Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00097/03 - PORTO
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/27/2010
Relator:Francisco Rothes
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL - PRESUNÇÃO DE VERACIDADE DA DECLARAÇÃO - ÓNUS DA PROVA
Sumário:I - Presumem-se verdadeiras as declarações apresentadas pelos contribuintes nos termos da lei (cf. art. 75.º, n.º 1, da LGT).
II - Estando em causa a liquidação de IRS com base em rendimentos do trabalho dependente, a declaração que beneficia da referida presunção é a apresentada pelo sujeito passivo (a declaração apresentada para efeitos de IRS pelo trabalhador) e já não a apresentada pela entidade patronal ao abrigo do disposto no art. 113.º do CIRC, a qual apenas beneficia daquela presunção em sede da tributação desta entidade em sede de IRC.
III - Assim, existindo divergência entre aquelas declarações, não pode a AT, exclusivamente com base na declaração da entidade patronal, proceder à correcção dos rendimentos do trabalho dependente declarados pelo trabalhador.
IV - Porque compete à AT a prova dos factos constitutivos do direito de tributar (cf. art. 74.º, n.º 1, da LGT), se não recolher prova suficiente da existência do facto tributário ou de que a dimensão do facto tributário é diferente da declarada, não pode proceder à correcção da matéria tributável cuja declaração respeita os termos legais nem à consequente liquidação adicional.
V - Caso a AT proceda a essa liquidação e o contribuinte impugne judicialmente esse acto, em sede de impugnação judicial o ónus da prova da verificação dos pressupostos da tributação é da AT, pois o princípio consagrado no art. 74.º, n.º 1, da LGT, para o procedimento tributário, logra também aplicação em sede judicial, como resulta do disposto no art. 100.º do CPPT, que no seu n.º 1 dispõe que «sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado».
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:. RELATÓRIO

1.1 A Administração tributária (AT) procedeu à correcção do rendimento declarado por PAULO MARIA (adiante também Contribuinte, Impugnante ou Recorrido) para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), categoria A, do ano de 2001, considerando, com base na divergência entre os valores declarados pela entidade patronal do Contribuinte, ao abrigo do disposto no art. 113.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), e os que foram por este declarados para efeitos de IRS daquele ano, que o Contribuinte omitiu na declaração de rendimentos o valor de € 91.027,91.
A divergência refere-se ao montante a considerar como não sujeito (() Como veremos, apesar de os conceitos de isenção e de não sujeição não se confundem, apesar de terem sido usados indistintamente pela AT e pelo Impugnante.) a tributação, nos termos do art. 2.º, n.º 4, do CIRS, relativamente à indemnização recebida pelo Contribuinte pela cessação do contrato de trabalho, no total de € 127.582,53: enquanto a AT considera que apenas pode considerar-se como não sujeito o montante de € 36.564,62, correspondente a uma antiguidade de 5 anos (por a antiguidade efectiva do Contribuinte ser de 4 anos e 10 meses), o Contribuinte sustenta que a sua antiguidade é de 18 anos, motivo por que deve considerar-se não sujeito todo o montante indemnizatório.
Em consequência, procedeu à liquidação adicional IRS e respectivos juros compensatórios, que o Contribuinte pagou.

1.2 O Contribuinte impugnou judicialmente a liquidação com o fundamento de que a mesma enferma de violação de lei por erro nos pressupostos de facto na medida em que a referida indemnização por cessação do contrato de trabalho se refere a uma antiguidade de 18 anos. Mais se insurge contra o facto de a correcção à matéria tributável se ter baseado em documentos emitidos pela sua entidade patronal que lhe «não são enviados ou facultados» (() As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente, aqui como adiante, são transcrições.).

1.3 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto proferiu sentença em que julgou a impugnação judicial procedente com fundamento no invocado erro sobre os pressupostos de facto.
Para tanto, e em síntese,
– deu como provado que a antiguidade do Impugnante era a contar desde Abril de 1977 e que a indemnização em causa foi acordada entre ele e a sua entidade patronal com base numa antiguidade de 18 anos; depois, e
– considerando ainda que aquela indemnização «não excede o valor correspondente a uma vez e meia o valor médio das remunerações regulares com carácter de retribuição sujeitas a imposto, auferidas nos últimos 12 meses, multiplicado pelo número de anos de antiguidade», concluiu «não se encontrarem reunidos os pressupostos de incidência objectiva do imposto retido e pago, padecendo a liquidação em apreço do vício que lhe é assacado».

1.4 Inconformada com essa sentença, a Fazenda Pública dela recorreu para este Tribunal Central Administrativo e o recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

1.5 A Recorrente apresentou alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida contra a liquidação de IRS n.º 5330065809, referente ao ano de 2001, no montante global de 7.403,00 euros, com a inerente anulação da mesma liquidação.
B. A convicção do Tribunal baseou-se na prova apresentada pelo impugnante, nomeadamente do depoimento das duas testemunhas por si arroladas e o acordo celebrado pela entidade pagadora do rendimento e o aqui impugnante, desvalorizando a prova documental constituída pelo Relatório da Inspecção e documentos que o sustentam em sede de procedimento administrativo e a autorizar a conclusão aí extraída.
C. A douta sentença do Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na subsunção dos factos dados como provados às normas jurídicas invocadas.
D. Em sede de impugnação, invoca o impugnante um errado processamento de dados por parte da entidade patronal que lhe terá sido prejudicial perante a Administração Tributária (AT) já que na rescisão do contrato de trabalho a sua entidade patronal – Adidas Portugal Artigos de Desporto, S.A. –, aceitou que o tempo de antiguidade era de 18 anos, mas na comunicação que fez à AT, veio a considerar que apenas levou em consideração 4 anos e 10 meses, estando por via disso a quantia indemnizatória que foi entregue ao impugnante, em parte sujeita a tributação em IRS, porque fora da previsão do art. 2º, n.º 4 do CIRS.
E. A Fazenda Pública, na senda aliás do que preconiza o ilustre Ministério Público entende que tal questão seria a dirimir entre o trabalhador e aquela entidade, não cabendo na esfera dos presentes autos a solução de tal quid. Aqui pode-se tão só questionar se a AT agiu em conformidade com a factualidade patente dos autos, qual seja a que revela das declarações e elementos fornecidos pela entidade patronal em cumprimento da obrigação imposta pelo art. 113º do CIRC e, adiante-se a ser assim não poderia a AT agir de outro modo.
F. A liquidação efectuada reflecte os dados declarados e reiterados pela entidade patronal sobre a consideração da indemnização/compensação emergente da rescisão do contrato de trabalho, como sendo os correctos e os que foram processados ao aqui impugnante.
G. Deste modo, sendo-lhe reconhecida uma antiguidade de 4 anos e 10 meses, o que corresponderia, para efeitos do Ofício-circulado n.º 11/89, de 1 de Agosto, a uma antiguidade de 5 anos, sendo-lhe considerado isento de IRS ao abrigo do art. 2º, n.º 4, do CIRS, o valor de € 36.554,51 e considerando não isento e por isso sujeito a tributação e, consequentemente a retenção o remanescente no valor de € 91.027,91.
H. Ora, tendo em conta os limites materiais impostos à prova testemunhal, esta não é meio idóneo para contrariar a eficácia da prova assente em suportes documentais e lançamentos que não tenha sido descredibilizada e, por isso, se mostre revestida de eficácia probatória plena – cf. artºs. 392º e 393º nº 2 C. Civil.
I. Nesta matéria a actuação da AT bastou-se com a prova legal, prova esta fundada na declaração entregue pela entidade pagadora à Administração, por força do disposto no art. 113º do CIRC e nos esclarecimentos que se lhe seguiram quando instada para tal, em que salienta-se reiterou o conteúdo daqueles suportes contabilísticos, no que tange à tributação em sede de IRS dos rendimentos emergentes da indemnização tendo por referência 4 anos e 10 meses, nunca os pretendidos 18 anos, aquele eficácia probatória apenas é susceptível de destruição pela prova em contrário, i.e., pela prova da sua inveracidade – cf. art. 347º do C. Civil e e art. 44º n.º 1 do C. Comercial.
J. Face ao exposto, é de concluir que a sentença recorrida padece de notório erro de julgamento da matéria de facto, visto que releva como provada factualidade que não mostra ter sido submetida a um exame crítico de credibilidade, nos termos do art. 659º, nº 3, do C. P. Civil, nomeadamente através do seu confronto com outros dados apurados no procedimento administrativo ou pela sua confirmação através de meios de prova distintos.
K. Decidindo assim incorreu a douta sentença em erro de julgamento em matéria de facto e de direito, violando por isso as disposições legais enumeradas, designadamente, as constantes do C. Civil e do C. Comercial e C. P. Civil, aplicáveis subsidiariamente por força do art. 2º do CPPT, devendo considerar-se válido o acto tributário impugnado e, como tal, manter-se na ordem jurídica.

Nestes termos,

Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, com as legais consequências, assim se fazendo inteira JUSTIÇA» (() As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente, aqui como adiante, são transcrições.).

1.6 O Impugnante contra alegou, pugnando pela manutenção do decidido.

1.7 Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso.
Isto, em síntese, porque considerou que «a […] divergência entre trabalhador e entidade patronal quanto à verdadeira antiguidade e tempo de serviço deveria ter sido dirimida […] entre o Impugnante e a Entidade patronal, não podendo ser cabalmente apreciada em sede de Impugnação Judicial da liquidação de IRS».

1.8 Colhidos os vistos dos Juízes adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

1.9 A questão sob recurso, suscitada e delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, é a de saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento da matéria de facto, na medida em que deu como provado que a antiguidade do Impugnante era superior a 18 anos e que foi esta a considerada no acordo de cessação do contrato de trabalho celebrado entre o Impugnante e a sua entidade patronal.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

2.1.1 A sentença recorrida fez o julgamento de facto nos seguintes termos:

«DOS FACTOS

Factos provados

Dos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo apenso e depoimentos das testemunhas inquiridas, apurou-se a seguinte matéria de facto com relevância para a decisão da causa:
A) No exercício de 2001, o impugnante encontrava-se colectado para efeitos de tributação em IRS, como trabalhador por conta de outrem (categoria A, trabalho dependente, cfr. fls. 37 a 44 do PA apenso);
B) Em 01.01.1996, aquando da saída do sujeito passivo do grupo de empresas FEIST, a ADIDAS PORTUGAL acordou com Impugnante que este integraria o seu quadro da empresa “beneficiando, como contrapartida do exercício profissional, da antiguidade reportada a Abril de 1977” (cfr. doc. junto a fls. 16 dos autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, e depoimento da testemunha Jorge Manuel Del-Negro Feist);
C) Em 28.02.2001, o impugnante celebrou com a sua entidade patronal, a ADIDAS – PORTUGAL – ARTIGOS DE DESPORTO, S.A., um acordo de cessação do contrato de trabalho, onde se pode ler: “(…) 1. A partir de 28 de Fevereiro de 2001, data do início da produção de efeitos do presente contrato, cessa por mútuo acordo, ora estabelecido, o contrato de trabalho celebrado entre a Primeira e o Segundo Contraentes. 2. Na sequência desta cessação do contrato de trabalho por mútuo acordo, a Primeira Contraente paga ao Segundo Contraente, a título de Compensação pecuniária de natureza global, a quantia de Esc. 25.578.000 (vinte e cinco milhões quinhentos e setenta e oito mil escudos, a qual lhe é paga neste momento e da qual o segundo contraente dá plena e integral quitação. 3. A compensação pecuniária global referida no número anterior corresponde a 18 meses x 1.4 x Esc. 1.015.000$00 (um milho e quinze mil escudos). 4. Ambos os contraentes consideram que, tendo em conta a celebração do presente acordo e por causa dele, cessam as obrigações contratuais mútuas que existiam decorrentes do Contrato de trabalho (…)” (cfr. doc. a fls. 7 e 8 dos presentes autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos efeitos legais);
D) As partes intervenientes no acordo referido na alínea anterior fixaram a indemnização atribuída ao Impugnante, considerando 18 anos como tempo de antiguidade e uma remuneração mensal base no valor de Esc: 1.015.000$00, numa correspondência de um mês de remuneração por cada ano de antiguidade (cfr. acordo de cessação de contrato de trabalho a fls. 7 e 8 dos autos e fls. 32 e ss. do PA apenso);
E) Por força do acordo referido na alínea C), a ADIDAS PORTUGAL pagou ao Impugnante a quantia de € 127.582,53, considerando sujeito a tributação o montante de € 91.027,91 e isento de imposto o valor de € 36.554,61 (cfr. doc. a fls. 32 e ss do PA apenso cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
F) O impugnante declarou, em devido tempo, os rendimentos reportados ao exercício de 2001 no montante de € 77.650,20, com a retenção na fonte de € 52.905,65 (cfr. fls 37 a 44 do PA Apenso);
G) Em 13.03.2001 e 31.12.2001, o Impugnante manifestou à sua entidade patronal a sua discordância quanto ao montante de imposto retido na fonte, relativamente à compensação acordada por rescisão do contrato de trabalho (cfr fls. 10 a 15 do PA apenso cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
H) Pelo ofício nº 4486 de 23.02.2003, a Administração Fiscal notificou o impugnante da proposta de correcção dos seus rendimentos relativos ao ano de 2001 (cfr. PA apenso);
I) Em 12.03.2003, por despacho do Exmo. Senhor Director de Finanças/Delegado foram alterados os rendimentos do impugnante para o montante bruto de € 172.030,25, tendo-lhe sido fixado o rendimento declarado na categoria A em € 168.678,11 (cfr. Nota de Fixação/Alteração, a fls. 31 do PA apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos efeitos legais);
J) Em 24.04.2003, na sequência da alteração de rendimentos nos termos da Nota de Fixação/Alteração referida na alínea anterior, a Administração Fiscal procedeu à liquidação nº 5330065809, no valor de € 7.403,00 com data limite de pagamento voluntário em 18.06.2003 (cfr. fls 17 do PA apenso aos presentes autos);
K) A liquidação nº 5330065809 tem como suporte o mapa junto ao PA, sob o título “Resumo dos Rendimentos pagos ao Sr. Paulo Fernandes”, nos termos do qual foi considerado isento de IRS, ao abrigo do artigo 2º nº 4 do Código do IRS e com base numa antiguidade de quatro anos e dez meses, o montante de € 36.554,54 e considerado não isento e, por isso, sujeito a tributação e consequente retenção, o remanescente no valor de 91.027,91 (cfr. doc. junto a fls. 31 e ss do PA apenso);
L) Em 18.06.2003, o Impugnante procedeu ao pagamento do imposto liquidado em sede de IRS, no montante de € 7.403,00 (cfr. carimbo de validação da Tesouraria da Fazenda Pública, a fls. 17 do PA apenso);
M) Em 15.09.2003, o Impugnante deduziu a presente Impugnação Judicial (cfr. carimbo de recebimento aposto no rosto da petição inicial, a fls. 2 dos autos).

Factos não provados

Não se provaram outros factos para além dos supra indicados. As demais asserções da douta petição integram conclusões de facto/direito ou meras considerações pessoais do impugnante.

Da motivação

O Tribunal formou a sua convicção com base nos documentos indicados relativamente a cada um dos factos, bem como no depoimento das testemunhas inquiridas, que revelaram conhecimento directo dos factos, atentas as relações profissionais havidas com o Impugnante e com a entidade patronal deste, cuja credibilidade não foi abalada.
No que concerne ao acordo celebrado entre a ADIDAS PORTUGAL e o Impugnante, sob o título “DECLARAÇÃO”, a fls. 15, no qual queda definida a antiguidade do sujeito passivo, apesar de impugnado pela Fazenda Pública, quedou demonstrada a sua validade, na sequência do confronto do mesmo com o Bilhete de Identidade do seu Outorgante, Jorge Feist, cujo conteúdo foi integralmente confirmado no respectivo depoimento.
Urge realçar que os depoimentos das testemunhas Jorge Feist e João André, ex administradores da ADIDAS PORTUGAL, revelaram-se inelutavelmente credíveis, atento o facto de ambos terem, em nome e representação da entidade patronal do sujeito passivo, participado quer na negociação e outorga do acordo que teve como objecto a determinação da antiguidade do impugnante naquela empresa, quer na negociação e outorga do contrato de cessação do contrato de trabalho celebrado com este, atestando com firmeza, coerência e cabal conhecimento os pressupostos, termos e condições fácticas que nortearam a celebração do acordo que subjaz aos rendimentos sujeitos à liquidação impugnada.
Destarte, a convicção gerada resulta de um labor de natureza racional, face ao cotejo dos elementos de prova carreados para os autos, os quais, com base nas regras da experiência, permitiram extrair as conclusões determinantes da decisão a proferir».

2.1.2 Ao abrigo dos poderes que nos são conferidos pelo art. 712.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi do art. 2.º, alínea e), do CPPT, entendemos aditar à matéria de facto o teor da informação que foi apropriado pelo despacho do Director de Finanças que alterou os rendimentos declarados, o qual, porque respeita à fundamentação do acto tributário, é do conhecimento oficioso (() No sentido de que a fundamentação do acto tributário impugnado é do conhecimento oficioso, vide, entre outros, o acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 17 de Abril de 2002, proferido no processo com o n.º 26.635, publicado no Apêndice ao Diário da República de (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2002/32220.pdf), fls. 1130 a 1146. ):
a) O despacho referido na alínea que antecede remete para informação/proposta do seguinte teor:

«1. Na sequência da verificação efectuada aos elementos declarados pelo Sujeito Passivo em sede de IRS/2001, e das diligências entretanto desenvolvidas apurou-se que:
Conforme a informação obtida junto duma das entidades pagadoras de rendimentos de trabalho dependente, no ano de 2001 - Adidas Portugal Artigos de Desporto, S.A., designadamente a relativa no valor de € 127.582,53, verifica-se que foi sujeito a tributação o montante de € 91.027,91, importância que integrou o valor global de € 113.810,51, ficando, isento de sujeição a IRS o valor de € 36.554,61. E, por isso, este montante não foi considerado na declaração emitida nos termos da al. b) do nº 1 do artigo 119º do Código do IRS, pela referida empresa.

Ora, constata-se que o sujeito passivo declarou, em sede de IRS/2001, como rendimento do trabalho dependente - categoria A - a importância de € 77.650,20, valor obtido da seguinte forma:

CONCENTRA - Produtos para Crianças, S.A € 27.433,80
Chaves, Feist & Cª, S.A. € 27.433,80
Adidas Portugal Artigos de Desporto, S.A. € 22.782,60
€ 77.650,20

2. Em face disto, não deixa de se propor a correcção da declaração de IRS/2001, alterando o rendimento do trabalho dependente declarado para o montante de € 168.678,11 (27.433,80+27.433,80+113.810,51);

3. Notificado(s) em 23/01/2003, pelo oficio n.º 4486, para exercer(em) no prazo de 10 dias, por escrito, o direito de audição, conforme dispõe o artigo 60.º da L.G.T. e artigo 100.º e seguintes do CPA, o Sujeito Passivo reagiu em petição recepcionada em 05/02/2003, que aqui se considera como inteiramente reproduzida.

O exponente discorda do projecto de correcção notificado, porquanto “não ocorre qualquer factualidade típica” que o possa sujeitar a tributação diferente e, por isso, entende que não deverá ser efectuada qualquer alteração ao rendimento auferido.

E, isto porque - conforme expressa - a entidade patronal fez uma “retenção excessiva na fonte” ao valor da indemnização sujeita e não isenta (€ 91027,91).

O exponente considera “excessiva” na medida em que “não corresponde ao acordado entre as partes”, dado que a entidade patronal considerou “na fórmula de cálculo operada “, número de anos de trabalho” diferente do que era acordado que era de 18 de meses”(?).

Sobre as alegações proferidas, com o devido respeito, e em observância da previsão do n.º 6 do Artigo 60.º Lei Geral Tributária (LGT), cumpre dizer que não concordamos com a posição assumida pelo ora exponente.

Na verdade, e conforme os termos do requerimento remetido pela entidade Adidas Portugal, Artigos de Desporto, S.A.- que se dá aqui como integralmente reproduzido - em resposta á notificação enviada com vista a ser esclarecido o rendimento de trabalho dependente pago no ano de 2001, ao sujeito passivo, os valores declarados por esta Empresa são os correctos porque sustentados em documentos “válidos “, que “revelam a factualidade relevante para efeitos tributários, correspondem à realidade dos factos e traduzem os montantes efectivamente retidos ao trabalhador”.

Foi apresentado um mapa indicativo dos valores pagos/retidos ao sujeito passivo, no ano de 2001, que se considera aqui como integralmente reproduzido e se anexa como doc. 1.

Quanto aos factos conformadores da situação tributária, importa referir que a discrepância verificada se deveu à pretensão do sujeito passivo de “invocar que teria uma antiguidade na empresa superior à que lhe foi reconhecida, situação que lhe determinaria um montante mais elevado de indemnização isenta. Todavia, a antiguidade que lhe foi reconhecida foi de 4 (quatro) anos dez meses, o que corresponderia, para os efeitos da ratio do oficio Circulado 11/89, de 1 de Agosto, a uma antiguidade de cinco anos.

Deste modo, “foi considerado isento de IRS ao abrigo do Artigo 2.º n.º 4, do Código do IRS e com base numa antiguidade de 5 anos (mais precisamente quatro anos e dez meses) o montante € 36.554,51; e considerado não isento e por isso sujeito a tributação e consequentemente, a retenção, o remanescente, no valor de € 91.02 7,91...”.

Salvo melhor opinião, são estes os elementos novos que devem ser observados na fundamentação da decisão (n.º 6 do artigo 60.º da Lei Geral Tributária), pelo que se mantém a proposta de correcção da declaração de IRS/2001,

4. Assim, considerando que a declaração apresentada pelo(s) S.P.’s evidencia erros não supridos ou julgados convenientemente fundamentados na petição apresentada e que assumem relevância para a correcta liquidação do imposto, proponho que se organize o respectivo processo com vista aos procedimentos previstos no n.º 4 do artigo 65.º e artigo 66.º do Código do IRS, nos termos e com os fundamentos invocados na presente informação»
(cf. cópia do parecer a fls. 32/33 do processo administrativo em apenso).

2.1.2 Porque se nos afigura relevar também como fundamentação do julgamento da matéria de facto, permitimo-nos também aqui reproduzir a seguinte passagem da sentença, lavrada na parte que tem como epígrafe “DO DIREITO”:

«[…] é manifesta a inverosimilhança da situação em que o Impugnante que aceita o ingresso na ADIDAS PORTUGAL no âmbito dum acervo de condições no qual fica expressamente acordada a sua antiguidade na empresa reportada a 1997, venha, em 2001, a acordar que seja tomada em consideração para efeitos de indemnização por cessação do contrato de trabalho, apenas quatro anos e dez meses, quando já tem uma antiguidade correspondente a vinte e quatro anos».

*

2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

A AT liquidou adicionalmente IRS e respectivos juros compensatórios a Paulo Maria , relativamente ao ano de 2001, na sequência da alteração do conjunto dos rendimentos líquidos declarados por considerar que o Contribuinte omitiu na declaração desse ano rendimentos do trabalho dependente. Sendo certo que o Contribuinte recebeu nesse ano da sua entidade patronal o montante de € 127.582,53 a título de compensação por cessação do contrato de trabalho por mútuo acordo e tendo presente o disposto no art. 4.º. n.º 2, do CIRS (() Diz o n.º 4 do art. 2.º do CIRS:
«Quando, por qualquer forma, cessem os contratos subjacentes às situações previstas nas alíneas a), b) e c) do n.º 1, mas sem prejuízo do disposto na alínea d) do mesmo número, quanto às prestações que continuem a ser devidas mesmo que o contrato de trabalho não subsista, ou se verifique a cessação das funções de gestor, administrador ou gerente de pessoa colectiva, as importâncias auferidas, a qualquer título, ficam sempre sujeitas a tributação na parte que exceda o valor correspondente a uma vez e meia o valor médio das remunerações regulares com carácter de retribuição sujeitas a imposto, auferidas nos últimos 12 meses, multiplicado pelo número de anos ou fracção de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora, salvo quando nos 24 meses seguintes seja criado novo vínculo profissional ou empresarial, independentemente da sua natureza, com a mesma entidade, caso em que as importâncias serão tributadas pela totalidade».), considerou a AT, em síntese, que o Contribuinte, desse montante, deveria ter declarado € 113.810,51. Isto, porque entendeu que o montante dessa indemnização não sujeito a tributação deveria ser calculado apenas com base numa antiguidade de 5 anos (correspondente a uma antiguidade real de 4 anos e 10 meses), num total de € 36.564,62. Assim, procedeu à correcção que entendeu pertinente e à consequente liquidação adicional de IRS e respectivos juros compensatórios.
O Contribuinte discordou dessa alteração dos rendimentos declarados e subsequente liquidação adicional, cuja anulação pediu ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto com o fundamento de que a referida indemnização se reporta a uma antiguidade de 18 anos e não de 5 anos, como erradamente considerou a AT.
A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou a impugnação judicial procedente. Para tanto, deu como provado que a indemnização pela cessação do contrato de trabalho foi acordada com base numa antiguidade de 18 anos (ainda assim inferior à real), motivo por que, não excedendo os limites fixados pelo art. 2.º, n.º 4, do CIRS, a referida indemnização não devia ter sido sujeita a tributação.
A Fazenda Pública insurgiu-se contra a sentença, sustentando que nela se fez errado julgamento da matéria de facto. Isto, porque entendeu que a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto não podia ter dado como provado, como deu, que a antiguidade do Impugnante era de 18 anos e, consequentemente, não podia ter anulado a liquidação impugnada com fundamento em erro nos pressupostos de facto por considerar que a indemnização por cessação do contrato de trabalho não estava sujeita a tributação.
Assim, a questão que cumpre apreciar e decidir é a que deixámos enunciada em 1.9.

2.2.2 DO ERRO NO JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO

2.2.2.1 A AT considera que a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto fez assentar o julgamento da matéria de facto na prova testemunhal e no acordo celebrado entre o Contribuinte e a sua entidade patronal, em detrimento da prova documental constante do procedimento de liquidação, que desvalorizou. Mais considera que, ao assim proceder, a Juíza do tribunal a quo violou as regras probatórias, designadamente as constantes dos arts. 347.º, 392.º e 393.º, n.º 2, do Código Civil (CC).
Vejamos:
Desde logo, salvo o devido respeito, não podemos aceitar a alegação de que na sentença recorrida tenham sido violadas quaisquer regras de direito probatório, designadamente as que se referem à força probatória dos documentos e à inadmissibilidade da prova testemunhal.
Quer a declaração remetida pela entidade patronal do Contribuinte à AT ao abrigo do disposto no art. 113.º do CIRC, quer o documento que consta a fls. 30 do processo administrativo (que a AT diz ter sido apresentado pela entidade patronal do Contribuinte), não fazem prova legal plena dos factos deles constantes, contrariamente ao que parece supor a Recorrente. Na verdade, não estamos perante documentos autênticos, mas simples documentos particulares e estes só fazem prova plena relativamente às declarações contrárias aos interesses do declarante (cf. arts. 371.º e 376. do CC).
Ora, porque tais documentos não são da autoria do Contribuinte, salvo o devido respeito, não faz sentido algum esgrimir com a sua força legal plena e com a necessidade de fazer prova em contrário e, muito menos, com a inadmissibilidade da prova testemunhal.
Assim, não pode imputar-se à sentença erro algum no julgamento da matéria de facto quando, face ao documento apresentado pelo Impugnante e aos depoimentos das testemunhas, que, de forma credível, com conhecimento de causa e sem que a respectiva credibilidade tenha sido posta em causa, corroboraram a veracidade das declarações naquele insertas.
Cumpre também ter presente, que, no confronto entre os documentos constantes do procedimento administrativo (com base nos quais a AT procedeu à correcção que deu origem à liquidação impugnada), por um lado, e o documento apresentado e as testemunhas oferecidas pelo Impugnante, por outro lado, nenhuma censura merece o julgamento efectuado pela Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que, dando cabal cumprimento ao dever de fundamentação do julgamento da matéria de facto, deu a conhecer quais os meios de prova em que alicerçou a sua convicção e procedeu a uma criteriosa valoração crítica dos mesmos.
Assim, nenhuma censura merece o julgamento da matéria de facto.
Significa isto que a indemnização acordada entre o contribuinte e a sua entidade patronal para a cessação do vínculo laboral entre ambos existente, como bem considerou a sentença recorrida, teve por base uma antiguidade correspondente a 18 anos.
O que, sem necessidade de outros considerandos, nos leva à conclusão de que também o julgamento de direito efectuado na sentença não merece censura.
O recurso não pode, pois, proceder.

2.2.2.2 Tendo ficado provado que a indemnização acordada entre o contribuinte e a sua entidade patronal para a cessação do vínculo laboral entre ambos existente, como bem considerou a sentença recorrida, teve por base uma antiguidade correspondente a 18 anos, mesmo assim inferior à real, nada mais haveria a considerar.
Sem prejuízo, e ao jeito de nota final, sempre diremos que não pode sequer afirmar-se, como o faz a Recorrente, que a AT «agiu em conformidade com a factualidade patente dos autos» e «não poderia […] agir de outro modo».
A nosso ver, a AT deveria ter levado mais longe a sua actividade instrutória, no âmbito da qual está sujeita ao princípio da verdade material (cf. art. 55.º da Lei Geral Tributária (LGT) e art. 6.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 413/98, de 31 de Dezembro), ao invés de se ter bastado com a declaração da entidade patronal do Contribuinte.
Na verdade, se é certo que as declarações apresentadas pelos contribuintes nos termos legais se presumem verdadeiras (art. 75.º, n. 1, da LGT), essa presunção apenas se refere ao próprio declarante nas suas relações com a AT, não sendo extensível às relações da AT com terceiros. Assim, no caso sub judice, que se refere à liquidação de IRS com base em rendimentos do trabalho dependente, a declaração que beneficia da referida presunção é a apresentada pelo sujeito passivo (a declaração apresentada para efeitos de IRS pelo trabalhador) e já não a apresentada pela entidade patronal ao abrigo do disposto no art. 113.º do CIRC, a qual apenas beneficia daquela presunção em sede da tributação desta entidade em sede de IRC.
O que significa que, existindo divergência entre aquelas declarações, não pode a AT, exclusivamente com base na declaração da entidade patronal, proceder à correcção dos rendimentos do trabalho dependente declarados pelo trabalhador. Nessa situação, deverá proceder a mais diligências no sentido de tentar apurar da existência de factos que autorizem a tributação ou a tributação com uma dimensão diversa da resultante da declaração. Isto, porque compete à AT a prova dos factos constitutivos do direito de tributar (cf. art. 74.º, n.º 1, da LGT). O que significa que se a AT não recolher prova suficiente da existência do facto tributário ou de que a dimensão do facto tributário é diferente da declarada, não deve proceder à correcção da matéria tributável cuja declaração respeita os termos legais nem à consequente liquidação adicional.
Afigura-se-nos que é essa a situação dos autos. A AT procedeu à liquidação adicional sem ter recolhido os elementos necessários para concluir pela existência do facto tributário.
Em sede de impugnação judicial bastaria, pois, ao Contribuinte criar a dúvida sobre a existência ou quantificação do facto tributário, pois o princípio consagrado no art. 74.º, n.º 1, da LGT, para o procedimento tributário, logra também aplicação em sede judicial, como resulta do disposto no art. 100.º do CPPT, que no seu n.º 1 dispõe que «sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado».
Sucede, porém, que em sede de impugnação judicial, o Contribuinte logrou até demonstrar que os pressupostos de facto em que a AT fez assentar a correcção que originou a liquidação adicional (que o Contribuinte apenas tinha uma antiguidade de 4 anos e 10 meses, pelo que, para efeitos da tributação da indemnização por cessação do contrato de trabalho apenas se lhe podia relevar uma antiguidade de 5 anos, nos termos do disposto no art. 4.º, n.º 2, do CIRS) não correspondem à realidade, motivo por que estes considerandos que vimos expendendo se podem mesmo ter por dispensáveis.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Presumem-se verdadeiras as declarações apresentadas pelos contribuintes nos termos da lei (cf. art. 75.º, n.º 1, da LGT).
II - Estando em causa a liquidação de IRS com base em rendimentos do trabalho dependente, a declaração que beneficia da referida presunção é a apresentada pelo sujeito passivo (a declaração apresentada para efeitos de IRS pelo trabalhador) e já não a apresentada pela entidade patronal ao abrigo do disposto no art. 113.º do CIRC, a qual apenas beneficia daquela presunção em sede da tributação desta entidade em sede de IRC.
III - Assim, existindo divergência entre aquelas declarações, não pode a AT, exclusivamente com base na declaração da entidade patronal, proceder à correcção dos rendimentos do trabalho dependente declarados pelo trabalhador.
IV - Porque compete à AT a prova dos factos constitutivos do direito de tributar (cf. art. 74.º, n.º 1, da LGT), se não recolher prova suficiente da existência do facto tributário ou de que a dimensão do facto tributário é diferente da declarada, não pode proceder à correcção da matéria tributável cuja declaração respeita os termos legais nem à consequente liquidação adicional.
V - Caso a AT proceda a essa liquidação e o contribuinte impugne judicialmente esse acto, em sede de impugnação judicial o ónus da prova da verificação dos pressupostos da tributação é da AT, pois o princípio consagrado no art. 74.º, n.º 1, da LGT, para o procedimento tributário, logra também aplicação em sede judicial, como resulta do disposto no art. 100.º do CPPT, que no seu n.º 1 dispõe que «sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado».
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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso.

Sem custas, por a Recorrente delas estar isenta na legislação aplicável.


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Porto, 27 de Maio de 2010



(Francisco Rothes)



(Fonseca Carvalho)

(Moisés Rodrigues)