Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00147/10.5BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/15/2020
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:ACIDENTE DE VIAÇÃO; RESPONSABILIDADE CIVIL; ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
Sumário:1 – O Tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1.ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos.
À Instância recursiva apenas caberá sindicar e modificar o decidido quanto à factualidade dada como provada e não provada, caso verifique a ocorrência de erro de apreciação, suscetível de determinar a viciação da decisão final, mormente enquanto erro de julgamento.
Acresce que, por força dos princípios da oralidade e da imediação, o julgador do tribunal recorrido dispõe de uma posição privilegiada para aquilatar da seriedade, credibilidade e fidedignidade dos depoimentos prestados, juízo que o tribunal ad quem só deverá sindicar quando ocorra manifesto erro na sua apreciação, que contamine e inquine a decisão final.

2 - Como resulta do nº 1 do artº 2º do DL 48.051, diploma aqui aplicável, são pressupostos da obrigação de indemnizar, cumulativamente, a existência de um nexo de causalidade adequada entre o dano e a conduta do ente público, a ilicitude da conduta causal e a culpa do sujeito da conduta, importando pois verificar da existência de um nexo de causalidade entre os danos e conduta ativa ou omissiva, no caso, do Município ou dos seus agentes.

3 – O facto ilícito consiste numa ação (ou omissão) praticada por órgãos ou agentes estaduais (em sentido lato) violadora das "normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis" ou "as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração" (art.º 6 do DL 48.051, de 21.11.67).

4 - No que concerne já à situação concreta sub judice, sempre se dirá que, atenta a matéria dada como provada e o regime legal aplicável, importa reconhecer que ocorreu ilicitude e culpa na atuação do Município, pois que sempre poderia e deveria ter atuado de modo diverso, impedindo a verificação do sinistro participado, pois que não é suposto que a berma de uma qualquer via municipal claudique e provoque uma derrocada, perante o peso de uma Betoneira, provocando o seu arrastamento.
Assim, mostrou-se verificado in casu um ato ilícito e culposo resultante de um comportamento omissivo do Município, determinante da verificação de responsabilidade civil, e correspondente procedência (parcial) da Ação, atenta a circunstância de igualmente se mostrarem preenchidos os restantes requisitos cumulativamente aplicáveis. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Município de (...)
Recorrido 1:A., S.A.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
O Município de (...), devidamente identificada nos autos, no âmbito da Ação Administrativa Comum contra si intentada pela A., S.A., tendente a ser indemnizada em 69.909,59€, acrescidos dos correspondentes juros, em decorrência do acidente verificado em identificada Estrada Municipal, em 21.10.2004, em que foi interveniente Betoneira da sua segurada Sociedade G., Lda., ao ter sido arrastada em resultado de abatimento de terras verificado no local, inconformado com a Sentença proferida no TAF de Mirandela em 2 de maio de 2015, que julgou a ação parcialmente procedente, tendo condenado o Réu, designadamente, ao pagamento à Autora de quantia equivalente a dois terços do que esta pagou aos lesados, veio recorrer para esta instância, aí tendo concluído:
“1- A Douta Sentença ignora matéria que foi alvo de confissão da Autora em sede de pontos 1, 2, 4, 5, 6, 8, 9, 10, 11, 32 e 50 da Douta PI, e que de per si já permitia dirimir o litígio, e atribuir à segurada e seus motoristas a total responsabilidade pelo acidente.
2- Assim, a Autora confessou que o evento em análise tratou-se de um acidente de viação – facto que é sustentado pelo vertido no artigo 2.º do Código da Estrada, (versão em vigor à data); Douto Acórdão da Relação de Coimbra de 07/07/87 – Col. Jur. XII-IV-62; Douto Acórdão da Relação de Lisboa de 12/12/96 – Col. Jur. XXII-V-140; Douto Acórdão do Supremo de 21/06/67 – Bol. 168-229; e no mesmo sentido Código Civil Anotado de Antunes Varela – 2.ª edição a páginas 447 e 448.
3- Tal matéria deveria ter sido alvo de concretização expressa, prevendo um ponto específico em sede de matéria Provada, dando assim como provado que o evento em análise se tratou de um acidente de viação.
4- Ao não fazê-lo de forma expressa, o Digníssimo Tribunal Recorrido violou o disposto no artigo 358.º n.º 1 do CC, violou o disposto no artigo 2.º do C. da Estrada, na versão em vigor à data dos factos, e violou o sentido dos Acórdãos referidos.
5- A Autora confessou que o veículo sinistrado era conduzido por um funcionário da Segurada pela Autora, no exercício das suas funções.
6- Tal matéria foi alvo de confissão pela Autora, e aceitação pelo Réu, e deveria ter sido alvo de consignação expressa em sede de matéria Provada.
7- Ao não fazê-lo, o Digníssimo Tribunal Recorrido violou o disposto no artigo 358.º n.º 1 do CC, e desconsiderou também a prova produzida.
8- O facto de o veículo sinistrado estar a ser conduzido por um funcionário da Segurada pela Autora, no exercício das suas funções implica a análise do sinistro ao abrigo do disposto no artigo 503.º n.º 3 do CC.
9- Com efeito, tratando-se de comissão, incumbe sobre o motorista uma presunção de culpa.
10- Em sede de Douta Sentença, a página 13.º, o Digníssimo Juiz entende que tal presunção de culpa não deve pesar na análise do litígio, nomeadamente pelo facto de o Réu não se apresentar como lesado, e tal presunção só interessar caso terceiros demandassem a segurada.
11- Tais argumentos não podem colher, nomeadamente sabendo-se que a Autora assume posição processual em que substitui a segurada.
12- Acrescenta em parágrafo 3.º da mesma página que “Na presente situação tal não ocorre, e veja-se que, a proceder tal argumento, estava encontrada a fórmula mágica para que todas as entidades públicas se desonerassem das suas responsabilidades sempre que, numa ocorrência deste género, houvesse relação de comissão.”
13- À Autora cabia o ónus da prova previsto no artigo 342.ºdo CC, acrescida da presunção de culpa prevista no artigo 503.º, n.º 3 do CC, elementos jurídicos desconsiderados pela Douta Sentença.
14- Tal desconsideração, além de furtar elementos essenciais à análise do litígio, também representa uma discriminação negativa do Réu, em razão da pessoa, e por essa via é uma violação do disposto no artigo 13.º da CRP.
15- A Autora também confessa que o veículo estava estacionado, e que esse facto implicava a ocupação da berma e de parte da estrada.
16- Essa confissão vem de facto expressa em sede de matéria Provada em factos 5, 7, e 8.
17- Ora, conjugada com os factos Provados 19.º, 20.º, 21.º e 22.º, facilmente se verifica que a viatura estava mal estacionada, nomeadamente por violação do disposto no artigo 50.º n.º 1, alínea a) do Dec-Lei 114/94, de 3 de Maio, revisto e republicado pelo Dec-Lei 2/98 de 3 de Janeiro – o estacionamento do veículo impedia a formação de duas filas de trânsito, numa via onde se faz em dois sentidos.
18- Esta situação tem importância acrescida devido ao facto de o Réu ter sido condenado por não colocar sinalização proibitiva de estacionamento no local.
19- A proibição de estacionamento já deriva da Lei, o que deita por terra um fundamento essencial da condenação: a omissão de sinalização.
20- A proibição de estacionamento aplica-se, por via do Código da Estrada, a veículos, como o sinistrado, que impeçam a formação de duas filas de trânsito, numa via onde se faz em dois sentidos.
21- Sobre este ponto, importa igualmente apontar à Douta Sentença a falha de entender que o veículo não se encontrava em circulação – página 14, 2.º parágrafo: “Ora, a viatura não se encontrava em circulação, mas parou no local à espera de outra viatura …”, ou seja, entende o Meritíssimo Juiz que o veículo sinistrado, apesar de estacionado ocupando a berma e parte da via, não se encontrava em circulação.
22- Este entendimento, que parece justificar o entendimento de que o veículo não se encontrava mal estacionado, viola o disposto no artigo 2.º do Código da Estrada – um veículo, mal estacionado, ocupando parte da berma e da via, está em circulação!
23- Relacionada com a questão da irregularidade do estacionamento, está a desconsideração da presunção (iuris tantum), que a jurisprudência considera surgir da violação de regras legais que disciplinam a circulação rodoviária (presumindo-se a negligência do condutor), também desconsiderada em sede de Douta Sentença.
24- A Autora confessa também que o condutor do mesmo veículo já por diversas vezes, o havia estacionado no mesmo local, carregado de betão, com o objetivo de o descarregar na dita obra, sendo que o ponto 8.º de factos Provados não expressa essa confissão de forma clara.
25- Daí que deveria constar dos factos Provados que “o condutor do mesmo veículo já por diversas vezes o havia estacionado no mesmo local, carregado de betão, com o objetivo de o descarregar na dita obra.”
26- A prova Documental produzida, nomeadamente os documentos 3.º e 4.º juntos com a Contestação concorrem para provar que foram as específicas características do veículo, bem como o facto de estar mal estacionado, que associados à repetição da infração levaram ao acidente;
27- Também comprova que a via estava em bom estado e que os motoristas poderiam ter estacionado os camiões em local mais seguro (nomeadamente onde se encontra estacionada a camionete),
28- Matérias que deveriam constar de Factos Provados.
29- A prova testemunhal produzida vai no sentido da tese vertida pelo aqui Réu, e justificava, nomeadamente, que fosse dado como provado que:
O estacionamento do veículo impossibilitava a formação de duas filas de trânsito (portanto, estava mal estacionado),
Que a via e o muro onde se deu o acidente se encontravam em bom estado;
Que os camiões se encontravam estacionados por vezes durante mais de meia hora, encostados ao muro, e por vezes mais do que um ao mesmo tempo, no mesmo local onde se deu o acidente;
Que a via era transitada por camiões de grande porte, nomeadamente para a construção da autoestrada A24, e que nunca ocorreu qualquer problema;
Que “Os habitantes do local temiam que o acidente ocorresse devido ao mau estacionamento, repetido, daquele tipo de viatura, por períodos longos, por vezes de mais de um veículo, com o mecanismo em funcionamento, inclinados, carregados, e que por isso o muro pudesse ceder.”
Que o motorista poderia ter estacionado em local mais seguro
30- Por outro lado, o facto 28.º de factos Provados deve ser corrigido, porque não expressa o teor dos depoimentos, e substituído pelo texto “Os habitantes do local temiam que o acidente ocorresse devido ao mau estacionamento, repetido, daquele tipo de viatura, por períodos longos, por vezes de mais de um veículo, com o mecanismo em funcionamento, inclinados, carregados, e que por isso o muro pudesse ceder.”
31- A Douta Sentença peca assim por:
32- Desconsiderar a matéria alvo de confissão pela Autora,
33- A prova Documental e testemunhal produzida,
34- Entender haver omissão de sinalização quando a proibição é evidente, e resulta diretamente da Lei,
35- Entender haver omissão de fiscalização quando tal não é missão do Réu, mas sim da GNR (que não terá agido),
36- E por último desconsiderar a carga negligente da conduta do(s) motorista(s) da segurada da Autora, a quem se impõe um dever especial de cuidado, e que assumiu um comportamento descuidado e temerário, violando igualmente o código da estrada.
37- O presente Recurso tem assim por base o disposto nos artigos 639.º, n.º 2 (por violação do artigo 358.º n.º 1, e 503.º, n.º 3 do C. C., artigo 50.º n.º 1, alínea a) do Dec-Lei 114/94, de 3 de Maio, revisto e republicado pelo Dec-Lei 2/98 de 3 de Janeiro, artigo 2.º do mesmo diploma, e artigo 13.º da CRP) e 640.º n.º 1 e 2, do CPC,
Termos em que deverá ser revogada a Douta Decisão Recorrida e substituída pela absolvição total do Réu, ou pelo menos ser alterada a proporção da condenação, diminuindo a responsabilidade do Réu.”

O Recurso Jurisdicional foi admitido por Despacho de 30 de Junho de 2015.

A Recorrida A., S.A. não veio apresentar Contra-alegações de Recurso.

O Ministério Público junto deste Tribunal, tendo sido notificado em 14 de outubro de 2016, veio a emitir Parecer em 26 de outubro de 2016, no qual, a final, se pronuncia no sentido de dever “ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e, consequentemente ser inteiramente confirmada a douta sentença recorrida.”

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
As principais questões a apreciar resultam da necessidade de verificar os invocados erros na fixação da matéria de facto e de julgamento quanto à matéria de direito, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade, como provada e não provada, a qual aqui se reproduz:
1. A Autora é uma seguradora que exerce a sua atividade, entre outros, no ramo reais;
2. No âmbito dessa atividade efetuou os seguintes contratos de seguro com a empresa G., Ld.ª:
a) Contrato de seguro automóvel, titulado pela apólice n.º 0045.10.099164, mediante o qual se seguravam os danos causados a terceiros pela viatura de matrícula XX-XX-XR, bem como os danos ocorridos na própria viatura – cfr. doc. 1 junto com a petição inicial;
b) Contrato de seguro de acidentes de trabalho, titulado pela apólice 0010.10.004513, mediante o qual se seguravam os riscos dos acidentes de trabalho dos vários trabalhadores a seguradora, entre os quais José Joaquim Reis – cfr. doc. 2 junto com a petição inicial;
3. Os contratos de seguro referidos no ponto antecedente eram válidos à data de 21.10.2004 – cfr. docs. 1 e 2 juntos com a petição inicial;
4. Em 21.10.2004, José Joaquim Reis conduzia a viatura pesada de mercadorias com a matrícula XX-XX-XR;
5. A qual estacionou na Estrada Municipal de (...), no Lugar da (...), à espera de outra viatura;
6. Porquanto deveria descarregar betão numa obra que estava aí a ser efetuada pela sua entidade patronal (G., Ld.ª);
7. O condutor da viatura estacionou-a o mais à direita possível, apanhando a berma da estrada;
8. Ocupando a berma e parte da estrada, como já havia feito em dias anteriores;
9. Quando assim se encontrava, a berma da estrada começou a ceder, causando desabamento de terras;
10. Arrastando consigo a viatura e o seu condutor;
11. Provocando a queda do muro de suporte da estrada;
12. Com o consequente capotamento e queda da viatura;
13. A qual se imobilizou no terreno que ladeia a Estrada Municipal e que era pertença de C. e mulher;
14. Danificando árvores e cultivo que ali estavam implantados;
15. O motorista sofreu danos, que a Autora custeou, no valor de:
a) hospital, exames e consultas médicas – 6.273,16€;
b) farmácia – 66,87€;
c) fisioterapia – 1.605,50€;
d) deslocações a consultas médicas ou fisioterapia e alimentação – 3.467,67€;
e) incapacidade temporária – 6.175,14€;
f) IPP – 11.688,43€ - cfr. docs. 4 e 5 juntos com a petição inicial;
16. Os danos na viatura, que a Autora também custeou, ascenderam a 33.576,25€ - cfr. docs. 6 e 7 juntos com a petição inicial;
17. Aos proprietários do terreno onde ocorreu o desabamento, a Autora pagou a quantia de 2.385,00€ para ressarcimento dos danos causados – cfr. doc. 9 junto com a petição inicial;
18. Na estrada em causa não havia qualquer tipo de sinalização, fosse de perigo ou proibição (trânsito proibido a veículos pesados ou proibido estacionar);
19. A viatura em causa é de grandes dimensões, medindo cerca de 2,5 metros de largura e 4 metros de altura, estava carregada com betão (tendo um peso de cerca de 30 toneladas) e encontrava-se com o mecanismo giratório em funcionamento, enquanto estacionada;
20. A estrada, no local onde estava a viatura estacionada, tem dois sentidos de marcha e mede cerca de 5 metros de largura;
21. A viatura, estacionada no local onde estava, dificultava o trânsito normal, ou seja, obrigava a que os demais veículos tivessem que circular alternadamente, em cada sentido;
22. A berma tem cerca de 1 metro de largura e encontra-se inclinada, face ao asfalto, cerca de 10/15 centímetros;
23. O muro que ladeia a estrada apenas desabou no local onde a viatura estava estacionada – cfr. docs. 3 e 4 juntos com a contestação;
24. À data do relatado supra, o motorista da viatura era uma pessoa saudável;
25. À data do relatado supra, a viatura envolvida tinha cerca de dois/três anos, sendo considerada seminova;
26. O Réu tem funcionários que fazem rondas frequentes pelas estradas do concelho;
27. O fiscal do Réu C-. passou no local, aquando do estacionamento de viaturas pesadas, e mesmo vendo que haveria ali perigo, nada fez;
28. Os habitantes do local temiam que o acidente ocorresse, pois que não confiavam que a berma tivesse capacidade para suportar o peso de uma viatura pesada como a que o condutor da segurada da Autora conduzia, e suspeitavam que o acidente em breve ocorreria;
29. A petição inicial que motiva os presentes autos deu entrada neste Tribunal, em 29.03.2010 – cfr. carimbo aposto a fls. 2 dos autos em suporte físico.
Factualidade não provada
Não resultou provado que:
1. A inclinação existente entre o asfalto da via e a berma terá potenciado o sinistro e constitui um defeito da via suscetível de colocar em perigo a circulação automóvel e a segurança dos utentes da estrada;
2. Tanto mais que não permite o escoamento adequado das águas, inexistindo no local qualquer modo de escoamento de águas, facilitando o desabamento de terras em alturas e chuvas;
3. A que acresce o mau estado de conservação do muro que ladeava a estrada, incapaz de suster o desabamento de terras.”

IV – Do Direito
Inconformado com a decisão proferida em 1ª Instância, veio o Município de (...) interpor recurso jurisdicional para este Tribunal de Recurso do facto de a Ação ter sido julgada parcialmente procedente, tendo em sua consequência sido o Município condenado a pagar à Seguradora o valor correspondente a dois terços do que pagou aos lesados e os correspondentes juros de mora, à taxa legal, desde a citação do R. até efetivo e integral pagamento.

O Recorrente veio imputar à decisão Recorrida, erros na fixação da matéria de facto e erros de julgamento quanto à matéria de direito, que se consubstanciarão na violação do disposto nos artigos 358.°, n.º 1 e 503.°, n.º 3, do Código Civil, 50.°, n.º 1, al. a), do Decreto-Lei n.º 114/94, de 03/05, revisto e republicado pelo Decreto-Lei n.º 2/98, de 03/01 e, ainda, os artigos 2.° do mesmo diploma e 13.° da CRP.

O sentido da decisão face ao presente processo ficou, naturalmente, condicionado por aquilo que pôde ser dado como provado.

Refira-se desde logo que a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas, no domínio dos atos de gestão pública, se regia à data, pelo disposto no Decreto-Lei n.º 48.051, de 21.11.1967.

Determina o seu art.º 2º, nº1, que:
“O Estado e demais pessoas coletivas públicas, respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas aos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de atos ilícitos culposamente praticados pelos respetivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício”.

São assim pressupostos/requisitos deste tipo de responsabilidade civil:
a) o facto, comportamento ativo ou omissivo voluntário;
b) a ilicitude, traduzida na ofensa de direitos de terceiros ou disposições legais destinadas a proteger interesses alheios;
c) a culpa, nexo de imputação ético - jurídica do facto ao agente ou juízo de censura pela falta de diligência exigida de um homem médio ou de um funcionário ou agente típico;
d) a existência de um dano, ou seja, a lesão de ordem patrimonial ou moral, esta quando relevante;
e) o nexo de causalidade entre a conduta e o dano, segundo a teoria da causalidade adequada (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27.01.1987, de 12.12.1989 e de 29.01.1991, in Ac. Dout. n.º 311, p. 1384, n.º 363, p. 323 e n.º 359, p. 1231).

Esta responsabilidade corresponde pois, no essencial, ao conceito civilístico de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos que tem consagração legal no artigo 483º, do Código Civil (Vg. acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 10.10.2000, recurso n.º 40576, de 12.12.2002, recurso n.º 1226/02 e de 06.11.2002, recurso n.º 1311/02).

No que ao diz respeito ao discurso fundamentador da decisão de 1ª instância, no que aqui releva, discorreu-se o seguinte:
“Tendo em consideração a data em que se produziu o acidente, 21.10.2004, a eventual responsabilidade civil extracontratual do Réu deverá ser apurada nos termos do Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de novembro de 1967.
(...)
É ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa (cfr. artigo 487º do Código Civil).
A indemnização deve ser fixada de acordo com os princípios estabelecidos nos artigos 562º a 566º do Código Civil. Quando fixada em dinheiro, por ser impossível a restauração natural, a indemnização deve medir-se pela diferença entre a situação atual do lesado e a situação hipotética em que se encontraria se não fosse o dano, atenta a data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal.
Neste âmbito, importa, porque está em causa a responsabilidade de uma autarquia local, o artigo 96º, n.º 1 da Lei n.º 169/99 que postula que:
“[…] autarquias locais respondem civilmente perante terceiros por ofensa de direitos destes ou de disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultante de atos ilícitos culposamente praticados pelos respetivos órgãos ou agentes no exercício das suas funções ou por causa desse exercício […]”.
(...)
Em causa nos presentes autos está uma situação de desabamento de berma de uma estrada municipal, aquando da paragem de uma viatura pesada, com betoneira em funcionamento nessa berma.
Atendendo à dinâmica do acidente aqui em análise, verifica-se que houve violação de direitos e interesses legalmente protegidos (veja-se o direito à integridade física do condutor da viatura, a violação do direito de propriedade da empresa segurada – quanto à viatura –, a violação do direito de propriedade dos proprietários do terreno confinante com a estrada), danos na pessoa do condutor da viatura, no veículo e no terreno confinante com a estrada, que derivaram direta e necessariamente do desabamento.
(...)
Acolhendo os ensinamentos aqui em causa, por um lado, a responsabilidade que aqui se encontra em decisão prende-se com uma responsabilidade culposa, e não pelo risco, e por outro, o Réu não se apresenta como lesado, mas como potencial responsável. Daí que a eventual presunção de culpa decorrente da existência de uma relação de comissão não careça aqui sequer de análise, porquanto a mesma só importará caso terceiros demandem a empresa segurada ou a seguradora pelos danos causados no âmbito da relação de comissão. E, nesse caso, a presunção funcionará, invertendo-se o ónus da prova.
(...)
Portanto, como supra se expôs, sobre o Réu impende uma série de deveres relacionados com a obrigação de sinalizar locais de eventual perigo para veículos e pessoas.
Ficou demonstrado, na matéria de facto assente, que, no local onde ocorreu o desabamento, não havia qualquer sinalização que impedisse a paragem de veículos ou que alertasse que aquele espaço não se destinava a tal.
Do Código da Estrada (na redação à data), do artigo 1º, al. m) resulta que berma é a superfície da via pública não especialmente destinada ao trânsito de veículos e que ladeia a faixa de rodagem. Ora, a viatura não se encontrava a circular, mas parou no local à espera de outra viatura, para depois proceder ao descarregamento de betão numa obra ali perto.
Portanto, não usava a berma para transitar, logo não a destinava a um fim proibido.
Ou seja, se não havia indicação de que uma viatura daquelas dimensões não podia parar naquele local, se a viatura não se encontrava a circular, mas apenas estava ali parada, é forçoso reconhecer que a berma deveria garantir condições de segurança para o efeito. Caso contrário, o Réu, no cumprimento dos deveres que sobre se recaíam deveria ter sinalizado o local devidamente, mormente, com referência à proibição de estacionamento/paragem de viaturas pesadas no local, ou sinalização de perigo de desabamento para viaturas pesadas.
Ao não o fazer, tendo ocorrido o sinistro nos termos em que supra se expôs, a responsabilidade por tal cabe ao Réu, por se verificar uma conduta omissiva (que lhe era imposta), ilícita, causadora de danos.
Acresce, ainda, e que não pode ser desconsiderado, o Réu tem ao seu serviço, fiscais que têm como função vigiar as estradas do concelho e que fazem rondas frequentes. No caso dos autos, o próprio fiscal assumiu que tinha visto viaturas pesadas no local, mas que não alertou ninguém do perigo porque “não era seu feitio denunciar” quem quer que fosse. Ora, não está aqui em causa denunciar ou não denunciar, mas cumprir um dever de vigilância.
Tendo sido verificado por um funcionário do Réu que haveria uma situação de perigo, competia-lhe alertar quer os intervenientes como reportar aos serviços a existência de tal situação para que fossem tomadas diligências no sentido de evitar o que acabou por suceder: um desabamento com vários danos associados.
Daí que a responsabilidade do Réu também derive deste comportamento omissivo do seu funcionário que viu o perigo e conformou-se com ele, nada tendo feito para o prevenir.
Por fim, deve dizer-se que não fosse este comportamento do Réu, quer por falta de sinalização, quer por falta de uma efetiva fiscalização, os danos não teriam ocorrido. Na verdade, existindo sinalização no local ou sanções por via da fiscalização a quem estacionasse no local, o condutor do veículo não o estacionaria ali (ou se o fizesse, seria por sua conta e risco) e não teria havido o desabamento que provocou os danos acima dados como assentes.
Ou seja, com isto dá-se por preenchido o requisito do nexo de causalidade adequada, exigido par a responsabilização efetiva do Réu.
Deste modo, demonstrada a existência de uma omissão, ilícita, culposa, danosa e que se não fosse a omissão de sinalização não haveria danos (nexo de causalidade adequada), importa passar para a fixação da indemnização devida.
De acordo com o estabelecido no artigo 562º do Código Civil: “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.
Os danos podem ser patrimoniais ou não patrimoniais, conforme sejam ou não suscetíveis de avaliação pecuniária.
O leque dos danos patrimoniais indemnizáveis é muito amplo, abrangendo quer os prejuízos causados (dano emergente), quer os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (lucro cessante).
(...)
A ressarcibilidade dos danos morais ou não patrimoniais encontra-se circunscrita àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, conforme prescreve o n.º 1 do artigo 496.º do Código Civil.
(...)
Na fixação do montante indemnizatório, o Tribunal está vinculado aos critérios legais de fixação de indemnização em dinheiro para reparação de danos patrimoniais, nomeadamente aos previstos nos artigos 562.º e 566.º do Código Civil, com recurso a equidade, se não tiver sido averiguado o valor exato dos danos.
In casu, o valor da indemnização a atribuir encontra respaldo nos diversos elementos documentais levados à matéria de facto assente e que se cifram nas quantias que a Autora pagou aos diversos lesados.
Contudo, quanto ao valor que o Réu terá que entregar à Autora a título de responsabilidade, importa que o Réu sustenta que o condutor foi negligente ao estacionar uma viatura daquelas dimensões, naquele local, apesar de não haver sinalização. Estará, assim, em causa, a eventual culpa do lesado.
De acordo com o artigo 570º, n.º 1 do CC quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.
(...)
Ora, da matéria de facto assente não resultou que o condutor tivesse tido consciência do perigo que corria ao estacionar uma viatura como aquela que conduzia naquele local, mas resultou demonstrado que os habitantes do local temiam que tal ocorresse.
(...)
Tal negligência, ainda que inconsciente, terá que ser valorada, nos termos do artigo 570º, n.º 1 do CC, ao nível do montante indemnizatório a fixar a cargo do Réu. Fazendo uso de critérios de razoabilidade e equidade, entende-se ser de fixar a culpa do lesado num montante parcial de um terço, reduzindo-se o dever indemnizatório do Réu a dois terços das quantias pagas pela Autora aos lesados.
Nestes termos, face ao que fica supra dito, procede parcialmente a presente ação, sendo o Réu responsável pelo pagamento da indemnização pelos danos patrimoniais causados à Autora, a qual se fixa em dois terços das quantias pagas aos lesados (segurada, condutor e proprietários do terreno onde ocorreu o desabamento), a que acrescem juros, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Vejamos:
Da impugnação da decisão relativa á matéria de facto~

Dispõe o Art° 640 n° 1 do Cód. Proc. Civil, que:
1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo de gravação nele realizada, que impunham decisão sob os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

Na situação em apreciação a Recorrente descontextualiza uma serie de afirmações e meios de prova, pretendendo designadamente que a situação em apreciação seja qualificada como acidente de viação, mais pretendendo introduzir no âmbito dos factos provados uma série de dúvidas tendentes a por em questão a decisão proferida.

Com efeito, são suscitadas duvidas quanto â natureza e objeto do peticionado, mormente invocando-se que se estará em presença de um acidente de viação, para além de se pretender introduzir um conjunto de questões, mais ou menos artificiais, mormente no que concerne e designadamente ao facto da betoneira, aquando do sinistro estar parada, estacionada ou em circulação, à luz das regras do Código da Estrada, sendo que as referidas questões, independentemente da definição adotada ou a adotar não teriam a virtualidade de alterar o circunstancialismo controvertido, que assenta singelamente no facto do veiculo ter sido arrastado em decorrência do facto do conjunto da infraestrutura viária que constitui a Estrada Municipal, não ter suportado o seu peso.

Em bom rigor a Recorrente deveria ter indicado de modo mais explícito quais os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, e quais os meios de prova que, em concreto, permitiriam retirar uma conclusão diversa da matéria de facto dada como provada, de modo a que se pudesse refletir no sentido da decisão a proferir.

As afirmações feitas quanto à matéria de facto fixada são predominantemente genéricas e conclusivas, não permitindo, como se afirmou já, determinar qualquer inflexão no sentido da decisão proferida.

Em qualquer caso, e no que concerne objetivamente aos erros de julgamento, decorrentes da fixação da matéria de facto, está a questão abundante e uniformemente tratada na jurisprudência.

Como se sumariou no Acórdão deste TCAN nº 00593/15.8BECBR de 26/05/2017 “O Tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1.ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos.
À Instância recursiva apenas caberá sindicar e modificar o decidido quanto à factualidade dada como provada e não provada, caso verifique a ocorrência de erro de apreciação, suscetível de determinar a viciação da decisão final, mormente enquanto erro de julgamento.”

Também o STA se tem uniformemente pronunciado face à presente questão, designadamente no Acórdão de 14/04/2010, no âmbito do Processo n.º 0751/07, onde sintomaticamente se sumariou que “A garantia de duplo grau de jurisdição em matéria de facto (art. 712º C.P. Civil) deve harmonizar-se com o princípio da livre apreciação da prova (art. 655º/1 do C.P. Civil).
O Tribunal, em sede de julgamento, deve considerar toda a prova produzida pelas partes (art.º 515º do CPC), mas tal não impede que venha a julgar segundo a sua “prudente convicção acerca de cada facto”, nada obstando a que o tribunal coletivo, caso o considere acertado, dê mais relevância ao depoimento de umas testemunhas em detrimento do depoimento contraditório de outras testemunhas ou seja aos depoimentos que considere terem sido decisivos para formar a sua convicção.
Assim sendo, o facto de uma ou outra testemunha apresentarem depoimentos contraditórios não é motivo justificativo para, só por si, suportar uma eventual alteração da matéria de facto em sede de recurso jurisdicional ou para dar mais crédito ao depoimento de uma ou outra testemunha em detrimento das restantes, tanto mais que a gravação da prova, pela sua própria natureza, não pode reproduzir todas as circunstâncias em que um determinado depoimento da testemunha se processou.
Em sede de recurso jurisdicional, o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida”.

Por outro lado, em linha com o sumariado, entre outros, no Acórdão deste TCAN nº 00126/12.8BEMDL, de 12-06-2019 “Determina o artigo 662º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, no seu n.º 1, que a “Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente, impuserem decisão diversa”.
Na interpretação deste preceito, já na anterior versão (Artº 712º CPC), tem sido pacífico o entendimento segundo o qual em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida.
Isto porque o Tribunal de recurso está privado da oralidade e da imediação que determinaram a decisão de primeira instância. A gravação da prova, por sua natureza, não fornece todos os elementos que foram diretamente percecionados por quem julgou em primeira instância e que ajuda na formação da convicção sobre a credibilidade do testemunho.
Por outro lado, o respeito pela livre apreciação da prova por parte do tribunal de primeira instância, impõe um especial cuidado no uso dos seus poderes de reapreciação da decisão de facto, e reservar as alterações da mesma para os casos em que ela se apresente como arbitrária, por não estar racionalmente fundada, ou em que seja seguro, de acordo com as regras da lógica ou da experiência comum, que a decisão não é razoável.”

Como se sumariou ainda e igualmente no Acórdão do TCAN nº 121/03.8BTBRG, de 11-01-2019, “O Tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1.ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos.
À Instância recursiva apenas caberá sindicar e modificar o decidido quanto à factualidade dada como provada e não provada, caso verifique a ocorrência de erro de apreciação, suscetível de determinar a viciação da decisão final, mormente enquanto erro de julgamento.”

Como afirmado também pelo Tribunal da Relação do Porto, no seu Acórdão nº 2612/15.9JAPRT.P1, de 26-04-2017, “Discordar, sem qualquer fundamento legal, leva simplesmente à sua improcedência, como já por este Tribunal foi afirmado em Acórdão de 23/03/01: «A divergência quanto à decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto será relevante na Relação apenas quando resultar demonstrada pelos meios de prova indicados pelo recorrente a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório, sendo necessário para que ele se verifique, que os mencionados meios de prova se mostrem inequívocos no sentido pretendido pelo recorrente».
O presente tribunal só poderia assim alterar o decidido factualmente pela 1ª instância se existissem provas nos autos que impusessem decisão diferente e in casu, embora a prova produzida, eventualmente e no entender da recorrente, permitisse uma decisão de facto em sentido diverso, ela não impunha decisão distinta, pelo que o pretendido por aquele está destinado ao fracasso.”

Objetivamente, refira-se que, em função do conjunto da prova produzida, não se reconhece que o conjunto de alterações à matéria de facto preconizadas pelo Município, pudesse ter a virtualidade de alterar o sentido da decisão proferida, pois que a questão essencial e incontornável, como já afirmado, prende-se com a circunstância da Betoneira ter sido arrastada em resultado de abatimento de terra verificado na Berma de infraestrutura viária integrante de Estrada Municipal.

Da análise do teor global do decidido quanto à fixação da matéria de facto, não se vislumbra que se tenham verificado quaisquer erros de julgamento que pudessem determinar as alterações propostas pelo Recorrente.

Ao referido acresce que, por força dos princípios da oralidade e da imediação, o julgador do tribunal recorrido dispõe de uma posição privilegiada para aquilatar da seriedade, credibilidade e fidedignidade dos depoimentos, juízo que o tribunal ad quem pode e deve sindicar, ainda que de forma mitigada, sempre que ocorra manifesto erro na sua apreciação, que contamine e inquine a decisão final.
Em qualquer caso, reafirma-se que se não vislumbra que relativamente ao segmento recursivo em análise, se verifique qualquer erro de julgamento, muito menos que seja patente, ostensivo ou manifesto.

Efetivamente, não se reconhece qualquer incongruência na fixação da matéria de facto, suscetível de determinar a sua alteração, mormente no sentido pretendido pelo Recorrente/Município.

Com efeito, cabe ao Tribunal de Recurso singelamente formular um juízo sobre a conformidade com a realidade dos pressupostos de facto que o Tribunal a quo teve em conta aquando da prolação da decisão recorrida (cfr. Acórdãos do STA de 12/03/2009, no Processo n.º 0545/08 e do TCAN de 27/05/2010, no Processo n.º 00102/06.0BEBRG).

O tribunal não está ainda assim vinculado à apreciação meramente da prova invocada pelas partes. O tribunal encontrará o seu próprio juízo atentos os factos decorrentes do processo, fixando a sua convicção em decorrência da prova disponível (Cfr. Acórdão TCAN de 27-05-2010, no Processo n.º 00102/06.0 BEBRG).

Em qualquer caso, sempre se dirá que o tribunal a quo se limitou a socorrer-se da prova documental e testemunhal disponível, para dar como assente a materialidade controvertida, servindo-se do princípio da livre apreciação da prova aí produzida, de harmonia com o que resulta das disposições conjugadas dos artigos 366.° e 396.°, ambos do Código Civil e 607.°, n.º 4 e 5, do Código de Processo Civil de 2013.

Em bom rigor, não é suposto que o tribunal selecionasse toda a factualidade invocada, mas tão-somente, aquela que reputasse como essencial à boa decisão da causa e isso incontornavelmente foi feito.

Efetivamente, na economia da concreta decisão aqui em causa, os factos enunciados no probatório são os necessários e os suficientes em ordem à prolação da decisão final da presente lide, mostrando-se desprovido de fundamento lógico e legal o aditamento dos factos que o Recorrente veio indicar em sede recursiva, os quais foram, expressa e inequivocamente, arredados do probatório pela decisão proferida em 1ª instância, à luz do princípio da sua livre e motivada apreciação da prova.

Acresce que se não reconhece que tenha ocorrido qualquer erro de julgamento, pelo menos, que seja patente, ostensivo ou manifesto, que aconselhe ou imponha a impetrada alteração da factualidade dada como provada.

Não se vislumbra pois que o tribunal a quo se tenha desviado do que supra se foi afirmando como sendo o entendimento dos tribunais, tanto mais que não logrou o Recorrente fazer prova que as alterações na factualidade dada como provada propostas, teriam a virtualidade de alterar, só por si, o sentido da decisão proferida ou a proferir.

Dos erros de julgamento da matéria de direito

O Recorrente/Município questiona a interpretação e aplicação do direito, efetuadas pelo tribunal a quo, no que concerne, nomeadamente, à verificada ilicitude da sua atuação.

Como se deixou já explicitado, atento o momento em que ocorreu o acidente objeto da presente Ação, em termos de Responsabilidade Civil Extracontratual, vigorava o Decreto-Lei n.º 48 051 de 21/11/1967.

A responsabilidade civil extracontratual, corresponde, no essencial, ao conceito civilista da responsabilidade civil por atos ilícitos constante do artigo 483.°, n.º 1, do Código Civil.

A obrigação de indemnizar, imposta ao lesante, depende pois da verificação de um conjunto de pressupostos e requisitos, entre os quais se situa, a ilicitude.

Como resulta do referido nº 1 do artº 2º do DL 48.051, são pressupostos da obrigação de indemnizar, cumulativamente, a existência de um nexo de causalidade adequada entre o dano e a conduta do ente público, a ilicitude da conduta causal e a culpa do sujeito da conduta, importando pois verificar da existência de um nexo de causalidade entre os danos e conduta ativa ou omissiva, no caso, do Município ou dos seus agentes.

No mesmo sentido aponta, entre muitos outros, o Acórdão do STA, de 1997/12/18, no recurso n.º 041300, no qual se sumariou que "A responsabilidade civil extracontratual do Estado, por factos ilícitos, com o consequente dever de indemnização dos lesados, assenta na verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:
a) o facto (ato de conteúdo positivo ou negativo) traduzido numa conduta voluntária de um órgão ou seu Agente, no exercício das suas funções e por causa delas;
b) a ilicitude, que advém da ofensa, por esse facto, de direitos de terceiros ou de disposições legais que se destinam a proteger interesses alheios;
c) a culpa, como nexo de imputação ético-jurídico que liga o facto à vontade do agente e que na forma de mera culpa traduz a censura dirigida ao autor do facto por não usado da diligência de um homem normal perante as circunstâncias do caso, ou, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual do Estado por facto ilícito, daquela que teria um funcionário ou agente típico;
d) o dano, lesão ou prejuízo de ordem patrimonial ou não patrimonial, produzido na esfera jurídica de terceiros;
e) o nexo de causalidade entre o facto (ato ou omissão) e o dano, a apurar segundo a teoria da causalidade adequada".

Por outro lado, o art. 6.°, do mesmo Decreto-Lei n.º 48 051, define como ilícitos "os atos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os atos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração".

A verificação da Responsabilização Civil, na aceção imputada ao Município exige pois, designadamente, a ilicitude do ato lesivo, sendo que o ato será ilícito quando viola um dever jurídico, quer se traduza numa violação de direitos de outrem, quer na violação de norma destinada a proteger interesses alheios.

Como afirmou o tribunal a quo no seu discurso fundamentador, a propósito exatamente da ilicitude, “(...) se não havia indicação de que uma viatura daquelas dimensões não podia parar naquele local, se a viatura não se encontrava a circular, mas apenas estava ali parada, é forçoso reconhecer que a berma deveria garantir condições de segurança para o efeito. Caso contrário, o Réu, no cumprimento dos deveres que sobre se recaíam deveria ter sinalizado o local devidamente, mormente, com referência à proibição de estacionamento/paragem de viaturas pesadas no local, ou sinalização de perigo de desabamento para viaturas pesadas.
Ao não o fazer, tendo ocorrido o sinistro nos termos em que supra se expôs, a responsabilidade por tal cabe ao Réu, por se verificar uma conduta omissiva (que lhe era imposta), ilícita, causadora de danos.”

Está pois devidamente imputada a responsabilidade ao Município determinante da ilicitude omissiva do seu comportamento, enquanto violação das regras de prudência comum, na aceção do art. 6.°, do Decreto-Lei n.º 48 051, ao não ter assegurado a solidez suficiente da Berma da sua Estrada Municipal.

Na realidade, o facto ilícito consiste numa ação (ou omissão) praticada por órgãos ou agentes estaduais (em sentido lato) violadora das "normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis" ou "as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração" (art.º 6 do DL 48.051, de 21.11.67).

Com efeito, é patente ter-se verificado uma omissão ilícita por parte do Município ou dos seus agentes, mormente a omissão do seu dever de cuidado e vigilância relativamente ao conjunto da infraestrutura da sua Estrada Municipal aqui em causa, pois que não é suposto que ocorram derrocadas nas bermas das redes viárias municipais, ou de quaisquer outras.

Em conformidade com o regime aplicável e aqui em apreciação, serão ilícitos os atos jurídicos que violem as normas legais e/ou regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os atos materiais que infrinjam estas normas e princípios, ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração.

Haverá, assim, responsabilidade do Estado e demais pessoas coletivas públicas se a conduta ou a omissão contrariar norma ou princípio destinados a proteger os interesses dos particulares.

O pressuposto da ilicitude surge amiúde, indissociável do pressuposto da culpa (negligente), porquanto, uma vez assente a ocorrência de um ato ilícito, na definição que lhe é dada no art. 6.° do DL 48051, ressuma a conclusão de que o agente não procedeu com a diligência adequada a evitar que ocorresse a "violação das normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis (...) ou ainda das regras de ordem técnica e de prudência comum".

O ato, além de ilícito, deve ser culposo. Conforme o artigo 4º, nº 1, do referido diploma, a “culpa dos titulares do órgão ou dos agentes é apreciada nos termos do artigo 487.º do Código Civil”, que, no seu nº 2, preceitua que a “culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso”. É aferida segundo o padrão do bom pai de família ou homem médio (in abstrato).

Há culpa quando o agente, podendo e devendo atuar em conformidade com o que lhe é exigido, adota a conduta proibida; opta pela conduta proibida, omitindo o comportamento devido. E quer essa omissão resulte de impreparação ou falta de cuidado, inconsideração ou desleixo, de qualquer modo, diferente do que assumiria um funcionário diligente, sagaz e preparado (o bónus pater famílias).

Por seu turno, esta culpa pode ser individualizável em algum ou alguns dos seus agentes ou, caso tal não seja possível, pode ser referida ao mau funcionamento orgânico dos serviços da entidade demandada, conforme resulta da interpretação consolidada que o próprio STA adotou relativamente ao supra citado artigo 6.°, nos termos do qual "face à definição ampla de ilicitude contida no art. 6.° do DL. n.º 48 051, a omissão dos deveres gerais aí mencionados preenche simultaneamente os requisitos da ilicitude e da culpa que, assim, se confundem" (cfr. os doutos Acórdãos de 26/09/1996, no rec. n.º 040177, de 01/06/1999, no rec. n.º 043505 e de 24/09/2003, no rec. n.º 01864/02).

No que concerne já à situação concreta sub judice, sempre se dirá que, atenta a matéria dada como provada e o regime legal aplicável, que supra se escalpelizou, importa reconhecer que ocorreu ilicitude e culpa na atuação do Município aqui Recorrente, pois que sempre poderia e deveria ter atuado de modo diverso, impedindo a verificação do sinistro participado.

Tendo-se mostrado provado a verificação in casu de um ato ilícito e culposo resultante de um comportamento omissivo do Município, tal determinou a verificação de responsabilidade civil, e correspondente da procedência (parcial) da Ação, nos termos decididos em 1ª Instância, atenta a circunstância de igualmente se mostrarem preenchidos os restantes requisitos cumulativamente aplicáveis.

Com efeito, ponderando o circunstancialismo fáctico apurado e o peso relativo de cada um dos comportamentos descritos no probatório, não se mostra assim censurável a decisão proferida em 1ª instância, de acordo com a qual cada um dos intervenientes contribuiu para o sinistro, ainda que desigualmente (2/3 e 1/3).

Assim, e em função de tudo quanto se discorreu, reitera-se que se ratifica o teor da sentença proferida em 1ª instância, a qual não merece censura, por ter efetuado uma correta e adequada subsunção do direito aos factos dados como provados, o que determinará a improcedência do Recurso.
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao Recurso, confirmando-se a Sentença Recorrida.

Custas pela Recorrente

Porto, 15 de maio de 2020


Frederico de Frias Macedo Branco
Nuno Coutinho
Ricardo de Oliveira e Sousa