nos n.os 6 e 7 em (euro) 25 000.

9 – (…)
10 – (…)
11 – (…)

Temos, assim, que a contraordenação em causa nos autos é punível, no caso de pessoa singular, com coima de 500 € até 200.000 €. Constatando-se, simultaneamente, que de entre o leque das demais contraordenaçõesoutras se encontram com mínimos ou máximos de coima mais baixos do que os que para ela estão legalmente estabelecidos.
Assim acontece nos seguintes casos:
- mínimo de 100€ e máximo de 2.500€ para as contraordenações previstas nas alíneas o) e q) do n.º 1;
- mínimo de 250 € e máximo de 50.000 € para as contraordenações previstas nas alíneas i) a n) e p) do n.º 1.
2.3.5 Pelo que a moldura estabelecida no nº 2 do artigo 98º para a contraordenação aqui em causa, que é também comum com a contraordenação prevista na alínea r) do nº 1 do artigo 98º, não é a mais baixa, quanto aos seus máximos e mínimos, do leque de coimas ali previstos. Sendo que apenas são sancionáveis com multa de um mínimo superior ao de 500€ as contraordenações previstas nas alíneas e) a h) do n.º 1.
2.3.6 Este escalonamento, em abstrato, da moldura sancionatória, traduz uma opção do legislador quanto aos termos em que devem ser punidos e reprimidos os comportamentos que, porque reprováveis, configuram contraordenação, e são reflexo natural da gradação da infração em função do respetivo grau de ilicitude.
2.3.7 Ora, se o legislador do RJUE (DL. nº 555/99) estabeleceu no leque das contraordenações coimas de mínimos e máximos mais baixos daqueles que estabelece para a contraordenação aqui em causa, dificilmente se poderá concluir pela reduzida gravidade da infração para efeitos do disposto no artigo 51º do RGCO.
2.3.8 Acrescendo que no caso, não obstante a aparente singeleza da vedação, através dela produziu-se o mesmo efeito da construção de um muro à face da via pública, sem que pudesse ser assegurada, através do controlo administrativo prévio, a observação dos respetivos requisitos, com o concomitante interesse público a salvaguardar. O que não pode ser menosprezado.
2.3.9 E se não se pode concluir pela «reduzida gravidade da infração» para que nos termos do artigo 51º do RGCO em vez de coima de aplique ao infrator a mera admoestação, mostra-se já despiciente, atento o caráter cumulativo dos requisitos, aferir se era também «reduzida» a culpa do agente para aqueles efeitos.
De todo o modo sempre se diga ser inegável que, no caso, a culpa, aqui sob a forma de negligência, existe. Sem ela, aliás, não havia contraordenação. E que o invocado desconhecimento da necessidade de licenciamento não opera para afastar ou diminuir essa culpa, nem tão pouco a circunstância de na vizinhança poderem eventualmente existir vedações com idênticas características construídas à face da via pública e sem qualquer licença. Pelo que as alegações produzidas pelo recorrente a este respeito se tornam inócuas e inoperativas com vista a justificar o seu comportamento e a afastar a aplicação da coima.
2.3.10 Eis porque também não procede o recurso nesta parte.
*
IV. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente – artigos 92º nº 1 e 94º nº 3 do RGCO (DL. nº 433/82), 513º do CPP (DL. nº 78/87) e 8º nºs 7, 8 e 9 do RCP (DL. nº 34/2008).
*
Notifique.
D.N.
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Porto, 14 de fevereiro de 2020



M. Helena Canelas
Isabel Costa
João Beato