Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00308/11.0BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/15/2020
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:ABONO PARA FALHAS
Sumário:I-O abono para falhas é um suplemento ou acréscimo remuneratório atribuído em função de uma particularidade específica da prestação de trabalho que se traduz no manuseamento de dinheiro ou valor, caracterizando-se e justificando-se como um subsídio destinado a indemnizar funcionários e agentes pelas despesas e riscos inerentes a tal manuseamento que é suscetível de gerar falhas contabilísticas em operações de tesouraria;

I.1-têm direito a ser abonados com este suplemento todos aqueles que, estando ou não integrados nas carreiras de tesoureiro, manuseiem ou tenham à sua guarda, nas áreas da tesouraria ou de cobrança, quaisquer valores, numerário, títulos ou documentos pelos quais sejam responsáveis.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Município (...).
Recorrido 1:M.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Condenação à Prática Acto Devido (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
M., divorciado, residente na Rua (…), (…), instaurou acção administrativa especial de condenação à prática de acto legalmente devido contra o Presidente do Município (...), com domicílio profissional na Câmara Municipal, sita na Praça (…), (…).
Formulou o seguinte pedido:
“Termos em que deve a presente acção ser julgada provada e procedente e em consequência ser a entidade demandada condenada a praticar o acto administrativo consubstanciado no reconhecimento do direito do Autor a auferir um abono para falhas desde maio de 2007, proferindo o necessário despacho para esse efeito. (…)”

Por sentença proferida pelo TAF de Mirandela foi julgada procedente a acção.

Desta vem interposto recurso.

Alegando o Réu concluiu:
A. A matéria dada como provada nos ditos n° 3, 4, 5 e 6 está abrangida pela actividade financeira da autarquia pois diz respeito à obtenção de receitas relacionada com a cobrança de bilhetes e seu processamento

B. Em matéria financeira como a referida, está a autarquia submetida ao rigor do regime da contabilidade pública previsto no POCAL - Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais, DL 54-A/99 de 22/2 pelo qual qualquer operação dessa natureza deve estar reflectida nos correspondentes documentos

C. O A. bem demonstrou conhecer os termos contabilísticos e os documentos que os reflectem quando na audiência de julgamento juntou aos autos dois documentos datados de 2015 e denominados precisamente Documentos de Receita. dos quais consta a classificação da receita seu valor a sua origem o emissor a data da conferencia a data do recebimento e a assinatura do Tesoureiro as quais não são objecto da presente acção, que apenas se refere até 2011

D. Porém, neste processo é a prova testemunhal produzias que temos que analisar

E. Consta da sentença que foram os depoimentos das testemunhas J., Z. e M., que serviram de fundamento à decisão de dar como provados s factos nºs 3 e 4.

F. As testemunhas supra referidas não são presenciais, contrariamente ao que vem referido na fundamentação da decisão que deu como provados os factos nº 3 e 4

G. Os documentos de fls. 107 e 108 que o A. juntou na audiência de julgamento e que vêm referidos na fundamentação da decisão que deu como provados os factos nº 3 e 4 são relativos ao ano de 2015 e a situação que está em causa é referente ao período 2007 a 2011

H. Nem se mostra referido nos autos nem com o requerimento da junção destes documentos que a situação do A. relativamente ao abono para falhas seja a mesma que foi objecto da decisão do Presidente da Câmara de 28.04.2011 agora impugnada

I. Quanto aos factos dados como provadas nos nºs 5 e 6 foi também o depoimento dessas mesmas testemunhas e ainda o depoimento, testemunha F. que serviram de fundamento a essa decisão

J. O depoimento das testemunhas J., Z., M. e F., em que se louva e fundamentação da decisão de matéria de facto dada como provada não merecem qualquer credibilidade porquanto.
Disseram que não tinham interesse na causa e que não tinham nada contra a Câmara e o seu Presidente,
- A testemunha J. (excerto gravado 05:01:45 a 00:02:36)
- A testemunha Z. (excerto gravado de 00:37:46 a 00:38:34)
- A testemunha M. (excerto gravado de 01:04.40 a 01:06:06)
- A testemunhe F. (excerto gravado de 01:27:56 a 01:29:00)
Porém tal não correspondia à verdade, pois vieram posteriormente a referir.
- A testemunha J. por questões de oposição política e partidária contra a Câmara e os seus representantes, designadamente o seu Presidente
(excerto gravado de 00:08:51 a 00:09:12)
(excerto gravado de 00:19:11 a 00:19:51)
- A testemunha Z. porque trabalhou nas Termas e para a Câmara, em regime não efectivo durante 12 anos e no fim não a chamaram e ficou em casa
(excerto gravado de 00:41:10 a 00:41:10)
(excerto gravado de 00:38:31 a 00:38:45)
- A testemunha M. porque é companheira do A. e também trabalhou nas Termas e ao fim de um ano foi despedida atribuindo o facto a questões políticas de ideologia política e de não ter feito campanha pelo Município
(excerto gravado de 01:16:50 a 01:17:50)
(excerto gravado de 01:09:04 a 01:09:38)
- A testemunha F., é funcionário da Câmara por ter sido transferido, mudado de funções
(excerto gravado de 01:43:00 a 01:46:53)

K. E, também, porque resulta que as três primeiras testemunhas supra referidas (Mendes, Z. e M.), alicerçaram a sua razão de ciência nas visitas pessoais que teriam feito ao A. no Museu no qual trabalhava o que revela coordenação e concertação de estratégias, como referem nos seus depoimentos
- A testemunha J. (excerto gravado de 00:03:20 a 00:04:17)
- A testemunha Z.
(excerto gravado de 00:46:15 a 00:46:40)
(excerto cravado de 00:51:25 a 00:53:10)
- A testemunha M.
(excerto gravado de 01:10:06 a 01: …1:05)

L. Face à falta de credibilidade das testemunhas arroladas pelo A. os seus depoimentos não podem ser valorados

M. Atenta essa não valoração dos depoimentos devem os factos dados como provados nº 3, 4, 5 e 6 ser agora dados como não provados

Caso assim não se venha a entender

N. Os próprios depoimentos das testemunhas indicadas pelo M. Juiz a quo na sua fundamentação da decisão de dar como provados os factos nº 3, 4, 5 e 6 não consentem essa decisão de provados.

O. Pelo contrário. impõem decisão de não provados

P. Essas testemunhas, à partida, entendem que quem está colocado a exercer funções na recepção está automaticamente obrigado a cobrar bilhetes, recebendo dinheiro responsabilizando-se por ele até à entrega na Tesouraria, como referem nos seus depoimentos
- A testemunha J.
(excerto gravado de 00:06:16 e 00:06:19)
(excerto gravado de 00:20:30 a 00:21:12)
- A testemunha Z.
(excerto gravado de 00:46:58 a 00:57:10)
(excerto gravado de 00:48:33 a 00:48:53) “porque era mesmo a profissão dele era estar ali”
(excerto gravado de 00:49:24 a 00:49:45) “ali, temos todos ordens”
- A testemunha M.
(excerto gravado de 01:22:23 a 01:22:55)
(excerto gravado de 01:22:55 a 01:23:53)
- A testemunha F.
(excerto. cravado de 01:34:04 a 01:36:00)

Q. O conteúdo funcional da categoria de recepcionista com a respectiva referência legal, nem sequer corista dos autos

R. Quanto à questão da cobrança de bilhetes pelo A. com base no depoimento das ditas testemunhas, nos termos supra expostos deve a decisão sobre essa matéria constante, dos nºs 3 e 5 ser alterada para não provada
- A testemunha J.
(excerto gravado de 00:06:16 a 00:06:19)
(excerto gravado de 00:20:30 a 00:21:12)
- A testemunha Z.
(excerto gravado de 00:46:58 a 00.57:10)
(excerto gravado de 00:48:33 a 00:48:53) “porque era mesmo a profissão dele era estar ali”
(excerto gravado de 00:49:24 a 00:49:45) “ali, temos todos ordens”
- A testemunha M.
(excerto gravado de 01:22:23 a 01:22:55)
(excerto gravado de 01:22:55 a 01:23:53)
- A testemunha F.
(excerto gravado de 01:3:04 a 01:36:00)

S. Quanto à questão do manuseamento e guarda de dinheiros e valores públicos e sua responsabilidade por parte do A. em caso de perda, engano, extravio, furto ou roubo, com obrigação de restituir os valores cobrados, com base no depoimento das datas testemunhas, nos termos supra expostos deve a decisão sobre essa matéria constante dos nºs 4 e 6 ser alterada para não provada
- A testemunha J.
(excerto gravado de 00:12:20 a 00:12:45)
(excerto gravado de 00:27:13 a 00:27:44)
- A testemunha Z.
(excerto gravado de 00:48:33 a 00.48:56, conjugado com os excertos gravados 00:57:35 a 00:58:15 e de 00:51.26 a 00:53:03)
- A testemunha M.
(excerto gravado de 01:22:23 a 01:22:55)
(excerto gravado de 01:22:55 a 01:23:53)
- A testemunha F.
(excerto gravado de 01:34:04 a 01:36:00)
(extracto gravado de 01:53:24 a 01:56:00)

T. A testemunha F., contrariamente ao que vem escrito na referência que a ele se faz na fundamentação da decisão da factualidade provada nº 5 e 6 não é colega do A. no Museu da Região Flaviense

U. Na verdade, a própria testemunha refere no seu depoimento que tem a mesma categoria do A. mas que trabalha na Contabilidade (gravação 01:32:50 a 01:34:04) e também na Portaria da Câmara para onde foi colocado e se encontra e contragosto e onde recebe as pessoas com seus assuntos (gravação 01:42:25 a 01:46:52)

V. Quanto à questão de que embora não tendo o A. a categoria de recepcionista, mas de encarregado de pessoal auxiliar, colocado na recepção se lhe foi determinado superiormente essa cobrança com a inerente responsabilidade (facto n° 22 da Contestação) nenhuma testemunha sabia de nada
A testemunha J.
(excerto, gravado de 00:06:16 a 00:06:19)
(excerto gravado de 00:20:30 a 00:21:12)
- A testemunha Z.
(excerto gravado de 00:46:58 a 00:57:10)
(excerto gravado de 00:48:33 a 00:48:53) “porque era mesmo a profissão dele era estar ali”
(excerto gravado de 00:49:24 a 00:49:45) “ali, temos todos ordens”
- A testemunha M.
(excerto gravado de 01:22:23 a 01:22:55)
(excerto gravado de 01:22:55 a 01:23:53)

W. Dado que a questão anterior formulada no nº 22 da Contestação constitui facto negativo, teria o A. o ónus da sua prova. o que não logrou fazer.

X. Assim, deve ser dado como provado o facto n° 22, alegado na Contestação
“De facto, nunca tais tarefas lhe vieram a ser determinadas superiormente, nem as mesmas se encontram plasmadas no conteúdo funcional associado à categoria de que o A era detentor.

Y. O presente recurso é da matéria de direito e da matéria de facto com a impugnação da matéria de facto, designadamente, em que os meios probatórios invocados como erro na apreciação na matéria de facto se encontram gravados, isto é, tendo o recurso como objecto reapreciação da prova gravada

Pelo que, deve a sentença recorrida ser substituída por outra que julgue improcedente a acção, não reconhecendo ao A o direito a abono para falhas
JUSTIÇA

Não foram juntas contra-alegações.

O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos contidos no artigo 146º/1 do CPTA, emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.

Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1. O Autor é funcionário do Município (...), possuindo a categoria profissional de Encarregado do Pessoal Auxiliar da Divisão de Cultura-Museus daquela edilidade – art.º 1.º da PI e art.º 1.º da contestação;
2. Desde Maio de 2007 o Autor encontra-se afecto ao Museu da Região Flaviense exercendo funções na recepção deste museu- Art.º 2 da PI e art.º 1 da contestação;
3. No âmbito dessas funções, o Autor, entre outras, procede à cobrança de bilhetes de ingresso no referido Museu.
4. Tal função de cobrança de ingressos, implica o manuseamento e guarda de dinheiros e valores públicos, pelos quais o Autor é responsável.
Quanto aos factos que constam nos n.ºs 3 e 4 confrontar documentos de fls. 107 e 108 e depoimento das testemunhas J. e Z. que demonstraram ter conhecimento presencial dos factos. Estes depoimentos foram também corroborados por M., que vive em comunhão de facto com o A., e que constatou os factos quando o visitou no seu local de trabalho;
5. O Autor no âmbito das funções procede de forma efectiva, regular e continuada a cobranças de ingressos para entrada no Museu da região Flaviense, ficando com as quantias cobradas à sua guarda;
6. Quantias estas, das quais aquele é responsável, sendo que, por exemplo, em caso de perda, engano, extravio, furto ou roubo, o Autor tem que restituir os valores cobrados;
Quanto aos factos referidos em 5 e 6, para além do depoimento das testemunhas identificadas, cfr. depoimento da testemunha F. , colega do A. no Museu da Região Flaviense ;
7. A categoria profissional do A., de Encarregado de Pessoal Auxiliar da Divisão de Cultura-Museus, nunca foi associada à área de tesouraria – art.º 5 da PI, tacitamente aceite pelo A;
8. Em 16/02/2011, o Autor requereu junto do Director do Departamento Sócio-Cultural do Município (...), que lhe fosse reconhecido o direito a auferir um suplemento remuneratório, designado “abono para falhas” – doc. n.º 1 da PI;
9. Na sequência de tal pedido o Departamento Sócio-Cultural, na pessoa do técnico superior, Dr. Jorge M P Leite, informou que o aqui Autor” foi colocado no Museu da Região Flaviense, na sala Nadir Afonso, onde não há venda de bilhetes de ingresso” informando ainda que o aqui Autor” substitui esporadicamente, os colegas na portaria do museu, mas
nunca foi incumbido superiormente para a venda de bilhetes de ingresso neste equipamento cultural” – Doc. n.º 2 da PI;
10. Com base em tal informação, foi então emitido parecer de 16/03/2011 no sentido de indeferimento da pretensão formulada pelo ali requerente, ora Autor. – Doc. n.º 3 da PI;
11. O aqui Autor, notificado para o efeito, pronunciou-se em conformidade com o artº 100º do CPA, alegando que o seu local de trabalho nunca foi a Sala Nadir Afonso mas sim a recepção do Museu da Região Flaviense, na qual, se atende o público cobrando-se bilhetes de ingresso no museu – Doc. n.ºs 4 e 5 da PI;
12. Em 28/4/2011 a sua pretensão foi indeferida pelo Presidente da Câmara Municipal de Chaves, com fundamento na Informação n.º 119/DCC, de 12/4/2011, que aqui se reproduz, com o seguinte destaque:

Ora, considerando que no actual elenco das carreiras dos trabalhadores que exercem funções públicas, não existe nenhuma categoria nitidamente associada à área de tesouraria, como acontecia na vigência da legislação anterior com a carreira de tesoureiro, e ao facto de os trabalhadores nela integrados terem transitado para a categoria e carreira de assistente técnico, tornava-se necessário que o quadro legal em vigor desse uma resposta quanto a esta lacuna.
Neste contexto, no dia 8 de Julho de 2009 foi publicado no Diário da República, 2.ª série, n.° 130, o Despacho n.° 15409/2009 do Ministério das Finanças e da Administração Pública, fixando um conjunto de directrizes relativamente ao suplemento remuneratório designado por "abono para falhas".
O n.° 1, do retrocitado Despacho, determina, desde logo, que "têm direito ao suplemento designado abono para falhas, regulado pelo Decreto-Lei n.° 4/89, de 6 de Janeiro, alterado pelo Decreto-Lei n.° 276/98, de 11 de Setembro, e pela Lei n.° 64-A/2008, de 31 de Dezembro, os trabalhadores titulares da categoria de assistente técnico da carreira geral de assistente técnico que ocupem postos de trabalho que, de acordo com a caracterização constante do mapa de pessoal, se reportem às áreas de tesouraria ou cobrança que envolvam a responsabilidade inerente ao manuseamento ou guarda de valores, numerário, títulos ou documentos".
Por sua vez, o n.° 2 do mesmo Despacho, estatui também regras para as autarquias locais, dispondo que têm ainda direito ao suplemento em causa os trabalhadores titulares da categoria de coordenador técnico da carreira de assistente técnico que se encontrem nas mesmas condições, bem como os titulares da categoria subsistente de tesoureiro-chefe".
Importa, aqui, salientar que nos termos do disposto nos números 4 e 5 do artigo 73.° desta Lei, n.° 12-N2008, de 27 de Fevereiro, o abono para falhas é apenas devido quando haja efectivo exercício de funções e enquanto perdurarem as condições que determinaram a sua atribuição.
Por outro lado, e nos termos, respectivamente, dos n,ºs 5 e 6, do retrocitado Despacho, o reconhecimento do direito a abono para falhas a trabalhadores integrados noutras carreiras, ou titulares de outras categorias, efectua-se mediante despacho conjunto dos membros do Governo da tutela e das Finanças e da Administração Pública.
Ou seja, para que os trabalhadores referidos supra tenham efectivamente direito ao suplemento remuneratório designado abono para falhas, torna-se necessário que se cumpra outro requisito, muito concretamente, a existência de um acto expressamente determinado e devidamente fundamentado pelo órgão autárquico que tem os poderes de gestão do pessoal a afectar os trabalhadores ao manuseamento ou à guarda de valores, numerários, títulos ou documentos e que devido a essas funções existe um risco efectivo e uma responsabilidade significativa do facto de manusearem e terem à sua responsabilidade valores.
Ora, no caso dos municípios tal despacho deverá ser praticado pelo presidente da câmara, dado que o mesmo é o responsável máximo em matéria de recursos humanos, por força do disposto na alínea a), do n.° 2, do artigo 68°, da Lei n.° 169/99, de 18 de Setembro e ulteriores alterações,
Assim, mesmo que não inseridos nas áreas de tesouraria e cobrança, desde que haja um despacho do Presidente da Câmara a reconhecer que os trabalhadores estão efectivamente nas condições descritas no parágrafo precedente, estamos em condições de afirmar que os trabalhadores terão direito ao abono para talhas.
Ora, o trabalhador em causa não detém nenhuma das categorias definidas nos n.°s 1 e 2, do Despacho n.° 15409/2009 do Ministério das Finanças e da Administração Pública, nem existe, na presente data, qualquer despacho superior reconhecendo-lhe o direito a auferir abono para falhas.
Sendo certo que o trabalhador não manuseia, nem tem à sua guarda. valores, numerários, títulos ou documentos.
De facto, nunca tais tarefas lhe vieram a ser determinadas superiormente, nem as mesmas se encontram plasmadas no conteúdo funcional associado à categoria de que o mesmo é actualmente detentor.
Assim, face ao exposto e, salvo melhor opinião, continua a não assistir razão ao requerente quanto à pretensão que motivou este processo.

13. O A. não tem nenhuma das categorias definidas nos n.ºs 1 e 2 do Despacho n.º 15409/2009 do Ministério das Finanças e da Administração Pública e não existe na presente data qualquer despacho superior reconhecendo-lhe o direito a auferir abono para falhas;

DE DIREITO
É objecto de recurso a decisão que ostenta este discurso fundamentador:
Está em causa o reconhecimento do direito do A. a auferir um abono para falhas desde
Maio de 2007.
Dispunha o art.º 2.º, n.º 1 do DL 4/89, de 6/1 que:
“Têm direito a abono para falhas:
a) Os funcionários integrados na carreira de tesoureiro e os portageiros da Junta Autónoma de Estradas;
b) Os funcionários ou agentes que, não se encontrando integrados na carreira de tesoureiro, manuseiem ou tenham à sua guarda, nas áreas de tesouraria ou cobrança, valores, numerário, títulos ou documentos, sendo por eles responsáveis.
2 - No caso da alínea b) do número anterior, as categorias que em cada departamento ministerial têm direito ao abono para falhas são determinadas por despacho conjunto do respectivo ministro e do Ministro das Finanças.
Entretanto o art.º 24.º do OE para 2009 (Lei n.º 64-A/2008, de 31/12) alterou aquele
diploma, nos seguintes termos, que para aqui interessam relevar:
“1 - Os artigos 1.º, 2.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 4/89, de 6 de Janeiro, alterado pelo Decreto-
Lei n.º 276/98, de 11 de Setembro, passam a ter a seguinte redacção:
«Artigo 1.º
O presente diploma é aplicável aos serviços da administração directa e indirecta do Estado, bem como, com as adaptações respeitantes às competências dos correspondentes órgãos das autarquias locais, aos serviços das administrações autárquicas.
Artigo 2.º
1 - Têm direito a um suplemento remuneratório designado 'abono para falhas' os trabalhadores que manuseiem ou tenham à sua guarda, nas áreas de tesouraria ou cobrança, valores, numerário, títulos ou documentos, sendo por eles responsáveis.
2 - As carreiras e ou categorias, bem como os trabalhadores que, em cada departamento ministerial, têm direito a 'abono para falhas', são determinadas por despacho conjunto do respectivo membro do Governo e dos responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública.
3 - O direito a 'abono para falhas' pode ser reconhecido a mais de um trabalhador por cada órgão ou serviço, quando a actividade de manuseamento ou guarda referida no n.º 1 abranja diferentes postos de trabalho.
Artigo 4.º
1 - O montante pecuniário do 'abono para falhas' é fixado na portaria referida no n.º 2 do artigo 68.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro.”
O despacho n.º 15409/2009 do Ministério das Finanças e da Administração Pública publicado no DR, 2ª série, n.º 130, determinou que:
“1 — Têm direito ao suplemento designado «abono para falhas», regulado pelo Decreto - Lei n.º 4/89, de 6 de Janeiro, alterado pelo Decreto- -Lei n.º 276/98, de 11 de Setembro, e pela Lei n.º 64 -A/2008, de 31 de Dezembro, os trabalhadores titulares da categoria de assistente técnico da carreira geral de assistente técnico que ocupem postos de trabalho que, de acordo com a caracterização constante do mapa de pessoal, se reportem às áreas de tesouraria ou cobrança que envolvam a responsabilidade inerente ao manuseamento ou guarda de valores, numerário, títulos ou documentos.
2 — Nas autarquias locais, têm ainda direito ao suplemento a que se refere o número anterior os trabalhadores titulares da categoria de coordenador técnico da carreira de assistente técnico que se encontrem nas mesmas condições, bem como os titulares da categoria subsistente de tesoureiro -chefe.
3 — O montante pecuniário do abono para falhas é o que se encontra fixado na portaria a que se refere o n.º 2 do artigo 68.º da Lei n.º 12 -A/2008, de 27 de Fevereiro.
4 — Nos termos dos n.ºs 4 e 5 do artigo 73.º da Lei n.º 12 -A/2008, o abono para falhas é apenas devido quando haja efectivo exercício de funções e enquanto perdurarem as condições que determinaram a sua atribuição.
5 — O reconhecimento do direito a abono para falhas a trabalhadores integrados noutras carreiras, ou titulares de outras categorias, efectua-se mediante despacho conjunto dos membros do Governo da tutela e das Finanças e da Administração Pública.
6 — O presente despacho produz efeitos a 1 de Janeiro de 2009, relativamente aos trabalhadores que nessa data se encontrassem nas condições para o reconhecimento do direito ao abono para falhas.”
Vimos que o A é funcionário do Município (...) e possui a categoria profissional de Encarregado do Pessoal Auxiliar da Divisão de Cultura-Museus daquela edilidade; que desde Maio de 2007 se encontra afecto ao Museu da Região Flaviense exercendo funções na recepção deste museu; que no âmbito dessas funções procede à cobrança de bilhetes de ingresso no referido Museu – o que implica o manuseamento e guarda de dinheiros e valores públicos, pelos quais é responsável.
Não possuindo o A. a categoria de assistente técnico da carreira geral de assistente técnico que ocupe posto de trabalho que, de acordo com a caracterização constante do mapa de pessoal, se reporte às áreas de tesouraria ou cobrança que envolvam a responsabilidade inerente ao manuseamento ou guarda de valores, numerário, títulos ou documentos; nem sendo titular da categoria de coordenador técnico da carreira de assistente técnico que se encontrem nas mesmas condições, bem como os titulares da categoria subsistente de tesoureiro-chefe, o reconhecimento do direito a abono para falhas teria de se efectuar mediante despacho conjunto dos membros do Governo da tutela e das Finanças e da Administração Pública.
Sendo verdade que os diplomas ou o despacho citados não referem explicitamente que o Presidente da Câmara tem a faculdade de reconhecer o direito a abono para falhas ao A., uma vez que se encontra integrado noutra categoria, que é a de Encarregado do Pessoal Auxiliar da Divisão de Cultura-Museus daquela edilidade, a alteração dada pelo OE de 2009 no art.º 24.º ao 1.º Decreto-Lei n.º 4/89, de 6 de Janeiro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 276/98, de 11 de Setembro, veio a prever que este se aplica, com as adaptações respeitantes às competências dos correspondentes órgãos das autarquias locais, aos serviços das administrações autárquicas.
Ou seja, à semelhança do que ocorre para os funcionários dos serviços da administração central, onde o reconhecimento do direito a abono para falhas a trabalhadores integrados noutras carreiras, ou titulares de outras categorias, se efectua mediante despacho conjunto dos membros do Governo da tutela e das Finanças e da Administração Pública, temos de considerar que na administração local tal prerrogativa cabe ao Presidente da Câmara, também de acordo com o disposto no art.º 68.º, n.º 2, al. a) da L 169/99, de 18/9 - aliás citado no parecer que fundamentou a decisão impugnada.
O acto devido corresponde àquele que deve ser praticado no caso concreto, não sendo necessariamente condenação à prática de um acto cujo conteúdo esteja legalmente vinculado.
Portanto, é possível a condenação da Administração à prática de actos administrativos de conteúdo discricionário, desde que a emissão seja devida. Se em principio for verificada a existência de ilegalidades num acto de indeferimento (ou de não provimento à categoria desejada) praticado no exercício de poderes discricionários ( como poderia ser o caso dos autos, porque, em abstracto, perante as circunstâncias a Administração poderia decidir em mais do que um sentido) permite ao tribunal identificar e especificar os aspectos vinculados a observar pela
Administração, condenando-a a substituir o acto por outro que não reincida nas ilegalidades cometidas. O objecto da acção seria, portanto, a pretensão do interessado, e não o acto de indeferimento, cuja eliminação resulta directamente da pronúncia condenatória – art.º 66.º, n.ºs. 1 e 2 do CPTA.
Esta imposição negativa, onde se estabelece o modo de actuação que a Administração não deverá repetir, pode dar lugar a um alcance positivo quando as circunstâncias concretas permitam afirmar que houve uma redução da discricionariedade a zero – “isto é, que, no caso concreto, o respeito pelas normas ou princípios violados só consente que a Administração adopte um único tipo de decisão e, portanto, exige que ela pratique um acto administrativo com determinado conteúdo, o único que ainda é possível em face das circunstâncias”, (cfr. Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, in Comentários ao CPTA, Almedina 2005, pág. 367, em posição que se acompanha) - designadamente, e para o que é de relevante para os autos, de a concreta circunstância eliminar a escolha, abstractamente prevista na lei.
Portanto, constatando que as funções que o A. desempenha envolvem a responsabilidade inerente ao manuseamento ou guarda de valores ou numerário, não resta ao A. outra decisão que não seja o reconhecimento do direito a abono para falhas.
X
Na óptica do Recorrente esta decisão padece de erros de julgamento, quer de facto quer de direito.
Vejamos.
Inconformado, veio o Réu/Município interpor recurso da sentença que julgou procedente a acção administrativa especial e, em consequência, o condenou a reconhecer e a atribuir ao Autor, desde maio de 2007, o abono para falhas previsto no DL 4/89, de 06 de janeiro, com as alterações introduzidas pelo DL 276/98, de 11 de setembro e pela Lei 64-A/2008, de 31 de dezembro.
É univocamente entendido pela doutrina e foi consagrado pela lei adjectiva e pela jurisprudência que o âmbito do recurso jurisdicional se encontra delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente, da respectiva motivação, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matéria que nelas não houver sido versada, com ressalva óbvia dos casos que imponham o seu conhecimento oficioso.
Analisadas as alegações, constata-se que o ora Recorrente veio pretensamente imputar à sentença sob censura erros de julgamento quanto às matérias de facto e de direito, mas dispensou-se, pura e simplesmente, de invocar quais as concretas disposições legais que se mostrariam violadas com a interpretação e aplicação que delas foi feita na decisão judicial recorrida (vide as conclusões alegatórias, designadamente, a enunciada como Y).
Nesta conformidade, atentas as conclusões formuladas pelo Recorrente e o disposto na norma imperativa do n.º 2 do artigo 639.º do CPC de 2013, forçoso se torna concluir que a única questão suscitada em sede conclusiva e, daí que importa hic et nunc dilucidar, prende-se com a invocada existência de erros de julgamento quanto à apreciação da prova produzida perante o julgador de 1.ª instância e, consequentemente, quanto ao apuramento dos factos dados como assentes, no probatório da decisão judicial em crise.
Cremos que carece de razão.
No que tange à impugnação da matéria de facto, efectuada pelo Réu/ Município, bate-se o mesmo pela sua alteração, tendo indicado o material probatório que, na sua perspetiva, seria susceptível de a legitimar, como, de resto, se lhe impunha, face ao preceituado no artigo 640.º, n.°s 1 e 2, do CPC de 2013, aqui aplicável ex vi artigos 1º e 140.º, ambos do CPTA (cfr. as conclusões E a X).
Ora, neste específico segmento decisório, diremos, desde já, que o julgador do TAF a quo cumpriu a lei, designadamente o preceituado no artigo 607.º, do CPC que, nos seus nºs 3 e 4, prescreve o seguinte:
“(...)
4 - Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; a juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.

5 - O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.”.
Decidiu-se no Acórdão do STJ, de 10 de março de 2005, que a plenitude do segundo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto sofre naturalmente a limitação que a inexistência de imediação necessariamente acarreta, não sendo, por isso, de esperar do tribunal superior mais do que a sindicância de erro manifesto na livre apreciação das provas.
No mesmo sentido, o Acórdão da RC de 09/03/2010, in www.dgsi.pt:“ O uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados.”
E, o Acórdão da RL de 31/03/2011, in www.dgsi.pt: “ A alteração da decisão sobre a matéria de facto - em função da reapreciação da prova - só deve ocorrer caso o tribunal recorrido haja incorrido em patente equívoco ou erro na apreciação das provas, erro esse resultante da patente desconformidade da decisão em relação aos meios de prova.”
Exarou-se, nesse Acórdão, o seguinte: “Saber se a decisão de facto deve ser alterada em função dessa reapreciação, não estando em causa a renovação dos meios de prova, é, conforme tem sido entendido por este colectivo, algo que impõe que o Tribunal recorrido, em face do princípio da livre apreciação das provas, haja incorrido em patente equívoco, erro na sua apreciação, erro esse resultante da patente desconformidade da decisão em relação aos meios de prova.”
E, o Acórdão da RP de 22/06/2011, in www.dgsi.pt, refere que “Não basta ao recorrente discordar quanto ao julgamento da matéria de facto para o tribunal de recurso fazer “um segundo julgamento”, com base na gravação da prova: o poder de cognição do tribunal da relação, em matéria de facto, constitui apenas remédio para os vícios do julgamento em 1ª instância sem assumir a amplitude de um novo julgamento que faça tábua rasa da livre apreciação da prova, da oralidade e da imediação daquela mesma instância.”
Já o Acórdão da RC de 28/06/2011, in www.dgsi.pt, definiu que “Na impugnação da decisão da matéria de facto do tribunal de 1ª instância, o objecto precípuo da cognição do Tribunal da Relação não é a coerência e racionalidade da fundamentação da decisão de facto, mas antes uma apreciação e valoração autónoma da prova produzida, labor que contudo se orienta para a deteção de qualquer erro de julgamento naquela decisão da matéria de facto. Por isso, não bastará uma qualquer divergência na apreciação e valoração da prova para determinar a procedência da impugnação, sendo necessário constatar um erro de julgamento.”
Na verdade, quanto à vexata quaestio do poder do tribunal ad quem de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal a quo, desde que ocorram os pressupostos vertidos nos artigos 712.º do CPC [correspondente ao artigo 662.º do CPC de 2013] e 149.º do CPTA, a jurisprudência tem entendido que, pese embora a maior amplitude conferida pela reforma de processo civil a um segundo grau de jurisdição em sede de matéria de facto a verdade é que, todavia, não se está perante um segundo julgamento de facto por parte do tribunal ad quem e nem o tribunal de recurso naquele julgamento está colocado perante circunstâncias inteiramente idênticas àquelas em que esteve o tribunal a quo apesar do registo da prova por escrito ou através de gravação magnética dos depoimentos oralmente prestados.
É que, como aludimos o tribunal ad quem não vai à procura duma nova convicção, não lhe sendo pedido que formule novo juízo fáctico e sua respetiva fundamentação. O que se visa determinar ou saber é se a motivação expressa pelo tribunal a quo encontra suporte razoável naquilo que resulta do ou dos depoimentos(s) testemunhal(ais) (registados a escrito ou através de gravação) em conjugação com os demais elementos probatórios existentes ou produzidos nos autos.
Em adição, cumpre-nos enfatizar que “O julgador deve proceder ao julgamento de facto selecionando da alegação feita pelas partes aquela realidade factual concreta tida por provada e necessária à apreciação da pretensão formulada à luz das várias e/ou possíveis soluções jurídicas da causa, não sendo de exigir a fixação ou a consideração de factualidade que se repute ou se afigure despicienda para e na economia do julgamento da causa, na certeza de que daquele juízo estarão sempre arredadas todas as alegações de direito e ou conclusões insertas nos articulados” (cfr. o Acórdão deste TCAN, de 25/11/2011, no Proc. 02389/10.4BELSB).
Voltando ao caso concreto, no que concerne à impetrada modificação da decisão de facto, verifica-se que o tribunal a quo se socorreu da prova documental e testemunhal para dar como assente a materialidade controvertida, servindo-se do princípio da livre apreciação da prova aí produzida, de harmonia com o que resulta das disposições conjugadas dos artigos 366.º do Código Civil e 607.º, n.°s 4 e 5, do Código de Processo Civil de 2013 (cfr. a motivação da fundamentação de facto).
Acresce que não se lhe impunha que selecionasse todo e qualquer facto que, eventualmente, se mostrasse comprovado pelos documentos constantes dos autos, mas tão-somente, dentre estes, os que reputasse essenciais à boa decisão da causa.
A esta luz, atendendo a que, na economia da concreta decisão aqui em causa, os factos enunciados no probatório são os necessários e os suficientes em ordem à prolação da decisão final da presente lide, mostra-se desprovido de fundamento lógico e legal o aditamento de quaisquer novos factos, designadamente, o facto n.º 22 alegado na contestação, que o Recorrente veio indicar, nesta sede recursiva (cfr. a conclusão X).
Ademais, não vislumbramos que, in casu, tenha ocorrido qualquer erro de julgamento, pelo menos, que seja patente, ostensivo, manifesto ou palmar, que aconselhe ou imponha a pretendida alteração da factualidade vertida no probatório Conforme tem sido sistematicamente entendido, quer pela doutrina quer pela jurisprudência, no que respeita à modificação da matéria de facto dada como provada pela 1ª instância, o tribunal de recurso só deve intervir quando a convicção desse julgador não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se, assim, a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova, bem como à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto - acórdão do STA de 19/10/2005/proc. 0394/05.
A garantia do duplo grau de jurisdição não subverte o princípio da livre apreciação das provas (art. 655º, n.º 1 do CPC) já que o juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, sendo que na formação dessa convicção não intervêm apenas fatores racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para o registo escrito, para a gravação vídeo ou áudio.
Será, portanto, um problema de aferição da razoabilidade, à luz das regras da ciência, da lógica e da experiência da convicção probatória do julgador no tribunal “a quo”, aquele que, no essencial, se coloca em sede de sindicabilidade ou fiscalização do julgamento de facto pelo tribunal “ad quem”.
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Destarte, não merece censura a sentença recorrida, quanto a este segmento.
Do erro de julgamento de direito -
Atendendo a que o recurso soçobra, no que tange à matéria de facto impugnada, obviamente que permanece intocado o tratamento jurídico efectuado pelo julgador do TAF de Mirandela, que, de resto, o Recorrente nem sequer veio atacar, pelo menos validamente.
Na verdade, conforme salientámos supra, o Recorrente, na motivação do recurso em análise, limitou-se a exarar que discorda da matéria de direito, sem, todavia, expor, ainda que sucintamente, os motivos por que diverge da sentença recorrida (cfr. a conclusão Y).
Ora, como ressalta da exegese dos preceitos convocados pelo tribunal a quo para a decisão do pleito, foram os mesmos devidamente interpretados e aplicados, daí tendo sido extraídas e retiradas, para o caso posto, as consequências jurídicas relevantes que deles necessariamente emanam.
Acresce que a decisão em crise vai na esteira da doutrina que flui do Acórdão do TCA Norte, de 17/03/2005, tirado no Processo n.º 00091/04, nos termos do qual, com relevo para o caso em apreço, se extrai:
“(...) II. O abono para falhas é um suplemento ou acréscimo remuneratório atribuído em função de uma particularidade específica da prestação de trabalho que se traduz no manuseamento de dinheiro ou valor, caracterizando-se e justificando-se como um subsídio destinado a indemnizar funcionários e agentes pelas despesas e riscos inerentes a tal manuseamento que é suscetível de gerar falhas contabilísticas em operações de tesouraria. III. Têm direito a ser abonados com este suplemento todos aqueles que, estando ou não integrados nas carreiras de tesoureiro, manuseiem ou tenham à sua guarda, nas áreas da tesouraria ou de cobrança, quaisquer valores, numerário, títulos ou documentos pelos quais sejam responsáveis, sendo que o direito ao abono se vence diariamente. (...)”.
A interpretação efetuada na sentença adequa-se à letra e ao espírito da lei aplicável e, ademais, estriba-se na jurisprudência deste TCA, razão pela qual se manterá.
Como sentenciado, constatando-se que as funções que o Autor desempenha envolvem a responsabilidade inerente ao manuseamento ou guarda de valores ou numerário, não resta ao mesmo outra decisão que não seja o reconhecimento do direito a abono para falhas.

DECISÃO

Termos em que se nega provimento ao recurso
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Custas pelo Recorrente.

Notifique e DN.

Porto, 15/05/2020


Fernanda Brandão
Hélder Vieira
Helena Canelas