Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02356/14.9BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/21/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:ARRENDAMENTO;
HOSPITAL;
Sumário:I) – É de negar provimento ao recurso quando não triunfa apontado erro de julgamento.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:

Associação do Hospital ... (Rua ..., ...), interpõe recurso jurisdicional na presente acção administrativa por si intentada no TAF do Porto contra Centro Hospitalar ..., E.P.E. e contra o Estado Português, julgada improcedente.

Conclui:

A) A Apelante não se conformando com a sentença proferida que julgou a ação totalmente improcedente vem dela interpor recurso de Apelação, quanto à matéria de facto e de direito;
B) Uma vez que entende que existe erro de julgamento e de interpretação do Tribunal a quo, como a seguir se demonstrará, já que, o que está em causa nos presentes autos é apurar se existe responsabilidade civil dos Apelados pelos danos sofridos pela Apelante em virtude de lhe ter sido devolvido um edifício totalmente inoperacional, ou seja, sem as infraestruturas que aquele dispunha à data em que foi dado de arrendamento, ou seja, 01/07/1982;
C) Sendo certo que, se terá de dar como assente que quando o edifício da Apelante foi dado de arrendamento, este estava totalmente operacional, dotado de todas as infraestruturas, a funcionar como hospital, tanto assim é que, este não encerou nenhum dia desde que foi oficializado, em 1974 até à data em que fechou portas e o imóvel foi entregue à Apelante;
D) Ora, são dados como provados, entre outros factos os seguintes: “(…) N. As instalações e equipamentos inerentes à construção e funcionamento do Hospital, e que dele fazem parte integrante, estão completamente inoperacionais ou foram pura e simplesmente desinstalados e levados do Hospital – cfr. declarações de parte do representante legal da autora, AA.
R. O Estado, ao abandonar as instalações, promoveu a desinstalação de todo o equipamento destinado à prática hospitalar, designadamente dos equipamentos de ar condicionado e de produção de água quente bem como outros equipamentos (equipamentos informáticos, etc.) – cfr. relatório pericial.
S. O desmonte destes equipamentos provocou danos nos respectivos elementos construtivos de suporte, verificando-se também, fruto do uso dos espaços, algum dano e desgaste em toda a construção – cfr. relatório pericial.
T. O desmonte de mobiliário, outrora fixo, resultou na danificação de paredes adjacentes, requerendo-se para utilização do edifício uma intervenção ao longo de todas as salas para reparação de paredes, pinturas de paredes e tectos, reparações de canalizações e louças sanitárias, reparações de tectos falsos e outros elementos de construção visando voltar a dotar o edifício de condições de funcionalidade – cfr. relatório pericial.
V. Em 06.08.2012, apesar de o edifício aparentar um estado geral de conservação razoável, o mesmo de carecia de obras de reparação decorrentes da sua idade e uso, nomeadamente, pavimentos, paredes e tectos, e nas infraestruturas existentes, incluindo os trabalhos de reparação correspondentes à desinstalação do equipamento destinado à prática hospitalar, designadamente dos equipamentos de ar condicionado, de produção de água quente, e de transmissão de dados, nomeadamente informáticos – cfr. relatório pericial.”
E) E são dados como não provados os seguintes:
“1. O réu Centro Hospitalar ..., E.P.E., removeu instalações fixas e componentes do próprio edifício hospitalar.
2. Em 01.10.2012, o réu Centro Hospitalar ..., E.P.E., entregou à autora o edifício no seguinte estado: - Inexistência de salas de operações; - Os sistemas de ar condicionado foram
arrancados, havendo destruição até de tectos; - As instalações sanitárias foram, em diversos locais, arrancadas; - Diversas portas foram arrancadas; - Os sistemas de aquecimento central estão inoperáveis, com tubagens de cobre arrancadas e outros equipamentos arrancados; - Os sistemas de tratamento de água foram arrancados, destruídos e desviados; - Os sistemas de segurança estão inoperacionais; - Os sistemas de vídeo-vigilância foram destruídos e desviados os equipamentos; - A cozinha está inoperacional e sem equipamentos; - A lavandaria está inoperacional e sem equipamentos; - A esterilização está inoperacional; - A produção de água quente foi desmembrada: retirara, até muitas produções localizadas de água quente sanitárias efetuada através de termoacumuladores elétricos, com o único fito de se apoderarem da chapa de cobra da sua constituição.”
F) Considera a Apelante que tendo em conta os factos dados como provados e não provados que existe contradição entre alguns factos; veja-se que é dado como provado na alínea N) dos factos provados que as instalações e equipamentos inerentes à construção e funcionamento do hospital e que dele faziam parte integrante foram desinstalados e levados, e no ponto 1) dos factos não provados consta que o 1º Apelado removeu instalações fixas e componentes do próprio edifício hospitalar;
G) Ora, tais factos são contraditórios entre si, ou se considera que o 1º Apelado removeu ou não, sendo certo que este reconhece no art. 83º da contestação que possa ter havido excesso no que concerne aos equipamentos a remover, facto esse que é corroborado pelas declarações de parte do Legal representante da A. aos minutos 42:58 a 43:05 (“anarquicamente retiraram equipamento fixos..”), pelo que se terá que concluir que o facto dado como não provado no ponto 1) dos factos não provados é contraditório com os factos dados como provados nas alíneas N), R) e T) dos factos provados, pelo que deverá ser eliminado e aditado aos factos provados um novo facto com a seguinte redação, “O 1º Apelado, removeu instalações fixas e componentes do próprio edifício hospitalar;
H) Verifica-se ainda contradição entre o facto dado como provado na alínea R) dos factos provados no que concerne à produção de água quente e o facto dado como não provado no ponto 2 quanto a essa matéria, sendo que tal facto é dado como provado com base no relatório pericial, razão pela qual, salvo melhor entendimento em contrário, deverá ser eliminado dos factos provados que “…a produção de água quente quente….”, ficando somente a constar o vertido na alínea R) dos factos provados quanto a esse item;
I) Considera a Apelante que existe erro de julgamento quanto à matéria de facto, já que entende que não foram devidamente valoradas as declarações de parte do Legal representante da Apelante, e que o Tribunal a quo considerou sinceras e credíveis;
J) Declara o Legal Representante da A., quando questionado que equipamentos são esses que foram retirados, e que não deveriam ter sido, o seguinte: minutos 43:17 a 45:12 o seguinte: “…ar condicionado geral típico de salas de operações (43:17 a 43:20)…”, “…tratamento da água, essencial, tudo retirado (43:49 a 43:54).”, “…os equipamentos todos de tratamento de água foram retirados (44:38 a 44:41), “…a esterilização, por exemplo, levaram muito mais de metade dos equipamentos da esterilização, isso faz parte integrante dos bens fundamentais do bloco operatório (44:43 a 45:08), “…o bloco operatório em si era um compartimento.” (45:12 a 45:19)”; entre os minutos 54:34 a 56:17 “…não tinha água potável, a rede de saneamento obstruída…duas coisas fundamentais”, “segurança contra incêndio não funcionava...”, “…o resto do hospital, desde a sala de operações a diversas instalações, deteção de incêndios não funcionavam, e isto para não dizer as peças do laboratoriais…”, “…os gases medicinais não funcionavam...” e “…os elevadores não funcionavam…” e aos minutos 57:28 a 57:43 disse “…naturalmente que funcionavam já que não houve nenhum dia de interregno de funcionamento do nosso hospital quando passou para o estado…”;
K) Ora, atentas as declarações de parte prestadas pelo Legal Representante da A., entende a Apelante que deverão ser aditados aos factos provados novos factos com a seguinte redação:
•Quando a Apelante recebeu o imóvel, em 01/10/2012, este não tinha sala de operações, o ar condicionado dessas salas havia ser retirado, bem como os sistemas de tratamento de água;
•Nessa mesma data, 01/12/20212, a Apelante constatou que a esterilização estava inoperacional, não havia água potável, a rede de saneamento estava obstruída, a segurança contra incêndios não funcionava nem os gases medicinais assim como os elevadores;
L) E em consequência serem tais factos/segmentos retirados dos factos não provados no ponto 2 dos factos não provados, já que não poderá haver dúvidas que as mesmas correspondem à verdade material, as quais são igualmente corroborados pelo relatório pericial e pela testemunha da Apelante BB, bem como pelo relatório da ERS mencionado na pág. 8 da sentença, nas líneas h) e I);
M) Já quanto ao depoimento da testemunha da Apelante, BB, não obstante o Tribunal a quo não o ter valorizado, por esta ter referido que leu a p.i. para recordar datas, a verdade é que, o deveria ter valorado, já que esta relata factos que não constam na p.i., nomeadamente as circunstancias em que ocorreu a assinatura do auto de entrega do locado (minutos 1:26:30 a 1:26:44 “…no dia em que nos foi entregue o hospital nem eu nem a direção tínhamos entrado no hospital para verificar qualquer danos.”);
N) Mais referiu essa testemunha aos minutos 1:15:43 a 1:15:01 que “…estava tudo inoperacional, aquilo não tinha uso nenhum, tectos deitados abaixo, fios todos no exterior da parede, tudo danificado.”, factos esses que são parcialmente corroborados com o alegado no art. 79º e ss da contestação do 1º Apelado, onde refere que a desinstalação dos equipamentos pode ter deixado exposto os buracos de fixação;
O) Assim, deverá ser aditado aos factos provados, um novo facto com a seguinte redação:
•Em 01/10/2012, o 1º Apelado entregou à Apelante o edifício com tetos deitados abaixo, com fios todos no exterior da parede, com buracos nas paredes provindos da retirada do equipamento e em diversos locais as instalações sanitárias foram arrancadas.”, e por via disso ser eliminado do ponto 2 dos factos não provados os seguintes segmentos “…havendo destruição até de tectos.” e ...”As instalações sanitárias foram, em diversos locais arrancadas.”;
P) Por outro lado, entende a Apelante que os Apelados incumpriram as cláusulas 3ª e 4ª, do acordo e do contrato de arrendamento, atento os factos dados como provados nas alíneas E), a G) e V) dos factos provados, bem como pelo relatório pericial, e cujas obras estavam obrigados a realizar no locado, mas que não efetuaram;
Q) Entende ainda a Apelante que face aos factos dados como provados nas alíneas S), T) e V) dos factos provados, é forçoso concluir-se que o 1º apelado aquando da retirado dos equipamentos provocou danos no imóvel da Apelante, devendo ser aditado aos factos provados os seguintes factos com a seguinte redação:
•Os Apelados violaram as cláusulas 3ª e 4ª do acordo e do contrato de arrendamento já que, aquando da entrega do edifício, o mesmo carecia de obras de conservação;
•O 1º Apelado aquando da remoção do equipamento hospitalar provocou danos no imóvel da Recorrente;
•Que as obras de conservação bem como as de reparação dos danos emergentes da desinstalação do equipamento hospitalar foram avaliadas no relatório pericial pelo valor de € 505.126,57;
R) Dever-se-á ainda dar como assente que a Apelante desde a entrega do imóvel ...12, até à data em que foi apresentado o relatório pericial, ficou impossibilidade de rentabilizar o seu edifício, não só com base no depoimento da testemunha da Apelante, BB, que aos minutos 1:15:43 do seu depoimento refere que “…estava tudo inoperacional, aquilo não tinha uso nenhum…”, e aos minutos 1:20:29 a 1:20:38 diz “…como edifício estava inoperacional não dava para funcionar lá um hospital nem outra área.”, facto que é confirmado pelo relatório pericial na resposta ao quesito 1 do mesmo;
S) Assim, deverá ser aditada à matéria de facto dada como provada, um novo facto, com a seguinte redação:
•A Apelante, desde 01/10/2012 até à data em que foi realizado o relatório pericial, novembro de 2019, não deu qualquer uso ao imóvel, uma vez que este lhe foi entregue com múltiplos danos nas suas infraestruturas, e por consequência não obteve qualquer rentabilização do locado;
T) Entende ainda a Apelante que o Tribunal a quo incorre em erro interpretação, já que a Apelante não fundamenta a sua ação nas cláusulas 3ª e 4ª do acordo e do contrato de arrendamento, mas no âmbito da responsabilidade civil, e por isso considera que estando provados danos esta tem que ser ressarcida;
U) Não obstante considerar, pelos fundamentos expostos nos artigos 39º a 40º das alegações, que os Apelados incumpriram essas cláusulas;
V) Prescreve o Ac. da Rel do Porto datado de 30/09/2014 “Não tendo sido elaborado documento no qual as partes tenham descrito o estado do local arrendado à data da celebração do contrato de arrendamento, presume-se que esse local se encontrava em bom estado de manutenção. II - Assim, nesse caso, é ao arrendatário, e não ao senhorio, que compete demonstrar que as deteriorações do locado já existiam à data da celebração do contrato de arrendamento, foram causadas por terceiro, ou são inerentes à prudente utilização do arrendado. III – Não fazendo essa prova, presume-se que as ditas deteriorações decorrem da ocupação do locado pelo arrendatário, competindo-lhe, portanto, repará-las, antes da sua entrega ao senhorio.”, pelo que, como os Apelados não alegaram que o imóvel aquando da outorga do acordo e do contrato de arrendamento já apresentação deficiências, é forçoso concluir-se que o mesmo estava em bom estado de conservação, e por via disso os Apelados terão que suportar as deteriorações decorrentes da sua ocupação;
W) Entende-se ainda que há erro de interpretação, quando se refere na douta sentença de primeira instância, que o 1º Apelado, findo o contrato de arrendamento, atento o facto de no contrato de arrendamento outorgado entre a Apelante e o 1º Apelado, em 01/07/1982, não prever a obrigação de devolver um imóvel com aptidão hospitalar, que aquele está desonerado dessa obrigação;
X) Apesar de a Apelante, não concordar com tal tese, a verdade é que, o que se pede nos presentes autos é que lhe seja entregue o edifício com as infraestruturas que este tinha aquando da outorga do contrato de arrendamento, ou seja, um imóvel sem danos e não um totalmente inoperacional, com graves defeitos ocasionados pelo 1º Apelado, tal como consta do relatório pericial, resposta ao quesito 7,devendo por essa razão, serem os Apelados, condenados à liquidar à Apelante, o montante de € 505.126,57, valor esse determinado no relatório pericial para reparação dos danos causados pela utilização do mesmo e da desinstalação do equipamento hospitalar;
Y) Se porventura, se entender que a matéria de facto dada como provada e não provada não merece censura, nem que existe erro de interpretação da mesma, face aos factos dados como provados nas alíneas N),O), R), S), T) e V), considera a Apelante que estando provados danos originados pelo uso e pela desinstalação do equipamento hospital, o 1º Apelado terá sempre que ser condenados a liquidar à A. o valor apurado no relatório pericial;
Z) Por último, diz a sentença que tendo o Hospital da Apelante sido oficializado, esta deixou de dispor do direito de explorar o mesmo e por consequência de ser sua proprietária, não lhe assistindo direito a requerer qualquer indemnização pela impossibilidade de o explorar;
AA) Considera a Apelante que o Tribunal de Primeira Instância faz uma errada interpretação dos factos, nomeadamente da lei, já que, da diversa legislação referente à Oficialização dos Hospitais, não é mencionado que é retirado aos proprietários desses estabelecimentos hospitalares a propriedade dos mesmos, mas somente a gestão daquelas unidades;
BB) Pois, se os Apelados tivessem cumprido com as suas obrigações, nomeadamente com as obras de conservação e melhorias das instalações, tal como previsto nas cláusulas 3ª e 4ª do Acordo e do Contrato de Arrendamento, e 1º Apelado lhe tivesse devolvido, findo o contrato de arrendamento, o locado com as infraestruturas que este dispunha aquando da outorga do contrato de arrendamento, a Apelante poderia ter prosseguido com a atividade hospitalar ou com qualquer outra que fosse adequada a funcionar no seu edifício;
CC) Não com a exploração do Hospital ..., já que essa gestão lhe foi retirada pela Oficialização, mas com outra unidade hospitalar, direta ou indiretamente, conforme mencionado no relatório pericial;
DD) Entende por isso que tem direito a ser ressarcida do valor da renda (ressarcida do valor global de € 1.092.932,72 (€ 12.708,52 x 86 meses (01/10/2012 a 30/11/2019), correspondente ao período entre a entrega do imóvel e a realização do relatório pericial, que recebia do 1º Apelado, e que deixou de receber, em virtude do estado em que o edifício lhe foi entregue;
EE) Ora, face ao exposto resulta, inequivocamente, que a Apelante celebrou com o 1º Apelado um contrato de arrendamento do imóvel, e que com o 2º Apelado outorgou outro contrato no qual se estipulou as normas pelas quais se iria reger a reparação dos prejuízos causados à A. com a oficialização do seu hospital, tanto mais que o contrato de arrendamento outorgado com o 1º Apelado não revogou as cláusulas do acordo outorgado com o 2º Apelado, razão pela qual terão que responder os dois pelos danos causados;
FF) Nos termos do art. 1043º do C.C., o locatário é obrigado a manter e restituir a coisa no estado em que a recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato;
GG) Quando o imóvel foi oficializado pelo Estado, em 1974, e posteriormente quando são outorgados o Acordo e o Contrato de Arrendamento, 1981 e 1982, respetivamente, aquele dispunha de todas as infraestruturas necessárias para o funcionamento de uma unidade hospitalar, ou seja, estava apto a que ali funcionasse uma atividade, pelo que, no mínimo terá direito a receber o imóvel em condições análogas;
HH) Nos presentes autos está em causa apurar se os Apelados incorreram em responsabilidade civil por incumprimento do contrato de arrendamento e do acordo de molde a causar danos patrimoniais à A, e por isso, atento os pedidos formulados estamos no campo da responsabilidade contratual;
II) Cabendo na responsabilidade civil contratual ao devedor a prova de que a falta de cumprimento ou o incumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua (cfr. art. 799º,nº 1 do C. Civil);
JJ) Os Apelados tinham o ónus de provar que a falta de cumprimento do acordo e do contrato de arrendamento não procedia de culpa sua, facto que não se verificou, ou seja, nomeadamente o 1º Apelado tinha que provar que entregou o locado tal como o recebeu, aquando da outorga do contrato de arrendamento, em 1/7/1982, facto que não se verificou, pelo que terá que indemnizar a Apelante desses danos que o relatório pericial determinou em € 505.126,57, bem como do montante que aquela deixou de receber por estar impossibilitada de usar do imóvel, no valor de € 1.092.932,72.

Contra-alegou o réu Estado, concluindo:

1 – O recurso vem interposto da douta sentença proferida na Ação em apreço em 03/01/2023 que julgou a ação totalmente improcedente e absolveu o Réu Estado Português do pedido;
2 – Porém, com o devido respeito por opinião contrária, sempre diremos que discordamos da posição do recorrente e entendemos que nenhuma censura merece à decisão agora em crise, devendo manter-se a mesma nos seus precisos termos;
3 - Não resultou provado que os RR. tenham incumprido qualquer clausula contratual, já que o edifício foi devolvido após a cessação do contrato e não havia clausula que obrigasse algum dos réus a devolver imóvel apetrechado para a funcionalidade de hospital, até porque o objeto do contrato de arrendamento era, unicamente, o imóvel e não o estabelecimento hospitalar;
4 - Deve ter-se em conta que, com a entrada em vigor do DL n.º 704/74, a Autora, embora continuasse a ser proprietária do imóvel afeto ao estabelecimento hospitalar, ficou desapossada do imóvel e deixou de ter o estabelecimento hospitalar devido à sua oficialização;
5 – De igual modo, deve ter-se em devida conta que, como o objeto do arrendamento era um imóvel (ver cláusula I do contrato de arrendamento) - e não um estabelecimento hospitalar - a obrigação assumida pelo arrendatário, depois de cessado o contrato de arrendamento, era, apenas, a de devolver o imóvel e não devolver o imóvel devidamente apetrechado para servir de estabelecimento hospitalar;
6 - Ademais, resulta da perícia colegial realizada que o imóvel, à data em que foram efetuadas as vistorias pelos peritos – julho e setembro de 2019 -, se encontrava em elevado estado de degradação, essencialmente provocado por atos de terceiros –, dando-se aí o exemplo de furto ou vandalismo -, não sendo a degradação, no entender dos peritos resultado da prévia utilização do espaço, pelo que não foram os funcionários dos RR. que provocaram tal estado de degradação;
7 - Aliás, o que resulta provado é que os funcionários do Réu Estado nada tiveram que ver com a utilização, e muito menos com a entrega, do imóvel em causa nos autos, já que o Estado não foi parte no contrato de arrendamento em causa nos autos;
8 - Resulta anda da peritagem que foi efetuada a desinstalação de todo o equipamento destinado à prática hospitalar, designadamente, equipamentos de ar condicionado e produção de água quente, bem como equipamento informático e que o desmonte destes equipamentos provocaram danos nos respetivos elementos construtivos de suporte, verificando-se, também, fruto do uso dos espaços, algum dano e desgaste em toda a construção;
9 - Pode ainda alcançar-se que o edifício em causa não reúne as condições adequadas para a prática do serviço hospitalar nos moldes em que hoje é legalmente exigível e era à data em que foi efetuada a perícia – julho/setembro de 2019;
10 - Por isso, os peritos concluíram que, para colocar o imóvel apto a servir de hospital, seria necessária uma completa conversão do edifício, com perda de área útil, se mantida a volumetria ou então seria necessário efetuar a ampliação do mesmo;
11 - Mais referiram os peritos que o edifício apenas poderia ser adaptável, eventualmente, para outro tipo de serviço de saúde, mas que não envolvesse o internamento, nem a utilização de meios auxiliares de diagnóstico e de tratamento;
12 - Terá sido por esta razão que os peritos não responderam ao quesito 4º, sobre a estimativa orçamental para a realização dos trabalhos com vista a que o edifício pudesse adquirir aptidão para uso hospitalar;
13 - Ora, perante tal prova, teria de concluir-se, conforme o fez a Mmª Juiz a quo, pela improcedência do pedido de condenação dos RR a realizar obras de Requalificação e Reabilitação no edifício, com vista a que o mesmo possa continuar a servir como hospital, isto porque, atentas as exigências da legislação atualmente em vigor, o edifício, estruturalmente, não reúne as condições para que ali possa vir a ser instalado um hospital;
14 - No que concerne às obras necessárias à reparação do edifício, de molde a colocá-lo nas condições em que estaria à data em que foi celebrado o arrendamento (01.07.1982), e ressalvadas as deteriorações de uma utilização prudente, resulta igualmente da perícia colegial que, em 6 de agosto de 2012, apesar de o edifício aparentar um estado geral de conservação razoável, carecia de obras de reparação decorrentes da sua idade e uso;
15 - Tais reparações abrangem obras, nomeadamente, nos pavimentos, paredes, tetos e infraestruturas existentes, bem como os trabalhos de reparação correspondentes à desinstalação do equipamento destinado à prática hospitalar, nomeadamente, a desinstalação dos equipamentos de ar condicionado, produção de água quente e de transmissão de dados informáticos, no valor total de 505.126,57€;
16 - Ora, o Réu Estado não foi parte no contrato de arrendamento do imóvel aqui em causa, não o usou como estabelecimento hospitalar, não desinstalou os equipamentos de ar condicionado, produção de água quente e de transmissão de dados informáticos, nem fez a entrega do imóvel à Autora, pelo que é alheio aos eventuais trabalhos de reparação que o imóvel careça, de molde a colocá-lo nas condições em que estaria à data em que foi celebrado o arrendamento - 01.07.1982;
17 - Pelo que não existe qualquer fundamento, legal ou contratual, para que o Réu Estado Português tivesse obrigação de lhe devolver o imóvel, porque dele não foi arrendatário, muito menos, para lhe devolver o mesmo nas condições em que estaria à data em que foi celebrado o arrendamento;
18 - Por isso, findo o arrendamento, apenas caberia ao Réu, Centro Hospitalar ..., devolver à Autora o edifício nos termos acordados;
19 - Mas, tal devolução não incluía a devolução do edifício com os equipamentos e material equivalente ao que o Estado adquirira à A., mediante o pagamento da devida compensação monetária, conforme Acordo de 1981;
20 - De facto, não tem acolhimento na lei (DL n.º 704/74), nem no acordo celebrado, nem ainda no contrato de arrendamento, que houvesse obrigação de qualquer um dos RR devolver à A, um edifício (novo) que cumprisse (todos) os requisitos necessários ao funcionamento como estabelecimento hospitalar, nem tal se mostra viável, como resulta da perícia colegial efetuada nos autos;
21 - Portanto, em face do exposto, não se verifica qualquer errada interpretação do direito, nem dos factos, assim como também inexiste qualquer contradição entre a matéria dada como provada, pelo que falece toda a argumentação do recorrente;
22 -Por conseguinte, a Mma Juiz a quo fez, salvo melhor entendimento, uma correta interpretação da Lei, devendo ser confirmada nos seus precisos termos a douta decisão recorrida.

Também o réu Centro Hospitalar contra-alegou, concluindo:

I. OBJECTO DO RECURSO
A. O recurso a que ora se responde vem interposto da douta sentença proferida a 3 de Janeiro de 2023, que julgou totalmente improcedente a acção intentada pela ora Recorrente, absolvendo ambos os Réus do pedido.
B. Sem prejuízo do alegado pela Recorrente/ a verdade é que a sentença proferida peio Tribunal a quo é irrepreensível, devendo manter-se nos seus exactos termos.
C. Com efeito, e conforme se demonstrou, as pretensões da Recorrente carecem em absoluto de fundamento quer fáctico, quer jurídico, destacando-se a inexistência ou insuficiência dos elementos probatórios indicados pela Recorrente para demonstração das suas alegações.
D. À luz das normas reguladoras da relação estabelecida entre a Recorrente e os Recorridos, o ... não se encontrava vinculado ao cumprimento de quaisquer das obrigações invocadas pela Recorrente, nem esta passou a deter qualquer dos direitos por si invocados.
E. É contra a determinação, pelo Tribunal a quo, da completa ausência dos pressupostos de facto da pretensão em análise que a Recorrente se insurge, entendendo - erradamente, como adiante se verá -, na leitura que faz da relação material controvertida, que tem direito ao pagamento de uma compensação correspondente (i) ao valor das obras de requalificação e reabilitação do edifício hospitalar propriedade da sua propriedade e (ii) pela impossibilidade de exploração do Hospital,
XX. DA IMPROCEDÊNCIA DO RECURSO
F. Dir-se-á, à cabeça, que efectivamente determinante para a boa decisão da causa é a adequada ponderação da decisão proferida sobre a matéria de facto, uma vez que desta se extraem os vários indícios que levam à derradeira conclusão do Tribunal a quo e, consequentemente, também ao indeferimento do recurso interposto: o Recorrido não assumiu qualquer conduta enquadrável como incumpridora do disposto no contrato de arrendamento e no acordo celebrado entre a Recorrente e o Hospital ... e o Estado, respectivamente, nem são demonstrados, de resto, quaisquer dos danos a que a Recorrente alega ter direito.
A. A CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE INDEMNIZAÇÃO CORRESPONDENTE ÀS OBRAS NECESSÁRIAS A REPOR O IMÓVEL NAS CONDIÇÕES EXISTENTES Á DATA EM QUE FOI ARRENDADO
G. Ao contrário do afirmado pela Recorrente, o Tribunal a quo não incorreu em qualquer contradição na decisão proferida sobre a matéria de facto. Com efeito, a circunstância facto de serem dados como provados os factos constantes dos pts. N., R., S., T. e V. - e já agora, os correspondentes aos pts, O., P., Q. e U., que a Recorrente oportunisticamente omite - em nada colide com a decisão de dar como não provados determinados factos. Pelo contrário.
H. Conforme é dado como assente, o Recorrido limitou-se a, no exercício de um direito próprio, desinstalar e remover todo o material e equipamento afecto à actividade hospitalar que havia passado a ser propriedade sua; o Recorrido não removeu do imóvel da Recorrente quaisquer partes fixas e componentes, nem o mesmo resulta provado nos autos.
I. Para além disso, não merece qualquer censura a consideração como não provado de todo o teor do artigo 32.° da p.i, apresentada, a que corresponde o pt. 2 do elenco de factos dados como não provados, uma vez que o mesmo corresponde a uma visão deturpada, falaciosa e injuriosa dos factos.
J. Em todo o caso, deve relevar que o recurso sobre a matéria de facto assenta, única e exclusivamente, no entendimento da Recorrente de que as declarações de parte prestadas pelo seu representante legal e o depoimento colhido à testemunha por si arrolada. Dito de outro modo, os únicos meios de prova de que a Recorrente se vale para fundamentar a alteração da decisão sobre a matéria de facto são as declarações de parte prestadas e o depoimento da testemunha por si arrolada.
K. Ora, como a própria Recorrente admite - ainda que disso não se aperceba -, ambos os meios de prova em questão são inidóneos para, por si, determinarem uma alteração da decisão sobre a matéria de facto. As declarações de parte porque são, naturalmente declarações interessadas, sendo a sua força probatória débil quando desacompanhadas de outros meios de prova mais robustos que as confirmem - como é o caso -; o depoimento testemunhai referido porque, para além de, em face das circunstâncias concretas do caso, ser um depoimento também interessado - uma vez que a testemunha é funcionária da Recorrente -, a testemunha arrolada demonstrou completa ausência de isenção e espontaneidade ao admitir que tinha conhecimento da p.i..
L. Isto dito, não tendo, como se referiu, sido indicados pela Recorrente quaisquer outros meios de prova que determinassem a revisão da decisão sobre a matéria de facto, é totalmente improcedente a pretensão da Recorrente de impugnação daquela.
M. Isto dito, assentes os pressupostos de facto considerados indispensáveis (entre os quais merece especial destaque o facto constante da alínea M) do elenco de factos dado como provados, dos quais resulta que no momento da restituição do imóvel foi lavrado auto de entrega assinado pelos representantes das partes, não sendo aí apontado qualquer defeito ou desconformidade ao imóvel recebido), conclui-se que o Recorrido não violou quaisquer dos deveres e obrigações para si resultantes da celebração do contrato de arrendamento e da outorga do acordo a que se vem fazendo referência. Ao invés, o Recorrido cumpriu escrupulosamente todos os deveres decorrentes da celebração do contrato de arrendamento e do acordo a que se fez referência, designadamente as respeitantes à realização de obras de conservação e melhoria consideradas necessárias ao longo dos anos.
N. Para além destas, quaisquer outras obras de fundo - ao nível da estrutura do imóvel - que a Recorrente entenda deverem ter sido feitas não eram, por diversos motivos, da responsabilidade do Recorrido.
O. Primeiro porque o Recorrido não se obrigou à realização dessas obras através da outorga do contrato de arrendamento e do acordo subjudice.
P. Depois, porque as conclusões da Entidade Reguladora da Saúde são inequívocas a respeito da viabilidade da sua execução: conforme resulta do pt. G do probatório, "o principal fundamento do incumprimento da instrução da ERS pelo Centro Hospitalar ..., reside, essencialmente, na ausência de flexibilidade estrutural e funcional das instalações e na sua aptidão para fazer face às necessidades existentes e prementes", pelo que se mostra "inviável o integral cumprimento da instrução emitida".
Q. Como tal, a Recorrente não tem direito a qualquer indemnização correspondente ao custo de quaisquer obras, com base em alegada violação do contrato de arrendamento e do acordo celebrados, muito menos em virtude de quaisquer danos supostamente associados à desinstalação do equipamento e material da propriedade do Recorrido.
R. Deve recordar-se, em todo o caso, que (i) para além de a Recorrente não ter feito qualquer prova relativamente aos danos alegadamente resultantes do incumprimento dos instrumentos outorgados ou da desinstalação do material e equipamento hospitalar, (ii) o pedido formulado pela Autora diz respeito "às obras de Requalificação e Reabilitação no edifício hospitalar da Autora (...), de modo a repor o imóvel nas condições existentes à data em que foi arrendado" - às quais, relembre-se, o Recorrente nunca se vinculou nem se encontra obrigado.
B. A INDEMNIZAÇÃO PELA IMPOSSIBILIDADE DE EXPLORAÇÃO DO HOSPITAL
S. A improcedência deste pedido é, surpreendentemente, ainda mais evidente do que a daquele que acabou de tratar-se.
T. Ainda que a Recorrente tente deturpá-lo, o pedido por si apresentado - na versão posterior à sua alteração - não deixa margem para equívocos: a Recorrente requereu a condenação dos Réus ao pagamento de uma indemnização " pela impossibilidade de exploração do Hospital".
U. Porém - como dado por assente pelo Tribunal e não impugnado pela Recorrente -, nem esta era, já à data de celebraçâo do contrato de arrendamento, proprietária do hospital que funcionava no imóvel da sua propriedade, nem tem, no presente, qualquer possibilidade de neste vir a explorar qualquer hospital, à luz do concluído pela Entidade Reguladora da Saúde.
V. Nestes termos, não merece qualquer reparo a decisão proferida pelo Tribunal a quo a este propósito, nos termos da qual "a indemnização que a autora reclama pressupõe um direito que, na realidade não lhe assiste: o direito à exploração do hospital (...). Ora, se a autora deixou de ser proprietária do estabelecimento hospitalar, necessariamente não dispõe o direito à exploração do hospital".
W, Em todo o caso, e também nesta sede, reitera-se que o Recorrido cumpriu, até ao momento de cessação do contrato de arrendamento e entrega do imóvel, todas as obrigações resultantes das normas reguladoras da sua relação com a Recorrente, inexistindo qualquer fundamento para a pretensão da Recorrente.
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Dispensando vistos, cumpre decidir.
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Factos provados, assim fixados pelo tribunal “a quo”:
A. A autora é uma instituição particular de solidariedade social com natureza de pessoa colectiva de utilidade pública – cfr. fls. 668 e ss. do SITAF (estatutos da autora).
B. Em 02.09.1981, o Ministério dos Assuntos Sociais, como primeiro outorgante, e a autora, como segunda outorgante, celebraram um acordo “com vista a reparar os prejuízos emergentes da oficialização do hospital do segundo outorgante, por força dos Decretos-Lei n.ºs 704/74 e 618/75, de 7 de Dezembro e 11 de Novembro, respectivamente”, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1981, com o seguinte teor – cfr. doc. ... junto com a p.i.:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
C. A quantia de 26.842 contos que a autora recebeu nos termos do acordo que antecede, foi calculada nos termos de nota explicativa com o seguinte teor – cfr. doc. junto pela autora com o requerimento de 22.06.2022 (fls. 919 e ss. do SITAF):

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
D. Em 01.07.1982, a autora, enquanto proprietária do imóvel no qual funcionava o hospital, como primeira outorgante, outorgou com o Hospital ..., entidade pública criada pelo Estado, como segundo outorgante, um contrato de arrendamento, cujas cláusulas 3.ª e 4.ª têm o seguinte teor: "III - Todas as obras necessárias à conservação e melhoria das instalações hospitalares serão suportadas pelo segundo outorgante, de harmonia com o disposto no n° 3 do artigo 5° do Decreto-Lei n° 704/74, de 7 de Dezembro. IV - O segundo outorgante não fará obras novas de raiz ou de estrutura no imóvel do primeiro outorgante sem prévia autorização deste e renuncia a quaisquer indemnizações por tais obras, as quais, findo o arrendamento, ficam a ser propriedade do primeiro outorgante, como o são todas aquelas que até agora porventura tenham sido realizadas com ou sem autorização da Direcção da Associação." cfr. doc. ... junto com a p.i..
E. Após visita ao edifício efectuada em 17.09.2010, a Entidade Reguladora da Saúde emitiu deliberação na qual conclui pela necessidade de realizar obras urgentes de natureza estrutural que permitissem o restabelecimento das condições mínimas de qualidade e segurança, e instrui o réu Centro Hospitalar ..., E.P.E., para corrigir as não conformidades detectadas, com o seguinte teor: “78. Efectivamente, concluiu-se que a antiguidade das instalações e a ausência de flexibilidade estrutural e funcional daquelas prejudicam a capacidade de actuação clínica dos profissionais, apesar do empenho demonstrado por estes para ultrapassar as limitações impostas pelas condições infraestruturais existentes e prestar os melhores cuidados de saúde. (...) 81. Por outro lado, não se pode olvidar que a vida útil das instalações há muito que foi ultrapassada, inviabilizando a adopção de qualquer medida de flexibilidade estrutural e funcional, na medida em que a estrutura do edifico não possui capacidade de alteração do uso nem de sofrer ampliações, sem perda de coesão do mesmo". (…) 97. Mostrando-se inviável o cumprimento da instrução emitida deve o Centro Hospitalar ..., E.P.E. proceder ao encerramento da actividade nas instalações do Hospital ..., no prazo máximo de três (3) anos, contados da presente notificação." cfr. doc. ...3 junto com a p.i. e confissão (artigos 44 e 45 da contestação do réu Centro Hospitalar ..., E.P.E.).
F. Os trabalhos a realizar, de acordo com a instrução da Entidade Reguladora da Saúde, eram os seguintes: a) Proceder à definição do circuito dos doentes no bloco operatório, b) Implementar uma zona de transfer de doentes no bloco operatório, de modo a minimizar os riscos clínicos associados, c) Adoptar medidas de modo a assegurar a dignidade e a privacidade dos doentes e seus acompanhantes, d) Reorganizar as instalações das enfermarias de modo a assegurar a prestação de cuidados de saúde no respeito da dignidade e privacidade dos doentes, e) Implementar um sistema de chamada de enfermagem que acautele a segurança dos doentes e garanta uma resposta rápida face à necessidade dos cuidados saúde, f) Reformar os gabinetes e salas de trabalho tendo em vista a melhoria das condições de trabalho ao nível das exigências ergonómicas, g) Proceder à definição de um circuito de sujos e limpos independentes evitando a promiscuidade dos procedimentos; h) Proceder à instalação de equipamentos para detecção automática de incêndio, de modo a suprir as deficiências evidenciadas e garantir a segurança dos doentes, i) Equipar a unidade hospitalar de um sistema de controlo da temperatura e qualidade do ar, garantindo o arejamento e a ventilação adequada das instalações – cfr. doc. ...3 junto com a p.i..
G. No âmbito do processo de monitorização para aferir do cumprimento da instrução proferida nos termos do processo de inquérito n.º ERS_032/10.ERS, em que se integrou a visita da Entidade Reguladora da Saúde às instalações do Hospital ... em 02.08.2011, concluiu esta entidade o seguinte: "105. Atendendo ao supra exposto, é consentâneo que o motivo principal subjacente à subsistência das não conformidades evidenciadas reside nas limitações estruturais do edifício, mormente pelo facto de se tratar de um edifício centenário que não possui capacidade de alteração do uso nem de sofrer ampliações sem perda de coesão. 106. Sem descurar que as intervenções a realizar no Hospital ... envolvem a aplicação de valores financeiros avultados. 107. Em suma, é de concluir que a instrução emitida pelo Conselho Directivo da ERS no âmbito do processo de inquérito registado sob o n.º ERS/03... foi parcialmente cumprida pelo Centro Hospitalar ..., E.P.E. dado que as directrizes aí instituídas não foram integralmente implementadas. (...) 110. À semelhança das conclusões vertidas no processo de inquérito registado sob o n.º ERS/03... mantém-se a convicção da ERS no sentido de que a antiguidade das instalações e a ausência de flexibilidade estrutural e funcional daquelas além de não se compadecerem com padrões mínimos de qualidade e segurança exigíveis na prestação de cuidados de saúde, prejudicam a capacidade de actuação clínica dos profissionais, apesar do empenho demonstrado por estes para ultrapassar as limitações impostas pelas infraestruturas existentes e prestar os melhores cuidados em função das condições que têm ao seu alcance. 111. Além de ser um facto assente que a vida útil das instalações do Hospital ..., enquanto unidade hospitalar centenária, há muito foi ultrapassada, inviabilizando a adopção de quaisquer medidas de flexibilidade estrutural e funcional, dado que a estrutura do edifício não possui alteração do uso nem de sofrer ampliações sem perda de coesão do mesmo. 112. Pelo que, considerando a subsistência das não conformidades anteriormente evidenciadas ao nível das infraestruturas, organização e funcionamento, é forçoso concluir que as condições actuais existentes fazem perigar a satisfação integral da qualidade e segurança na prestação de cuidados de saúde. 113. Assim, considerando que o principal fundamento do incumprimento da instrução da ERS pelo Centro Hospitalar ..., E.P.E., reside, essencialmente, na ausência de flexibilidade estrutural e funcional das instalações e na sua aptidão para fazer face às necessidades existentes e prementes; 114. Merece total acolhimento a decisão vertida no âmbito do processo de inquérito ERS/03..., ao determinar que mostrando-se inviável o integral cumprimento da instrução emitida, deve o Centro Hospitalar ..., E.P.E. proceder ao encerramento da actividade nas instalações no Hospital ..., no prazo máximo de três (3) anos, contados da notificação daquela decisão" cfr. doc. ...4 junto com a p.i.
H. Em 31.01.2012, a autora tomou conhecimento pelo Dr. CC, Presidente do Conselho de Administração do réu Centro Hospitalar ..., E.P.E., da decisão que teria sido tomada pela tutela no que dizia respeito ao encerramento da actividade nas instalações no Hospital ... – cfr. declarações de parte do representante legal da autora, AA.
I. Em 05.03.2012, a autora tomou conhecimento, através da comunicação social, que o serviço de pediatria que o réu Centro Hospitalar ..., E.P.E., detinha no Hospital ..., começava a ser deslocalizado para o Hospital ... – cfr. declarações de parte do representante legal da autora, AA.
J. Em Agosto de 2012, a autora recebeu do réu Centro Hospitalar ..., E.P.E., a carta de cessação do contrato de arrendamento, com efeitos a partir de 30.09.2012 – cfr. doc. ...0 junto com a p.i.
K. Em 06.09.2012, a autora enviou uma comunicação por e-mail para o Presidente do Conselho de Administração do réu Centro Hospitalar ..., E.P.E., Dr. CC, questionando-o sobre a vandalização genérica que estava a ser levada a efeito no interior do Hospital – cfr. doc. ...2 junto com a p.i..
L. Em 11.09.2012, foi respondido que o Conselho de Administração não tinha conhecimento da vandalização a que a autora se referia, e o que de facto se passava era que o réu Centro Hospitalar ..., E.P.E., estaria a proceder à mudança definitiva de instalações e, consequentemente, tudo o que fosse pertença do réu Centro Hospitalar ..., E.P.E., estaria a ser retirado – cfr. doc. ...3 junto com a p.i..
M. Em 01.10.2012, foi lavrado auto de entrega do edifício onde se encontrava instalado o hospital, assinado pelos representantes da autora e do réu Centro Hospitalar ..., E.P.E. – cfr. doc. ... junto com a p.i..
N. As instalações e equipamentos inerentes à construção e funcionamento do Hospital, e que dele fazem parte integrante, estão completamente inoperacionais ou foram pura e simplesmente desinstalados e levados do Hospital – cfr. declarações de parte do representante legal da autora, AA.
O. O imóvel encontra-se, actualmente, em elevado estado de degradação, com divisórias, tectos e pavimentos em muito mau estado de conservação, sendo evidente a vandalização de diversos espaços, bem como a destruição efectuada com intuito de furto de materiais e bens que pudessem representar algum valor – cfr. relatório pericial.
P. A degradação existente é essencialmente provocada por estes actos de terceiros, não sendo resultado da prévia utilização do espaço – cfr. relatório pericial.
Q. As reparações requeridas para reposição de condições de uso, necessárias para reparação dos danos causados por furto e/ou vandalismo, ultrapassam em larga escala as necessárias à data de término do contrato entre o Estado e a Associação – cfr. relatório pericial.
R. O Estado, ao abandonar as instalações, promoveu a desinstalação de todo o equipamento destinado à prática hospitalar, designadamente dos equipamentos de ar condicionado e de produção de água quente bem como outros equipamentos (equipamentos informáticos, etc.) – cfr. relatório pericial.
S. O desmonte destes equipamentos provocou danos nos respectivos elementos construtivos de suporte, verificando-se também, fruto do uso dos espaços, algum dano e desgaste em toda a construção – cfr. relatório pericial.
T. O desmonte de mobiliário, outrora fixo, resultou na danificação de paredes adjacentes, requerendo-se para utilização do edifício uma intervenção ao longo de todas as salas para reparação de paredes, pinturas de paredes e tectos, reparações de canalizações e louças sanitárias, reparações de tectos falsos e outros elementos de construção visando voltar a dotar o edifício de condições de funcionalidade – cfr. relatório pericial.
U. O edifício em causa não reúne as condições adequadas para a prática de serviço hospitalar nos moldes hoje exigidos para o efeito – cfr. relatório pericial.
V. Em 06.08.2012, apesar de o edifício aparentar um estado geral de conservação razoável, o mesmo de carecia de obras de reparação decorrentes da sua idade e uso, nomeadamente, pavimentos, paredes e tectos, e nas infraestruturas existentes, incluindo os trabalhos de reparação correspondentes à desinstalação do equipamento destinado à prática hospitalar, designadamente dos equipamentos de ar condicionado, de produção de água quente, e de transmissão de dados, nomeadamente informáticos – cfr. relatório pericial.
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Julgou-se não provado, nada mais, designadamente:
1. O réu Centro Hospitalar ..., E.P.E., removeu instalações fixas e componentes do próprio edifício hospitalar.
2. Em 01.10.2012, o réu Centro Hospitalar ..., E.P.E., entregou à autora o edifício no seguinte estado: - Inexistência de salas de operações; - Os sistemas de ar condicionado foram arrancados, havendo destruição até de tectos; - As instalações sanitárias foram, em diversos locais, arrancadas; - Diversas portas foram arrancadas; - Os sistemas de aquecimento central estão inoperáveis, com tubagens de cobre arrancadas e outros equipamentos arrancados; - Os sistemas de tratamento de água foram arrancados, destruídos e desviados; - Os sistemas de segurança estão inoperacionais; - Os sistemas de vídeo-vigilância foram destruídos e desviados os equipamentos; - A cozinha está inoperacional e sem equipamentos; - A lavandaria está inoperacional e sem equipamentos; - A esterilização está inoperacional; - A produção de água quente foi desmembrada: retirara, até muitas produções localizadas de água quente sanitárias efetuada através de termo-acumuladores elétricos, com o único fito de se apoderarem da chapa de cobra da sua constituição.
*
A apelação:
O tribunal “a quo” ponderou os factos supra enunciados e o direito que viu como aplicável e terminou por julgar “a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolver os réus do pedido”.
A tanto chegou, após fundamentar (extracto):
«(..)
B. Do direito ao valor das obras para repor o edifício hospitalar nas condições existentes à data em que foi arrendado, com aptidão para funcionar como um hospital
A autora pretende a condenação dos réus no pagamento do valor das obras necessárias para repor o imóvel de sua propriedade nas condições em que o mesmo se encontrava à data do respectivo arrendamento (01.07.1982) ao Hospital ..., fazendo assentar tal pretensão na circunstância de o imóvel lhe ter sido entregue – em 01.10.2012, uma vez cessado o contrato de arrendamento - em estado inoperacional como hospital, pois que desprovido, designadamente, de sistemas de ar condicionado, instalações sanitárias, portas, aquecimento central, sistemas de videovigilância, equipamento de cozinha e lavandaria, equipamentos inerentes ao hospital. Considera a autora que, desse modo, foi violado o disposto nas cláusulas 3.ª e 4.ª do contrato de arrendamento, impossibilitando-a de rentabilizar o edifício.
Vejamos.
Conforme resulta do probatório, a autora é uma instituição particular de solidariedade social com natureza de pessoa colectiva de utilidade pública. Nos termos dos artigos 1.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 704/74, de 07 de Dezembro, o hospital pertencente à autora passou a ser administrado por comissão nomeada pelo Secretário de Estado da Saúde, embora a autora, por ser proprietária do edifício onde estava instalado o estabelecimento hospitalar, tenha mantido esse direito de propriedade sobre o edifício. Mais se dispõe no n.º 2 do artigo 5.º que a cedência do edifício onde funcionava o hospital é feita a título gratuito e, no n.º 3, que todas as obras necessárias à conservação e melhoramento do edifício serão suportadas pelo Estado. Do n.º 4 decorria ainda que, no caso de o edifício deixar de ser utilizado para fins de saúde pública, seria entregue à autora, enquanto sua proprietária, com todas as benfeitorias que lhes tivessem sido introduzidas.
Acontece que o referido n.º 2 do artigo 5.º foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 14/80, de 26 de Fevereiro, mais autorizando os Ministros das Finanças e do Plano e dos Assuntos Sociais a aprovar, por portaria conjunta, o dispêndio das verbas orçamentadas para a reparação dos prejuízos causados às Misericórdias, permitindo nomeadamente doações em cumprimento com bens do Estado ou outras transferências financeiras que se mostrassem justificadas, observadas que fossem as disposições legais necessárias para a prática, em concreto, de quaisquer dos actos consequentes aos acordos a celebrar com as Misericórdias.
Assim, em 02.09.1981, o Ministério dos Assuntos Sociais, como primeiro outorgante, e a autora, como segunda outorgante, celebraram um acordo “com vista a reparar os prejuízos emergentes da oficialização do hospital do segundo outorgante, por força dos Decretos-Lei n.ºs 704/74 e 618/75, de 7 de Dezembro e 11 de Novembro, respectivamente”, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1981, nos termos do qual ficou estipulado, com relevância para a decisão da questão em apreço, o seguinte: (i) enquanto o hospital utilizasse o edifício de que a autora é proprietária, o Ministério dos Assuntos Sociais pagaria à autora uma renda; (ii) a autora receberia do Ministério dos Assuntos Sociais a quantia de 26.842 contos pela cedência do equipamento e outro material descritos no anexo n.º 2 ao acordo, que ficaram, na altura da oficialização, a ser utilizados pelo hospital, e que passaram, assim, para a sua propriedade; (iii) todas as obras necessárias à conservação e melhoramento dos edifícios ocupados pelo hospital serão suportadas pelo Estado, nos termos do n.º 3 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 704/74, renunciando o Ministério dos Assuntos Sociais a quaisquer indemnizações por tais obras, as quais, findo o contrato, ficam a ser propriedade do segundo outorgante.
A referida quantia de 26.842 contos pela cedência do equipamento e outro material foi calculada, por opção da autora, em função do número de camas (210) e através da atribuição de um valor por cama (130 contos), dada a dificuldade de fazer uma avaliação directa do material, acrescendo o valor de 3 veículos que também ficaram para o hospital.
Em 01.07.1982, a autora, enquanto proprietária do imóvel no qual funcionava o hospital, como primeira outorgante, outorgou com o Hospital ..., entidade pública criada pelo Estado, como segundo outorgante, um contrato de arrendamento, cujas cláusulas 3.ª e 4.ª estipulam o que resultava já do referido acordo, nos termos enunciados acima em (iii).
Entretanto, o Decreto-Lei n.º 326/2007, de 28 de Setembro, criou, com a natureza de entidade pública empresarial, o Centro Hospitalar ..., E. P. E., por fusão do Hospital Geral ..., E. P. E., com o Hospital ... e a Maternidade ..., determinando que aquelas unidades de saúde que deram origem à entidade pública empresarial agora criada se consideram extintas para todos os efeitos legais – cfr. artigo 1.º, n.ºs 1, 2 e 3.
(…)
Neste contexto factual que resultou provado nos autos, o edifício de propriedade da autora foi-lhe entregue pelo réu Centro Hospitalar ..., E.P.E., em 01.10.2012, uma vez cessado o contrato de arrendamento entre ambos celebrado, num estado geral de conservação razoável, embora carecendo de obras de reparação decorrentes da sua idade e uso (nomeadamente, pavimentos, paredes e tectos), tendo sido desinstalado todo o equipamento destinado à prática hospitalar, designadamente dos equipamentos de ar condicionado e de produção de água quente bem como outros equipamentos (equipamentos informáticos, etc.), cujo desmonte provocou danos nos respectivos elementos construtivos de suporte (nas paredes adjacentes).
Importa, assim, aferir se a desinstalação do equipamento destinado à prática hospitalar por parte do réu Centro Hospitalar ..., E.P.E., aquando da entrega à autora do imóvel arrendado, na sequência da cessação do contrato de arrendamento, viola o disposto nas cláusulas 3.ª e 4.ª desse mesmo contrato.
Como vimos, do teor de tais cláusulas resulta que todas as obras necessárias à conservação e melhoramento dos edifícios ocupados pelo hospital serão suportadas pelo Estado, nos termos do n.º 3 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 704/74, renunciando o Ministério dos Assuntos Sociais a quaisquer indemnizações por tais obras, as quais, findo o contrato, ficam a ser propriedade do segundo outorgante. Assim, estas cláusulas reportam-se às obras de conservação e melhoramento do edifício ocupado pelo hospital, e não ao hospital enquanto estabelecimento. A este propósito, cabe distinguir o edifício, correspondente ao imóvel, e o estabelecimento hospital que funcionou naquele. O que foi objecto do contrato de arrendamento foi o edifício, e não o estabelecimento hospitalar, com todos os elementos que o compõem, sendo certo que o hospital fora já oficializado antes mesmo do contrato de arrendamento, por força dos Decretos-Lei n.ºs 704/74 e 618/75, de 7 de Dezembro e 11 de Novembro, respectivamente, tendo o acordo de 02.09.1981 – celebrado entre a autora e o réu Centro Hospitalar ..., E.P.E. -, previsto o recebimento, por parte da autora, da quantia de 26.842 contos pela cedência do equipamento e outro material, que ficaram, na altura da oficialização, a ser utilizados pelo hospital, e que passaram, assim, para a sua propriedade.
Ou seja, em primeiro lugar, o equipamento e o material destinados à prática hospitalar, existentes no edifício da autora à data da celebração do contrato de arrendamento, não lhe pertenciam pois que o estabelecimento hospitalar havia sido oficializado por força dos Decretos-Lei n.ºs 704/74 e 618/75, de 7 de Dezembro e 11 de Novembro, respectivamente, tendo sido determinado o pagamento à autora de quantia apurada correspondente ao valor do equipamento como contrapartida da alteração da propriedade do mesmo, que passou da autora para o Hospital ..., em 2007, e, posteriormente, para o Centro Hospitalar ..., E.P.E.. Em segundo lugar, o contrato de arrendamento celebrado entre a autora e o Centro Hospitalar ..., E.P.E., não só respeita apenas ao edifício no qual se encontrava instalado o hospital – e não ao estabelecimento hospital em si mesmo -, como também não prevê – ao contrário do que a autora alega – qualquer obrigação para o arrendatário de, findo o contrato de arrendamento, entregar àquela o edifício com aptidão para funcionar como hospital.
Diferentemente, o que resulta das cláusulas 3.ª e 4.ª do contrato de arrendamento, invocadas pela autora para sustentar a sua pretensão, é que as obras necessárias à conservação e melhoramento do edifício ocupado pelo hospital que fossem realizadas pelo arrendatário passariam para a propriedade da autora. Ora, não são tais obras que estão em causa nos presentes autos, pretendendo a autora, ao invés, que o edifício lhe tivesse sido entregue dotado dos equipamentos necessários à utilização do edifício como um hospital, pretensão que, pelas razões que se acaba de expor, carece de qualquer fundamento.
Ante o exposto, improcede a pretensão da autora de receber o valor correspondente às obras necessárias a tornar o edifício apto a funcionar como um hospital.
C. Do direito de indemnização pela impossibilidade de exploração do hospital
Desde já se adianta que também esta pretensão da autora carece de fundamento, desde logo pelos mesmos fundamentos que determinaram a improcedência da sua primeira pretensão.
Efectivamente, a indemnização que a autora reclama pressupõe um direito que, na realidade, não lhe assiste: o direito à exploração do hospital. Como acima se explicou, o estabelecimento hospitalar em causa, outrora a funcionar no edifício da autora, foi oficializado por força dos Decretos-Lei n.ºs 704/74 e 618/75, de 7 de Dezembro e 11 de Novembro, respectivamente, com o que deixou de ser propriedade da autora, a qual apenas se manteve proprietária do edifício. Ora, se a autora deixou de ser proprietária do estabelecimento hospitalar, necessariamente não dispõe do direito à exploração do hospitalar. E não tendo tal direito, logicamente não lhe assiste o direito a qualquer indemnização pela impossibilidade de exploração do mesmo.
Ante o exposto e sem necessidade de considerações, adicionais, improcede igualmente esta pretensão.
(…)».
O tribunal “a quo” cuidou de dar pronúncia, sob enfoque de duas questões: (i) se decorrente da relação locativa foi violada obrigação de, cessado o arrendamento, o edifício ficar com a aptidão para funcionar como hospital, nas mesmas condições existentes à data em que foi arrendado, e, se dada resposta positiva, qual o valor das obras para repor essa aptidão; (ii) se há lugar a indemnização pela impossibilidade de exploração do edifício com tal aptidão.
Há agora que cuidar da apelação.
A recorrente esgrime que “Nos termos do art. 1043º do C.C., o locatário é obrigado a manter e restituir a coisa no estado em que a recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato”.
Como salientam Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Volume II, 4ª ed.ª, anotação ao artigo 1043º), “o artigo 1043º tem manifestamente em vista as deteriorações provenientes do uso (bom ou mau, prudente ou imprudente) da coisa. Quanto às deteriorações provenientes de uma utilização normal da coisa, conforme aos fins do contrato, isenta-se o locatário do dever de as reparar na altura em que restitui a coisa locada. Indirectamente, prescreve-se o dever de reparar as deteriorações causadas por um uso imprudente, quer do locatário, quer das pessoas a quem este tenha permitido a sua utilização. Quanto às deteriorações provocadas pelo desgaste do tempo, por maioria de razão se deve entender que não obrigam o locatário no momento da restituição”.
Mas nunca verdadeiramente foi esteio de causa o âmbito de protecção conferida por tal norma (mesmo que até expressamente indicada de pretérito).
A apelante referencia que “o que está em causa nos presentes autos é apurar se existe responsabilidade civil dos Apelados pelos danos sofridos pela Apelante em virtude de lhe ter sido devolvido um edifício totalmente inoperacional, ou seja, sem as infraestruturas que aquele dispunha à data em que foi dado de arrendamento, ou seja, 01/07/1982” (…) “o que se pede nos presentes autos é que lhe seja entregue o edifício com as infraestruturas que este tinha aquando da outorga do contrato de arrendamento, ou seja, um imóvel sem danos e não um totalmente inoperacional, com graves defeitos ocasionados pelo 1º Apelado, tal como consta do relatório pericial, resposta ao quesito 7,devendo por essa razão, serem os Apelados, condenados à liquidar à Apelante, o montante de € 505.126,57, valor esse determinado no relatório pericial para reparação dos danos causados pela utilização do mesmo e da desinstalação do equipamento hospitalar”.
Para que não seja entendido como desvio, tem de ser lido e entendido com os contornos de causa a que a Autora sempre apontou: “direito a receber o seu imóvel adequado ao fim social a que estava previsto, ou seja, unidade hospital” (art.º 97º da p. i.) “receber o imóvel com as infraestruturas necessárias ao funcionamento de um hospital, conforme foi dado de arrendamento (art.º 104º da p. i.); é com este cimento que se guia o juízo envolto quanto à dotação de infraestruturas, da operacionalidade, do dano.
Às partes compete delimitar o thema decidendum, não tendo o juiz de saber se, porventura, à sua situação conviria melhor outra providência que não a solicitada ou se esta poderia fundar-se noutra causa petendi (cfr. Manuel Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pág. 372).
«O tribunal pode qualificar diversamente os factos alegados e provados, mas está legalmente impedido de julgar o litígio com base numa causa de pedir não invocada (art.º 342º, nº 1, do CC; art.º 5º nº 3º do CPC): o princípio dispositivo obriga a que haja total coincidência (identificação) entre a causa de pedir e a causa de julgar, ponto este perfeitamente assente desde há muito, quer na doutrina, quer na jurisprudência.» - Ac. do STJ, de 30-04-2020, proc. n.º 1934/16.6T8VCT.G1.S1.
O que a Autora sempre teve por objecto ao seu direito no reaver - apontado como violado - incidiu sobre realidade distinta da simples condição de imóvel objecto de um arrendamento por força de lei a manter e a receber sem deteriorações (que não as também legalmente admissíveis); foi antes, com fonte no acordado, a respeito de suposto reingresso ao domínio de titularidade de um estabelecimento hospitalar (de que entende só ter perdido a gestão); não se pode dizer que (no caso sem chegar a tal alcance) almejando estabelecimento encarado com identidade/personalidade própria; mas sempre com dotação de “corpus” apto a uma tal unidade; foi esse o restaurar de esfera jurídica prosseguido, não o da integridade real da coisa, com base no negocialmente acordado em autonomia de vontades.
Foi por esta percepção que o tribunal “a quo” se guiou.
Pelo menos, não foi de outra distinta causa e direito (não postergado, e a que até possa ir de encontro a tutela do art. 1043º do C.C.) que o tribunal cuidou.
Vá-se de encontro, «Não se quedando tal – como supra evidenciado, à saciedade – por mera e diferente qualificação jurídica dos factos que ao juiz não é defesa (art. 664º), mas, antes, por, processualmente, inadmissível alteração da causa de pedir antes invocada pelo A. como fundamento do decretamento da pretensão judicialmente impetrada (arts. 272º e 273º, nº1), não pode a mesma ser atendida. É que, como, a propósito, ensina o Prof. Alberto dos Reis[10], “Tem aqui todo o cabimento a advertência de Berti. Depois de registar que o magistrado pode e deve suprir, ex officio, as deficiências ou inexactidões das partes no tocante quer à qualificação jurídica do facto, quer à interpretação e individuação da norma, nota: (…) Entenda-se porém – e convém insistir neste ponto, porque anda muito esquecido – que o seu suprimento tem de manter-se dentro do limite fundamental que lhe marca a acção e portanto não pode alterar as afirmações que identificam a razão e justificam as conclusões. Por outras palavras, ao corrigir as deduções inexactas e ao suprir a falta de juízos de carácter jurídico, que as partes cometam, o tribunal não pode mudar a razão que a parte fez valer para justificar a providência pedida (Diritto processuale, 2ª Ed., pag. 313) (…) Isto, posto em linguagem mais acessível, significa o seguinte: É livre o tribunal na qualificação jurídica dos factos, contanto que não altere a causa de pedir» (Ac. do STJ, de 29-01-2014, proc. n.º 548/06.3TBARC.P1.S1).
A ter-se diferente perspectiva, mas sem que se impute omissão de pronúncia, não cabe nesta instância ampliar pronúncia a questão nova.
Posto isto, não parece poder afirmar-se erro na indagação e aplicação do direito.
O discurso fundamentador presente na decisão recorrida mostra bem que não sobrevive à cessação do arrendamento qualquer obrigação do edifício ficar com a aptidão para funcionar como hospital, nas mesmas condições existentes à data em que foi arrendado.
Sem ela, esboroa todo o bloco de pretensão.
Não tem êxito contrariar sob invocação de que “da diversa legislação referente à Oficialização dos Hospitais, não é mencionado que é retirado aos proprietários desses estabelecimentos hospitalares a propriedade dos mesmos, mas somente a gestão daquelas unidades”.
A “oficialização do hospital do segundo outorgante, por força dos Decretos-Lei n.ºs 704/74 e 618/75, de 7 de Dezembro e 11 de Novembro, respectivamente”, foi ponto de partida para a indemnização acordada, precisamente pela perda de titularidade do estabelecimento hospitalar (e, assim, mesmo que se tivesse como hipótese de indagação ver o caso à luz do art. 1043º do C.C., sempre confrontaria de circunstância, para delimitar um dever de “restituição”, essa “oficialização” no “estado da coisa”).
Concluindo, logo de direito se observa que merece confirmação o decidido.
E de inútil à solução é/fica a impugnação da matéria de facto.
Que assim não carece de ser apreciada (cfr. p. ex., Acs. do STJ, de 14.07-2021, proc. n.º 65/18.9T8EPS.G1.S1; de 17-01-2023, proc. n.º 1202/18.9T8CBR.C2.S1).
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Pelo exposto, acordam em conferência os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas: pela recorrente.

Porto, 21 de Abril de 2023.

Luís Migueis Garcia
Conceição Silvestre
Isabel Costa