Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00555/10.1BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/30/2014
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Pedro Nuno Pinto Vergueiro
Descritores:RECLAMAÇÃO ART. 276º CPPT. NULIDADE DA SENTENÇA POR NÃO ESPECIFICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DE FACTO.
JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO. IRS. PRESCRIÇÃO. SUSPENSÃO DO PRAZO.
Sumário:I) No que concerne à nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto e de direito, há que ter em atenção que, como é sabido, só se verifica tal nulidade quando ocorre falta absoluta de fundamentação, sendo que há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.
II) Ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 712.º, n.º 1 do CPC, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
III) A reclamação prevista nos artigos 276º e ss do CPPT não se inclui entre os casos de suspensão da prescrição abrangidos pelas designações genéricas de meios processuais incluídas no nº 4 do art. 49º da LGT.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:F... e outro
Recorrido 1:Fazenda Pública
Votação:Maioria
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
F...e A..., inconformados com a sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que, julgando improcedente a reclamação apresentada ao abrigo do artigo 276º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), não considerou verificada a prescrição da dívida em cobrança no processo de execução fiscal nº 2526200401001000, interpuseram, para o Supremo Tribunal Administrativo, recurso de tal decisão, tendo rematado as concernentes alegações com as seguintes conclusões:
«1. A sentença não justifica, para além dessa referência genérica, quais os elementos em concreto que permitiram dar como provados os factos assentes como tal pela decisão recorrida.
2. A mera referência genérica a todos os “elementos juntos aos autos”, sem indicação concreta dos específicos suportes documentais que suportam o juízo relativamente a cada facto, não constitui forma adequada e idónea de cumprir o ónus de fundamentação quanto à matéria de facto.
3. Em sede de fundamentação de facto, o Tribunal tem de indicar e de identificar, relativamente a cada facto, qual o concreto meio de prova que lhe permitiu dar por assente uma determinada factualidade, como resulta do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do 659º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Civil (aplicável ex vi artigo 2.º do CPPT).
4. Não tendo respeitado essas exigências com o sentido supra consignado, o Tribunal a quo fez aplicação de uma norma inconstitucional, qual seja a do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, interpretado no sentido de que a fundamentação da matéria de facto dada como provada não carece de indicação discriminada dos concretos suportes probatórios, o que viola o disposto no artigo 20.º, na dimensão de direito a um processo justo e equitativo - due process of law, com sentido material análogo ao inferido do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, na medida em que dele decorre a necessidade de fundamentação das decisões judiciais, não apenas quanto ao direito aplicável, mas também quanto aos factos que o tribunal tem por provados e/ou não provados.
5. Concomitantemente, constata-se igualmente uma insuficiência ao nível da matéria de facto porquanto o Tribunal não dá como provado nenhum facto apto a demonstrar a efectiva existência e procedência material da causa de suspensão da prescrição que, posteriormente, acabou por revelar.
6. E, quanto a esse ponto, é manifesto, na posição dos recorrentes, que a matéria incluída no ponto “C” da respectiva “fundamentação” e que apenas se refere à existência de um despacho que determinou a suspensão da execução em virtude da dívida se encontrar garantida por uma penhora, não permite só por si o controlo da verificação dos pressupostos de facto que permitem a aplicação conjugada do regime do artigo 49.º/3, da LGT, com o 169.º do CPPT.
7. Para isso, o Tribunal não pode deixar de ponderar, concretamente, se estavam, ou não, reunidos os pressupostos de facto que permitiam a suspensão do processo de execução, sendo certo que essa suspensão sempre teria de decorrer da lei e não de um mero despacho da AT, sendo “o que resulta, aliás, da norma constante do n.º 1 do artigo 169.º do CPPT quando estabelece que a execução fica suspensa sem que se associe este efeito à prática de qualquer acto formal pelo órgão da execução fiscal, contrariamente à solução adoptada para a isenção da prestação de garantia, por exemplo, onde se exige decisão expressa (v. artigos 52.º, n.º 4, da LGT e 170.º, n.ºs 1 e 4 e 199.º, n.ºs 3 e 7 do CPPT)” - cf. Ac. STA de 16/11/2011, Processo n.º 977/11.
8. Nessa óptica, cabia ao Tribunal apurar qual se existia, efectivamente, causa de suspensão da execução e qual o momento a partir da qual a mesma se verificou, o qual não pode referir-se à data do despacho da AT, que não tem natureza constitutiva.
9. Contudo, o Tribunal nem sequer especifica qual o valor das dívidas exequendas ou o valor dos bens penhorados, sem o que não podia ter decidido, como decidiu, pela existência de uma causa de suspensão da execução que decorre da lei e não de uma mera declaração administrativa que, destarte, não se sindicou, fazendo errada aplicação do referido regime legal.
10. O Tribunal erra também, salvo melhor opinião, ao aplicar o disposto no artigo 49.º/3 da LGT a um prazo que se encontrava interrompido e que não se encontrava a correr.
11. O artigo 49º, n.º 3, da LGT, apenas é aplicável aos casos em que esteja a decorrer o prazo de prescrição, não tendo qualquer sentido a sua aplicação perante um prazo que esteja interrompido, até porque a fortiori a interrupção é mais do que a mera suspensão conquanto inutiliza todo o tempo decorrido anteriormente.
12. Encontrando-se o prazo de prescrição interrompido, logicamente não se lhe poderia cumular uma suspensão por manifesta inexistência de objecto: não pode suspender-se o decurso de um prazo que não está a ser contabilizado.
13. Dessa impossibilidade material e jurídica, resulta que a contagem do prazo de prescrição apenas se deve ter por afectada em função da causa que determinou a sua interrupção.
14. Ora, relativamente a esta, a LGT dispunha que se o processo de impugnação (e não o de execução) estivesse parado por mais de um ano por motivo não imputável ao contribuinte, cessa o referido efeito interruptivo. E foi o que sucedeu nos autos.
15. Anote-se que este critério em nada modifica o juízo feito nos pontos anteriores. Ou seja, a sua existência não abala os princípios com que se devem relevar as causas de interrupção ou suspensão do prazo de prescrição, pois se o mesmo não existisse, como sucede actualmente, sempre se manteria o cômputo do prazo como referido no item 16.
16. Ora, a paragem do processo de impugnação por mais de um ano por causa não imputável aos recorrentes determina que se releve todo o período posterior à cessação desse efeito interruptivo, o que determinará, in casu, a prescrição das dívidas.
17. Caso se entenda corresponder ao melhor direito a interpretação efectuada pelo Tribunal recorrido, invocam aqui os recorrentes, ad cautelam, a inconstitucionalidade orgânica do artigo 169.º, n.º 1, do CPPT, por ausência de autorização legislativa para a sua criação, sendo certo que essa norma regula matéria respeitante a garantias dos contribuintes, o que constitui violação do disposto nos artigos 165.º/1/i), 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 2, da CRP.
Termos em que e nos mais de direito deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, revogada a sentença recorrida, com as legais consequências.».

Admitido o recurso com subida imediata e nos próprios autos e remetido o processo ao Supremo Tribunal Administrativo, veio neste a ser proferido despacho pela Exma. Relatora declarando competente para a sua apreciação o Tribunal Central Administrativo Norte.

Recebidos os autos neste Tribunal, veio a Exma. Procuradora Adjunta a emitir parecer no sentido do parcial provimento do recurso louvando-se no anterior parecer emitido pelo Ministério Público junto do Supremo Tribunal Administrativo.

Com dispensa dos vistos legais, atenta a natureza urgente do processo [artigo 707º, nº 4 do Código de Processo Civil (CPC) e artigo 278º, nº 5 do CPPT], cumpre agora apreciar e decidir, visto que a tal nada obsta.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a matéria em análise prende-se com a questão de saber se a sentença sob recurso é nula por falta de fundamentação da matéria de facto e bem assim se a sentença padece de erro de julgamento de facto, por os factos apurados serem insuficientes para sustentar a decisão proferida e ainda apreciar se a sentença recorrida errou de direito ao não ter considerado prescrita a obrigação tributária correspondente à dívida exequenda exigida no processo de execução nº 2526200401001000 e, consequentemente, ao ter julgado improcedente a reclamação apresentada ao abrigo do artigo 276º do CPPT.
3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
A) Contra os Reclamantes foi instaurada execução fiscal com o nº 2526 2004 01001000, no Serviço de Finanças de Castro Daire, com vista à cobrança coerciva de IRS de 1999 e 2000;
B) Relativamente às dívidas exequendas, mencionadas em A., os Reclamantes deduziram, em 25.05.2004, impugnação judicial, contra as liquidações que as originaram;
C) Em 27.05.2004, foi proferido despacho pelo Órgão de Execução Fiscal a determinar a suspensão da execução fiscal mencionada em A., até à decisão da impugnação mencionada em R., nos termos do art. 169.º do CPPT, em virtude de os bens penhorados garantirem a dívida exequenda e acrescido;
D) Por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu datada de 02.09.2009, foi julgada improcedente a impugnação mencionada em B.;
E) Os Executados, aqui reclamantes, solicitaram ao Exm.º Chefe do Serviço de Finanças de Castro Daire, através de requerimento apresentado em 22.11.2010, que reconhecesse a prescrição da dívida exequenda, com a consequente extinção da execução fiscal;
F) O Impetrado, através de despacho de 13.12.2010, indeferiu o requerido na al. E., considerando inverificados os pressupostos da prescrição da dívida;
G) A reclamação que deu origem aos presentes autos visa o despacho mencionado na al. imediatamente anterior.
Factos não provados:
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão.
Por relevante para a decisão da causa, acorda-se, nos termos e ao abrigo do preceituado no artigo 712° do Código de Processo Civil (actual art. 662º), e após ter sido determinada a audição das partes sobre a matéria em apreço, em aditar ao probatório a seguinte factualidade:
H) As dívidas fiscais a que se reporta a alínea A) supra eram, à data de emissão das certidões de dívida, no valor de € 51.980,46 (IRS de 1999) e € 50.107,74 (IRS de 2000) - cfr. documentos de fls. 3 e 4 dos autos apensos cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos.
I) A 9 de Março de 2004 foram, por ordem dos Serviços de Finanças de Castro Daire, realizadas penhoras sobre as fracções F, 1 e G do prédio urbano inscrito na matriz predial segundo o regime de propriedade horizontal sob o artigo 4… e descrito na Conservatória do Registo Predial de Castro Daire sob o n.º 0… [cfr. documentos de fls. 8-31 dos autos apensos, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos].
J) A 26 de Maio de 2004 deu entrada nos Serviços de Finanças de Castro Daire um requerimento formulado pelos Reclamantes no qual estes declararam que «(...) vêm para todos os devidos e legais efeitos informar esse Serviço de Finanças que apresentaram contra as liquidações de IRS dos exercícios de 1999 e 2000 processo de impugnação judicial que corre os seus legais termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu.» [cfr. documento de fls. 33, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
L) Os Serviços de Finanças de Castro Daire, emitiram e enviaram a 10-8-2010, a cada um dos Reclamantes, que o receberam, um ofício com o seguinte teor: «Fica por este meio notificado de que a Impugnação às liquidações de IRS dos anos de 1999 e 2000, na importância de 51 980,46 € e 50 107,74 respectivamente, que deram origem ao processo executivo supra referido, foi julgada improcedente, conforme fotocópia da Sentença (...).Nos termos do n.º 8 do ar. 189º do Código de Procedimento e Processo Tributário fica ainda notificado para, no prazo de 15 dias proceder ao pagamento da dívida e acrescidos, requerer o pagamento em prestações ou solicitar a dação em pagamento. Findo este prazo proceder-se-á à marcação da venda dos bens penhorados.» [cfr. documentos de fls. 53 a 64 cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos].
M) A 6 de Outubro de 2010 foi, pelo Chefe de Serviço de Finanças proferido o seguinte despacho: «Conforme o determinado na alínea a) do n.º 1 do art. 250º do CPPT com a nova redacção dada pela Lei 53-4/2006 de 29 de Dezembro, atento o valor patrimonial, determinado nos termos do Código do Imposto Municipal Sobre Imóveis, de 49 020,00 € para as fracções F e G e 50 840,00 € para a I respeitantes ao artigo urbano 4…da freguesia de Castro Daire, nos termos do n.º 4 do art. 250º do CPPT, fixo o valor base de venda em:
34 314,00 € para a fracção F (49.020,00 €x 70%);
34 314,00 € para a fracção G (49.020,00 €x 70%) e
35 588, 00€ para a fracção 1(50.840,00 €x 70%); (...)» [cfr. documento de fls. 66, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
N) O requerimento referido em G) deu entrada em juízo a 29 de Dezembro de 2010.
O) O processo id. em B) esteve parado entre 25-05-2004 e 20-10-2006 e entre 11-03-2008 e 08-06-2009 (fls. 233 destes autos).
P) A sentença referida em D) transitou em julgado em 17-09-2009 (fls. 233 destes autos).
«»
3.2. DE DIREITO
Como é sabido, o presente acórdão é proferido na sequência do Ac. do Tribunal Constitucional proferido nos autos, de acordo com o qual foi julgada inconstitucional a norma extraída do nº 3 do art. 3º e da al. a) do nº 1 do art. 712º do C. Proc. Civil, quando interpretados no sentido de permitirem que o TCA proceda oficiosamente à ampliação da matéria de facto sem prévia audição das partes, determinando a reforma da decisão recorrida em conformidade com o agora decidido quanto à questão de inconstitucionalidade.
Nesta sequência, e como já assinalado, mantendo-se a pertinência do recurso ao disposto no art. 712º do C. Proc. Civil (art. 662º), foi eleita a matéria de facto a ser aditada, determinando-se a notificação das partes para tomarem posição sobre a matéria em apreço, verificando-se que nenhuma delas assumiu qualquer iniciativa perante as aludidas notificações, o que redundou no aditamento da matéria acima elencada em função da sua óbvia relevância para a decisão da causa.

Nesta sequência, e numa primeira fase, na linha do trabalho vertido no acórdão oportunamente proferido nos autos, com a devida vénia, assente a factualidade supra, cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal, estará, desde logo, cometida a tarefa de apreciar a invocada nulidade da sentença por falta de fundamentação da matéria de facto
A primeira questão colocada no presente recurso jurisdicional é a da nulidade da sentença por falta de fundamentação dos factos provados.
Alegam, nesse sentido, os Reclamantes que, na sentença não foram indicados quais os elementos em concreto que permitiram dar como provados os factos assentes como tal pela decisão recorrida, tendo-se o Tribunal a quo limitado a uma referência genérica aos elementos documentais, o que, por não constituir forma adequada e idónea de cumprir o ónus de fundamentação quanto à matéria de facto, consubstancia violação do preceituado nos arts. 123.º, n.º 2, do CPPT (numa interpretação conforme a constituição) e do 659.º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Civil (1ª a 4ª Conclusões das alegações de recurso transcritas no ponto I supra).
Vejamos.
Nos termos do disposto no artigo 123º, nº 2 do CPPT, na sentença o juiz discriminará a matéria provada da não provada, “fundamentando as suas decisões”.
Por seu turno, a norma do nº 3 do artigo 659º do CPC, aplicável por força do estatuído no artigo 2º, alínea e) do CPPT, preceitua o seguinte: “na fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal colectivo deu como provados, fazendo o exame crítico das provas que lhe cumpre conhecer.” [sublinhado nosso].
Da conjugação destes normativos resulta, portanto, a imposição legal de que na sentença se explicite a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, a qual terá de consistir numa exteriorização mínima do exame crítico a que foram submetidas as provas produzidas, “o qual se deverá consubstanciar no esclarecimentos dos elementos probatórios que levaram o tribunal a decidir a matéria de facto como decidiu e não de outra forma e, no caso de elementos que apontem em sentidos divergentes, as razões por que foi dada prevalência a uns sobre os outros” - nestes termos, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Volume 1, 2006, pág. 906, nota 5.
Na verdade, como se refere no acórdão STA 12 Fev. 2003, recurso 1850/02, “a fundamentação das decisões judiciais, em geral, cumpre duas funções: a) uma, de ordem endoprocessual, que visa essencialmente impor ao juiz um momento de verificação lógica da decisão, permitir às partes o recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação e, ainda, colocar o tribunal de recurso em posição de exprimir, em termos mais seguros, um juízo concordante ou divergente; b) outra, de ordem extraprocessual, já não dirigida essencialmente às partes e ao juiz ad quem, que procura, acima de tudo, tornar possível um controlo externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão. O conhecimento das convicções do julgador quanto à matéria de facto e dos critérios de avaliação da prova com que operou é essencial para o controlo da definição da verdade que o mesmo deu como existente. Repetindo o Tribunal Constitucional, a fundamentação das decisões judiciais, em geral, e particularmente em relação à matéria de facto, é assim uma expressão do princípio do Estado de Direito democrático, na sua vertente de controlo público da justiça ... A decisão da matéria de facto nunca pode surgir, assim, como um resultado justificado apenas subjectivamente, como se tratasse de uma simples afirmação de um poder judicativo pessoal, mas tem, ao invés, de estar suportada em razões objectivadas e objectivamente controláveis quanto à razoabilidade dos critérios de aferição da realidade dada como assente ou julgada como não assente, mormente quando esses critérios não estão predefinidos legalmente, como acontece nas provas de valor legal, mas assentam antes em modos racionais de conhecimento da realidade, como as máximas de experiência comum, do saber científico, psicológico, técnico, etc. (...)“.
Importa, porém, salientar, que a jurisprudência dos nosso Tribunais Superiores vêm entendendo de forma unânime que apenas constitui nulidade a omissão total da falta de exame crítico das provas, ainda que se devam equiparar a essa falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha a mínima relação com o julgado ou seja ininteligível, já que, nessas situações, se estará apenas perante uma mera aparência de fundamentação (neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, ob. cit. pág. 909 e acórdão STA 29 Mai. 2002, recurso n° 228/02, disponível na sua versão integral no sítio www.dgsi.pt.).
Revertendo agora à análise da sentença recorrida, o que se constata, como, de resto, os Reclamantes bem salientam, é que o Tribunal para fundamentar a decisão de facto o Tribunal adiantou que a mesma assentava nos «elementos juntos aos autos» (vide, ponto III supra).
Ou seja, ainda que sem especificar ou concretizar por referência a cada um dos factos qual o concreto documento em que suportava a sua convicção, é indiscutível a expressa referência a documentos constantes dos autos, pelo que, não pode falar-se, seguramente, de total ausência de fundamentação.
A questão que pode colocar-se é se essa referência deve equiparar-se a omissão total, por do confronto do teor dos factos com a prova produzida não ser possível estabelecer a necessária relação entre aqueles factos e a respectiva prova (fundamentação).
Não cremos, porém, que tal equiparação deva ser realizada.
Efectivamente, tendo os factos apurados sido integralmente dados por apurados com base em documentos constantes dos autos (isto é, sem recurso a qualquer depoimento testemunhal que, de resto, não foi produzido, e de cuja não individualização poderia efectivamente resultar dificuldades ou mesmo ininteligibilidade de compreensão dos elementos de prova que suportariam a decisão), e não resultando do processo que neste existam documentos impugnados quanto ao seu teor (que é o que releva em sede de apuramento de matéria de facto, independentemente da divergência quanto às ilações de direito que desse teor se pretendam extrair), facilmente se conclui, da sua apreciação, quais os documentos que suportaram a decisão da matéria de facto e que são, aliás, ou documentos apresentados pelos próprios Reclamantes ou documentos cujo teor estes não podem desconhecer por ter sido na sequência da sua notificação que assumiram determinadas condutas posteriores.
Assim, que: contra os Reclamantes foi instaurada execução fiscal e que contra essa execução aqueles deduziram impugnação judicial [matéria de facto vertida nas alíneas A) e B)], resulta dos documentos de fls. 1 e 2 destes autos e fls. 2- 7 dos autos apensos; que foi proferido despacho pelo órgão de execução fiscal a determinar a suspensão daquela execução até à decisão da impugnação judicial deduzida pelos reclamantes por os bens penhorados garantirem a dívida exequenda [matéria vertida na alínea C) do probatório] resulta inequívoco do teor do documento de fls. 1 e 2 destes autos de reclamação e fls. 8-36 e 105-106 dos autos administrativos apensos; que no âmbito da Impugnação Judicial foi proferida sentença a 2-9-2009, julgando a mesma improcedente [alínea D) dos factos apurados], resulta claramente do documento constante de fls. 51-52 dos autos e, por último, que os ora Recorrentes apresentaram, posteriormente, um requerimento ao Chefe de Finanças pedindo a declaração da prescrição das dívidas exequendas e a extinção, com esse fundamento, do processo executivo, que lhes veio a ser indeferido, e que desse despacho apresentaram reclamação judicial [a presente Reclamação Judicial - matéria vertida no probatório nas alienas E), F) e G)], colhe-se directamente dos documentos constantes de fls. 4-14, 17-18, destes autos, 96-97 e 105-107 dos autos administrativos, de que os Reclamantes foram notificados, como também resulta dos documentos de fls. 110 a 120.
Em suma, considerando que todos os factos vertidos no probatório se encontram inequivocamente comprovados nos autos pelos documentos nestes integrados e que da sua compulsão não resulta dúvida alguma sobre quais os documentos que concretamente suportam cada um dos factos apurados, forçoso é concluir que a fundamentação da decisão aduzida sobre a matéria de facto deve ser considerada, no caso concreto, bastante à satisfação das finalidades subjacentes às imposições legais constantes das normas dos artigos 123º, nº 2 do CPPT e 659º, nº 3 do CPC.
Impõe-se, pois, decidir pela improcedência, nesta parte, do recurso interposto por a sentença recorrida não enfermar da nulidade de fundamentação que lhe vem assacada pelos Recorrentes.

Do erro de julgamento de facto por os factos apurados serem insuficientes para sustentar a decisão proferida
Mas os Recorrentes não se conformam também com o julgamento de facto que defendem ser insuficiente para sustentar a decisão que a final veio a ser tomada.
É pelo menos este o entendimento que se extrai das conclusões 5. a 9. das suas alegações de recurso, nas quais os Recorrentes afirmam que: (1) «o Tribunal não dá como provado nenhum facto apto a demonstrar a efectiva existência e procedência material da causa de suspensão da prescrição que, posteriormente, acabou por revelar» (conclusão 5.); (II) «é manifesto, na posição dos recorrentes, que a matéria incluída no ponto “C” da respectiva “fundamentação” e que apenas se refere à existência de um despacho que determinou a suspensão da execução em virtude da dívida se encontrar garantida por uma penhora, não permite só por si o controlo da verificação dos pressupostos de facto que permitem a aplicação conjugada do regime do artigo 49.º/3, da LGT, com o 169.º do CPPT» (conclusão 6.) e que (iii) o Tribunal não podia ter deixado de ponderar, «concretamente, se estavam, ou não, reunidos os pressupostos de facto que permitiam a suspensão do processo de execução, sendo certo que essa suspensão sempre teria de decorrer da lei e não de um mero despacho da AT, sendo “o que resulta, aliás, da norma constante do n.º 1 do artigo 169.º do CPT quando estabelece que a execução fica suspensa sem que se associe este efeito à prática de qualquer acto formal pelo órgão da execução fiscal, contrariamente à solução adoptada para a isenção da prestação de garantia, por exemplo, onde se exige decisão expressa (v. artigos 52.º, n.º 4, da LGT e 170.º, n.ºs 1 e 4 e 199º, n.ºs 3 e 7 do CPPT)” - cf. Ac. STA de 16/11/2011, Processo n.º 977/11» (conclusão 7).
Tudo, para concluir, que cabia ao Tribunal apurar se existia, efectivamente, causa de suspensão da execução e qual o momento a partir da qual a mesma se verificou, o qual não pode referir-se à data do despacho da AT, que não tem natureza constitutiva.
Cremos que, também nesta parte o recurso interposto não tem fundamento.
E, para assim o demonstrarmos, comecemos por deixar claro que o que os Recorrentes neste recurso pretendem não é impugnar a decisão da matéria de facto apurada.
Na verdade, conforme resulta das conclusões que em súmula se transcreveram, os Recorrentes não vêm pôr em causa que a execução fiscal esteve suspensa ou que não foi proferido o despacho de suspensão a que se reporta a alínea C) do ponto III supra, até porque, naturalmente, sabem, e sempre souberam, que a 27 de Abril de 2004 o Chefe de Finanças, por os bens já penhorados na execução garantirem a dívida exequenda e acrescido, decidiu ordenar a suspensão da execução até à decisão da impugnação deduzida, o que fazia nos termos e com os fundamentos do artigo 169º do CPPT.
Impugnação judicial essa, de resto, de que o órgão de execução fiscal só veio a ter conhecimento por os próprios Reclamantes o terem expressamente informado por requerimento subscrito pelo seu Ilustre Mandatário a 25 de Maio de 2004 (data de entrada da Impugnação Judicial em juízo) e no qual expressamente afirmam que essa informação tem em vista «todos os devidos e legais efeitos».
Foi, pois, na sequência desse requerimento (e da informação dos serviços de que efectivamente os bens penhorados eram suficientes a garantir a divida exequenda e acrescidos), que a 27 de Abril de 2004 veio a ser proferido o despacho ordenando a suspensão da execução.
Pelo que, face ao que vimos dizendo, e ao que resulta das conclusões, se conclui que o que os Reclamantes pretendem é discutir a (in) suficiência da matéria de facto por entenderem que o seu pedido de declaração de prescrição das dívidas exequendas não podia ter sido decidido sem o Tribunal a quo ter averiguado, apurado, da bondade de tal decisão (despacho), de suspensão do processo executivo.
Adiantemos, desde já, que o assim aduzido, para além de se nos afigurar temerário é legalmente insustentável.
Temerário, porque a referida suspensão resultou, também (porque não exclusivamente), da própria comunicação feita pelos Reclamantes ao processo de execução fiscal informando da pendência da Impugnação Judicial e do pedido implícito dos Reclamantes no sentido de tal suspensão ser considerada. Não vemos que outro possa ser o sentido a dar à expressão utilizada pelos Recorrentes no seu requerimento de que vinham «para todos os devidos e legais efeitos informar esse Serviço de Finanças que apresentaram contra as liquidações de IRS dos exercícios de 1999 e 2000 processo de impugnação judicial que corre os seus legais termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu.» (cfr. Alínea H) por nós aditada ao probatório) ou, pelo menos, não vemos que esse não tivesse que ser um dos efeitos que pediam que fosse considerado e que, nas circunstâncias em causa, necessariamente teria que ser apreciado como um efeito «legal» possível atento o preceituado no artigo 169º do CPPT.
Temerário, ainda, porque tendo os Recorrentes beneficiado da suspensão da execução fiscal, com o consequente não prosseguimento da execução, designadamente com a realização das diligências relativas à venda dos bens penhorados e efectivação da venda até decisão da impugnação judicial, a pretensão a beneficiar agora dos efeitos que resultariam da não suspensão que, repita-se, também pediram, se afigura quase um venire contra factum proprium.
Legalmente insustentável porque, por um lado, tendo os Recorrentes tido conhecimento oportuno da suspensão e do despacho que a ordenou e não o tendo impugnado (no que obviamente não tinham interesse já que os beneficiava), não podem agora ver sindicada uma decisão que há muito se encontra sedimentada na ordem jurídica e, por outro, o que é realmente decisivo, porque o despacho em causa se impunha nos termos do já citado artigo 169º do CPPT.
Efectivamente, resulta da norma citada que: «1 - A execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objecto a legalidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem n.º 90/436/CEE, de 23 de Julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correcção de lucros entre empresas associadas de diferentes Estados membros, desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que será informado no processo pelo funcionário competente. » [sublinhado de nossa autoria].
Ou seja, tendo os impugnantes informado e efectivamente impugnado judicialmente as liquidações relativas ao IRS de 1999 e 2000 e entendendo o órgão de execução fiscal que existiam já nos autos penhora sobre bens suficientes a garantirem a dívida exequenda e acrescidos, não podia a execução fiscal prosseguir, isto é, não podiam nem deviam ser praticados quaisquer outros actos ou diligências pela Administração Fiscal por a tal se opor o disposto no artigo 169º, n.º 1 do CPPT.
Conduta e efeitos esses que a Administração assumiu e determinou, não só, repita-se, por os Recorrentes lhe terem solicitado como por se verificarem no caso as exigências de facto e direito de que estava dependente essa suspensão que, por estas razões, se mostra inatacável.
E, sendo assim, isto é, sendo inquestionável a existência de um despacho de suspensão da execução, estando este incluído nos factos apurados e tendo sido neste que o Tribunal sustentou a sua decisão de improcedência da reclamação do acto de indeferimento da Administração Tributária de «declaração da prescrição» não existe, contrariamente ao que os Recorrentes pretendem fazer crer, qualquer insuficiência da matéria de facto.
A questão que pode colocar-se - e que de resto os Recorrentes também parece quererem discutir ao expressamente se referirem a uma «efectiva existência e procedência material da causa de suspensão da prescrição que, posteriormente, acabou por revelar» e a uma impossibilidade de controlo da verificação dos pressupostos de facto que permitem a aplicação conjugada do regime do artigo 49.º/3, da LGT, com o 169.º do CPPT» - é a de saber se o Tribunal a quo errou no julgamento realizado ao ter aceite como bastante ao conhecimento da prescrição o facto de existir uma impugnação judicial e um despacho de suspensão da execução fiscal e ao ter entendido que no caso concreto era irrelevante apurar de uma eventual paragem do processo judicial de impugnação por prazo superior a 1 ano por causa não imputável aos Recorrentes.
Porém, tal alegação ou pretensão não consubstancia já qualquer erro de julgamento em sede de matéria de facto, mas erro de julgamento de direito (ou de bondade jurídica da decisão), que, por esse motivo, apenas na sede própria se apreciará.
Improcede, pois, também nesta parte, o recurso interposto.

Do erro de julgamento de direito cometido por se não ter sido considerada prescrita a obrigação tributária
Por fim, vêm ainda assacada à sentença recorrida o erro de julgamento de direito consubstanciado na decisão de não verificação da prescrição e consequente improcedência da reclamação.
Vejamos, então, se lhe assiste razão.
Em 1ª instância, a apreciação do mérito dos autos surge suportada no seguinte discurso fáctico - jurídico:
«O que os Reclamantes pretendem com a Reclamação é que se declare a prescrição da dívida exequenda. Foi isso que pediram no requerimento que originou o despacho reclamado e também nesta reclamação, pedindo a procedência, por provada, da presente reclamação, com declaração de prescrição das dívidas exequendas e consequentemente a extinção do processo executivo.
(...)
A quantia exequenda no processo de execução aqui em causa respeita a IRS dos anos de 1999 e 2000.
Em 1998 foi publicada a LGT, que entrou em vigor a partir de 1 de Janeiro de 1999, e nos termos da qual o prazo de prescrição das dívidas tributárias passou a ser de oito anos, salvo o que resulte de lei especial, efectuando-se a contagem conforme se esteja perante impostos periódicos ou de obrigação única, respectivamente, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário ou a partir da data em que o facto tributário ocorreu (art.º 48°, n.º 1).
O que significa que tem inteira e cabal aplicação o regime de prescrição previsto na Lei Geral Tributária (LGT), mormente art.º 48º e 49º.
Conforme preceituado pelo art.º 48°, nº. 1 da LGT, o prazo de prescrição, nos impostos classificados como periódicos (caso do IRS), conta-se a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário.
No caso do IRS, o termo inicial de contagem do prazo de prescrição, que é de oito anos, data de 01.01.2000, para o IRS do ano de 1999 e 01.01.2001 em relação ao IRS do ano de 2000.
Nos termos do n.º 1 do art.º. 49º interrompem a prescrição, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação, o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo e a citação, esta a partir da alteração introduzida pela Lei n.º 100/99, de 26 de Julho.
Nos termos do n.º 3 do mesmo preceito o prazo da prescrição suspende-se “por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou de reclamação, impugnação ou recurso”.
Ainda nos termos do n.º 2 do mesmo preceito legal (na redacção aplicável ao caso) a paragem do processo, por período superior a um ano, por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no n.º 1 somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação.
Resulta da alínea B. dos factos provados que os executados apresentaram processo de impugnação judicial em 25.05.2004 contra as liquidações em causa.
Nos termos do art.º 49º, nº. 1 da LGT, a dedução de impugnação judicial é causa de interrupção da prescrição, a qual tem por efeito a inutilização para a prescrição de todo o tempo decorrido anteriormente, uma vez que há que fazer apelo ao conceito do art.º 326º, nº. 1 do Código Civil.
No entanto, quando ocorrer paragem do processo por período superior a um ano e devido a facto não imputável ao sujeito passivo, nos termos preceituados no art.º 49º, nº. 2 da LGT (na redacção ao tempo), o facto potencialmente interruptivo, passa a ter um efeito meramente suspensivo, pois, limita-se a impedir o curso do prazo de prescrição entre a ocorrência do facto e o momento em que se completasse mais de um ano de paragem do processo.
Ou seja, desaparece o efeito próprio da interrupção de inutilização do tempo decorrido anteriormente, tudo se passando como se o facto que era interruptivo fosse um facto suspensivo.
Como bem salienta a RFP, em sede de resposta, o facto de o processo de impugnação ter estado parado por facto não imputável ao contribuinte por período superior a um ano, ou não (uma vez que dos autos não consta essa informação), é irrelevante para o caso dos autos.
Porquanto, como resulta dos factos provados, em 27.05.2004, foi lavrado despacho pelo Órgão de Execução Fiscal a determinar a suspensão da execução até à decisão da impugnação, nos termos do disposto no art.º 169º do CPPT, porquanto os bens penhorados no âmbito do processo de execução fiscal nº. 2526 2004 01001000 garantem a dívida exequenda e acrescido,
Por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu datada de 02.09.2009, foi julgada improcedente a impugnação a que vimos aludindo.
Ora, nos termos do disposto no art.º 49º, nº. 3 da LGT, o prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal derivada da existência de processo de impugnação judicial, atento o facto de os bens penhorados garantirem a dívida.
Situação que aconteceu no caso apreciado, uma vez que, em consequência da apresentação de impugnação judicial, foi o processo de execução fiscal instaurado com vista à sua cobrança, suspenso por os bens penhorados serem suficientes para garantirem a dívida.
O que demonstra que, pelo menos, desde 25.05.2004 - momento da ocorrência do facto interruptivo da prescrição com a apresentação de processo de impugnação judicial -, conjugado com a suspensão do processo de execução fiscal iniciada em 27.05.2004 até 02.09.2009, data em que foi proferida sentença de impugnação judicial, o processo de execução esteve suspenso nos termos do art.º 49º, nº. 3 da LGT. Suspensão do processo de execução fiscal que tem como consequência a suspensão do correlativo prazo de prescrição da dívida.
(...)
Analisemos, agora, em concreto a contagem do prazo de prescrição.

A dívida de 1999, cujo início do prazo de prescrição iniciou-se em 1 de Janeiro de 2000, via o termo do prazo de prescrição em 1 de Janeiro de 2008. Contudo, importa proceder ao desconto do prazo de suspensão que ocorreu desde 27.05.2004 até 02.09.2009. Assim de 1 de Janeiro de 2000, até 27 de Maio de 2004, decorreram 4 (quatro) anos 4 (quatro) meses e 27 (vinte e sete) dias.
A partir de 02.09.2009 até 31.03.2012 decorreram 2 (dois) anos, 6 (seis) meses e 29 (vinte e nove) dias. Ora, somando-se este período ao anterior, constata-se que o prazo de oito anos ainda não decorreu para a dívida de 1999.
Se assim o é para a dívida de 1999, por maioria de razão o é para a dívida de 2000, cujo início do prazo de prescrição iniciou-se em 1 de Janeiro de 2001.
Concluindo-se que o prazo de prescrição das dívidas em causa ainda não estão prescritas.
Somos assim a concluir pela manutenção do despacho que indeferiu a pretensão de extinção do processo de execução fiscal por prescrição da dívida exequenda, uma vez que, nos termos supra expostos, à interrupção do prazo prescricional motivada pela apresentação de processo de impugnação judicial, acresce a suspensão do processo executivo justificada pela apresentação de impugnação judicial e pelo facto de os bens penhorados garantirem a divida, o que acarreta igualmente a suspensão do prazo de prescrição.
Pelo exposto, sem necessidade de mais considerandos, entendemos como não verificada a alegada prescrição da dívida exequenda. ».

Adiantamos, desde já, que o assim decido não pode, nesta altura, manter-se.
Efectivamente, estando em causa dívidas relativas a IRS dos anos de 1999 e 2000 (cfr. alínea A) da factualidade apurada) dúvidas não se suscitam quanto a ser no quadro legal definido nesta matéria na Lei Geral Tributária (entrada em vigor no dia 1- 1-1999), mais concretamente nos seus artigos 48º e 49º, que a apreciação e decisão sobre a eventual prescrição das mesmas se há-de mover e tomar, o que, de resto, nem sequer é contestado pelos Recorrentes.
E, sendo assim, isto é, sendo inquestionável que o prazo de prescrição é o prazo de oito anos ali previsto, o que importava decidir era, como afirmado na sentença recorrida, se tal prazo efectivamente se encontrava já consumado na data em que os Recorrentes peticionaram esse reconhecimento.

Da impossibilidade legal de se extraírem, para contagem do prazo prescricional, efeitos a uma causa suspensiva ocorrida na data em que o mesmo prazo, por uma outra causa, se encontra já interrompido.
Para os Recorrentes, como vimos, o Tribunal a quo andou mal ao ter assentado toda a decisão num despacho de suspensão da execução e ao ter-lhe atribuído efeitos suspensivos do prazo de prescrição uma vez que, alegam, encontrando-se aquele prazo prescricional interrompido pela interposição da impugnação judicial, a posterior suspensão da execução fiscal não era apta a produzir o efeito suspensivo do prazo que lhe veio a ser reconhecido.
Este argumento assume, naturalmente, extrema importância na economia do seu recurso, constituindo mesmo, em nosso entender, seu fundamento nuclear já que, a ser assim, é manifesta a existência de erro de julgamento de direito na sentença sob recurso, quer na parte em que no julgado foi entendido que a suspensão da execução fiscal tinha efeitos sobre a contagem do prazo prescricional, porque suspensivo deste, quer na parte em que se julgou irrelevante a paragem do processo de impugnação judicial por período superior a 1 ano por facto não imputável ao Impugnante.

Vejamos, pois, se a Lei lhes reconhece razão, tendo presente que, no que se reporta aos factos interruptivos e/ou suspensivos do prazo prescricional se aplicam as normas vigentes no momento da ocorrência de tais factos.
Os artºs. 48º e 49º da LGT, na sua redacção inicial, dispunham o seguinte:
“Artigo 48º
Prescrição
1 - As dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu.
2 - As causas de suspensão ou interrupção da prescrição aproveitam igualmente ao devedor principal e aos responsáveis solidários ou subsidiários.
3 - A interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efectuada após o 5° ano posterior ao da liquidação.
Artigo 49º
Interrupção e suspensão da prescrição
1 - A reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.
2 - A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação.
3 - O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento ou prestação legalmente autorizada, ou de reclamação, impugnação ou recurso.»
A Lei nº 100/99, de 26/6, alterou os nºs. 1 e 3 deste artº. 49º, os quais ficaram a ter a seguinte redacção:
«1 - A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.
3 - O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou de reclamação, impugnação ou recurso.»
Posteriormente, a Lei nº 55B/2004, de 30/12, alterou o nº 1 daquele artº. 48º da LGT, o qual ficou com a redacção seguinte:
«1 - As dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do inicio do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.»
Finalmente, a Lei nº 53ºA/2006, de 29/12, veio alterar o citado artº. 49º da LGT, revogando o seu nº 2 (revogação que se aplica a todos os prazos de prescrição em curso, objecto de interrupção, em que ainda não tenha decorrido o período superior a um ano de paragem do processo por facto não imputável ao sujeito passivo - art. 91º da Lei nº 53-A/2006, de 29/12), alterando a redacção do seu nº 3 e aditando o actual nº 4.
Assim a actual redacção desse preceito é a seguinte:
«1 - A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.
2 - Revogado
3 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar.
4 - O prazo de prescrição legal suspende-se em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida.»
Expostos os normativos jurídicos relevantes e aplicados os mesmos aos factos dos autos, temos que, como bem se encontra reconhecido pelos Recorrentes, o prazo iniciado a 1-1-2000 (IRS de 1999) e a 1-1-2001 (IRS de 2000) se interrompeu com a apresentação da impugnação judicial pelos Executados a 25-5-2004.
A questão que os Recorrentes colocam, como vimos, é a de saber se, estando tal prazo interrompido pela apresentação de impugnação judicial, uma eventual suspensão do processo executivo produz quaisquer efeitos no decurso da contagem desse prazo, designadamente, se tendo esse prazo reiniciado o seu curso por virtude de paragem do processo de impugnação judicial por período superior a 1 ano por causa que não lhes é imputável, a suspensão da execução pode produzir quaisquer efeitos na contagem daquele prazo, isto é, se daquela suspensão do processo executivo pode derivar a suspensão do prazo de prescrição.
Entendemos, tal como tem vindo a ser pugnado pela doutrina e defendido pela jurisprudência, actualmente de forma pacífica, que sim.
Jorge Lopes de Sousa, expõe, de forma clara, as razões desta nossa opção: «Existindo uma causa de suspensão autónoma em relação ao facto com efeito interruptivo, ela produzirá os seus próprios efeitos independentemente dos produzidos pelo facto interruptivo, pelo que poderá obstar ao decurso do prazo de prescrição em situações em que não é produzido esse efeito pelo facto interruptivo. Se tanto este facto como o facto interruptivo eliminarem a relevância do mesmo período de tempo para a prescrição, será irrelevante a existência de causa de suspensão, pois esse período já não será contado para a prescrição por força do facto interruptivo. Mas, se houver algum período do prazo que não é eliminado pelo facto interruptivo e é pelo facto suspensivo, cumular-se-ão os efeitos dos dois factos» (“Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária: Notas Práticas”, 2. ed., Lisboa, Áreas Editora, 2010,Ob. cit., págs. 64/65).
Por sua vez, segundo jurisprudência dominante do Supremo Tribunal, vertida, entre outros, nos Acórdãos de 7-12-2010 (processo nº. 490/10), 14/9/2011 (processo n.º 1010/2010) e 28-3-2012 (processo n.º 213/12) “das normas contidas nos artigos 169º, nº 1, do CPPT e 49º, nº 3, da LGT decorre que a execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de impugnação judicial que tenha por objecto a legalidade da dívida exequenda «desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195º ou prestada nos termos do artigo 199º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido», que «o prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de (...) impugnação ou recurso». O que significa que, uma vez constituída ou prestada garantia ou realizada penhora de bens suficientes para garantia do pagamento da divida e acrescido, aliada à pendência de processo de impugnação judicial, fica legalmente suspensa a execução fiscal até à decisão do pleito, e esta suspensão determina, por sua vez, a suspensão do próprio prazo de prescrição que esteja em curso ou daquele que houvesse de reiniciar-se por virtude da cessação de algum efeito interruptivo da prescrição» e que «A impugnação judicial interrompe a prescrição, mas a paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo, faz cessar tal efeito, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse periodo ao que tiver decorrido até à data da autuação (nºs 1 e 2 do artigo 49º da LGT). Porém, se a execução se encontrar suspensa em virtude de prestação de garantia ou de penhora de bens que garantam a totalidade da dívida e do acrescido, ao abrigo do art. 169° do CPPT, a paragem do processo não releva para efeitos de prescrição, uma vez que, em face do disposto no nº 3 do art. 49° da LGT, a prescrição se suspende também com a paragem da execução[com sublinhados de nossa autoria].
Em suma, contrariamente ao defendido pelos Recorrentes, não há impedimento legal algum a que da verificação de uma causa suspensiva do prazo de prescrição sejam extraídos os seus naturais efeitos (suspensivos) ainda que o mesmo prazo tenha estado interrompido ou estejam verificadas as condições ao seu reinicio (no caso, eventual paragem do processo por facto não imputável ao impugnante por período superior a 1 ano) uma vez que os efeitos da referida suspensão, adormecidos, assumem a sua potencialidade neutralizadora até ao momento que, por força de Lei, se devam deixar de lhe ser reconhecidos tais efeitos suspensivos.

No que concerne à natureza do despacho do órgão de execução fiscal ou à dependência da suspensão do processo executivo de tal despacho, tendemos a concordar com os Reclamantes.
Esta questão, que com bastante acuidade tem vindo a ser apreciada pelos nossos Tribunais Superiores (embora, curiosamente, e pelo menos tanto quanto conseguimos averiguar das situações materializadas nos vários acórdãos consultados, seja exactamente a omissão da prolação desse despacho ou da sua notificação que os Recorrentes vêm invocar como fundamento de inexistência de suspensão ou da sua irrelevância jurídica, isto é, precisamente o contrário do que aqui vem posto em causa) tem vindo a obter resposta inequívoca: a suspensão do processo executivo não deriva do despacho que eventualmente a determine mas da verificação dos pressupostos que legalmente a exigem.
Neste sentido, escreveu-se, aliás, no Acórdão de 16-11-2011 do Supremo Tribunal Administrativo «Com efeito, decorrendo da lei que a suspensão da execução ocorre quando verificados determinados pressupostos, impõe-se à AT a partir desse momento que a execução se suspenda, pois, desde logo, não tendo a AT a possibilidade de praticar na mesma qualquer acto que contenda com o referido efeito suspensivo, sob pena de ilegalidade. De outro modo, a considerar-se que a AT sempre poderia ir praticando alguns actos no processo até que decidisse suspender a execução, gorar-se-ia o efeito suspensivo que a lei quis atribuir quando verificados determinados pressupostos. É o que resulta, aliás, da norma constante do n.º 1 do artigo 169.º do CPT quando estabelece que a execução fica suspensa sem que se associe este efeito à prática de qualquer acto formal pelo órgão da execução fiscal, contrariamente à solução adoptada para a isenção da prestação de garantia, por exemplo, onde se exige decisão expressa (v. artigos 52.º, n.º 4, da LGT e 170.º, n.ºs 1 e 4 e 199º, n.ºs 3 e 7 do CPPT).» [No mesmo sentido, vide, Ac. do TCAN de 12-1-2012 (processo n.º 1138/09.4BEPRT) e de 30-11-2011 (processo n.º 1750/09.1 BEBRG)].
Também no mesmo sentido, e ainda com maior pertinência para a questão em apreciação, aquele mesmo Tribunal Superior em recentíssimo acórdão (19-12-2012, proferido no processo n.º 1372/12) deixou, lapidarmente assente que «O despacho que determina a suspensão da execução ao abrigo do disposto no artº 169º nº 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário constitui um acto predominantemente processual em que o órgão de execução fiscal actua no âmbito do processo executivo, vinculado a um quadro normativo que regula o legal andamento do processo, e sujeito a estritas regras e princípios processuais.
Ou seja, tal como advogado pelos Recorrentes, a suspensão da execução fiscal por força do disposto no n.º 1 do artigo 169º do CPPT não está dependente da existência de um despacho do órgão de execução fiscal, acto predominantemente processual em que o órgão de execução fiscal actua no âmbito do processo executivo, vinculado a um quadro normativo que regula o legal andamento do processo, e sujeito a estritas regras e princípios processuais, mas da efectiva verificação material dos pressupostos legais determinantes dessa mesma suspensão pelo que, o que é verdadeiramente relevante, para efeitos de apreciar da existência de causa de suspensão ou da data de relevância dos seus efeitos não é saber se houve despacho por parte do órgão de execução fiscal a determinar a suspensão ou se tal despacho foi notificado ao Executado mas sim saber se, no caso concreto, estavam verificados os requisitos legais ao reconhecimento da suspensão, em que data os mesmos se verificaram e até quando se mantiveram a produzir efeitos.
Porém, este reconhecimento da argumentação aduzida é, como demonstraremos, inconsequente.
Na verdade, no caso concreto, a suspensão da execução fiscal estava, na ausência de prestação de qualquer garantia voluntariamente prestada, dependente, nos termos do preceituado no n.º 1 do artigo 169º do CPPT, da verificação de dois requisitos cumulativos: (1) instauração de processo a que a lei reconhecesse esse efeito e (2) a existência de penhora de bens suficientes a garantir a divida exequenda e acrescido legal.
Como resulta da matéria de facto apurada, por requerimento de 25 de Maio de 2004, os Recorrentes, para além do mais (e que em sede de erro de julgamento de facto ficou já apreciado) deram conhecimento ao processo de execução fiscal de que haviam instaurado impugnação judicial tendo em vista a apreciação da legalidade das liquidações emitidas (IRS de 1999 e 2000).
Também resulta da matéria de facto que, na sequência de tal comunicação, um funcionário do serviço de finanças onde o processo executivo se encontrava pendente, elaborou informação no sentido de que os bens já penhorados nos autos eram suficientes a garantir a divida exequenda e acrescido, tendo sido sobre tal informação (e com os fundamentos nesta expostos) que o Chefe de Finanças de Castro Daire veio, então, a proferir o despacho constante da aliena C) do probatório, isto é, a decidir que «Vista a informação supra, suspenda-se a presente execução até à decisão da impugnação deduzida nos termos do art.° 169° do CPPT».
Não há, pois, considerada a matéria de facto agora exposta, e a demais aditada ao probatório, designadamente quanto ao valor das quantias exequendas e dos bens efectivamente penhorados, bem como atento o preceito jurídico invocado no despacho em causa, qualquer dúvida quanto a execução fiscal ter estado suspensa desde a data de entrada em juízo da impugnação judicial (25-5-2004), por ter sido nessa data que se verificaram cumulativamente os requisitos indispensáveis à verificação dessa suspensão.
Temos, assim, que o prazo prescricional, pelo menos nesta data, se suspendeu, só reiniciando o seu curso com o trânsito em julgado da decisão judicial que julgou improcedente a mesma impugnação judicial (artigo 49º, n.º 3 da LGT).

A partir daqui, e entrando na análise da situação das dívidas de IRS em causa nos autos, no que tange à divida do IRS de 1999, o prazo de prescrição, iniciado a 1 de Janeiro de 2000, viu o seu curso interrompido em 25-5-2004, sendo que apesar da paragem do processo de impugnação nos termos descritos no probatório, o prazo em apreço que deveria ter retomado o seu curso normal em 25-05-2005, não conheceu qualquer evolução em função da suspensão do prazo de prescrição com referência à primeira data apontada em função dos desenvolvimentos relacionados com o processo de execução fiscal.
Assim, contando-se o prazo de 1-1-2000 até 25-4-2004, constata-se que se mostravam decorridos 4 anos, 4 meses e 24 dias. A partir de 17-9-2009 até 13-12-2010 (data de apreciação da prescrição pelo órgão de execução fiscal) decorreu mais 1 ano, 2 meses e 26 dias; desde esta data até 31-3-2012 (data da apreciação da prescrição pelo tribunal recorrido) decorreram ainda mais 1 ano, 3 meses e 18 dias; e desde 31-3-2012 até 30-4-2014, decorreram ainda mais 2 anos 1 mês e 0 dias, num total de 9 anos, 0 meses e 8 dias, o que equivale a dizer que o prazo de oito anos já decorreu para a dívida de 1999, o mesmo sucedendo para a dívida de 2000 em que o prazo de oito anos está já também ultrapassado, ou seja, nesta altura, as dívidas em causa nos autos já se encontram prescritas.
O que fica exposto não é posto em crise pela presente Reclamação, dado que, é jurisprudência firme do S.T.A. que “a reclamação prevista nos artigos 276º e ss do CPPT não se inclui entre os casos de suspensão da prescrição abrangidos pelas designações genéricas de meios processuais incluídas no nº 4 do art. 49º da LGT”.
Assim, como se aponta no Ac. do S.T.A. de 17-04-2013, Proc. nº 0434/13, www.dgsi.pt, “… Constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal (cfr. entre muitos outros, os nossos Acórdãos de 10 de Fevereiro de 2010, rec. n.º 52/10, de 9 de Fevereiro de 2011, rec. n.º 1054/10, de 8 de Junho de 2011, rec. n.º 117/11 e de 2 de Novembro de 2011, rec. n.º 711/11) que para o cômputo, em concreto, da prescrição das dívidas exequendas, há que atender às causas de interrupção ou suspensão da prescrição previstas na lei vigente à data da respectiva ocorrência, ex vi do disposto no n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil.
Ora, ao tempo em que foi deduzida a reclamação de acto do órgão de execução cujo efeito suspensivo se controverte no presente recurso dispunha já o n.º 4 do artigo 49.º da LGT que: «O prazo de prescrição legal suspende-se em virtude do pagamento em prestações legalmente autorizadas, ou enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida».
Entendeu o tribunal “a quo” que a reclamação de actos apresentada pela reclamante em 17/05/2007, tendo a natureza de um recurso, configura uma causa de suspensão da execução a ser tida em consideração uma vez que determinou a suspensão do processo executivo em apreço.
Ora, não obstante a lei tributária assim a designar na alínea d) do artigo 101.º e no artigo 97.º, n.º 1, alínea n) do CPPT, não nos parece inequívoca tal inclusão para efeitos de suspensão da prescrição, em face das hesitações e incertezas reflectidas na variação terminológica que o legislador utiliza para designar este meio de defesa dos lesados perante decisões do órgão da execução fiscal praticados no processo de execução fiscal (cfr. o Acórdão deste STA de 20 de Janeiro de 2011, rec. n.º 1077/09) e atento o especial vigor do princípio da legalidade tributária constitucionalmente exigido em matéria de garantias dos contribuintes (cfr. o n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República).
Entendemos, ao invés - como julgado no Acórdão deste Supremo Tribunal de 2 de Março de 2011, proferido no recurso n.º 0125/11 e subscrito pela Relatora como 2.ª adjunta - , que « (…) a reclamação prevista nos arts. 276º e sgts. do CPPT, não está contemplada como facto com eficácia suspensiva na previsão da disposição normativa aplicável (actual nº 4 e, anteriormente, o nº 3, ambos do art. 49° da LGT), pois que a expressão «reclamação» ali mencionada deve ser interpretada como significando reclamação graciosa, por conjugação com a norma constante do art. 169° nº 1 CPPT, onde se estabelece a suspensão da execução fiscal em consequência da apresentação de reclamação graciosa, desde que constituída ou prestada garantia ou efectuada penhora que garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido.». Pelo que, «(…) na falta de preceito que tal disponha, não pode entender-se que a reclamação prevista nos arts. 276º e segts. do CPPT suspenda a execução, pois que, por um lado não se encadeia com a prestação de garantia e, por outro lado, é processada nos próprios autos de execução fiscal, sendo que também o recurso dela interposto sobe nos próprios autos, (imediatamente, aliás, quando se invocar prejuízo irreparável ou quando a retenção lhe fizer perder a respectiva utilidade - cfr. por todos, o ac. de 20/1/2010, rec. nº 01258/09).
Não se desconhece a posição qualificada de JORGE LOPES DE SOUSA, que a recorrente revela também conhecer, que inclui entre os casos de suspensão da prescrição todos os que sejam abrangidos pelas designações genéricas de meios processuais incluídas no n° 4 do art. 49° da LGT, aí se incluindo «a reclamação de actos praticados pelo órgão da execução fiscal e outras autoridades da administração tributária [prevista nos arts. 276° a 278° do CPPT, denominada também como «recurso» no art. 101°, alínea d), da LGT e no art. 97°, nº 1, alínea n), do CPPT], desde que seja invocado um fundamento de inexigibilidade (pois só nestes casos se suspenderá a execução, à face do n° 1 do art. 169° do CPPT)» (cfr. Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, 2ª ed., 2010, pags. 54/55). Como não se desconhece a anotação discordante de DIOGO LEITE DE CAMPOS/BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA (Lei Geral Tributária: Anotada e Comentada, 4.ª ed., 2012, nota 2 de p. 408) ao Acórdão a cujo entendimento aderimos e que parece ter inspirado o decidido. …”.

Assim, considerando que a presente reclamação judicial não tem efeito suspensivo do prazo de prescrição, que não há no processo referência a quaisquer outros factos, para além dos ponderados, susceptíveis de influenciar a análise da questão da prescrição, impõe-se a conclusão acima apontada, ou seja, nesta altura, as dívidas em causa nos autos já se encontram prescritas, de modo que, a decisão recorrida não poderá manter-se, impondo-se a sua revogação, com a natural procedência da reclamação, ficando prejudicado o conhecimento do mais apontado no âmbito do presente recurso.


4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgando procedente a reclamação deduzida por estar prescrita a dívida objecto do despacho reclamado.
Custas pela Recorrida.
Notifique-se. D.N..
Porto, 30 de Abril de 2014
Ass. Pedro Vergueiro

Ass. Nuno Bastos (“vencido, nos termos da declaração que junto:

Declaração de voto:
Não acompanho a posição que fez vencimento no acórdão, por entender que a reclamação prevista nos artigos 276.° e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário também suspende a prescrição nos termos do n.° 4 do artigo 49.° da Lei Geral Tributária, se importar a suspensão da cobrança da dívida. O que sucede, pelo menos, quando for tramitada no próprio processo executivo, porque o órgão de execução fiscal fica de facto impossibilitado de impulsionar a execução e proceder à cobrança da divida.
Por um lado, este entendimento cabe na letra do artigo 49.°, n.° 4, da Lei Geral Tributária, por interpretação declarativa. Isto é, a inclusão da reclamação prevista nos artigos 276.° e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário é um dos sentidos que texto comporta diretamente, ao aludir a reclamação ou recurso sem nenhuma especificação ou exclusão.
Por outro lado, e com o devido respeito pela posição contrária, não creio que o confronto com o artigo 169.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário possa ser decisivo para uma interpretação diversa, visto que o seu âmbito se reconduz à suspensão da execução em virtude da prestação da garantia sendo que a suspensão cm causa deriva da subida da própria execução na reclamação (não faria sentido exigir garantia se a suspensão ocorre quer ela seja prestada quer não).
Finalmente, a razão de ser do preceito é de suspender a prescrição quando a reclamação ou o recurso determinem a suspensão da cobrança da dívida. O que, como referi já, também sucede quando a reclamação tem subida nos próprios autos da execução.”)

Ass. Irene Neves (“Revendo a posição assumida no processo 694/08.9BEPNF na qualidade de adjunta, em função da jurisprudência, entretanto consolidada do STA, no sentido de que a reclamação do artº 276º do CPPT não se inclui nos casos de suspensão da prescrição abrangidas pelo nº4 do artº 49º da LGT”)