Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00722/09.0BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/27/2011
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:José Augusto Araújo Veloso
Descritores:ACIDENTE EM SERVIÇO
ACÇÃO URGENTE PARA RECONHECIMENTO DE DIREITO
PRAZO DE CADUCIDADE
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
Sumário: I. O regime jurídico dos acidentes em serviço e doenças profissionais, ocorridos ao serviço da Administração Pública, consagrado no DL nº503/99, de 20.11, prevê a figura da acção para reconhecimento de direito ou interesse legalmente protegido, para garantir a efectivação dos direitos dos trabalhadores contra actos/omissões relativos à sua aplicação;
II. Trata-se de uma acção urgente, não onerosa, com prazo de caducidade fixado e relativamente pequeno, capaz de permitir ao trabalhador sinistrado reagir, de forma eficaz e atempada, contra actos ou omissões que colidam com direitos ou interesses legalmente protegidos, e que sejam emergentes desse regime de matriz constitucional;
III. Essa acção urgente não afasta o regime da responsabilidade civil aquiliana, pois, se assim fosse, em vez de proteger os direitos do sinistrado antes fragilizaria, ao menos em termos de prazo de caducidade, o seu direito a indemnização;
IV. A acção comum intentada pela autora não está, pois, sujeita à caducidade de um ano, prevista no artigo 48º do DL nº503/99, de 20.11, estando apenas limitado, o exercício do direito à indemnização, pela prescrição de três anos prevista no artigo 498º nºs 1 e 2 do Código Civil.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Data de Entrada:07/13/2011
Recorrente:S...
Recorrido 1:Município de Paredes e Cª de Seguros...
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Sumária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
Relatório
S... residente na rua…, Paredes – interpõe recurso jurisdicional da decisão judicial proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal [TAF] de Penafiel – em 21.02.2011 – que absolveu do pedido o Município de Paredes [MP] e a Companhia de Seguros ..., SA [CS...], com fundamento na caducidade do seu direito de acção – a decisão judicial recorrida consubstancia saneador/sentença proferido em acção administrativa comum, forma sumária, na qual a ora recorrente demanda o MP e a CS..., pedindo ao TAF a sua condenação solidária a pagar-lhe 4.354,03€ a título de indemnização por danos patrimoniais e 1.000,00€ a título de ressarcimento de danos não patrimoniais, ambas as quantias acrescidas de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a citação.
Conclui assim as suas alegações:
1- Vem o presente recurso interposto da decisão que absolveu do pedido os réus, por ter julgado verificada a excepção de caducidade do direito de acção da autora, nos termos do previsto no nº1 do artigo 48º do DL nº503/99 de 20.11;
2- Entende a recorrente que a sentença de que se recorre terá absolvido do pedido os réus sem que lhe assista qualquer razão;
3- A autora foi admitida ao serviço da Câmara Municipal de Paredes [CMP] em 02.11.1990, data a partir da qual passou a trabalhar para a mesma sob as suas ordens, direcção e fiscalização e mediante retribuição, ocupando a categoria profissional de ajudante de bibliotecária [ponto 1 do provado];
4- No dia 12.09.2006, pelas 14H05, a autora encontrava-se no interior da biblioteca, a carregar alguns livros, quando tropeçou e caiu, tendo-se lesionado no joelho direito, tudo conforme a participação de acidente de trabalho, junta como documento nº1 - A e cujo teor se dá por integralmente reproduzido [ponto 2 do provado];
5- A autora foi acompanhada pelos serviços clínicos da 2ª ré [ponto 3 do provado];
6- Pretende a autora, com esta acção, ver declarado que não se encontrava curada na data em que os serviços clínicos da 2ª ré [CS...] lhe deram alta e, em consequência, ser ressarcida das despesas que teve nos tratamentos médicos de que carecia para curar as lesões de que padecia, bem como ser indemnizada pelos danos não patrimoniais que sofreu;
DA NÃO VERIFICAÇÃO DO PRAZO DE CADUCIDADE, PREVISTO NO ARTIGO 48º DO DL Nº503/99 DE 20.11
7- Alegou a CS... [só esta!] que o prazo de um ano previsto no nº3 do artigo 48º do DL nº503/99 de 20.11 já tinha decorrido antes desta acção ser proposta;
8- O artigo 59º da CRP consagra o direito dos trabalhadores à assistência e justa reparação, quando vítimas de acidentes de trabalho;
9- Dispõe o artigo 48º que “o interessado pode intentar, no prazo de um ano, nos tribunais administrativos, acção para reconhecimento de direito ou interesse legalmente protegido contra os actos ou omissões relativos à aplicação do presente diploma” e que este prazo se conta, para o que aqui interessa, “da data da notificação, em caso de acto expresso”;
10- Qual o acto expresso que determina o início da contagem do prazo de caducidade em análise?
11- Entendeu o TAF que esse acto ocorreu no dia 27.05.2008, data em que a CS... emitiu um acto expresso [carta] de recusa da pretensão formulada pela autora;
12- Sucede que, o início do prazo está associado à estrutura normativa do tema em jogo e não ao livre arbítrio do julgador ou das partes;
13- O prazo de caducidade de acção de acidente de trabalho [que é o prazo que está em causa no artigo 48º do DL nº503/99 de 20.11] só começa a correr com a efectiva entrega ao sinistrado do boletim de alta, e não com o mero conhecimento dessa alta;
14- É esse o entendimento jurisprudencial dos nossos tribunais superiores;
15- No presente caso, esse boletim de alta só foi entregue à autora no dia 12.02.2010, data em que a subscritora do presente articulado foi notificada da contestação da ré CS..., que juntou com aquele articulado, como documento 1, o referido boletim de alta;
16- Tal facto foi alegado pela recorrente sob o artigo nº14 da resposta, e não foi impugnado pela ré CS..., pelo que o mesmo tem de se dar por assente;
17- Assim, conjugando-se a data em que à agora recorrente foi entregue o boletim de alta [12.02.2010] com a data em que esta acção foi proposta [09.11.2009], obrigatoriamente se conclui que o prazo de caducidade não chegou a iniciar-se, o que se alega e invoca para todos os legais efeitos!
18- A não aplicação deste regime ao acidente de serviço aqui em causa configuraria uma intolerável discriminação, e uma clara violação do artigo 59º da CRP;
DA CAUSA IMPEDITIVA DA CADUCIDADE
19- No caso de se entender que estamos perante uma caducidade, sempre teriam Vossas Excelências de dar como provado que se tinha verificado a causa impeditiva da mesma prevista no nº2 do artigo 331º do Código Civil: “Quando, porém, se trate de […] disposição legal relativa a direito disponível, impede também a caducidade o reconhecimentos do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido”;
20- Estamos, nos presentes autos, face a um direito disponível;
21- O recorrido MP reconheceu o acidente, dado que preencheu, assinou e entregou à recorrida CS... a participação do acidente, junta como documento nº1-A com a petição inicial, e ao longo da sua contestação, sempre aceitou que a autora sofreu o acidente de trabalho nos exactos termos que vêm descritos na petição inicial;
22- O reconhecimento claro do acidente de serviço que vitimou a autora por parte do réu MP impede a caducidade do direito da autora, uma vez que o MP “é responsável pelos encargos com a reparação dos danos deles [acidente ou doença profissional] emergentes” [nº2 do artigo 5º do DL nº503/99 de 20.11];
23- Está assim o réu MP obrigado a reparar os danos sofridos pela autora em consequência do acidente, que expressamente reconheceu!
24- Aliás, este mesmo princípio está desde logo plasmado na alínea d) do nº4 do preâmbulo do DL 503/99: “Atribuição à entidade empregadora da responsabilidade da reparação dos danos emergentes dos acidentes profissionais”, prevendo o nosso ordenamento jurídico que as lesões são consequência do acidente, até prova em contrário;
25- A causa impeditiva que se vem de alegar reflecte-se não só na esfera jurídica do réu MP, com também na esfera jurídica da ré CS... para quem o MP transferiu a responsabilidade, uma vez que a seguradora responde nos exactos termos em que responderia o segurado;
DA NÃO INVOCAÇÃO DA CADUCIDADE PELO RECORRIDO MUNICÍPIO DE PAREDES
26- Ainda que Vossas Excelências não entendam que estamos perante uma causa impeditiva da caducidade [apenas por cautela], entende a recorrente que o TAF não podia ter absolvido o réu MP do pedido;
27- O MP jamais invocou a caducidade;
28- Dispõe o nº2 do artigo 333º do CC que “Se [a caducidade] for estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes [conforme se verifica nos presentes autos] é aplicável à caducidade o disposto no artigo 303º”;
29- O referido artigo 303º dispõe que o tribunal não pode suprir, de ofício, a caducidade, necessitando esta, para ser eficaz, de ser invocada por aquele a quem aproveita;
30- Face ao exposto, o MP não poderia ter sido absolvido do pedido, o que se alega e invoca, para todos os legais efeitos;
31- Ao considerar: a) Verificada a excepção da caducidade e absolvendo os réus do pedido; ou b) Não verificada a causa impeditiva da caducidade, prevista no nº2 do artigo 331º do CC, e absolvendo os réus do pedido; ou c) Verificada em relação ao réu MP a excepção de caducidade, absolvendo o réu do pedido, o TAF violou os artigos 59º da CRP, 4º, 5º, 6º e 48º do DL nº503/99 de 20.11, 303º, 331º e 333º do CC;
32- Motivo por que deve a sentença em crise ser revogada, ordenando-se que os autos prossigam os seus termos, designação da data para a realização da audiência de discussão e julgamento, assim se fazendo justiça.
O MP contra-alegou, concluindo assim:
1- Pretende a autora, segundo alega, “ver declarado que não se encontrava curada na data em que os serviços clínicos da 2ª ré lhe deram alta e, em consequência, ser ressarcida das despesas que teve nos tratamentos médicos de que carecia para curar a lesão supra invocada, bem como ser indemnizada pelos danos não patrimoniais que sofreu”;
2- A ora recorrente alegou uma série de factualidade que o aqui recorrido Município impugnou por desconhecimento;
3- Com efeito e tal como alegou na sua contestação, em momento algum a aqui recorrente informou o ora recorrido da sua não conformação com a alta atribuída ou da existência de uma recidiva, agravamento ou recaída, bem como de todo e qualquer procedimento que tenha desencadeado após lhe ter sido dada alta [a 14.02.2007];
4- Repare-se, aliás, que nos termos do disposto no artigo 24º nº1 e nº2 do DL nº503/99 de 20.11 “No caso de o trabalhador se considerar em situação de recidiva, agravamento ou recaída, ocorrida no prazo de 10 anos contados da alta, deve apresentar à entidade empregadora requerimento de submissão à junta médica referida no artigo 21º, fundamentado em parecer médico” e que tal determina a reabertura do processo, o que nunca foi feito ou alegado pela autora;
5- Toda a factualidade que a autora alega na sua petição inicial respeita, pois, a factos e circunstâncias que terão ocorrido no âmbito do relacionamento que a autora foi mantendo com a 2ª ré, factos e circunstâncias completamente alheios à aqui recorrida;
6- Com efeito, e tal como se poderá constatar da leitura da petição inicial, a autora agiu durante todo este tempo junto da 2ª ré, tendo sido exclusivamente junto desta que reclamou uma eventual recidiva, assim como foi a esta, directa e exclusivamente, que reclamou os custos suportados com alegados tratamentos;
7- O 1º réu, por via da subscrição de um seguro de acidentes de trabalho, transferiu para a 2ª ré a responsabilidade emergente de acidentes em serviço sofridos por trabalhadores inscritos na Caixa Geral de Aposentações;
8- Nos termos do disposto no artigo 46º do DL 503/99 de 20.11 “Os serviços e organismos que tenham pago aos trabalhadores ao seu serviço quaisquer prestações previstas no presente diploma têm direito de regresso, contra terceiro civilmente responsável pelo acidente ou doença profissional, incluindo seguradoras, relativamente às quantias pagas”;
9- Nos termos do disposto no artigo 28º nº2 CPC e tendo em conta o pedido formulado, a forma como a autora configurou esta acção e a própria natureza da relação jurídica, é manifesto que é necessária a intervenção de todos os interessados para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal;
10- É manifesto que, faltando alguma das partes no presente processo, nomeadamente a 2ª ré, não se torna possível regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado;
11- Tal como bem refere Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, página 58 “A pedra de toque do litisconsórcio necessário é, pois, a impossibilidade de, tido em conta o pedido formulado, compor definitivamente o litígio, declarando o direito ou realizando-o, ou ainda, nas acções de simples apreciação de facto, apreciando a existência deste, sem a presença de todos os interessados, por o interesse em causa não comportar uma definição ou realização parcelar”;
12- Nos termos do disposto no artigo 29º CPC, estando nós perante um caso de litisconsórcio necessário, aquilo que existe é uma única acção com pluralidade de sujeitos;
13- Existindo uma única acção com pluralidade de sujeitos e não uma mera acumulação de acções, a invocação da caducidade por um dos interessados réus, evidentemente, beneficia os outros;
14- Estando nós perante uma única acção, a verificação de caducidade do direito de acção invocado por um dos interessados beneficia os demais;
15- Assim e ao contrário do que pretende a autora, ainda que estivéssemos perante matéria incluída na disponibilidade das partes, a invocação da caducidade da acção por uma delas beneficiaria, necessariamente, as demais;
16- Refira-se, a este propósito e em abono da posição ora defendida que a tese da autora para defender a inexistência de caducidade do direito de acção, aquando do seu articulado de resposta à referida excepção, foi a de que não se havia formado acto tácito de indeferimento da pretensão formulada [alínea b) do nº3 do artigo 48º do DL 503/99 de 20.11] antes de 27.05.2008 e que, em 11.12.2008, a 2ª ré teve conhecimento da acção que a autora intentou contra aquela junto do TTP, pelo que houve interrupção do prazo de caducidade;
17- A autora invocou a existência de troca de correspondência diversa entre ela e a 2ª ré, assim como notificações judiciais às quais o 1º réu e aqui recorrido é completamente alheio;
18- Trata-se, como se pode verificar do articulado de resposta de matéria totalmente alheia ao aqui 1º réu e que, como se percebe, reforçam o que supra se referiu sobre estarmos perante uma situação de litisconsórcio necessário, como ainda impedem este de tomar posição sobre a existência de factos que apontem para uma eventual caducidade, impedindo-o de a invocar com propriedade;
19- Refere ainda a autora que, nos termos do artigo 331º CC, tendo a aqui recorrida reconhecido expressamente o acidente e estando nós perante uma disposição legal relativa a direito disponível, não ocorre a caducidade;
20- Sucede, porém, que o que está aqui em causa não é o acidente de trabalho mas, tal como refere a autora na sua petição inicial, a não-aceitação da alta que lhe foi concedida ou a existência de uma recidiva, agravamento ou recaída;
21- Ora, sobre esta matéria, e tal como alegou na sua contestação, a aqui recorrida não foi tida nem achada, desconhecendo em absoluto o que terá sucedido;
22- Assim e após a alta, que a autora teve e reconheceu na sua petição inicial, nada mais foi reconhecido pela recorrida;
23- Em momento algum a aqui recorrida reconheceu a existência de um qualquer direito da autora contra si, tal como prevê o artigo 331º nº2 do CC;
24- Diga-se, ainda, que a caducidade invocada pela 2ª ré não diz respeito a matéria incluída na disponibilidade das partes e, como tal, a caducidade deverá ser apreciada oficiosamente pelo tribunal [333º nº1 CC], tal como veio a ocorrer.
Termina pedindo que seja negado provimento ao recurso.
A CS... também contra-alegou, concluindo assim:
1- Como se retira da petição inicial, e é reafirmado na conclusão 6ª das doutas alegações da recorrente, o acto que pretende ver invalidado ou destruído com a presente acção é a decisão da seguradora de lhe atribuir ALTA a partir de 14.02.2007, com fundamento no qual foi recusada qualquer assistência médica posterior;
2- Como resulta do documento junto pela autora com o nº1-B com a sua petição inicial, o qual está assinado pela mesma autora, esta tomou formalmente conhecimento da data da alta em 14.02.2007;
3- O prazo para o reconhecimento de direitos ao abrigo do DL nº503/99 de 20.11 é de um ano e conta-se da notificação do acto;
4- Ainda que se considerasse que o prazo se iniciou apenas com a carta de 27.05.2008 na qual a ré mantém a alta anterior e declina por isso pagar despesas médicas posteriores, sempre a acção foi proposta mais de um ano depois da caducidade do direito;
5- O reconhecimento do direito impeditivo da caducidade consiste no reconhecimento da pretensão que o autor pretende ver confirmada por decisão judicial e não noutra que a antecede e que foi atendida;
6- Nenhuma das entidades rés reconheceu a incorrecção da alta, nem o consequente direito da autora a ser reembolsada de despesas posteriores a ela;
7- De todo o modo, tratando-se de matérias de acidentes em serviço, em paralelismo com o regime de acidentes de trabalho, vigora a indisponibilidade de direitos [artigo 45º nº6 do DL 503/99 de 20.11].
Termina pedindo o não provimento do recurso.
O Ministério Público não se pronunciou [artigo 146º nº1 do CPTA].
De Facto
São os seguintes os factos considerados provados na sentença recorrida:
1- A autora foi admitida ao serviço da Câmara Municipal de Paredes em 02.11.1990, data a partir da qual passou a trabalhar para a mesma sob as suas ordens mediante retribuição, ocupando a categoria profissional de Ajudante de Bibliotecária;
2- No dia 12.09.2006, pelas 14H05, a autora encontrava-se no interior da biblioteca, a carregar alguns livros, quando tropeçou e caiu, tendo-se lesionado no joelho direito, tudo conforme a participação de acidente de trabalho, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
3- A autora foi acompanhada pelos serviços clínicos da segunda ré;
4- À autora foi dada alta a partir do dia 14.02.2007, conforme consta do Boletim de Acompanhamento Clínico cujo teor se dá por reproduzido;
5- Em 26.06.2007 a autora enviou uma carta ao 2º réu cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido [folha 17];
6- Em 27.05.2008, o 2º réu informou a autora que não a reembolsaria das despesas decorrentes da cirurgia a que se submeteu [folha 89];
7- Em 21.11.2008 a autora enviou para os Serviços do Ministério Público do Tribunal do Trabalho de Penafiel [TTP] a participação de acidente de trabalho, dando origem ao processo nº1962/08.5TTPNF, que correu termos pelo 2º Juízo do TTP, e proferida sentença, em 09.03.2009, o TTP julgou-se incompetente e absolveu a CS... da instância;
8- A presente acção foi intentada em 09.11.2009.
Nada mais foi considerado pertinente para a decisão da questão da caducidade.
De Direito
I. Cumpre apreciar as questões suscitadas pela ora recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para tal efeito, pela lei processual aplicável - ver artigos 660º nº2, 664º, 684º nº3 e nº4, e 685º-A nº1, todos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 140º do CPTA, e ainda artigo 149º do CPTA, a propósito do qual são tidas em conta as considerações interpretativas tecidas por Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 10ª edição, páginas 447 e seguintes, e Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª edição revista, página 850 e 851, nota 1.

II. A autora da acção administrativa comum, sumária, pediu ao TAF de Penafiel a condenação solidária dos réus, MP e CS..., a pagar-lhe a quantia de 4.354,03€ a título de danos patrimoniais e a quantia de 1.000,00€ a título de danos morais, ambas elas acrescidas de juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos desde a data da citação.
Demanda o MP como sua entidade empregadora, e demanda a CS... com fundamento no contrato de seguro de acidentes em serviço que aquele com ela celebrou.
Sem invocar uma única norma legal, a autora articula que teve um acidente em serviço em 12.09.2006 quando, no exercício das suas funções, estava a carregar alguns livros na biblioteca do MP, de que lhe resultou lesão no joelho direito. Feita a respectiva participação, foi acompanhada nos serviços da CS... ao abrigo do contrato de seguros, e foi-lhe dada alta em 14.02.2007. Porém, aduz, nessa data ainda não se encontrava curada, pois tinha dores e dificuldades em movimentar o joelho, motivo pelo qual tentou várias vezes, junto da seguradora, e sem êxito, a continuidade do tratamento médico. Face à recusa da CS..., ela continuou os pertinentes tratamentos [consulta de clínica geral em 11.06.07; ressonância magnética em 14.06.07; consulta de ortopedia em 26.06.07; electrocardiograma; análises clínicas; intervenção cirúrgica em 25.07.2007; tratamentos de enfermagem e de fisioterapia].
Em 27.02.2008 enviou carta à CS... solicitando o reembolso das quantias pagas com os tratamentos, e até hoje, diz, não obteve uma resposta. Restou-lhe a cicatriz na face anterior do joelho direito, com rigidez articular, que lhe acarreta incapacidade permanente parcial de 10%. Teve dores, preocupações, tristeza, e aflições.
Tanto aqueles danos patrimoniais, como estes danos morais, diz, são consequência necessária e directa da omissão de tratamento por parte da CS... cujo médico perito lhe deu alta num momento em que ainda não estava curada.
São os réus, nas contestações, que enquadram juridicamente a pretensão deduzida pela autora, situando-a no âmbito do regime dos acidentes ocorridos ao serviço da Administração Pública, previsto no DL nº503/99 de 20.11. E foi assim, no âmbito deste regime jurídico, que a seguradora, CS..., veio invocar a caducidade do direito de acção com base no artigo 48º do mesmo.
O TAF, no saneador, conheceu da excepção da caducidade que foi invocada pela ré CS..., julgou-a procedente, e absolveu do pedido ambos os réus.
A autora discorda, e, agora na qualidade de recorrente, imputa erro de julgamento de direito à sentença do TAF, quer porque não se verifica o prazo de caducidade, quer porque há causa que a impede, quer porque ela não poderia operar relativamente ao MP.
Ao conhecimento deste erro de julgamento de direito se reduz, pois, o objecto do recurso jurisdicional.

III. A Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 63º, reconhece o direito à segurança social, que abrange a protecção nos acidentes de trabalho e nas doenças profissionais. No artigo 59º, por sua vez, consagra o direito de todos os trabalhadores à assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou doença profissional.
No respeito e concretização destes direitos constitucionais, o DL nº503/99, de 20.11, veio fixar novo regime jurídico dos acidentes em serviço e doenças profissionais ocorridos ao serviço da Administração Pública, que passou a vigorar a partir de 01.05.2000 [ver artigo 58º].
Este regime jurídico, nas suas disposições gerais, atribui à entidade empregadora a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes dos acidentes e doenças profissionais, reparação que integra prestações em espécie e em dinheiro, bem como competência exclusiva para a qualificação do acidente. É pois, a respectiva entidade empregadora que deve assegurar a existência dos mecanismos indispensáveis de assistência aos sinistrados que sejam vítimas de acidente [ver artigos 4º, 5º, 7º nº7, e 10º do diploma em referência].
A reparação em espécie envolve, no caso dos acidentes, e além do mais, primeiros socorros e subsequente assistência médica, devendo a situação clínica do sinistrado, até à alta, ser registada pelo médico que o assiste ou pela junta médica, conforme os casos, em boletim de acompanhamento médico. E deste registo deverá constar, na devida altura, a data da alta e, se for caso disso, o respectivo grau de incapacidade permanente proposto [artigo 12º do diploma em referência].
Segundo o artigo 20º do DL nº503/99, quando o trabalhador for considerado clinicamente curado, ou as suas lesões se apresentarem insusceptíveis de modificação com terapêutica adequada, o médico assistente ou a junta médica, conforme os casos, dar-lhe-á alta, formalizada no boletim de acompanhamento médico […], e quando após a alta concedida pelo médico assistente o respectivo trabalhador não se sinta em condições de retomar a sua actividade habitual, pode requerer à entidade empregadora a sua apresentação à junta médica, composta por dois médicos da ADSE e um da sua escolha, a qual deverá realizar-se no prazo de 15 dias, e deverá declarar se o sinistrado está em condições de retomar o serviço ou indicar a data da apresentação a nova junta médica, devendo esta decisão ser notificada ao sinistrado e à sua entidade empregadora. Caso o sinistrado não concorde, pode solicitar à entidade empregadora a realização de uma junta de recurso, mediante requerimento fundamentado em parecer clínico [artigo 22º do diploma em referência].
Concedida a alta, e no prazo de dez anos contados a partir dela, o processo poderá ser reaberto em caso de recidiva, agravamento ou recaída reconhecida pela junta médica, seguindo-se então, com as necessárias adaptações, os trâmites de reparação previstos para o acidente. Para tal efeito, o trabalhador deve apresentar à entidade empregadora requerimento de submissão à junta médica, fundamentado em parecer médico [artigos 24º e 3º nº1 alíneas o) p) e q)].
Este regime jurídico do DL nº503/99, de 20.11, previu, também, a figura da acção para reconhecimento do direito ou interesse legalmente protegido por forma a garantir a efectivação dos direitos dos trabalhadores contra actos ou omissões relativos à sua aplicação. Referimo-nos ao seu artigo 48º, que reza assim: 1- O interessado pode intentar, no prazo de um ano, nos tribunais administrativos, acção para reconhecimento do direito ou interesse legalmente protegido contra actos ou omissões relativos à aplicação do presente diploma, que segue os termos previstos na lei de processo nos tribunais administrativos e tem carácter de urgência. 2- Nas acções referidas no número anterior, o interessado está isento de custas, sendo representado por defensor oficioso a nomear pelo tribunal, nos termos da lei, salvo quando tiver advogado constituído. 3- O prazo referido no nº1 conta-se: a) Da data da notificação, em caso de acto expresso; b) Da data da formação do acto tácito de indeferimento da pretensão formulada.
Por fim, e para o que aqui interessa, o artigo 45º desse diploma permite que os serviços e organismos da administração local possam transferir a responsabilidade por acidentes em serviço, nele prevista, para entidades seguradoras, sendo que a apólice uniforme deve garantir as prestações e despesas nele previstas, sendo nulas as cláusulas adicionais que impliquem a redução de quaisquer direitos ou regalias.
Voltemos ao caso.
A sentença recorrida, não obstante a autora nada referir a esse respeito, entendeu estar perante uma acção para reconhecimento de direito prevista no artigo 48º do DL 503/99, de 20.11, e considerou que o direito aqui em causa, que consiste em a autora ver reconhecidas e reembolsadas as despesas por ela pagas após a data da alta, deveria ser exercido dentro de um ano contado a partir de 27.05.08. Ou seja, considerou como data relevante para efeito do referido artigo 48º nº3 alínea a), a data em que a seguradora informou a sinistrada, autora, de que não a reembolsaria das despesas por ela suportadas [ver ponto 6 do provado]. E, assim, julgou caduco o direito da autora intentar a acção em 09.11.2009.
A recorrente, sem por em causa o enquadramento jurídico dado à sua pretensão, antes laborando na base do respectivo acerto, veio defender que o termo a quo relevante para a contagem desse prazo de caducidade de um ano não era a data de 27.05.2008, mas antes a de 12.02.2010, data em que ela foi notificada do boletim de alta, o que ocorreu juntamente com a notificação da contestação da seguradora. Portanto, a seu ver, quando foi intentada esta acção, em 09.01.2009, o prazo de caducidade de um ano ainda nem sequer tinha começado a contar. Acrescenta que, de todo o modo, o reconhecimento do seu acidente pelo MP, pois que o participou à CS..., e porque estamos no âmbito de direitos disponíveis, serve de causa impeditiva da caducidade nos termos do artigo 331º do Código Civil. E acrescenta, ainda, que de qualquer modo, e porque estamos no âmbito de direitos disponíveis, a invocação da caducidade pela CS... não podia beneficiar, como na sentença beneficiou, a entidade empregadora MP.
Vejamos.
É bem sintomático que a autora não tenha feito referência, na petição inicial, a uma única norma legal, vindo posteriormente a acolher o enquadramento jurídico que as demandadas deram à sua pretensão, enquadramento esse que o próprio TAF adoptou.
Mas cremos que a pretensão que ela verteu nesta acção comum, muito embora nasça de acidente em serviço, extravasa os moldes da acção urgente de reconhecimento de direito ou interesse legalmente protegido consagrada no artigo 48º do DL nº503/99 de 20.11.
Neste artigo, e perante a eminência dos direitos constitucionais em causa, direito à segurança social [63º da CRP] e direito à assistência e justa reparação das vítimas de acidente de trabalho [59º da CRP], a lei ordinária, em sede de densificação, previu uma acção urgente, e não onerosa, capaz de permitir ao trabalhador sinistrado reagir, de forma atempada e eficaz, contra actos ou omissões que colidam com direitos ou interesses legalmente protegidos, e que sejam emergentes desse regime de matriz constitucional.
Trata-se, como dissemos, de uma acção especial, urgente, não onerosa, que, porque assim é, tem também um prazo de caducidade fixado e relativamente pequeno, sobretudo se pensarmos nas acções comuns de responsabilidade civil aquiliana, sem prazo de caducidade, porque apenas o respectivo direito está sujeito a prazo de prescrição [ver, remetendo-nos à lei aplicável ao caso, o artigo 498º do CC, ex vi artigo 5º nº1 do DL nº48.051 de 21.11.1967].
Mas esta acção urgente, e assim especial, não afasta, cremos, o regime geral da responsabilidade civil por conduta ilícita e culposa, pois, se assim fosse, tal regime jurídico, pretensamente proteccionista dos direitos do trabalhador sinistrado, antes fragilizaria, ao menos em termos de prazo de caducidade, o seu direito a indemnização.
Ponderando o pedido e a causa de pedir da autora desta acção comum, e apesar do seu silêncio relativamente ao regime jurídico em que ela suporta o mérito da sua pretensão, não poderemos deixar de concluir que esta não se enquadra na previsão da acção urgente para reconhecimento de direito ou interesse legalmente protegido prevista no artigo 48º do DL nº503/99 de 20.11, antes configura uma pretensão indemnizatória de danos patrimoniais e danos morais resultantes de alta médica alegadamente errada, e nessa medida ilícita, causadora, para ela, de despesas, dores, preocupações, tristeza e aflições.
Se dúvida houvesse sobre este enquadramento jurídico, bastaria, segundo cremos, atentar na forma legalmente desadequada como a autora reagiu à alta dada pelo perito médico da CS..., não partindo para qualquer requerimento de junta médica ao MP, mas avançando, antes, por sua própria conta. E bastaria atentar na imputação de erro e de culpa que faz aos serviços da seguradora e da própria entidade empregadora, que alega terem contribuído para o prolongamento de tratamentos e sofrimentos, o que era desnecessário.
Temos, assim, que a autora desta acção comum, mal ou bem, exerceu perante o TAF não o direito de acção urgente concedido pelo artigo 48º do DL nº503/99, mas antes o direito a ser indemnizada por danos patrimoniais e morais resultantes de conduta errada imputada aos réus, e ocorrida no âmbito da efectivação do direito à reparação que lhe era devida por causa do acidente em serviço.
Deste modo, a acção comum intentada pela autora não estará sujeita ao referido prazo de caducidade, de um ano, estando apenas limitado, o exercício do direito à indemnização, pela prescrição de três anos prevista no artigo 498º nº1 e nº2 do Código Civil [ex vi artigo 5º nº1 do DL nº48051 de 21.11.1967]. Prazo este que, segundo tudo aponta, aquando da entrada da acção em juízo ainda não estava terminado.
Face a este enquadramento jurídico, que temos por correcto, e pelas razões apresentadas, procede o erro de julgamento imputado à sentença, ficando prejudicado o conhecimento dos motivos concretos invocados pela recorrente.
Deve, pois, ser concedido provimento ao recurso jurisdicional, e revogada a decisão judicial proferida pelo TAF sobre a caducidade do direito de acção, devendo esta acção comum, não urgente, prosseguir a sua normal tramitação, caso nada mais obste a tal.
Decisão
Nestes termos, decidem os Juízes deste Tribunal Central, em conferência, conceder provimento ao recurso e revogar a decisão recorrida, e ordenar que a acção prossiga no TAF de Penafiel a sua normal tramitação, caso nada mais obste a tal.
Custas pelos recorridos – artigos 446º do CPC, 189º do CPTA, 7º nº2 e 12º nº2 do RCP e Tabela I-B a ela anexa.
D.N.
Porto, 27.10.2011
Ass. José Augusto Araújo Veloso
Ass. Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Ass. João Beato Oliveira Sousa