Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00504/16.3BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/25/2022
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Paulo Ferreira de Magalhães
Descritores:DIREITO DE PROPRIEDADE; LICENCIAMENTO DE CONSTRUÇÃO; OCUPAÇÃO DE DOMÍNIO PÚBLICO MUNICIPAL;
LEGALIDADE URBANÍSTICA; ANULABILIDADE; INTEMPESTIVIDADE DA PRÁTICA DE ACTO PROCESSUAL
Sumário:1 – Tendo o anterior proprietário do terreno em causa apresentado à Câmara Municipal no ano de 2000 um pedido de licenciamento de construção, e para tanto identificado na planta desenhada uma concreta área desse terreno que seria integrada no domínio público, passou essa área a estar integrada no domínio público municipal, e como tal, imediatamente colocada fora do comércio jurídico, como assim dispõe o artigo 202.º, n.º 2 do Código Civil.

2 - Atento o teor do acto administrativo em causa, que a final e em suma visa a reposição da legalidade urbanística, ao contrário do que referem os Recorrentes em abono da sua pretensão recursiva, não foi ferido o núcleo essencial do seu direito de propriedade, e quando muito, a decisão em causa, a padecer de alguma invalidade, sempre teria de ser arguida no prazo geral de 3 meses a que se reporta o artigo 58.º, n.º 1 alínea b) do CPTA, pois que o regime regra no domínio da invalidade dos actos administrativos é o da mera anulabilidade.

3 - Estando em causa acto meramente anulável, e não tendo a sua sindicância sido tempestivamente requerida junto do Tribunal a quo, viu-se o mesmo perante questão que obstava ao conhecimento do mérito da pretensão por si formulada, tendo por isso o Réu sido absolvido da instância, atento o disposto no artigo 89.º n.ºs 1, 2 e 4 alínea k) do CPTA.*
* Sumário elaborado pelo relator
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:


I - RELATÓRIO

A... e J... [devidamente identificados nos autos], inconformados, Autores na acção que intentaram contra o Município (...) [ora Recorrido, também devidamente identificado nos autos], vieram interpor recurso jurisdicional da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datada de 17 de junho de 2020 pela qual julgou procedentes, por provadas, as excepções dilatórias de incompetência material do Tribunal para apreciação do primeiro pedido formulado na Petição inicial [atinente ao pedido de condenação do Réu a reconhecer e respeitar a propriedade e posse dos Autores sobre o seu prédio urbano, com a área total de 3.876 m2, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1237.º e descrito sob o n.º 213 da Conservatória do Registo Predial], assim como da intempestividade da prática do acto processual, tendo assim absolvido da instância a entidade demandada, o Município (...), nos termos do artigo 89.º, n.º 2 e n.º 4, alíneas a) e k) do CPTA e 278.º, n.º 1, alínea e) do CPC, aplicável ex vi artigos 1.º e 35.º do CPTA.
*

No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:
“[…]
CONCLUSÕES:

1. A recorrente não se conforma com a sentença proferida pelo Tribunal a quo, cingindo-se a sua discordância aos seguintes aspectos: quanto à aplicação do direito, o Tribunal “a quo” julgou:

(i) Por discordar da decisão proferida na aplicação da matéria de direito quanto ao julgamento de” intempestividade da prática do acto processual, em virtude da presente acção administrativa se fundar em “ilegalidades conducentes ou geradoras apenas de mera anulabilidade e não violarem o conteúdo essencial do direito de propriedade dos autores gerador da nulidade do acto praticado pelo Município (...).”

(ii) Por omissão de pronúncia relativamente ao pedido de nulidade do Despacho do Exmo. Presidente da Câmara de (...), formulado pelos autores no ponto II, alínea a) na sua petição inicial, com fundamento na sua violação do alvará definitivo de Licença de utilização emitido pelo próprio Município em 31 Dezembro de 2003, na medida em que o mesmo não determina qualquer transferência de propriedade para o domínio público do Município de (...), sendo por tal nulo nos termos do disposto na al. a) do artigo 68º, do RJUE

(i) Da Nulidade

2. A lei é o critério da conduta administrativa e as invalidades do direito administrativo decorrem da desconformidade da conduta administrativa com a lei, sendo que a nulidade como desvalor do acto administrativo coexiste com a anulabilidade e a inexistência do acto administrativo.

3. A administração no uso do seu “ius imperii” está numa relação desigual com os cidadãos, sendo a sua actuação marcada pela autoridade legítima decorrente da lei e vocacionada para a intervenção unilateral, autoritária e até, por vezes, executória, na esfera privada.

4. Em virtude desta relação desigual com o cidadão no uso do seu poder administrativo, a lei impõe à administração um regime de invalidades que procura ater a forma de actuação unilateral e, por vezes, executória, maxime policial, sobre a esfera jurídica do cidadão comum.

5. A nulidade do acto compreende os casos mais graves de desconformidade da actividade administrativa com a lei, pois a sua disciplina mais pesada serve para suster a natureza agressiva da actividade administrativa; razão pela qual se impõe a disciplina da nulidade a fim de travar os actos mais acentuadamente gravosos para os particulares.

6. Nestas matérias, não se deve ceder à «jurisprudência dos conceitos» com a consequência em deduzir as soluções para a realidade apenas de noções abstractas, tudo fazendo para nestas a encaixar, como se a diversidade do «mundo da vida» se arrimasse apenas à legalidade abstracta do entendimento.

7. Ao Juiz cabe, em função das necessidades postas pelo caso concreto, julgar perante as necessidades da prática e dos interesses em jogo, afastando-se de um geometrismo indesejável, porque cego, ao não atender em sede de defesa de Direitos Fundamentais constitucionalmente consagrados com a severidade e rigor que a sua defesa exige.

8. A este mesmo julgador, enquanto o intérprete autêntico da Lei, cabe o juízo entre os valores axiais da ordem jurídica, a saber: de um lado a certeza da legalidade naquilo que esta tem de mais sagrado e pelo outro a defesa de situações atendíveis a requerer a ponderação dos direitos e interesses dos lesados.

9. Nesta matéria mal vão as soluções gerais e homogéneas pelo que se impõe uma atenta e cuidada ponderação de cada situação.

10. Ora, e salvo o devido respeito, no presente caso concreto é claro o desvalor máximo do Despacho do Exmo Sr. Presidente do Município de (...) quando através de acto ilegal ataca o direito de propriedade de um seu munícipe naquilo que constitui o cerne e núcleo essencial do seu direito fundamental de Propriedade: a posse e usufruto de um bem jurídico – no caso dos autos a habitação própria e permanente dos aqui recorrentes.

11. Enquanto desvalor máximo do acto administrativo a nulidade deve assentar na compreensão material das razões que a exigem. Tais elas são as que justificam a aplicação de um regime que prevê a impugnabilidade da figura a todo o tempo, o seu conhecimento oficioso, a insusceptibilidade de sanação dos vícios que a corporizam e a amplíssima legitimidade activa para o pedido da sua declaração pelo tribunal.

12. O legislador estabeleceu no nº 2, al. D) do art. 133º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) que são nulos os actos violem o conteúdo essencial de um direito fundamental.

13. O “conteúdo essencial de um direito fundamental”, previsto no artigo 133.º, nº 2, alínea d), do CPA, reporta-se ao núcleo duro de um direito, liberdade e garantia ou análogo, à ofensa chocante e grave de um princípio estruturante do Estado de Direito ou de outro direito fundamental suficientemente densificado na lei ordinária.

14. É certo que, a violação do “conteúdo essencial de um direito fundamental” só gera a nulidade do acto administrativo e, consequentemente, a possibilidade da sua impugnação a todo o tempo, quando, em consequência do acto administrativo em causa, seja afectado o mínimo sem o qual esse direito não pode subsistir enquanto tal.

15. É manifestamente o caso dos autos, porquanto o despacho proferido pelo Município (...) fulmina o direito de propriedade do aqui recorrente, na medida em que determina a sua total e absoluta ablação enquanto direito do particular a possuir e usufruir um determinado bem.

16. De facto, a administração pública tem um meio legal próprio para a aquisição de propriedade para o seu domínio público, sendo de todo em todo incompreensível e inaceitável que o possa fazer, sem mais, com um mero despacho que recai sobre a propriedade de um qualquer cidadão.

17. No caso em apreço, e contrariamente aos acórdãos citados, não está em causa uma qualquer decorrência do direito de propriedade (v.g. direito de construir) mas o direito no seu núcleo essencial a saber a posse e usufruto de um determinado bem jurídico.

18. Razão pela qual, não poderá o despacho do Município (...) deixar de ser sancionado com a gravidade que merece o seu acto absolutamente ilegal e violador do direito fundamental de propriedade do seu Munícipe.

ii- Da omissão de Pronúncia

19. O Tribunal deve resolver todas que as questões que lhe sejam submetidas a apreciação, isto é, deve pronunciar-se relativamente às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir (vide, por todos, Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Rev. nº 2585/03 – 2ª sec.” e Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Agravo nº 480/03 – 7ª sec.”).

20. O autor de deduziu pedido nos termos do qual peticionou:

“I) ser decretada a invalidade do despacho do Exmo. Sr. Presidente da Câmara de (...), de 18 de Fevereiro de 2015, por nulidade do mesmo, em virtude de:
b) violação do alvará definitivo de Licença de utilização emitido pelo próprio Município em 31 Dezembro de 2003, porquanto o mesmo não determina qualquer transferência de propriedade para o domínio público do Município de (...), sendo por tal nulo nos termos do disposto na al. a) do artigo 68º, do RJUE;” fim de citação

21. Na sua Douta Sentença o Meritíssimo Juiz “a quo” omite qualquer decisão sobre este pedido formulado pelo autor, sendo certo que a lei impõe que o Tribunal tome posição expressa, uma vez que foi submetida a sua apreciação pelo autor nos termos do disposto no art. 660.º, n.º 2, do CPC; uma vez que o pedido formulado diz respeito ao conteúdo concreto da questão material controvertida.

22. A omissão de pronúncia é um vício que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre essas questões com relevância para a decisão de mérito, pelo que a omissão de pronúncia deste concreto pedido determina a nulidade da sentença prevista no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPCivil, uma vez que incide sobre o concreto objecto que é submetido à cognição do tribunal.

NESTES TERMOS,
Deverá a douta Sentença ser revogada e, em consequência, deverão os presentes autos prosseguir os demais trâmites processuais legais, no que se fará inteira justiça.”
**

O Recorrido Município (...) apresentou Contra alegações, tendo a final elencado a final as conclusões que ora se reproduzem:

CONCLUSÕES

A. O direito de propriedade só tem natureza análoga aos direitos fundamentais, nos termos previstos no artigo 62.º, n.º 1 da CRP, enquanto categoria abstrata, entendido como direito à propriedade, ou seja, como suscetibilidade ou capacidade de aquisição de coisas e bens e à sua livre fruição e disponibilidade, e não como direito subjetivo de propriedade, isto é, como poder direto, imediato e exclusivo sobre concretos e determinados bens (ver, neste sentido, entre muitos, o Acórdão do TCA Norte de 25.03.2011, proferido no âmbito do processo 00606/08.0BEPRT, disponível para consulta em www.dgsi.pt).

B. Ora, o acto impugnado não contendeu com a existência do direito de propriedade, mas apenas com a possibilidade do seu exercício face ao regime de licenciamento vigente.

C. E seguindo de perto a jurisprudência do TC, apenas a dimensão essencial do direito de propriedade privada tem natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, não se incluindo “nessa dimensão essencial os direitos de urbanizar, lotear e edificar, pois ainda quando estes direitos assumam a natureza de faculdades inerentes ao direito de propriedade do solo, não se trata de faculdades que façam sempre parte da essência do direito de propriedade, tal como ele é garantido pela Constituição: é que essas faculdades, salvo, porventura quando esteja em causa a salvaguarda do direito a habitação própria, já não são essenciais à realização do Homem como pessoa”. Cfr. Acórdão n.º 329/99, disponível em www.tribunalconstitucional.pt

D. Por outro lado, o STA tem sido unânime em considerar que o direito de construir não integra o conteúdo constitucional do direito de propriedade privada, dizendo para o efeito que “o poder de gozo sobre o bem objecto do direito (…) não inclui o direito de construir – visto que este, estando sujeito a limitações e condicionantes decorrentes do planeamento e do ordenamento do território e destas poderem impossibilitar a construção, depende de autorização administrativa – nem, tão pouco, quando ele é reconhecido, a construir aquilo que se quer, onde se quer e como se quer mas, apenas e tão só, a construir aquilo que as autoridades administrativas consentirem dentro das limitações e restrições assinaladas na legislação atinente.” Cfr. Ac. STA processo n.º 0633/08, de 8.01.2009. No mesmo sentido, Ac. STA processo n.º 041653, de 18.06.1998 e Ac. STA processo n.º 035723, de 16.11.1999, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

E. O ius aedificandi pode ser definido como a faculdade de construir e de levar a cabo os actos jurídicos e as operações que possam ser necessárias à construção, incluindo se, aqui, o direito de construir, de urbanizar, de edificar e de lotear.

F. E tal como referido na sentença recorrida, e sobre a violação do conteúdo essencial dos direitos fundamentais de propriedade e de iniciativa económica privada, constitucionalmente consagrados nos art.º s. 61.º, n.º 1 e 62.º, n.º 1 da Constituição, o STA entendeu que o ius aedificandi não se apresenta, à luz da Constituição, como parte integrante do direito fundamental de propriedade privada, mas como concessão jurídico-pública resultante do ordenamento jurídico urbanístico pelo qual é modelado e que, em concreto, determinou o indeferimento da pretensão urbanística da recorrente. Por outro lado, tal modelação não contende com o direito à iniciativa privada pelo facto de este direito não comportar um poder absoluto de edificação, à margem de qualquer intervenção administrativa.

G. Em igual sentido, o STJ tem considerado que o direito de propriedade não é um direito absoluto, na medida em que legalmente se permitem limites e restrições.

H. Destarte, os termos em que o direito de propriedade está constitucionalmente desenhado determinam, assim, que o seu uso e fruição não seja inteiramente livre, mas condicionado e enquadrado, de tal modo que os usos ou utilidades que os respetivos titulares dela podem retirar são unicamente aqueles que o ordenamento jurídico constitucional ou ordinário lhes permite.

Face ao exposto, não pode concordar-se com os Autores, ao considerarem que, no caso sub judice , estamos perante um acto ferido de nulidade e, por essa razão, a acção interposta foi tempestiva. E nessa medida, deve improceder o recurso,
ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA,
*

O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos.
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O Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, no sentido da sua improcedência.
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Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que venha a declarar a sua nulidade, sempre tem de decidir [Cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA] “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.”, reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

Assim, as questões suscitadas pelos Recorrentes e patenteadas nas conclusões apresentadas resumem-se, em suma e a final, em apreciar e decidir sobre se a Sentença recorrida padece:

(i) de erro de julgamento em matéria de direito, por ter o Tribunal a quo julgado que a invalidade invocada visando o acto impugnado padece de mera anulabilidade, e que a sua impugnação devia ser prosseguida no prazo de 3 meses, quando como assim sustentam, a sua impugnação não está dependente de qualquer prazo, por estar em causa vício determinante de nulidade.


(ii) de nulidade da Sentença recorrida, por omissão de pronúncia face ao pedido vertido sob a alínea a) do ponto II do pedido formulado a final da Petição inicial, por considerarem que o acto impugnado é nulo nos termos da alínea a) do artigo 68.º do RJUE.
**

III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO

No âmbito da factualidade considerada pela Sentença recorrida, dela consta o que por facilidade para aqui se extrai como segue:

“[…]
Com interesse e relevância para a decisão das exceções suscitadas, julgam-se provados os seguintes factos:

1. Os Autores - A... e J... - são proprietários do prédio urbano, inscrito na matriz predial sob o artigo 1237 e descrito sob o n.º 213 da Conservatória do Registo Predial (Cfr. Documentos n.º 2 e 3, juntos com a Petição Inicial (PI) - fls. 42 a 45 do suporte físico dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

2. Os Autores realizaram obras na zona de acesso ao imóvel referido em 1. (Facto não controvertido);

3. Em 13 de fevereiro de 2015, o Fiscal Municipal R..., da Câmara Municipal de (...) redigiu a seguinte “Informação”:
“(…) Tipo de documento: Informação Interna
Assunto: Fiscalização de obras na via pública – Louro – Processo 13268-2000 - A...
Informação
1. Em serviço de fiscalização, verificou-se que o Sr. A---, residente na Travessa (…), procedeu à construção de uma entrada carral e pedonal em terreno cedido ao domínio público, na sequência do licenciamento da construção sito na Travessa (…), deste Município (Processo 13268/2000).
2. Deverá notificar-se o Sr. A--- para num prazo de 30 (trinta) dias, contados da data da notificação, proceder à demolição total das obras executadas sem licença, de acordo com o n.º 1 do artigo 106.º do RJUE, na atual redação.
3. De acordo com o art. 106.º, n.º 3 do RJUE, na atual redação, deverá comunicar-se o interessado, este que dispõe de 15 dias a contar da data da presente notificação para se pronunciar sobre o conteúdo da mesma. (…)”
(Cfr. Documento n.º 5, junto com a PI - fls. 54 do suporte físico dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

4. Em 18.02.2015, face à informação referida em 3., o Sr. Presidente da Câmara Municipal de (...) proferiu o seguinte despacho: ¯ Concordo. Proceda-se em conformidade.”
Cfr. Documento n.º 5, junto com a PI - fls. 54 do suporte físico dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

5. A presente ação administrativa deu entrada em juízo, em 11 de março de 2016, neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (Cfr. fls. 1 da paginação eletrónica).

Factos não provados
Com relevância para a decisão a proferir sobre as invocadas exceções, inexistem.

Motivação da decisão de facto
Na determinação dos factos provados, o Tribunal teve em consideração a posição assumida pelas partes nos respetivos articulados, e formou ainda a sua convicção no exame e análise crítica do teor dos documentos e informações oficiais juntos com os articulados, conforme o especificado nos vários pontos da factualidade dada como provada.
Tais documentos não foram impugnados e, pela sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do Tribunal.”
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IIIii - DE DIREITO

Está em causa a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que apreciou a pretensão deduzida pelos Autores contra o Município (...).

A final da Petição inicial, os Autores ora Recorrentes formularam o pedido que, por facilidade de enunciação, para aqui se extrai como segue:

Nestes termos, nos melhores de direito e sempre o esperado Douto Suprimento, deve a presente ação ser julgada, provada e procedente e, em consequência:
I) ser a requerida condenada a reconhecer e respeitar a propriedade e posse do autor sobre o seu prédio urbano, com a área total de 3.876 m2, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1237.º e descrito sob o n.º 213 da Conservatória do Registo Predial (cfr. Doc. 1, 2 e 3), por via da sua aquisição originária e derivada, de acordo com o alegado nos artigos 1.º a 9.º supra e nos precisos limites estabelecidos pela planta aqui junta como documento n.º 11;
II) ser decretada a invalidade do despacho do Exmo. Sr. Presidente da Câmara de (...), de 18 de fevereiro de 2015, por nulidade do mesmo, em virtude de:
a) violação do alvará definitivo de Licença de Utilização emitido pelo próprio Município em 31 de dezembro de 2003, porquanto o mesmo não determina qualquer transferência de propriedade para o domínio público do Município de (...), sendo por tal nulo nos termos do disposto na al. a do artigo 68.º do RJUE;
b) violação do direito fundamental de propriedade do autor sobre o prédio urbano sito na Rua (…), Concelho de (...), com a área total de 3.876 m2, inscrito na matriz predial urbana sob o art. 1237 e descrito sob a descrição n.º 213 da Conservatória do Registo Predial, por manifesta violação do disposto nos 1302.º, 1304.º e 1305.º todos do Código Civil e artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa, nos termos do disposto no artigo 161.º, seu n.º 2, alínea c), do novo Código de Procedimento Administrativo.
III) Em custas, procuradoria condigna e demais acréscimos legais.

Como assim resulta da Sentença recorrida, o Tribunal a quo julgou ser materialmente incompetente para apreciar o primeiro dos pedidos formulados pelos Autores, enunciado sob o ponto I, atinente ao pedido de condenação do Município (...) a reconhecer e respeitar a propriedade e posse do autor sobre o seu prédio urbano, com a área total de 3.876 m2, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1237.º e descrito sob o n.º 213 da Conservatória do Registo Predial, por via da sua aquisição originária e derivada, de acordo com o alegado nos artigos 1.º a 9.º da Petição inicial e nos precisos limites estabelecidos pela planta por si junta na Petição inicial como documento n.º 11, e tanto, pelo facto de esse conhecimento ser da competência dos Tribunais comuns.

Sobre este julgamento tirado pelo Tribunal a quo, os Recorrentes não dirigem qualquer pretensão recursiva, razão por que o assim decidido transitou em julgado.

Com o que não concordam os Recorrentes é com o julgamento tirado pelo Tribunal a quo, que absolveu da instância o Réu Município (...), ora Recorrido, a final e em suma, com fundamento em que o acto impugnado, datado de 18 de fevereiro de 2015, foi intempestivamente impugnado, para além do prazo de 3 meses.

Neste conspecto, por ter interesse para a decisão a proferir, para aqui se extracta parte da essencialidade da fundamentação da Sentença recorrida, como segue:

Início da transcrição
“[...]
C. Da intempestividade da prática do ato processual
Conforme acima concluímos e sem necessidade de nos repetirmos, o ato administrativo impugnado na presente ação é o datado de 18 de fevereiro de 2015, do qual se presume que o Autor tenha sido notificado no terceiro dia útil seguinte, isto é, em 23.02.2015.
Será, pois, com base neste ato administrativo impugnado que se analisará a suscitada intempestividade da prática do ato processual.
Atento o pedido e a causa de pedir, estamos perante uma ação administrativa de impugnação de ato administrativo (Cfr. artigo 58º, nº 1 do CPTA).
Com a instauração da presente ação, o Autor visa a anulação do ato administrativo em sindicância nos autos.
Tendo presente que a impugnação de atos nulos não está sujeita a prazo, importa, antes de mais, averiguar se estamos ou não perante um ato nulo, ou melhor, se o Autor imputou ao ato em crise qualquer vício suscetível de integrar o restrito elenco de nulidades. Donde, a apreciação da tempestividade da presente ação impõe, antes de mais, a subsunção dos vícios que vêm imputados pelo Autor no respetivo regime de invalidades.
O Autor alega que o ato impugnado é nulo “porquanto ofende o direito de propriedade e a posse do autor sobre o seu prédio supra descrito, tal como se encontra legal e constitucionalmente consagrado nos artigos 1302.º, 1304.º e 1305.º, todos do Código Civil e artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa”. Mais acrescenta que “são nulos os atos administrativos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental, nos termos do disposto no artigo 161.º, n.º 2, alínea c) do novo código de procedimento administrativo”.
Vejamos.
Nos termos do disposto no artigo 161.º, n.º 2, alínea d) do Código do Procedimento Administrativo (CPA) “São, designadamente nulos:
(…) Os atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental”.
J.M. SANTOS BOTELHO, A. PIRES ESTEVES e J. CÂNDIDO DE PINHO, em sede de interpretação da expressão - "conteúdo essencial de um direito fundamental" utilizada no normativo supra citado defendem que ali se consagra uma formulação absoluta e restrita dos direitos fundamentais, sendo “absoluta na medida em que sanção da nulidade afetará todos os atos administrativos" e "restrita já que não será qualquer lesão que será apta a gerar tal nulidade, mas, apenas, a que afete o conteúdo essencial" (in "Código do Procedimento Administrativo", 5.ª edição, pág. 799, nota 36).
Refira-se, ainda, que na previsão em análise estão ainda abrangidos os atos administrativos não só os que violam pelo seu conteúdo ou motivação esse direito fundamental, mas também aqueles em cujo procedimento se postergam direitos dessa mesma natureza dos interessados. Caso a violação do direito fundamental não atinja o seu "conteúdo essencial" ou o seu "núcleo duro", então a sanção adequada será a anulabilidade.
Cientes destes considerandos de enquadramento e revertendo ao caso em presença, verificamos que os Autores deduziram a presente ação administrativa peticionando a nulidade do despacho do Sr. Presidente da Câmara Municipal de (...), datado de 18 de fevereiro de 2015, que determinou a demolição das obras executadas pelos Autores.
Estribaram a sua pretensão assacando ao ato ilegalidade, que no seu entender seria geradora do desvalor da nulidade, consistente na violação do direito fundamental como o direito de propriedade.
Na verdade, a ilegalidade imputada ao ato administrativo impugnado soçobra vista que a mesma não conduz à nulidade, mas quanto muito, à mera anulabilidade. Senão, vejamos.
Com efeito, não se descortina que a alegada violação de direitos fundamentais como o direito de propriedade, nos termos que se mostra invocado conduza ou possa minimamente conduzir à nulidade, no âmbito do disposto na alínea d), do n.º 2 do artigo 161.º do CPA.
Atente-se que o direito de propriedade não se mostra ou se configura como absoluto, estando sujeito a limites, condicionamentos e enquadramentos que resultam do próprio ordenamento jurídico (constitucional ou ordinário).
Tal como o Supremo Tribunal Administrativo vem entendendo, mormente reportando-se ao direito de propriedade ou mesmo do direito à edificação, “esse direito integra o poder de gozo sobre o bem objeto do direito (…) é que o exercício desse poder não inclui o direito construir nem, tão pouco, quando ele é reconhecido, o direito a construir aquilo que se quer, onde se quer e como se quer mas, apenas e tão só, a construir aquilo que as autoridades administrativas consentirem dentro das limitações e restrições assinaladas na legislação atinente …” e como tal “… se o direito de edificação inexiste como elemento integrador do direito de propriedade também dele não faz parte o direito de manter o edificado nas condições em que o proprietário quiser e na forma que quiser visto que tais edificações têm de respeitar as exigências legais a elas referentes …” (Cfr., entre outros, Acórdão do STA de 08.01.2009, proferido no processo n.º 0633/08, disponível para consulta em www.dgsi.pt), extraindo-se da sua linha argumentativa o seguinte: “as Recorrentes sustentam que a deliberação impugnada é nula por violação do direito de propriedade, consagrado no n.º 1 do art. 62.º da CRP, uma vez que a ordem de demolição do seu prédio e a sua concretização contra a sua vontade atentava direta e frontalmente contra o núcleo essencial desse direito fundamental e, nos termos do art. 133.º/2/d) do CPA, são nulos «os atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental».
Com efeito, e ainda que seja certo que a CRP garanta a todos “o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição” (conforme resulta do seu artigo 62.º, n.º 1) e que o mesmo possa ser considerado como um direito fundamental, também o é que esse direito não é um direito absoluto suscetível de ser usado e fruído sem qualquer limitação, visto que tanto a própria Constituição - vejam-se, por ex., as normas que autorizam a expropriação (arts. 83.º e 88.º) ou que condicionam a sua exploração (artigos 94.º e 96.º/ 2) - como a legislação ordinária - vd. as condicionantes que lhe são impostas no domínio económico, do urbanismo, do ordenamento do território e do ambiente - sujeitarem esse direito a importantes restrições as quais encontram o fundamento na necessidade da harmonização desse direito com os restantes direitos fundamentais e com o sistema democrático em geral.
Os termos em que o direito de propriedade está constitucionalmente desenhado determinam, assim, que o seu uso e fruição não seja inteiramente livre, mas condicionado e enquadrado, de tal modo que os usos ou utilidades que os respetivos titulares dela podem retirar são unicamente aqueles que o ordenamento jurídico-constitucional ou ordinário lhes permite.
Deste modo, e muito embora seja verdade que esse direito integra o poder de gozo sobre o bem objeto do direito também o é que o exercício desse poder não inclui o direito construir - visto que este, estando sujeito às limitações e condicionantes decorrentes do planeamento e do ordenamento territorial e destas poderem impossibilitar a construção, depende de autorização administrativa - nem, tão pouco, quando ele é reconhecido, a construir aquilo que se quer, onde se quer e como se quer mas, apenas e tão só, a construir aquilo que as autoridades administrativas consentirem dentro das limitações e restrições assinaladas na legislação atinente. E, correspondentemente, se o direito de edificação inexiste como elemento integrador do direito de propriedade também dele não faz parte o direito de manter o edificado nas condições em que o proprietário quiser e na forma que quiser visto que tais edificações têm de respeitar as exigências legais a elas referentes, desde logo as relacionadas com a sua segurança e salubridade.
Por outro lado, refira-se, por exemplo que, no que respeita ao conteúdo do direito de propriedade, o artigo 1305.º do Código Civil determina que o “proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas”.
Nada impede, por isso, que a lei imponha restrições ao exercício do direito de propriedade ou de qualquer outro direito, desde que essas restrições não afrontem o que a CRP determina, devendo, no entanto, as restrições impostas ser limitadas “ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses também constitucionalmente protegidos” (Cfr. artigo 18.º n.º 2 da CRP).
Ou seja, aqueles princípios ou direitos enunciados em termos genéricos pelo acórdão recorrido, não traduzem ou comportam direitos intocáveis absolutos, devendo por isso o seu titular respeitar o que, a propósito, estabelecem outros normativos legais, ou movimentar-se de modo a que a sua atuação não colida com outros direitos.
Acerca da “violação do conteúdo essencial dos direitos fundamentais de propriedade e de iniciativa económica privada, constitucionalmente consagrados nos arts. 61.º, n.º 1 e 62.º, n.º 1 da CRP”, entendeu o Acórdão do STA de 04.12.08, proferido no recurso 621/07, disponível para consulta em www.dgsi.pt), que: “o “jus aedificandi” não se apresenta, à luz da Constituição, como parte integrante do direito fundamental de propriedade privada, mas como concessão jurídico-pública resultante do ordenamento jurídico urbanístico pelo qual é modelado e que, em concreto, determinou o indeferimento da pretensão urbanística da recorrente. Por outro lado, tal modelação não contende com o direito à iniciativa privada pelo facto de este direito não comportar um poder absoluto de edificação, à margem de qualquer intervenção administrativa”.
E aderindo a anterior jurisprudência acrescenta: “o direito de propriedade privada a que se refere o art. 62.º, da CRP, não é um direito absoluto, podendo comportar limitações, restrições ou condicionamentos particularmente importantes no domínio do urbanismo e do ordenamento do território, em que o interesse da comunidade tem de sobrelevar o do indivíduo, não fazendo o ius edificandi (mais propriamente o direito de urbanizar, lotear e edificar) parte do acervo de direitos constitucionalmente reconhecidos ao proprietário antes sendo o resultado de uma atribuição jurídica pública, decorrente do ordenamento jurídico urbanístico pelo qual é modelado, pois o direito de propriedade apenas se reveste de dignidade constitucional quando entendido como suscetibilidade ou capacidade de aquisição de coisas e bens e da sua livre disponibilidade, isto é, como poder imediato, direto e exclusivo sobre concretos e determinados bens”, sendo que “tal modelação não contende com o direito à iniciativa privada, por isso que este direito não comporta um poder absoluto de edificação, à margem de qualquer intervenção administrativa” (cf. ainda acórdãos do STA de 7.3.2002, rec. 48.179; de 9.10.2002, rec. 443/02; de 3.12.2002, rec. 47.859; de 18.2.2004, Rec. 663/03; de 14.12.2005, rec. 883/03; de 22.3.07, rec. 390/06; e de 5.12.96, Rec. 33 857).
Resulta ainda do Acórdão do STA de 14.12.2005 (proferido no proc. n.º 0807/05, disponível para consulta em www.dgsi.pt) que no “que toca ao outro vício invocado (ofensa do direito de propriedade constitucionalmente consagrado), potencialmente gerador de nulidade (art. 133.º, n.º 2 do CPA), a sentença considerou que o ato recorrido não afrontou o direito de propriedade do recorrente sobre o prédio em causa, apenas lhe vedando a possibilidade de ali erigir uma obra de construção civil, por razões de licenciamento. Nenhuma censura merece tal decisão, que está em consonância com a jurisprudência reiterada deste STA, aliás citada na sentença sob recurso, no sentido de que a necessidade de licenciamento não afronta o direito de propriedade tal como está gizado na Constituição da República (art. 62.º), devendo o direito de construir ser sempre exercido dentro dos condicionamentos urbanísticos legalmente estabelecidos, de molde a não serem afrontados outros direitos e deveres também constitucionalmente consagrados.”
Segundo esta mesma jurisprudência, o artigo 62.º, n.º 1 da CRP alude ao direito de propriedade enquanto “categoria abstrata”, e versa sobre o “direito à propriedade” em termos gerais, e não sobre este ou aquele direito subjetivo de dominialidade, integrável na mesma categoria genérica, pelo que “só neste singular plano é que o problema do direito de propriedade concerne aos direitos fundamentais, porque só aí ele se relaciona com aspetos que verdadeiramente fundam e estruturam a organização política, económica e social do país e, por via disso, a vida dos seus habitantes” (Ac. do Pleno de 13.10.2004 - Rec. 424/02).
Volvendo ao caso dos autos, o ato impugnado não contendeu, pois, com a existência do direito de propriedade, mas apenas com a possibilidade do seu exercício face ao regime de licenciamento vigente.
Pelo que, como se decidiu no Ac. do Pleno acima citado, em situação similar, assente que a hipotética existência do vício invocado, encarado segundo a única perspetiva possível e adequada, “só poderá acarretar a anulação do ato contenciosamente recorrido, é inequívoco, face à inobservância do prazo legal de interposição do recurso, que este é intempestivo e deve ser rejeitado …” (Cfr. também Acórdãos daquele mesmo Tribunal de 01.04.2004 - Proc. n.º 01550/03, de 19.04.2007 - Proc. n.º 0809/06 in: «www.dgsi.pt/jsta»).
Em suma, o direito de propriedade só tem natureza análoga aos direitos fundamentais, nos termos previstos no artigo 62.º, n.º 1 da CRP, enquanto categoria abstrata, entendido como direito à propriedade, ou seja, como suscetibilidade ou capacidade de aquisição de coisas e bens e à sua livre fruição e disponibilidade, e não como direito subjetivo de propriedade, isto é, como poder direto, imediato e exclusivo sobre concretos e determinados bens (ver, neste sentido, entre muitos, o Acórdão do TCA Norte de 25.03.2011, proferido no âmbito do processo 00606/08.0BEPRT, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
Estamos, pois, no caso sub judice, perante um vício (alegada violação do direito de propriedade) que, em caso de procedência, levará apenas à anulação do ato e não à sua nulidade (consagrada e regulada no artigo 161.º e seguintes do CPA).

Posto isto, cumpre averiguar se a presente ação foi instaurada dentro do prazo legalmente previsto.
O prazo de impugnação contenciosa, para atos anuláveis, encontra-se previsto no artigo 58º, n.º 1, alínea b) do CPTA e é de três meses desde a notificação do ato.
Conforme acima referido, o Autor considera-se notificado no dia 23.02.2015.
É, com referência a esta data, que começou a correr o prazo de 3 (três) meses para a respetiva impugnação contenciosa, decorre do artigo 58.º, n.º 2, alínea b) do CPTA), cujo prazo – de acordo com a regra de contagem determinada na alínea c) do artigo 279.º do Código Civil - terminou a 23.05.2015 (vide, neste sentido o Acórdão do STA de 25.10.2017, proferido no processo 01140/16, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
Ora, a petição inicial deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga apenas em 11.03.2016) (Cfr. ponto 5. do elenco dos factos provados, ou seja, quando o prazo de 3 (três) meses a que alude o artigo 58.º, n.º 2, alínea b) do CPTA, já há muito havia decorrido.
Assim, a propositura, em 11.03.2016, da presente ação administrativa - impugnação do ato fundada em ilegalidades conducentes ou geradoras apenas de mera anulabilidade - se tem como extemporânea.
Tal determina, pois, a intempestividade da prática do ato processual, nos termos da alínea k) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA, o que conduz à absolvição da Entidade Demandada da instância.
[…]”
Fim da transcrição

Não se conformam os Recorrentes com o assim julgado, e como assim decorre das conclusões das Alegações por si apresentadas, os mesmos ancoram a sua pretensão recursiva em dois pontos essenciais, a saber, na ocorrência de erro de julgamento em matéria de direito, pois que entendem que estando em causa acto que padece de nulidade, que a sua impugnação não tem de ser efectuada no prazo de 3 meses como decidido pelo Tribunal a quo, antes porém, que essa impugnação não está dependente da observância de qualquer prazo; e por outro lado, que incorreu ainda a Sentença recorrida em nulidade, por omissão de pronúncia face ao pedido vertido sob a alínea a) do ponto II do pedido a final da Petição inicial, por considerar que o acto impugnado é nulo nos termos da alínea a) do artigo 68.º do RJUE.

Constituindo os recursos jurisdicionais os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.

Os Recorrentes não questionam neste Tribunal de recurso o despacho que antecedeu a prolação da Sentença recorrida, nem assacam os mesmos qualquer erro de julgamento em torno da matéria de facto constante do probatório.

Como assim deflui das Alegações de recurso e das respectivas conclusões, o cerne da sua pretensão recursiva assenta no facto de considerarem que o acto impugnado padece de invalidade que qualificam de nulidade e que nesse domínio, atento esse desvalor, que a sua impugnação podia ser por si efectuada, a todo o tempo, sem dependência de prazo.

E em defesa da sua posição visando a qualificação da invalidade assacada ao acto impugnado, referiram em suma que “… no presente caso concreto é claro o desvalor máximo do Despacho do Exmo Sr. Presidente do Município de (...) quando através de acto ilegal ataca o direito de propriedade de um seu munícipe naquilo que constitui o cerne e núcleo essencial do seu direito fundamental de Propriedade: a posse e usufruto de um bem jurídico – no caso dos autos a habitação própria e permanente dos aqui recorrentes.“ – Cfr. conclusão 10 das Alegações de recurso -, e bem assim, porque “... o despacho proferido pelo Município (...) fulmina o direito de propriedade do aqui recorrente, na medida em que determina a sua total e absoluta ablação enquanto direito do particular a possuir e usufruir um determinado bem.“ – Cfr. conclusão 15 das Alegações de recurso -, não podendo por essa razão “... o despacho do Município (...) deixar de ser sancionado com a gravidade que merece o seu acto absolutamente ilegal e violador do direito fundamental de propriedade do seu Munícipe.“ – Cfr. conclusão 18 das Alegações de recurso.

E na base desta sua pretensão está assim a consideração pela parte dos Recorrentes de que o Tribunal a quo errou na determinação da norma aplicável para efeitos da aferição da tempestividade da Petição inicial apresentada, que por se tratar de acto padecente de nulidade, e por não estar por isso a sua impugnação dependente da observância de qualquer prazo, que sempre o articulado por si apresentado teria de ser tempestivamente apresentado.

Para além deste fundamento de recurso, sustentaram ainda os Recorrentes que a Sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia, tendo para tanto referido que o Tribunal a quo “… omite qualquer decisão sobre o pedido formulado pelo autor sob a alínea a) do ponto II do pedido a final da Petição inicial, pedido esse que foi submetido a sua apreciação nos termos do disposto no artigo 660.º, n.º 2, do CPC; uma vez que o pedido formulado diz respeito ao conteúdo concreto da questão material controvertida.“ [Cfr. conclusão 21 das Alegações de recurso], e bem assim, porque a “... omissão de pronúncia é um vício que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre essas questões com relevância para a decisão de mérito, pelo que a omissão de pronúncia deste concreto pedido determina a nulidade da sentença prevista no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPCivil, uma vez que incide sobre o concreto objecto que é submetido à cognição do tribunal.“ [Cfr. conclusão 21 das Alegações de recurso].

Cumprirá então, de início, apreciar da ocorrência da invocada nulidade da Sentença recorrida, a que se reportam as conclusões 19 a 22 das Alegações de recurso.

Julgamos todavia ser de aqui enunciar um momento prévio.

Antes da prolação da Sentença recorrida, o Tribunal a quo proferiu um despacho, cujo teor para aqui se extrai como segue:

Início da transcrição
“[...]
Tomando em consideração os elementos de prova documental juntos aos autos, a posição das partes assumidas nos respetivos articulados e ainda a natureza da questão a decidir, afigura-se-nos que o estado atual do processo permite conhecer do pedido formulado, sem necessidade de realização de qualquer diligência de prova adicional.
Assim, ao abrigo do disposto nos artigos 87º- B, nº 2 e 87º- A, nº1, al. d), ambos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), dispenso a realização de audiência prévia proferindo despacho saneador destinado a conhecer totalmente do mérito da causa, nos termos do artigo 88º, nº1, al. b) do CPTA.
Notifique junto com o Saneador - Sentença que segue.”
Fim da transcrição

Ora, atenta a motivação expendida pelo Tribunal a quo e a fundamentação que veio a enunciar, apreciou e decidiu o mesmo que o estado dos autos permitia conhecer do pedido formulado pelos Autores a final da Petição inicial, logo no âmbito do despacho saneador.

Neste sentido, para além das posições assumidas nos articulados, o Tribunal a quo apenas teve por relevante a prova documental constante dos autos.

O thema decidendum que assim foi fixado decorrente dos articulados apresentados pelas partes, assentava no conhecimento do mérito dos dois pedidos formulados pelos Autores e da oposição que sobre eles deduziu o Réu na sua Contestação, o ora Recorrido Município (...), incluindo as duas questões prévias por este arguidas, atinentes à incompetência do Tribunal em razão da matéria quanto ao primeiro dos pedidos, e à inimpugnabilidade do acto administrativo, e bem assim, como suscitado pelo Tribunal a quo por seu despacho datado de 08 de maio de 2020, sobre a intempestividade da apresentação da Petição inicial visando a impugnação do acto administrativo datado de 18 de fevereiro de 2015 do Presidente da Câmara Municipal de (...).

Como assim dispõe o artigo 88.º, n.º 1 do CPTA, o despacho saneador destina-se a conhecer, entre o mais, das excepções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, em face dos elementos constantes dos autos, o juiz deva apreciar oficiosamente [Cfr. alínea a)], assim como a conhecer total ou parcialmente do mérito da causa, sempre que a questão seja apenas de direito ou quando, sendo também de facto, o estado do processo permita, sem necessidade de mais indagações, a apreciação dos pedidos ou de algum dos pedidos deduzidos, ou de alguma excepção peremptória [Cfr. alínea b)], dispondo por sua vez o n.º 2 deste mesmo normativo que as questões prévias referidas na alínea a) do número anterior que não tenham sido apreciadas no despacho saneador não podem ser suscitadas nem decididas em momento posterior do processo e as que sejam decididas no despacho saneador não podem vir a ser reapreciadas.

Estava o Tribunal a quo vinculado na apreciação das excepções invocadas pelo Réu na sua Contestação, assim como em torno da intempestividade da prática do acto processual, como assim foi por si suscitado oficiosamente, e tendo esse julgamento sido prosseguido, e no que ora importa apreciar, como assim vertido na Sentença recorrida, o Tribunal a quo julgou pela sua ocorrência, ou seja, que entre a data em que se têm os Autores por notificados do acto impugnado, em 23 de fevereiro de 2015, e a data em que apresentaram em juízo a Petição inicial visando a sindicância da actuação administrativa do Réu, em 11 de março de 2016, tinha sido transcorrido há muito o prazo de 3 meses a que se reporta o artigo 58.º, n.º 1, alínea b) do CPTA. Assim tendo julgado em sede de conhecimento da matéria integrativa de excepção, e em conformidade como disposto no artigo 88.º do CPTA, nada mais se impunha prosseguir no seu dever de julgar, pois que desse seu julgamento resulta que o Tribunal a quo não possa conhecer do mérito da acção [i.e, dos pedidos formulados], impondo-se consequentemente a absolvição da instância do Réu.

Neste patamar.

Importa enfatizar que não estando o Julgador sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito [Cfr. artigo 5.º, n.º 3 do CPC], não podemos todavia deixar de referir que só por lapso manifesto é que os Autores invocaram o disposto no artigo 660.º, n.º 2 do CPC, assim como o disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), também do CPC.

Por um lado, aquele invocado artigo 660.º, n.º 2 do CPC [relativo à ordem de julgamento das questões a resolver pelo Tribunal], é atinente à versão do Código de Processo Civil, aprovado pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 44 129, de 28 de Dezembro de 1961, que se manteve em vigor [com plúrimas alterações subsequentes] até à publicação da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, que pelo seu artigo 1.º aprovou o Código de Processo Civil que se encontra actualmente vigente. E o artigo 379.º, n.º 1, alínea c), seja por reporte à anterior versão do CPC, seja por reporte à actual, em nada se refere à assacada nulidade da Sentença.

Seja como for, atento o disposto no artigo 5.º, n.º 3 do CPC, e tendo presente a motivação do que veio alegado pelos Recorrentes, julgamos que que os mesmos terão querido invocar o disposto nos artigos 608.º, n.º 2 e 615.º, n.º 2, alínea d), ambos do CPC, pelo que será sob essa égide que apreciaremos a sua pretensão recursiva.

Apreciando a nulidade imputada à Sentença recorrida, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, para tanto para aqui extraímos este normativo, como segue:

Artigo 615.º
Causas de nulidade da sentença
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2 - A omissão prevista na alínea a) do número anterior é suprida oficiosamente, ou a requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença, devendo este declarar no processo a data em que apôs a assinatura.
3 - Quando a assinatura seja aposta por meios eletrónicos, não há lugar à declaração prevista no número anterior.
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.”

Referem os Recorrentes que a Sentença recorrida do Tribunal a quo padece de nulidade por dela não constar qualquer decisão em torno da apreciação do pedido por si formulado com fundamento na violação do alvará emitida pelo Município em 31 de dezembro de 2003, por aí não se ter disposto sobre a transferência de propriedade da área de 245 m2 para o domínio público, e que ao assim ter decidido [o Município] que ocorre a prática de acto nulo, por violado o artigo 68.º, alínea a) do RJUE, que estabelece o regime jurídico da urbanização e da edificação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99 de 16 de dezembro.

Ora, as causas de nulidade das sentenças a que se reporta taxativamente o artigo 615.º do CPC, correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, distinguindo-se dos erros de julgamento de facto e/ou de direito imputadas às sentenças recorridas, resultantes de desacerto quanto à realidade factual ou na aplicação do direito, em termos tais que o decidido não está em correspondência com a realidade fáctica ou normativa.

A nulidade assacada pelos Recorrentes à Sentença recorrida nos termos da alínea d), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, tem subjacente a alegação de que o julgador deixou de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, nulidade essa que está intrinsecamente ligada ao imperativo inserto no artigo 608.º, n.º 2, do CPC que consagra o dever do tribunal resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Realidade diversa é a do eventual erro de julgamento, por discordância com a posição jurídica assumida pelo Tribunal a quo, que como já referimos supra, tendo apreciado da ocorrência de excepção dilatória, veio a julgar pela absolvição da instância do Réu.

Como refere M. Teixeira de Sousa, in “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lisboa, 1997, págs. 220 e 221 – sendo os normativos referentes ao anterior CPC - o “[…] tribunal não tem de se pronunciar sobre todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes, desde que não deixe de apreciar os problemas fundamentais e necessários à decisão da causa. [...] Verifica-se, pelo contrário, uma omissão de pronúncia e a consequente nulidade [art. 668.º, n.º 1, al. d) 1.ª parte] se na sentença, contrariando o disposto no art. 659.º, n.º 2, o tribunal não discriminar os factos que considera provados [...] ou se abstiver de apreciar a procedência da acção com fundamento numa das causas de pedir invocadas pelo autor [...].
Se o autor alegar vários objectos concorrentes ou o réu invocar vários fundamentos de improcedência da acção, o tribunal não tem de apreciar todos esses objectos ou fundamentos se qualquer deles puder basear uma decisão favorável à parte que os invocou. [...]
Em contrapartida, o tribunal não pode proferir uma decisão desfavorável à parte sem apreciar todos os objectos e fundamentos por ela alegados, dado que a acção ou a excepção só pode ser julgada improcedente se nenhum dos objectos ou dos fundamentos puder proceder. […]”

Tendo o Tribunal
a quo apreciado e decidido sobre os termos e pressupostos pelos quais absolvia o Réu da instância, e se a motivação/fundamentação recursiva dos Recorrentes estivesse certa, isto é, se fosse merecedora de este Tribunal Superior lhe dar acolhimento, então o que aconteceria, é que a Sentença recorrida não padece de nulidade por o julgador não ter apreciado questões que devia ter apreciado, mas antes de erro de julgamento, sancionável com a revogação da Sentença, porquanto a a nulidade da sentença por omissão de pronúncia só ocorre quando haja uma omissão de pronúncia absoluta, isto é, quando o julgador não conheceu determinada questão suscitada pelas partes, silenciando totalmente a razão pelo qual não o fazia, o que não é o caso.

Termos em que a Sentença recorrida não padece da invocada nulidade a que se reporta o artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC.

Prosseguindo.

Para lá do que assim julgamos, a pretensão recursiva deduzida pelos Recorrentes é assim destituída de fundamento jurídico, seja porque face ao disposto no artigo 608.º, n.º 2 do CPC, as “questões“ que cumpria ao Tribunal a quo resolver, apreciando e decidindo, foram por si objecto de julgamento e decisão, e as que o não foram, ficaram prejudicadas no conhecimento do fundo da questão, que radicaria na [in]validade do despacho do Presidente da Câmara Municipal de (...), precisamente porque foi julgada procedente a excepção dilatória arguida pelo Réu em torno da intempestividade da prática do acto processual, a saber, a apresentação em juízo da Petição inicial.

Não tendo os Recorrentes colocado sob recurso junto deste Tribunal Superior a factualidade constante do probatório, seja por erro, seja por insuficiência [visando os termos por que o Tribunal a quo formou a sua convicção, e de que outro modo devia formar convicção diversa da que formou e que foi determinante da absolvição da instância do Réu], julgamos que o acto datado de 18 de fevereiro de 2015 da autoria do Presidente da Câmara Municipal de (...), a padecer de alguma invalidade, na base dos seus pressupostos de facto e de direito, apenas caberia no regime da mera anulabilidade.

Neste conspecto, por julgarmos com interesse para a decisão a proferir, para aqui extraímos parte do Acórdão proferido por este TCA Norte em 08 de fevereiro de 2013, no Processo n.º 00235/11.0BEPNF, in www.itij.pt, a cujo julgamento aderimos sem reservas [com as adaptações que se mostrem necessárias, mormente, que a referência aos identificados normativos do CPA e CPTA se reportam aos anteriores Códigos], a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito [cfr. artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil], e que aqui reiteramos como segue:

Início da transcrição
“[…]
II. Presente este quadro normativo temos que a caducidade do direito de ação configura-se como exceção dilatória de conhecimento oficioso que obsta ao prosseguimento do processo, impedindo, assim, o julgamento de fundo da pretensão deduzida em juízo [cfr. arts. 87.º, 88.º e 89º, n.º 1 al. h) do CPTA, 493.º do CPC, e 333.º do CC].
III. Para se aferir da sua verificação ou preenchimento importa determinar se o meio contencioso em questão está sujeito nos termos legais a algum limite temporal para a sua dedução [seja um limite especial/específico independentemente dos desvalores decorrentes das ilegalidades invocados (cfr., v.g., arts. 69.º, 98.º, n.º 2 e 101.º do CPTA) seja um limite definido nos termos gerais em função daqueles mesmos desvalores (inexistência/nulidade/anulabilidade) (cfr., art. 58.º do CPTA)].
IV. Tal como sustenta Freitas do Amaral a “validade” “… é a aptidão intrínseca do ato para produzir os efeitos jurídicos correspondentes ao tipo legal a que pertence, em consequência da sua conformidade com a ordem jurídica …” (in: “Curso de Direito Administrativo”, vol. II, págs. 342 e segs.).
V. Daí que enunciando a lei, quanto aos atos administrativos em geral, determinados requisitos a sua não verificação em concreto por referência a cada ato gera o desvalor da “invalidade”, a qual, seguindo de novo a doutrina daquele Professor, é “… a inaptidão intrínseca para a produção de efeitos, decorrente de uma ofensa à ordem jurídica …”.
VI. Como também afirma J.C. Vieira de Andrade [em “Validade (do ato administrativo)” in: DJAP, vol. VII, pág. 582] a “… validade diz respeito a momentos intrínsecos, pondo a questão de saber se o ato comporta, ou não, vícios ou malformações, em face das normas que estabelecem os termos em que é possível a produção de efeitos jurídicos por via de autoridade ...”.
VII. Na sequência dos ensinamentos colhidos deste Autor (in: ob. cit., págs. 583 e segs.), bem como de Freitas do Amaral (in: ob. cit., págs. 342 e segs.), a apreciação da validade de um determinado ato afere-se por referência ao sujeito que o pratica [conformidade com as normas referentes às suas atribuições e com as suas competências legais (quer quanto aos poderes em razão da matéria e do lugar, quer se em concreto está legitimado para os exercer)], ao objeto mediato [este tem de ser possível física e juridicamente, determinado ou identificável, bem como terá de ser idóneo em termos de adequação do objeto ao conteúdo e deve estar legitimado para suportar os efeitos do ato], ao procedimento, à forma, ao fim, ao conteúdo e decisão (visando o ato a produção de efeitos jurídicos numa situação concreta aqueles efeitos têm de ser determinados ou compreensíveis, possíveis e lícitos) e à vontade.
VIII. Ora os vícios suscetíveis de afetarem o ato administrativo não geram todos os mesmos desvalores, isto é, não conduzem todos às mesmas consequências.
IX. Para além controvérsia quanto à caraterização do desvalor da “inexistência”, mormente, quanto à sua existência e interesses como desvalor, quanto ao seu reconhecimento e consagração legal no nosso ordenamento (cfr., entre outros, Marcelo Rebelo de Sousa em “Inexistência jurídica” in: “DJAP”, vol. V, págs. 231 e segs.; Freitas do Amaral in: ob. cit., págs. 413 e segs.), temos que a doutrina e a jurisprudência têm feito a distinção de dois tipos fundamentais de invalidade: a nulidade e a anulabilidade.
X. A regulamentação legal relativa à matéria das formas de invalidade constava anteriormente dos arts. 363.º e 364.º do Código Administrativo, sendo que, posteriormente e face ao regime legal supra reproduzido, passou a constar dos arts. 88.º e 89.º da LAL/84 e tem hoje regime geral vertido nos arts. 133.º a 136.º do CPA.
XI. Apreciemos, pois, de “per si” cada uma daquelas formas de invalidade.
XII. A nulidade constitui a forma mais grave de invalidade, tendo como elementos caraterizadores o facto do ato ser “ab initio” totalmente ineficaz não produzindo qualquer efeito (cfr. n.º 1 do art. 134.º do CPA), ser insanável quer pelo decurso do tempo, quer por ratificação, reforma ou conversão (cfr. n.º 2 do art. 134.º e n.º 1 do art. 137.º ambos do CPA), ser suscetível de impugnação a todo o tempo e perante qualquer tribunal, bem como ser conhecida a todo o tempo por qualquer órgão administrativo, sendo que o reconhecimento da nulidade tem natureza meramente declarativa (cfr. art. 134.º, n.º 2 do CPA), bem como confere aos particulares o direito de desobediência e de resistência passiva perante execução de ato nulo.
XIII. Já a anulabilidade reveste um desvalor menos gravoso, possuindo como traços essenciais o facto de o ato anulável ser juridicamente eficaz e produzir todos os seus efeitos até ao momento em que ocorra a sua anulação ou suspensão (cfr. n.º 2 do art. 127.º do CPA “a contrario”), de ser suscetível de sanação pelo decurso do tempo, por ratificação, reforma ou conversão (cfr. arts. 136.º, n.º 1, 137.º, n.º 2 e 141.º todos do CPA), de ser obrigatório para os particulares enquanto não for anulado, de carecer de impugnação num prazo certo e determinado ou fixado por lei (cfr. arts. 136.º, n.º 2 do CPA, e 58.º do CPTA), de o pedido de anulação de determinado ato administrativo ter de ser deduzido apenas perante um tribunal administrativo (cfr. art. 136.º, n.º 2 do CPA), sendo que a sentença que procede ao reconhecimento da anulabilidade do ato possui natureza constitutiva.
XIV. No nosso ordenamento jurídico-administrativo a forma de invalidade da nulidade reveste de natureza excecional porquanto o regime regra é o da anulabilidade (cfr. art. 135.º do CPA) (cfr., por todos, Freitas do Amaral in: ob. cit., págs. 408/409).
XV. Refere a este propósito J.C. Vieira de Andrade (in: ob. cit., págs. 586/587) que num “… sistema de administração executiva, como o português, a generalidade da doutrina está de acordo em que a anulabilidade constitui a «invalidade-regra», em função das ideias de estabilidade (das relações jurídicas criadas pelos atos ou à sombra deles) e de autoridade (mas não já de «presunção de legalidade»), do ato administrativo - para uns porque a nulidade só existe nos casos expressamente previstos na lei; para outros, porque o regime da nulidade só se aplica em casos de vícios particularmente graves …” (cfr., também, o mesmo Autor em “Nulidade e anulabilidade do ato” in: CJA n.º 43, JAN/FEV 2004, págs. 41 a 48, em especial, págs. 46/47, bem como Freitas do Amaral in: ob. cit., pág. 409).
XVI. Daí que os casos de nulidade no nosso ordenamento são aqueles que vêm estabelecidos no art. 133.º do CPA, normativo este que encerra em si, para além duma remessa para o que se mostre fulminado em lei especial com o desvalor da nulidade, um enunciado genérico que contém a lista das nulidades.
XVII. E reportando-se ao regime decorrente do citado art. 133.º refere Marcelo Rebelo de Sousa (em “Inexistência jurídica” in: “DJAP”, vol. V, pág. 242) que “… o Código aponta para as seguintes inovações, no domínio que nos importa: 1.º Suprime a figura da nulidade por natureza, ao englobá-la na cláusula geral do n.º 1 do art. 133.º; … 2.º Define de tal modo a nulidade que praticamente cobre todas as situações que a doutrina e a jurisprudência consideravam de inexistência jurídica do ato administrativo. ... Tomando esta segunda inovação, vemos que a nulidade passa a corresponder à falta de qualquer dos elementos essenciais do ato. Definindo Diogo Freitas do Amaral - principal autor material ou informal do Código - elementos de molde a abarcar o que outros setores da doutrina (em que nos integramos) qualificam de pressupostos, e parecendo ser esse o sentido vazado no Código, na previsão do art. 133.º n.º 1 caberiam a falta de sujeito (órgão administrativo), de competência em termos de função do Estado e de competência absoluta, e de suscetibilidade de atuação imputável a órgão da Administração (isto é, por titulares devidamente investidos e preenchendo os requisitos de tal imputação). … Por outras palavras, acarretariam nulidade todos os casos de inidentificabilidade orgânica mínima, bem como os de inidentificabilidade material mínimas (enumerados no n.º 2) …”.
XVIII. Da leitura do dispositivo em referência resulta, assim, para além duma enumeração exemplificativa das situações geradores de nulidade (cfr. o seu n.º 2 quando se emprega a expressão “
designadamente”), uma enumeração genérica de duas situações geradoras igualmente do desvalor da nulidade (cfr. o seu n.º 1), ou seja, por um lado, temos aquelas situações em que por lei especial é fulminado um ato com tal forma de invalidade e, por outro, temos as situações em que um ato é nulo por lhe faltarem os “elementos essenciais”.
XIX. Atente-se, por outro lado, que dúvidas não existem quanto à previsão legal da al. d) do n.º 2 do art. 133.º do CPA de que a mesma é extensível à violação de direitos, liberdades e garantias do Título II da Parte I da CRP, bem como aos direitos de caráter análogo àqueles insertos no próprio texto constitucional, ou em norma de direito internacional ou comunitário ou ainda em lei ordinária (cfr. J.C. Vieira de Andrade in: "Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976", págs. 87 e segs.; J.M. Cardoso da Costa em "A hierarquia das normas constitucionais a sua função na proteção dos direitos fundamentais" in: BMJ n.º 396, pág. 93; M. Esteves de Oliveira, Pedro C. Gonçalves e J. Pacheco Amorim in: "Código do Procedimento Administrativo", 2.ª edição atualizada, revista e aumentada, pág. 646).
XX. Utilizando a expressão de J.M. Cardoso da Costa temos que o legislador terá pretendido tutelar com o disposto no art. 133.º, n.º 2, al. d) do CPA o "núcleo duro" da CRP (cfr. citado autor in: loc. e pág. citados supra).
XXI. Defendem J.M. Santos Botelho, A. Pires Esteves e J. Cândido de Pinho em sede de interpretação da expressão "conteúdo essencial de um direito fundamental" utilizada no normativo a que vimos fazendo alusão que ali se consagra uma formulação absoluta e restrita dos direitos fundamentais, sendo "… absoluta na medida em que sanção da nulidade afetará todos os atos administrativos..." e "... restrita já que não será qualquer lesão que será apta a gerar tal nulidade, mas, apenas, a que afete o conteúdo essencial…" (in: "Código do Procedimento Administrativo", 5.ª edição, pág. 799, nota 36).
XXII. Refira-se, ainda, que na previsão em análise estão ainda abrangidos os atos administrativos não só os que violam pelo seu conteúdo ou motivação esse direito fundamental mas também aqueles em cujo procedimento se postergam direitos dessa mesma natureza dos interessados.
XXIII. Caso a violação do direito fundamental não atinja o seu "conteúdo essencial" ou o seu "núcleo duro", então a sanção adequada será a anulabilidade.
[…]”
Fim da transcrição

Atentemos no seguinte.

Cotejada a Petição inicial, referem os Autores sob os pontos 3 a 9, que o edifício, e antes disso o terreno de que são proprietários, está na sua posse e dos seus antepossuidores há mais de 20 anos e que se não por outra via, que o adquiriram por usucapião.

Por outro lado, em face do que alegou o Réu, o ora Recorrido Município (...) sob os pontos 21 a 27 da sua Contestação, o anterior proprietário do prédio requereu à Câmara Municipal de (...) licença para construir um edifício de rés-do-chão destinado a habitação, no âmbito de cujo processo de licenciamento apresentou uma planta de implantação onde era delimitada uma baía de retorno com a área de 245 m2, na sequência do que o pedido foi deferido por despacho datado de 11 de maio de 2001, com a condição de esse novo arruamento e baía de retorno serem pavimentados antes da emissão da licença de utilização, tendo a Junta de freguesia (...) vindo a declarar em 21 de setembro de 2003 que nesse terreno cedido ao domínio público, por aí existir uma árvore centenária, que assumia a responsabilidade pelo calcetamento do arruamento, o que os serviços do Réu em acção de fiscalização realizada em 26 de novembro de 2005 vieram a confirmar da execução dessa condição de licenciamento da habitação. Mais referiu o Réu Município que a cedência daquela área de 245 m2 visava dar cumprimento por parte do então proprietário, ao disposto no artigo 18.º do Regulamento do Plano Director Municipal, e que foi nesse pressuposto que a licença de utilização do edifício foi deferida.

Ora, esta matéria que assim foi alegada pelo Réu Município (...), ora Recorrido, não foi contrariada pelos Autores, pois que na Réplica que vieram a apresentar, e como vertido sob o seu ponto 9 apenas invocaram impugnar “… a matéria de facto alegada nos artigos 14, 28, 29, 30, 33 e 34 da douta contestação, na medida em que aí se alega que o autor construiu um portão e ocupou um espaço pertença do domínio público, o que não corresponde à realidade dos factos e está em oposição com o direito aplicável.

Tendo a edificação sido licenciada por despacho datado de 11 de maio de 2001, e sob condição da cedência ao domínio público da parcela de 245 m2, na medida em que ocorreu esse licenciamento, resulta evidente que, mal ou bem, o anterior proprietário colocou sob a esfera do domínio público do Município (...), aquela concreta parcela de terreno.

Temos assim que por efeito do deferimento desse licenciamento, a área de terreno em causa foi alvo de uma concreta “afectação jurídica”, pois que por proposta do então proprietário, que foi aceite pela Câmara Municipal de (...) no âmbito do processo de licenciamento da edificação, essa área passou a integrar, em termos imediatos, o domínio público dessa autarquia.

Sendo certo que os Tribunais não estão sujeitos à interpretação que as partes fazem/façam da lei e do direito que entendam convocar para efeitos de sustentação do seu pedido de tutela jurisdicional, a dimensão do problema que o Tribunal a quo foi chamado a dirimir só é alcançável quando se prossegue na análise e na exegese do que é/tem sido/foi a relação administrativa estabelecida entre o Município (...), ora Recorrido, o anterior proprietário do terreno, que o submeteu a uma operação urbanística sujeita a licenciamento, e finalmente os Autores, que foram adquirentes desse prédio no dia 20 de janeiro de 2015 [Cfr. ponto 1 do probatório].

Atenta a relação jurídica administrativa estabelecida entre a entidade licenciante e o então proprietário do prédio, e no que releva em torno da parcela de terreno em causa, temos que foi proferida decisão de deferimento sob condição em 11 de maio de 2001, e tendo a licença de habitabilidade sido emitida em 31 de dezembro de 2003, é pois manifesto que o direito de propriedade do então proprietário, que incidia sobre o prédio onde foi erigida a edificação, ficou diminuído na correspondente área de 245 m2, que por ter sido cedida ao domínio público como forma de o projecto de licenciamento dar satisfação ao disposto no artigo 18.º do RPDM, era insusceptível de vir a ser adquirida por usucapião, pois ficou imediatamente colocada fora do comércio jurídico, como assim dispõe o artigo 202.º, n.º 2 do Código Civil. Ou noutra perspectiva, que nunca essa área do prédio/terreno entrou na esfera jurídica patrimonial dos Autores ora Recorrentes [de acordo com o brocardo latino “nemo plus iuris”].

E de forma manifesta, tendo o autor do acto impugnado partido do pressuposto que os Autores efectuaram a construção de uma entrada carral e pedonal em terreno cedido ao domínio público na sequência do licenciamento da construção que correu termos sob o processo n.º 13268/2000, tendo o Tribunal a quo apreciado e decidido que a enfermar essa decisão de alguma invalidade quanto aos seus pressupostos, a mesma devia ter sido impugnada no prazo de 3 meses a contar da sua notificação, este julgamento não merece censura.

Dispõe o artigo 133.º do CPA [na versão do Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de novembro] que são nulos “Os atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental”, redação esta que não sofreu alteração por força da redação do novo CPA, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 07 de janeiro, como assim decorre do disposto no seu artigo 161.º, n.º 2, alínea d).

Em conformidade com o que assim referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, Coimbra, 1997, em anotação ao artigo 18.º n.º 3, a violação do invocado conteúdo essencial [do núcleo essencial] de um direito fundamental pressupõe que o direito em causa seja aniquilado ou, por outras palavras, perca o seu sentido útil, a sua finalidade, só se podendo afirmar a nulidade de um acto porque o mesmo viola o conteúdo essencial de um direito dessa natureza, quando o mesmo atinja o valor fundamental que justificou a criação do mesmo ou, dito de outro modo, quando a prática do acto tiver por consequência desprover decisivamente o cidadão da protecção que esse direito lhe dá” [Neste sentido, cfr. entre outros, os Acórdãos proferidos, pelo STA no Processo n.º 06108/10, datado de 06 de maio de 2010, pelo TCA Sul no Processo 11/13.6BEBJA, datado de 05 de abril de 2018, e por este TCA Norte no Processo 00014/16.9BEPRT, datado de 17 de novembro de 2017].

Ora, o conteúdo essencial de um direito fundamental só será assim ofendido nos casos em que seja amortalhado o mínimo fundamental desse direito, sem o qual o mesmo deixa de subsistir na esfera jurídica do cidadão.

Mas como assim resulta dos autos, os Recorrentes não ficaram privados, sem fundamento, do seu direito de propriedade [por livre iniciativa do Réu], uma vez que o acto impugnado tem na sua base a apreciação e decisão de que os Autores ora Recorrentes ocuparam terreno que estava sob domínio público municipal, que assim se transmutou [por vontade do anterior proprietário] na decorrência da relação jurídica administrativa que o mesmo [o anterior proprietário] estabeleceu com o Réu para efeitos do deferimento da operação urbanística que lhe tinha apresentado.

Em suma, os Recorrentes não ficaram despojados do sentido ou do mínimo fundamental do seu direito de propriedade, mantendo a titularidade desse direito ou da tutela que o mesmo lhe dá, pelo que, não julgando verificada a alegada violação do núcleo essencial do direito de propriedade [como assim alegaram os Recorrentes e reportando-se ao disposto nos artigos 1302.º, 1304.º e 1305.º todos do Código Civil e artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa], a óbvia consequência quanto à alegada violação deste direito fundamental, a ter-se por verificada, é a da anulabilidade, e não a da nulidade.

Ou seja, atento o teor do acto administrativo em causa, que a final e em suma visa a reposição da legalidade urbanística, ao contrário do que referem os Recorrentes em abono da sua pretensão recursiva, não foi ferido o núcleo essencial do seu direito de propriedade, e quando muito, a decisão em causa, a padecer de alguma invalidade, sempre teria de ser arguida no prazo geral de 3 meses a que se reporta o artigo 58.º, n.º 1 alínea b) do CPTA, pois que o regime regra no domínio da invalidade dos actos administrativos é o da mera anulabilidade.

Não se mostra assim desacertado o juízo feito quanto à intempestividade da impugnação, julgamento este que confirmamos inteiramente, porquanto quando apenas em 11 de março 2016 foi instaurada a acção administrativa em apreço visando impugnar o acto proferido pelo Presidente da Câmara Municipal de (...), datado de 18 de fevereiro de 2015, os Autores ora Recorrentes tinham já deixado caducar o seu direito de acção fundado nas apontadas ilegalidades em que sustentam a sua pretensão invalidatória [Cfr. artigos. 58.º e 59.º do CPTA, 143.º e 144.º do CPC, e 133.º e 135.º do anterior CPA - artigos 161.º e 163.º do novo CPA ].

Enfatizando, estando em causa acto meramente anulável, e não tendo a sua sindicância sido tempestivamente requerida junto do Tribunal a quo, viu-se o mesmo perante questão que obstava ao conhecimento do mérito da pretensão por si formulada, tendo por isso o Réu sido absolvido da instância, julgamento esse que não é merecedor de qualquer censura jurídica, já que face ao disposto no artigo 89.º n.ºs 1, 2 e 4 alínea k) do CPTA, a intempestividade da prática de acto processual obsta ao prosseguimento dos autos, sendo uma excepção dilatória insuprível que leva à absolvição do Réu da instância.

Tendo o Tribunal a quo julgado que a acção foi intempestivamente apresentada, esse julgamento não faz a Sentença recorrida padecer de qualquer erro, pois tendo julgado a acção como intempestiva, de nenhum outro pedido poderia conhecer o Tribunal.

E em torno nulidade a que se reporta o artigo 68.º, alínea a) do RJUE, não se dilucida por que termos é que o acto administrativo impugnado possa padecer de nulidade, pois que a apresentação por parte do anterior proprietário de planta onde o mesmo enunciou a área a ceder ao domínio público tendo em vista a aprovação do projecto de licenciamento em face do disposto no artigo 18.º do Regulamento do Plano Director Municipal, visou, precisamente, dar satisfação ao disposto/imposto num instrumento de gestão territorial de âmbito autárquico, sob pena, aí sim, caso fosse inobservado, de vir a licença a ser fulminada com a nulidade.

Termos em que, improcedem assim as conclusões apresentadas pelos Recorrentes, devendo por conseguinte ser confirmada a Sentença recorrida.
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E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Direito de propriedade; Licenciamento de construção; Ocupação de domínio público municipal; Legalidade urbanística; Anulabilidade; Intempestividade da prática de acto processual.

1 – Tendo o anterior proprietário do terreno em causa apresentado à Câmara Municipal no ano de 2000 um pedido de licenciamento de construção, e para tanto identificado na planta desenhada uma concreta área desse terreno que seria integrada no domínio público, passou essa área a estar integrada no domínio público municipal, e como tal, imediatamente colocada fora do comércio jurídico, como assim dispõe o artigo 202.º, n.º 2 do Código Civil.

2 - Atento o teor do acto administrativo em causa, que a final e em suma visa a reposição da legalidade urbanística, ao contrário do que referem os Recorrentes em abono da sua pretensão recursiva, não foi ferido o núcleo essencial do seu direito de propriedade, e quando muito, a decisão em causa, a padecer de alguma invalidade, sempre teria de ser arguida no prazo geral de 3 meses a que se reporta o artigo 58.º, n.º 1 alínea b) do CPTA, pois que o regime regra no domínio da invalidade dos actos administrativos é o da mera anulabilidade.

3 - Estando em causa acto meramente anulável, e não tendo a sua sindicância sido tempestivamente requerida junto do Tribunal a quo, viu-se o mesmo perante questão que obstava ao conhecimento do mérito da pretensão por si formulada, tendo por isso o Réu sido absolvido da instância, atento o disposto no artigo 89.º n.ºs 1, 2 e 4 alínea k) do CPTA.
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IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência em NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto pelos Recorrentes A... e J..., mantendo a Sentença recorrida.
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Custas a cargo dos Recorrentes – Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
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Notifique.
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Porto, 25 de março de 2022.

Paulo Ferreira de Magalhães, relator
Antero Salvador
Helena Ribeiro