Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00102/14.6BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/21/2016
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Alexandra Alendouro
Descritores:TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS; ARTIGO 135.º DO RCTFP;
(IN) CONSTITUCIONALIDADE DOS ARTIGOS 2º, 10º E 11º DA LEI DAS 40 HORAS; ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO
Sumário:I – O juiz a quo deve seleccionar, de entre a matéria de facto relevante para a decisão da causa, os factos que considere úteis para o efeito, sustentando a formação da sua convicção; o tribunal ad quem procederá à alteração da decisão de facto (mormente, por aditamento aos factos provados) se, apurando a razoabilidade da convicção probatória do juiz a quo, face aos elementos e alegações que agora lhe são apresentados em recurso, verificar que a mesma padece de erros de apreciação.
II – De acordo com o artigo 135.º, n.º 2, do RCTFP todas as alterações dos horários de trabalho que excedam uma semana devem observar as seguintes formalidades: fundamentação e precedência de consulta aos trabalhadores afectados, à comissão de trabalhadores ou, na sua falta, à comissão sindical ou intersindical ou aos delegados sindicais e ser afixadas no órgão ou serviço com antecedência de sete dias, ainda que vigore um regime de adaptabilidade.
III – O acto impugnado que efectivou alterações do horário de trabalho dos trabalhadores do Município Recorrido, ao abrigo da Lei n.º 68/2013, de 29 de Agosto (Lei das 40 horas), cumpriu as formalidades previstas no referido normativo, cujo incumprimento foi suscitado na 1ª instância.
IV – Os artigos 2º, 10º e 11º da Lei n.º 68/2013 não padecem de inconstitucionalidade por violação dos princípios da proibição do retrocesso social, da protecção da confiança e da proporcionalidade (cfr. Acórdão n.º 794/2013 do Tribunal Constitucional, de 21/11/2013), improcedendo, em consequência, a ilegalidade do acto impugnado baseada em violação de normas inconstitucionais.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:STAL – SINDICATO NACIONAL DOS TRABALHADORES DA ADMINISTRAÇÃO LOCAL E REGIONAL
Recorrido 1:MUNICÍPIO de VILA NOVA DE FAMALICÃO
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parece no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo do Norte:
I – RELATÓRIO

STAL – SINDICATO NACIONAL DOS TRABALHADORES DA ADMINISTRAÇÃO LOCAL E REGIONAL, EMPRESAS PÚBLICAS, CONCESSIONÁRIAS E AFINS, interpôs recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou improcedente a acção administrativa especial intentada pelo STAL, em representação e defesa dos seus associados, contra o MUNICÍPIO de VILA NOVA DE FAMALICÃO, tendente a obter a declaração de nulidade ou a anulação do Despacho de 27-11-2013, proferido pelo Presidente da Câmara do Município de Vila Nova de Famalicão, que procedeu à alteração do período normal de trabalho para 8 horas diárias e 40 horas semanais, nos termos da Lei n.º 68/2013, de 29 de Agosto.

*

Em alegações, o Recorrente formulou as seguintes conclusões:

“A)- Por despacho proferido no dia 11/05/2016, o Tribunal a quo decidiu julgar extinta a reclamação para conferência da sentença que julgou totalmente improcedente a acção apresentada pelo Autor no dia 11/09/2015 e passar a haver recurso da decisão que havia sido objecto daquela reclamação, determinando, para o efeito, a abertura do respectivo prazo de recurso com a notificação desse despacho.

B)- Apesar de discordarmos do entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo de que a revogação do disposto do n.º3 art.º 40.º do ETAF pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02/10, que entrou em vigor no dia 03/10/2015, conforme seu art.º 15.º, n.º4, é de aplicação imediata aos processos pendentes, por confrontar, no nosso entender, o disposto da regra geral transitória constante do art.º5.º, n.º1 do ETAF, que regula a competência dos tribunais em caso de sucessão de leis no tempo e determina que a competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal fixa-se no momento da propositura da causa, sendo irrelevantes as modificações de facto e de direito que ocorram posteriormente, assim, afinal, ao contrário do decidido, mantendo-se a competência e funcionamento dos tribunais colectivos nos processo pendentes, mas uma vez que o Tribunal a quo não se limitou sem mais a extinguir a dita reclamação para conferência, antes viabilizando o recurso da referida sentença em lugar dela, vem, então o presente recurso interposto da sentença proferida pelo senhor Juiz Relator do Tribunal a quo no dia 29/07/2015 que julgou totalmente improcedente a acção intentada pelo ora Recorrente, visando a sua reapreciação quer quanto à matéria de facto quer quanto à matéria de direito;

C)- O ora Recorrente intentou a presente acção judicial visando a invalidade do despacho proferido pelo Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão no dia 27/09/2013, que alterou o período normal de trabalho diário e semanal de todos os trabalhadores do Município de Vila Nova de Famalicão de 7h/dia e 35h/semana para 8h/dia e 40h/semana e os respetivos horários de trabalho em conformidade, ao abrigo da Lei n.º 68/2013, de 29 de Agosto, junto como doc.1 à petição inicial.

D)-Para lá do vício decorrente da inconstitucionalidade suscitada das normas constantes dos art.ºs 2.º e 10.º da Lei n.º 68/2013, de 29 de Agosto e da interpretação correctiva efectivada pelo Tribunal Constitucional quanto ao sentido e alcance das mesmas - e na qual o referido Tribunal Constitucional viria a alicerçar-se, como se alicerçou, para fundamentar e decidir as não declarar inconstitucionais no seu Acórdão n.º 794/2013, de 21/11/2013-, foi também imputado ao aludido acto administrativo, que constitui objecto da presente acção, o vício de forma decorrente do não cumprimento por parte do Réu das formalidades essenciais imperativas constantes do n.º2 do art.º 135.º do Regime do Contrato em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 59/2008, de 11/09 (adiante abreviadamente designada por RCTFP), conforme resulta do articulado no art.º 6.º da petição inicial.

E)- A respeito deste último vício de forma por preterição de formalidades essenciais constantes do dito n.º2 do art.º 135.º do RCTFP, o Exmo Senhor Juiz Relator do Tribunal a quo confinou as exigências contidas no referido preceito legal à audição dos trabalhadores e dos seus representantes, concluindo, desta feita, em face da matéria de facto que considerou provada e não provada, totalmente carecido de suporte legal o referido vício, julgando a acção improcedente também nesta parte.

F)- É dessa parte da sentença que se discorda e vem interposto o presente recurso. Salvo o devido respeito, o Exmo Senhor Juiz Relator do Tribunal a quo ao ter decidido, como decidiu, não fez uma correcta interpretação do direito aplicável e consequentemente não fez uma correcta apreciação da matéria de facto em discussão, assim também não aplicando correctamente o direito atinente.

G)- Da análise do disposto do n.º2 art.º 135.º do RCTFP resulta que o legislador não estabelece apenas como formalidade essencial ao procedimento da alteração dos horários de trabalho a prévia audição dos trabalhadores afectados e dos seus representantes. Reza assim o cit. disposto do n.º2 do art.º 135.º do RCTFP no que ora releva:


Artigo 135.º
Alteração do horário de trabalho
(…)
2 - Todas as alterações dos horários de trabalho devem ser fundamentadas e precedidas de consulta aos trabalhadores afectados, à comissão de trabalhadores ou, na sua falta, à comissão sindical ou intersindical ou aos delegados sindicais e ser afixadas no órgão ou serviço com antecedência de sete dias, ainda que vigore um regime de adaptabilidade. - o negrito é de agora.

H)- Como se pode verificar do supra transcrito art.º 135.º, n.º 2 do RCTFP, além do dever de prévia e impreterivelmente ouvir os trabalhadores e os seus representantes (comissão de trabalhadores ou as comissões sindicais ou intersindical ou aos delegados sindicais), o legislador faz ainda impender sobre a entidade empregadora pública que pretenda alterar o horário de trabalho dos seus funcionários o dever de fundamentar essa alteração do horário de trabalho.

I)- Estes deveres imperativos de prévia auscultação e fundamentação têm uma razão de ser fundamental: é que se, por um lado, o poder de organização dos tempos de trabalho constitui um instrumento fundamental de gestão da empresa que, regra geral, pertence ao empregador, por outro lado, o horário de trabalho é também, simultaneamente, uma referência fundamental da organização da vida de um trabalhador que goza outrossim de assento constitucional.

J)- O que faz elevar os referidos deveres imperativos de auscultação e fundamentação ao patamar das denominadas formalidades essenciais – cfr. Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos in “Direito Administrativo Geral – Actividade Administrativa – Tomo III”, Dom Quixote, 1.º edição (Fevereiro de 2007), pág. 156, parágrafo 197.

K)- O vício de forma por preterição de formalidades essenciais é susceptível de gerar a nulidade do acto administrativo sempre que essa preterição envolva a violação de direitos fundamentais nos termos do art.º 133.º, n.º2 do Código de Procedimento Administrativo – cfr. ibidem, pág. 163, parágrafo 214.

L)- No que o dever de fundamentação da alteração do horário de trabalho, in casu, impõe-se, com particular acuidade, atento o cenário de privação que o mesmo comporta no exercício dos direitos fundamentais dos trabalhadores.

M)- Assim o reconhece o cit. Acórdão n.º 794/2013 do Tribunal Constitucional, na sua alínea F) da fundamentação:
(…)

Na verdade não pode negar-se existir efectivamente, uma óbvia diminuição do salário/hora com implicações (também) no que respeita à remuneração do trabalhão extraordinário, já que sofrerá cerca de uma redução de 14% segundo o cálculo dos requerentes.
(…)
Não se ignora que o aumento do período normal de trabalho diário possa originar despesas adicionais para os trabalhadores (relacionados com transportes, com o cuidado de ascendentes e descendentes, etc.), mas em todo o caso há ter presente que o grande prejuízo que as normas impugnadas lhes trazem é de tempo: o tempo disponível para si mesmos, para as suas famílias e para o conjunto de direitos fundamentais consagrados na Constituição (direito ao livre desenvolvimento da personalidade, liberdade de criação e fruição cultural, liberdade religiosa, liberdade de aprender e ensinar, liberdade de associação, entre outros), que se reconduzem a dimensões importantes na vida.
(…)

N)- Os direitos que gozam de garantia constitucional só podem ser restringidos nos casos e termos expressamente previstos na lei, conforme disposições combinadas dos art.ºs 17.º e 18.º ambos da Constituição da República Portuguesa.

O)- Do que se conclui que, independentemente dos art.ºs 2.º e 10.º da lei n.º 68/2013 não terem sido julgadas inconstitucionais, dada a restrição que a aplicação desta nova lei importa para os referidos direitos fundamentais, como o próprio tribunal constitucional admitiu, qualquer alteração do horário de trabalho de incremento aos novos limites máximos, como é o caso, há-de inexoravelmente que ser necessária e exigível pelos interesses públicos cuja actividade administrativa visa prosseguir, como os sacrifícios dos trabalhadores, vindos de arrazoar, hão-de ser adequados e proporcionais a essa alteração/finalidade, o que tudo há-de resultar da fundamentação do acto ou da norma administrativa que altera o horário de trabalho.

P)- Revertendo ao caso dos autos, foi a seguinte a matéria de facto dado como provada e não provada conforme ponto III FACTOS PROVADOS da sentença de que se recorre:

Factos Provados:

1) Em 27 de Setembro de 2013, o Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão proferiu o seguinte despacho (doc. 1 junto com o requerimento inicial)

2) O despacho proferido em 27.09.2013, foi precedido da audição dos trabalhadores assim como das estruturas sindicais representativas destes (STAL e SINTAP) – cfr. doc. a fls. 42 do suporte físico dos autos.

3) A petição inicial deu entrada, via correio electrónico, em 15 de Janeiro de 2014.

Factos não provados: inexistem.


Q)- Matéria de facto em relação à qual a sentença é totalmente omissa e que deveria ter sido considerada provada - e não o foi-, por resultar da prova documental junta aos autos, não ter sido impugnada pelo Réu (efeito cominatório semipleno) e ser notória conforme o Tribunal Constitucional o reconheceu:

q1)- O despacho proferido em 27.09.2013 referido na alínea 2) dos factos provados não está fundamentado (cfr. doc.1 junto com a petição inicial);

q2)- … os Associados do Autor, até à data do despacho referido em 5.º supra, tinham um horário de trabalho fixado em 7 horas diárias e 35 horas semanais (cfr. facto articulado no art.º 7.º da petição inicial);

q3)-A sua remuneração horária era assim aferida a um horário máximo de 35 horas por semana, passando, por força daquela deliberação, a ser aferida em função de um horário de 40 horas, do que resulta a sua substancial desvalorização (cfr. art.º 8.º da petição inicial);

q4)- Da referida alteração do horário de trabalho decorre uma desvalorização retributiva na ordem do 14,3%, considerando o aumento de uma hora de trabalho por dia, sem que qualquer compensação adicional, nomeadamente por retribuição do que deveria constituir o pagamento de uma hora de trabalho extraordinário, já que, com a aplicação da nova Lei, a remuneração é a mesma mas a prestação de serviço aumentou mais 5horas semanais e cerca de 20 horas mês (cfr. facto articulado no art.º 10.º da petição inicial);

q5)- O novo horário, introduzido de forma tão abrupta e inesperada, afecta os planos de vida dos associados do Autor, como dos trabalhadores em geral, gorando o equilíbrio e a conciliação estabelecidas entre a sua actividade laboral e a sua vida familiar, o seu direito ao repouso e ao lazer, assim frustrando necessariamente as suas expectativas fundadas no horários anterior. (cfr. facto articulado no art.º 12.º da petição inicial);

q6)-São diminuídas as possibilidades de os associados do Autor, especialmente os mais carenciados, angariarem mais alguns proventos fora do seu horário de trabalho decorrentes do exercício de actividades legalmente permitidas, ainda que esporádicas (cfr. factos articulado nos art.º 15.º da petição inicial); e

q7)- os trabalhadores sofreram uma redução do tempo que até então dispunham só para si e para sua família e para o conjunto de direitos fundamentais consagrados na Constituição (direito ao livre desenvolvimento da personalidade, liberdade de criação e fruição cultural, liberdade religiosa, liberdade de aprender e ensinar, liberdade de associação, entre outros), que se reconduzem a dimensões importantes na vida - facto notório conforme entendimento do próprio Tribunal Constitucional vazado na alínea F) da fundamentação do seu cit. Acórdão 794/2013.


R)- A matéria de facto vinda de enunciar, que deveria ter sido considerada provada - e não o foi-, consta dos autos e é de inquestionável relevância para efeitos de aquilatar a nulidade que decorre da aplicação do art.º 135.º, n.º2 do RCTFP, em conjugação com os mencionados direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores e o princípio da necessidade, proporcionalidade e adequação consagrados na Constituição da Repúblicas Portuguesa.

S)- Todavia, conforme resulta da análise da sentença, o senhor Juiz Relator do Tribunal a quo é totalmente omisso quanto a ela, o que é susceptível de configurar também uma nulidade da sentença, prevista no art.º 615.º, n.1º, alínea d), do Código de Processo Civil, o que se invoca, já que sobre ela devia ter-se pronunciado e não se pronunciou.

T)- De tudo quanto se vem de arrazoar ressalta à saciedade que o acto impugnado consubstancia uma alteração não fundamentada do horário de trabalho e restritiva dos aludidos direitos fundamentais dos trabalhadores em total arrepio com os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade a que estava constitucionalmente obrigado e por lei a dar cumprimento, o que o torna irremediavelmente inquinado do vício de nulidade - conforme disposições combinadas dos art.ºs 135.º, n.º2 do RCTFP, 133.º, n.º2, alínea d) do Código de Procedimento Administrativo e cit. art.ºs 17.º e 18.º, art.º 56.º, n.ºs 3 e 4, art.º 59.º, n.º1, alíneas a), b) e d), art.º 266.º, art.º 268.º, n.º4 e art.º 1.º todos da Constituição da República Portuguesa.

U)- Nestas circunstâncias, a sentença ao decidir, como decidiu, violou o disposto dos art.ºs 574.º, n.º2, 608.º, n.º2 e 615.º, n.1º, alínea d), do Código de Processo Civil, o art.º 371.º do Código Civil, e as disposições combinadas dos aludidos art.ºs 135.º, n.º2 do RCTFP, 133.º, n.º2, alínea d) do Código de Procedimento Administrativo e cit. art.ºs 17.º e 18.º, art.º 56.º, n.ºs 3 e 4, art.º 59.º, n.º1, alíneas a), b) e d), art.º 266.º, art.º 268.º, n.º4 e art.º 1.º todos da Constituição da República Portuguesa

Dado o exposto (…) deve ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que declare a nulidade do acto impugnado.”.

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O Recorrido não contra-alegou.
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O Ministério Público foi notificado nos termos e para os efeitos previstos no artigo 146.º, n.º 1, do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), pronunciando-se no sentido da improcedência do presente recurso.
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Cumpre apreciar e decidir:
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II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do presente recurso jurisdicional encontra-se delimitado pelas conclusões das alegações do recurso a partir da respectiva motivação – cfr. artigos 5.º, 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 3, 4 e 5 e 639.º do Código de Processo Civil (CPC) ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA – sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso e do disposto no artigo 149.º do CPTA.

Neste pressuposto, importa apreciar e decidir se a sentença recorrida padece de (i) nulidade por falta de pronúncia quanto a factos alegados que deveriam ter sido dados como provados, em violação do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC; (ii) erro de julgamento de facto por não ter dado como provados factos alegados e essenciais para a decisão da causa; (iii) erro de julgamento de direito por errada interpretação e aplicação da normação convocada, na parte em que não julgou verificada a falta de fundamentação da alteração do horário de trabalho pelo acto impugnado, em violação do artigo 135.º, n.º 2 do RCTFP e julgou improcedente a ilegalidade do acto em causa ancorada na inconstitucionalidade dos artigos 2º, 10º e 11º da Lei n.º 68/2013, por violação de preceitos constitucionais que identifica.

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III - FUNDAMENTAÇÃO

DE FACTO

Com relevância para a decisão proferida e a proferir, reproduzem-se os seguintes factos tidos como assentes pela sentença recorrida:

1) “Em 27 de Setembro de 2013, o Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão proferiu o seguinte despacho (doc. 1 junto com o requerimento inicial):

2) O despacho proferido em 27.09.2013 foi precedido da audição dos trabalhadores assim como das estruturas sindicais representativas destes (STAL e SINTAP) – cfr. doc. a fls. 42 do suporte físico dos autos.

3) A petição inicial deu entrada, via correio electrónico, em 15 de Janeiro de 2014.

Factos não provados: inexistem.

Fundamentação da decisão da matéria de facto:

A matéria de facto dada como provada tem por base os documentos juntos aos autos, os quais se mostram devidamente identificados por referência a cada um dos pontos da matéria assente.”.

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DE DIREITO
DA NULIDADE DA SENTENÇA:

Sustenta o Recorrente que a sentença recorrida padece da nulidade prevista no art.º 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil (CPC) ao não dar como provados os pontos alegados supra na conclusão K), já que sobre “tais factos” devia ter-se pronunciado e não se pronunciou.

Vejamos.

Determina o artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC que a sentença é nula quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”, relacionando-se este preceito com a primeira parte do n.º 2 do artigo 608.º do CPC, segundo o qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.

Esta nulidade ocorre assim, quando a sentença não aprecia todas as questões suscitadas, directamente ou por remissão para outras decisões ou doutrina, bem como quando o conhecimento de questão, considerado omisso, não se encontre prejudicado pela solução dada a outras questõescfr. Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984 (reimpressão); e os acórdãos, entre outros, do STA de 28.01.2009, recurso 0667/08, e de 28.10.2009, recurso 098/09 de 17/03/2010, rec. 0964/09.

Questões para este efeito, cuja não decisão, se não prejudicada, provoca a nulidade da sentença são “(...) todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes – cfr. Antunes Varela in RLJ, Ano 122º, pág. 112; Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, volume V, p. 143; Acórdão do STA, de 21.02.2002 (Pleno), Rec. 034852; Acórdãos do STA de 02.06.2004, Rec. 046570; de 10.03.2005, Rec. 046862.

Ora, o invocado pela Recorrente não se enquadra no âmbito das questões a decidir, antes se insere em eventual erro de julgamento quanto aÌ matéria de facto que resultou seleccionada (por insuficiência) improcedendo, sem mais considerandos, a alegada nulidade.

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Do erro no julgamento da matéria de facto:

Sustenta a Recorrente, em síntese, que ocorre erro de julgamento da matéria de facto pelo Tribunal recorrido, por omissão de factos que considera provados por resultarem de prova documental junta aos autos, não terem sido impugnados e serem notórios, os quais identifica:

q1)- O despacho proferido em 27.09.2013 referido na alínea 2) dos factos provados não está fundamentado (cfr. doc.1 junto com a petição inicial);

q2)- … os Associados do Autor, até à data do despacho referido em 5.º supra, tinham um horário de trabalho fixado em 7 horas diárias e 35 horas semanais (cfr. facto articulado no art.º 7.º da petição inicial);

q3)-A sua remuneração horária era assim aferida a um horário máximo de 35 horas por semana, passando, por força daquela deliberação, a ser aferida em função de um horário de 40 horas, do que resulta a sua substancial desvalorização (cfr. art.º 8.º da petição inicial);

q4)- Da referida alteração do horário de trabalho decorre uma desvalorização retributiva na ordem do 14,3%, considerando o aumento de uma hora de trabalho por dia, sem que qualquer compensação adicional, nomeadamente por retribuição do que deveria constituir o pagamento de uma hora de trabalho extraordinário, já que, com a aplicação da nova Lei, a remuneração é a mesma mas a prestação de serviço aumentou mais 5horas semanais e cerca de 20 horas mês (cfr. facto articulado no art.º 10.º da petição inicial);

q5)- O novo horário, introduzido de forma tão abrupta e inesperada, afecta os planos de vida dos associados do Autor, como dos trabalhadores em geral, gorando o equilíbrio e a conciliação estabelecidas entre a sua actividade laboral e a sua vida familiar, o seu direito ao repouso e ao lazer, assim frustrando necessariamente as suas expectativas fundadas nos horários anterior. (cfr. facto articulado no art.º 12.º da petição inicial);

q6)-São diminuídas as possibilidades de os associados do Autor, especialmente os mais carenciados, angariarem mais alguns proventos fora do seu horário de trabalho decorrentes do exercício de actividades legalmente permitidas, ainda que esporádicas (cfr. factos articulado nos art.º 15.º da petição inicial); e

q7)- os trabalhadores sofreram uma redução do tempo que até então dispunham só para si e para sua família e para o conjunto de direitos fundamentais consagrados na Constituição (direito ao livre desenvolvimento da personalidade, liberdade de criação e fruição cultural, liberdade religiosa, liberdade de aprender e ensinar, liberdade de associação, entre outros), que se reconduzem a dimensões importantes na vida - facto notório conforme entendimento do próprio Tribunal Constitucional vazado na alínea F) da fundamentação do seu cit. Acórdão 794/2013.

Vejamos.

É sabido que o julgador deve seleccionar, de entre a matéria de facto relevante para a decisão da causa, os factos (e só factos) que considere úteis para sustentar a formação da sua convicção, assentando-os, se não forem controvertidos, questionando-os se o forem.

Neste juízo, o tribunal a quo aprecia livremente as provas decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, sendo que, na formação dessa convicção não intervêm apenas factores racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum possam ser importados para o registo escrito, ou para a gravação vídeo ou áudio, quando seja o caso.

Daí que se sustente que a garantia do duplo grau de jurisdição não subverte o princípio da livre apreciação das provas (artigo 606.º, n.º 1 do CPC), só devendo o tribunal ad quem proceder à alteração da decisão da matéria de facto (mormente, por aditamento aos factos provados) se, apurando a razoabilidade da convicção probatória do juiz a quo, face aos elementos e alegações que agora lhe são apresentados nos autos, verificar que a mesma padece de deficiências manifestas.

– cfr., entre outros, os Acórdãos do STA, P. n.º 0990/12, de 25-09-2012 do TCAN, P. n.º 01035/05BEVIS, de 06-12-2013.

Neste contexto, analisados os autos – a Petição inicial, a Contestação, a sentença recorrida, a prova tida como provada e não provada e a respectiva fundamentação – dela ressalta, com relevo para a decisão proferida, os factos essenciais e bastantes, seleccionados como provados e com relevo para a decisão recorrida, fundamentados em prova constante dos autos: “documentos juntos aos autos, os quais se mostram devidamente identificados por referência a cada um dos pontos da matéria assente.”; não se detectando erros manifestos de apreciação ou de omissão que justifiquem o aditamento dos elementos ora requeridos.

Ademais, os pontos ora alegados, qualificados pelo Recorrente como factos a dar como provados, já se retiram, alguns deles, da matéria de facto assente – v.g. pontos q2)-, q3)- (até 40 horas), mais propriamente do seu ponto 1 de cujo teor se subentende ainda a legislação anteriormente aplicável – e os restantes configuram matéria de direito ou conclusiva e/ou notória (q1)- (q4), q5)- q6)- q7)-.

Sem prejuízo de a não inclusão na matéria assente de elementos/factos notórios não significar que o julgador a quo os não tenha considerado na formação da sua convicção. Aliás, a invocação de parte dos pontos supra transcritos constam, como o sublinha o Recorrente, da matéria tida por assente no Acórdão n.º 794/2013 do Tribunal Constitucional, datado de 21 de Novembro de 2013, cujos fundamentos de facto e de direito basearam a improcedência da acção quanto à ilegalidade do acto impugnado por inconstitucionalidade.

Termos em que improcede o invocado erro de julgamento de facto.


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Estabilizada a matéria de facto, vejamos agora os alegados erros de direito.

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Dos erros de julgamento de direito por errada interpretação e aplicação da normação convocada:

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a) Da não procedência da violação do artigo 135.º, n.º 2 do RCTFP na parte em que estabelece o dever de fundamentação do acto impugnado

Sustenta a Recorrente que a decisão recorrida errou ao não dar como verificada a falta de fundamentação da alteração do horário de trabalho pelo acto impugnado, em violação do artigo 135.º, n.º 2 do RCTFP.

Vejamos.

Enquadramento geral:

A Lei n.º 68/2013, de 29 de Agosto aprovou o novo regime de duração do período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas, alterando, por via do aumento de horas diárias e semanais, o período normal de trabalho daqueles, o que implicou, em concreto, a modificação dos diversos horários de trabalho dos órgãos/serviços abrangidos pelo âmbito de aplicação da lei, e respectivo funcionamento.

Resulta assim dos artigos 2.º e 10.º da Lei n.º 68/2013, de 29 de Agosto, respectivamente, que:

“1 - O período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas é de oito horas por dia e quarenta horas por semana.

2 - Os horários específicos devem ser adaptados ao período normal de trabalho de referência referido no número anterior. (...)”.

“O disposto no artigo 2.º tem natureza imperativa e prevalece sobre quaisquer leis especiais e instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho.”.

Por sua vez, estabelece o artigo 132.º da Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, que aprovou o Regime de Contrato de Trabalho em Funções Públicas, sobre a epígrafe “Definição do horário de trabalho” o seguinte: “

“(...) 2 - As comissões de trabalhadores ou, na sua falta, as comissões intersindicais, as comissões sindicais ou os delegados sindicais devem ser consultados previamente sobre a definição e a organização dos horários de trabalho.

Determinando o artigo 135.º (Alteração do horário de trabalho) o seguinte:

“1 – Não podem ser unilateralmente alterados os horários individualmente acordados.

2 – Todas as alterações dos horários de trabalho devem ser fundamentadas e precedidas de consulta aos trabalhadores afectados, à comissão de trabalhadores ou, na sua falta, à comissão sindical ou intersindical ou aos delegados sindicais e ser afixadas no órgão ou serviço com antecedência de sete dias, ainda que vigore um regime de adaptabilidade.

3 – Exceptua-se do disposto no n.º 2 a alteração do horário de trabalho cuja duração não exceda uma semana, não podendo a entidade empregadora pública recorrer a este regime mais de três vezes por ano, desde que seja registada em livro próprio com a menção de que foi previamente informada e consultada a comissão de trabalhadores ou, na sua falta, a comissão sindical ou intersindical ou os delegados sindicais.

4 – As alterações que impliquem acréscimo de despesas para os trabalhadores conferem o direito a compensação económica.”.

Ora, da interpretação conjugada dos normativos supra transcritos retira-se que todas as alterações dos horários de trabalho devem ser fundamentadas e precedidas de consulta aos trabalhadores afectados, à comissão de trabalhadores ou, na sua falta, à comissão sindical ou intersindical ou aos delegados sindicais e ser afixadas no órgão ou serviço com antecedência de sete dias, ainda que vigore um regime de adaptabilidade, excepcionando-se apenas de tal regime as alterações cuja duração não exceda uma semana.

Prevê tal normação um conjunto de formalidades prévias, de cumprimento obrigatório (e não meramente disciplinador), para efeitos de legalidade das alterações de horários de trabalho, justificadas, desde logo, pelo facto do horário de trabalho definir e determinar a fronteira entre o tempo em que o trabalhador se encontra na disponibilidade da entidade empregadora e aquele em que o mesmo pode dispor de tempo para si e para a sua família, usando-o em prol da sua realização pessoal, nas vertentes do lazer, cultura, actividade associativa, e outras, e de, assim, tais alterações de horário terem (ou poderem ter), repercussões significativas na esfera pessoal dos trabalhadores.

Pelo que importa assegurar que a entidade empregadora não altere os horários dos seus trabalhadores de modo unilateral, realizando a prévia concertação de vontades e interesses, garantindo assim, para além da invocação das razões de facto e de direito que considera fundamentarem a pretendida alteração de horários, a consulta prévia dos trabalhadores afectados ou envolvidos, da comissão de trabalhadores ou, na sua falta, da comissão sindical ou intersindical ou aos delegados sindicais, bem como a afixação da referida alteração no órgão ou serviço respectivo com a antecedência de sete dias.

Sendo que, perante o enquadramento fáctico e jurídico que se deixa traçado, a imperatividade da Lei n.º 68/2013 e a sua prevalência sobre quaisquer leis especiais e instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, por referência ao disposto no artigo 2.º da mesma lei que estabelece o novo período normal de trabalho diário e semanal, não pode obstar à aplicabilidade do regime previsto no artigo 135.º em causa, já que aquelas características não chocam com o cumprimento do referido preceito (também ele dotado de imperatividade).

Com efeito, e sem prejuízo da alteração da Lei n.º 68/2013 ter sido precedida de audiência prévia da estrutura representativa dos trabalhadores, a normação ínsita no artigo 135.º não ressalva do seu regime, nem expressa nem tacitamente, a situação em causa, mas apenas as alterações de horários cuja duração não exceda uma semana, tendo a Lei n.º 68/2013 imposto o período de atendimento e a duração do período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas, diário e semanal, e não os concretos horários, nas modalidades dos respectivos períodos de trabalho, para todos e cada um dos serviços públicos.

Assim, a referida lei não retirou espaço à mediação administrativa das entidades empregadoras para realizarem os ajustamentos das novas regras à realidade concreta dos respectivos serviços.

O que, no caso, significa a obrigação de, entre o demais, cumprirem previamente a qualquer alteração de horário de trabalho, as formalidades previstas no artigo 135.º do RCTFP face às possíveis repercussões na esfera pessoal dos trabalhadores.


*

Na situação dos autos, a decisão recorrida após enquadrar juridicamente a questão a decidir e subsumir os factos ao direito, julgou válido o despacho impugnado relativo à alteração do horário de trabalho dos trabalhadores do Município Recorrido para as 8 horas diárias e 40 horas semanais por cumprimento das formalidades previstas no artigo 135.º da Lei das “40 horas”: consulta/audição prévia dos trabalhadores destinatários do acto assim como das estruturas sindicais representativas destes, como o Sindicato Recorrido – cfr. ponto 2) do probatório.

Vem agora a Recorrente invocar que a sentença recorrida errou ao não ter julgado verificada a falta de fundamentação exigida pelo artigo 135.º, n.º 2 do RCTFP, a qual, na sua perspectiva se verifica, sem que, no entanto, tenha substanciado tal invocação, já que se limita a afirmar a referida desconformidade legal, sem apresentar as razões de facto e de direito que a justifiquem.

Ora, lida e relida a Petição inicial nunca nela se refere a agora alegada violação do dever de fundamentação, mas apenas e tão só a violação do artigo 135.º, n.º 2 do RCTFP e sempre reputado à falta de audição prévia das entidades representativas dos trabalhadores.

Razão pela qual tal questão não participa do julgado sob recurso.

O que constitui questão nova, impeditiva do seu conhecimento, até porque o Recorrente não invoca nulidade por omissão de pronúncia desta questão, hipótese em que vincularia este tribunal a apreciar tal questão, se procedente.

Na verdade, “Os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova. Por isso, e em princípio, não se pode neles tratar de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo questões novas de conhecimento oficioso e não decididas com trânsito em julgado.” – cfr. Acórdãos do STA, de 13-11-2013, proc. nº 01460/13; de 05-11-2014, proc. nº 01508/12; Acórdão do TCAN, de 01-07-2016, proc. nº 00374/12.0BEVIS.

Ou seja, “As questões que extravasem o perímetro de cognoscibilidade delimitado e definido pela decisão sob impugnação constituem-se como questões estranhas e excrescentes do âmbito do recurso que haja sido interposto dessa decisão, sob pena do objecto do processo se estar permanentemente a renovar ou expandir, tornando os elementos definidores da acção – causa de pedir e pedido – em factores instáveis e aleatórios, ao invés do que, por definição, devem constituir, ou seja, factores de estabilidade e de conformação dos parâmetros do processualmente cognoscível” Ac. do STJ, de 06-03-2012, Revista n.º 8661/06.0TBOER.L1.S1 - 1.ª Secção/ Gabriel Catarino (Relator) – não publicado)

Assim, não cumpre conhecer a questão ora invocada.

Ademais, ainda que se pudesse ver na alegação genérica da violação do artigo 135.º, n.º 2, do RCTFP a imputação ao acto impugnado da inobservância do dever de fundamentação, sempre a mesma poderia ser julgada improcedente por falta de substanciação, seja na 1ª instância, seja nesta instância.

*
Improcede assim o alegado pelo Recorrente neste segmento de impugnação da sentença recorrida.
*
b) Da não procedência da violação da alegada inconstitucionalidade dos artigos 2º, 10º e 11º da Lei n.º 68/2013, e consequentemente da ilegalidade do acto em causa nela ancorada

Nesta sede o Recorrente sustenta que a sentença recorrida errou ao não considerar ilegal o acto administrativo impugnado por aplicar normas inconstitucionais – os artigos 2º, 10º e 11º da Lei n.º 68/2013 – violadoras dos princípios da proibição do retrocesso social, da segurança e da confiança e que se extraem da definição do Estado de Direito Democrático, consagrado no artigo 2.º da CRP, mostrando-se ameaçada a garantia do direito à justa retribuição do trabalho, direito ao repouso e ao limite máximo de uma jornada de trabalho, à conciliação da actividade profissional com a vida familiar e valorização profissional, em violação do artigo 59.º da CRP, bem como do princípio da proporcionalidade, o qual se extrai das normas dos arts. 18.º, n.º 2, 266.º, n.º 2 e 272.º, n.º 2 – na medida em que colidem com a exigência de “existência condigna”, cuja garantia se conexiona com a retribuição do trabalho, reflectindo o princípio da dignidade humana consagrado no artigo 1.º da CRP.

Apreciemos, transcrevendo os preceitos normativos que o Recorrente entende serem inconstitucionais:


“Artigo 2.º
Período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas
1 – O período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas é de oito horas por dia e quarenta horas por semana.
2 – Os horários específicos devem ser adaptados ao período normal de trabalho de referência referido no número anterior.
3 – O disposto no n.º 1 não prejudica a existência de períodos normais de trabalho superiores, previstos em diploma próprio.
(…)
Artigo 10.º
Prevalência
O disposto no artigo 2.º tem natureza imperativa e prevalece sobre quaisquer leis especiais e instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho.
Artigo 11.º
Norma transitória
1 – Os horários específicos existentes à data da entrada em vigor da presente lei devem ser adaptados ao disposto no artigo 2.º.
2 – O disposto no n.º 1 do artigo 2.º não prejudica os regimes próprios de carreiras para as quais vigora, à data da publicação da presente lei, o período normal de trabalho de quarenta horas por semana e oito horas por dia, incluindo os respectivos regimes de transição.

Ora, lê-se na sentença recorrida, o seguinte:
O Acórdão n.º 794/2013 do Tribunal Constitucional, datado de 21 de Novembro de 2013 (disponível para consulta em www.tribunalconstitucional.pt) analisou a eventual (in) constitucionalidade dos normativos constantes da Lei n.º 68/2013, e na perspectiva ora invocada pelo Autor, aí se tendo decidido “não declarar a inconstitucionalidade das normas dos artigos 2.º, em articulação com o artigo 10.º, 3.º, 4.º e 11.º, todas da Lei n.º 68/2013, de 29 de agosto”.

Tal juízo de não inconstitucionalidade, assentou na análise que seguidamente se transcreve, e no que tange ao que se mostra alegado pelo aqui Autor.

«(…)
15. Em conclusão, o que está em causa no artigo 2.º da Lei n.º 68/2013, mesmo lido em articulação com o artigo 10.º da mesma Lei, é o aumento da duração do período normal de trabalho de referência dos trabalhadores em funções públicas para oito horas diárias e quarenta horas semanais, com a consequente adaptação dos horários específicos e a previsão da possibilidade de existência de períodos normais de trabalho superiores. É esta a norma que deve ser confrontada com os parâmetros constitucionais indicados pelos requerentes.
Como referido na exposição de motivos da proposta de lei que esteve na origem da Lei n.º 68/2013, de 29 de agosto, a determinação de que o período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas é de oito horas por dia e quarenta horas por semana – concretizada, depois, por outras disposições legais que estabelecem tempos superiores ou diferenciados, horários específicos e períodos de atendimento ao público, horários flexíveis, regimes de bancos de horas, ou até a possibilidade de regulamentação colectiva de alguns desses aspectos referentes ao tempo de trabalho – corresponde a uma nova opção fundamental do legislador, inserindo-se no quadro de uma reforma da Administração Pública e do estatuto dos seus trabalhadores que visa aproximar este do regime do contrato individual de trabalho.
(…)
…a simples alteração in peius das disposições normativas respeitantes ao tempo de trabalho na função pública não pode ser considerada contrária à Constituição, por violação de um princípio da proibição do retrocesso social. Como repetidamente tem sustentado este Tribunal, entre outros, no Acórdão n.º 3/2010:
«A jurisprudência do Tribunal, por seu turno, tem-se caracterizado por perfilhar a visão de que o princípio apenas poderá valer numa acepção restrita, valendo, por conseguinte, apenas quando a alteração redutora do conteúdo do direito social se faça com violação de outros princípios constitucionais. O princípio da proibição do retrocesso social, a admitir-se, sempre carecerá de autonomia normativa em relação não só a outros parâmetros normativos de maior intensidade constitucional mas de menor extensão económico-social, tais como [...] o princípio da igualdade, ou o princípio da protecção da confiança legítima, que resulta da ideia de Estado de Direito, mas também ao próprio núcleo essencial do direito social já realizado e efectivado através de medidas legislativas.»
A não ser assim, a admitir-se a irreversibilidade do nível de concretização de direitos económicos e sociais efectivada pelo legislador ordinário, destruir-se-ia quase totalmente a autonomia da função legislativa e a liberdade de actuação do legislador.
Mas a negação da autonomia normativa da proibição do retrocesso significa, nem mais nem menos, que dela não se retira qualquer parâmetro próprio de controlo da afectação negativa dos direitos sociais (cfr. Reis Novais, Direitos Sociais - Teoria Jurídica dos Direitos Sociais Enquanto Direitos Fundamentais, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, p. 249). Para levar a cabo esse controlo, há que considerar os parâmetros extraíveis dos princípios constitucionais de valência geral.
(…)
19. No que respeita ao princípio da protecção da confiança, o Tribunal Constitucional tem sobre ele vindo a desenvolver uma jurisprudência constante e reiterada, tendo mesmo precisado os requisitos que devem verificar-se para que a tutela nele fundamentada seja possível.
Pode admitir-se que um aumento do período normal de trabalho abrangendo universalmente o conjunto dos trabalhadores em funções públicas não cai facilmente na zona de previsibilidade de comportamento dos detentores do poder decisório. Aliás, a diminuição clara, no passado, da jornada normal de trabalho da função pública, consolidada, como argumentam os requerentes, ao longo dos últimos 25 anos, legitima uma expectativa consistente na manutenção, ao menos, de um período normal de trabalho de 35 horas semanais. Pode também admitir-se que essa expectativa fundou a tomada de opções e a formação de planos de vida assentes na continuidade dessa situação.
De acordo com esta linha de avaliação, o aumento agora introduzido, na medida em que contraria a normalidade anteriormente estabelecida pela actuação dos poderes públicos nesta matéria, frustra expectativas bem fundamentadas. E trata-se de um aumento relevante, passível de gerar ou acentuar dificuldades de manutenção de práticas vivenciais e de satisfação de necessidades dos cidadãos, nomeadamente, a conjugação lograda entre a vida privada e familiar e a vida laboral, ou o exercício de direitos fundamentais como a cultura, a liberdade de aprender e ensinar ou o livre desenvolvimento da personalidade.
Todavia, e em sentido inverso, pode, desde logo argumentar-se que a tutela constitucional da confiança, por sua natureza, não pode ser considerada entrave a qualquer alteração legislativa passível de frustrar expectativas legítimas e fundamentadas dos cidadãos. De facto, só poderá utilizar-se a ideia de protecção da confiança como parâmetro constitucional nas situações em que a sua violação contraria a própria ideia de Estado de Direito, de que aquela constitui um corolário. Ora, no presente caso, deve ter-se em consideração que a tendência para a laboralização do regime dos trabalhadores da Administração Pública, fortemente acentuada, a partir de 2008, com a adopção, como regime-regra, do contrato de trabalho em funções públicas (disciplinado por um diploma – o RCTFP – próximo do Contrato de Trabalho), permite afirmar que não seria totalmente imprevisível uma alteração como a ora em causa do período normal de trabalho.
20. Já foi referido que um dos objectivos do novo regime da duração do trabalho é a convergência com o regime vigente nesse mesmo domínio no âmbito do Código do Trabalho (artigo 203.º). Como se refere na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 153/XII:
«[E]sta alteração que agora se preconiza [do período normal de trabalho de trinta e cinco para quarenta horas semanais tem] em vista alcançar uma maior convergência entre os sectores público e privado, passando os trabalhadores do primeiro a estar sujeitos ao período normal de trabalho que há muito vem sendo praticado no segundo.»
Nessa medida, a Lei n.º 68/2013 é apresentada como “mais uma etapa” do “processo de laboralização da função pública”, no âmbito do qual tem sido reconhecida “a convergência entre o regime laboral privado e as regras do trabalho público, em termos de flexibilidade da parte do trabalhador e condicionalismos do empregador” (cfr. supra o n.º 11).
(…)
Ora, uma laborização, também nesta matéria da duração do trabalho, da função pública não defronta, em princípio, obstáculos constitucionais. O objectivo, declarado, de convergência, gradual e tendencial, entre o regime laboral dos trabalhadores do sector privado e do sector público é um propósito admissível no actual quadro jurídico constitucional, pelo menos no que respeita a boa parte das matérias disciplinadas pelo regime jurídico do emprego público, de que não se exclui a duração do tempo de trabalho. Daí não se poder falar de justificada expectativa de manutenção do statu quo.
21. A este aspecto acresce que, mercê da conexão entre horário de trabalho e trabalho extraordinário (“aquele que é prestado fora do horário de trabalho”, segundo a definição do artigo 158.º, n.º 1, do RCTFP; cfr. também o artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 259/98), o aumento do período normal de trabalho tem normalmente um impacto positivo sobre os custos associados ao trabalho e, por essa via, à redução da despesa pública. Nessa perspectiva, e considerando as sucessivas medidas de contenção de tais custos que têm vindo a ser adoptadas ao longo dos últimos anos, desde 2010 a 2013, não causa surpresa que, também por esta via, se procure contribuir para o equilíbrio orçamental e a consequente sustentabilidade do nível de despesa pública corrente.
22. Estas duas ordens de razões excluem que se esteja perante uma situação de confiança digna de tutela, já que as expectativas de continuidade eventualmente existentes não se mostram suficientemente fundadas em razões consistentes, tendo em conta a evolução legislativa e das condições laborais dos trabalhadores da Administração Pública registadas nos últimos anos.
(…)
Deste modo, resulta claro que um dos principais propósitos das medidas aprovadas pelas normas questionadas é uma certa flexibilização do regime laboral dos trabalhadores em funções públicas, tendo também em vista a contenção salarial e a redução de custos associados à prestação de trabalho fora do período normal. E, em face da situação de crise económico-financeira, é de atribuir grande peso valorativo a esses objectivos de redução da remuneração do trabalho extraordinário e de contenção salarial, associados ao aumento do período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas.
E, atento o exposto, sempre se poderia concluir que, na presente situação, os interesses públicos a salvaguardar, não só estão claramente identificados, como são indiscutivelmente de grande relevo.
Assim, ainda que não se ignore a intensidade do sacrifício causado aos trabalhadores em funções públicas, devido à mutação legislativa, no que respeita à delimitação do período normal de trabalho, a verdade é que, a existirem expectativas legítimas relativamente ao regime anteriormente em vigor, ainda assim não resulta evidente que a tutela das mesmas devesse prevalecer sobre a protecção dos interesses públicos que estão na base da alteração legislativa operada mediante a Lei n.º 68/2013, pelo que, também sob o ponto de vista deste teste, não se mostra procedente a violação do princípio da protecção da confiança.
(…)
…não pode negar-se existir, efectivamente, uma óbvia diminuição do salário/hora com implicações no que respeita à remuneração do trabalho extraordinário, o que, aliás, constitui objectivo declarado do Governo, no âmbito das medidas de redução de despesa pública, como já se evidenciou (cfr. supra o n.º 23). Ou seja, se para os trabalhadores em funções públicas a tempo inteiro a quantia em dinheiro recebida mensalmente não deverá sofrer alterações, a redução do salário/hora terá, porém, consequências reais no que respeita às quantias recebidas como contrapartida do trabalho extraordinário, uma vez que este tem por base de cálculo o valor do salário/hora, que sofrerá uma redução de cerca de 14%, segundo cálculo dos requerentes.
Estes alegam ainda que a diminuição do salário/hora afectará igualmente o salário nominal dos trabalhadores em tempo parcial que mantiverem, por necessidades de serviço, o horário actual.
Todavia, é de duvidar que assim seja. Na verdade, nos termos do artigo 145.º do RCTFP, “do contrato a tempo parcial deve constar a indicação do período normal de trabalho diário e semanal com referência comparativa ao trabalho a tempo completo”. Ou seja, o trabalho a tempo parcial é sempre concebido como uma fracção ou percentagem do período normal de trabalho a tempo inteiro, pelo que parece mais razoável concluir que, face às alterações legislativas ora em causa, o que deverá ocorrer é um aumento do período normal de trabalho diário e semanal dos trabalhadores a tempo parcial, em proporção do aumento estabelecido para os trabalhadores em funções públicas a tempo completo. Não deverá haver, por isso, redução do salário nominal dos trabalhadores a tempo parcial, mas sim um incremento das horas de trabalho, à semelhança dos restantes trabalhadores. A diminuição salarial no que respeita ao salário/hora não deverá assim reflectir-se nas quantias efectivamente auferidas por aqueles trabalhadores.
26. O Tribunal Constitucional tem-se pronunciado, repetidamente, sobre a questão do direito à retribuição, em particular no que respeita aos trabalhadores da Administração Pública. A esse propósito, tem, em primeiro lugar, chamado a atenção para o facto de não constar da Constituição qualquer regra que estabeleça a se, de forma directa e autónoma, uma garantia de irredutibilidade dos salários, inscrevendo-se tal regra no direito infraconstitucional (no RCTFP, artigo 89.º, alínea d), e no Código do Trabalho, artigo 129.º, n.º 1, alínea d)). Mais ainda, tem-se insistido na ideia de que a regra da irredutibilidade dos salários não é absoluta, nem na relação laboral comum, em que a diminuição pode estar prevista na lei ou em instrumento de regulação colectiva do trabalho, nem na relação de emprego público, em que se admite que a lei possa prever reduções (artigo 89.º, alínea d) do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas). O que se proíbe, em termos absolutos, é apenas que as entidades empregadoras, públicas ou privadas, diminuam injustificadamente o quantitativo da retribuição, sem adequado suporte normativo.
A este propósito, pode ler-se no Acórdão n.º 396/2011:
«Inexistindo qualquer regra, com valor constitucional, de directa proibição da diminuição das remunerações e não sendo essa garantia inferível do direito fundamental à retribuição, é de concluir que só por parâmetros valorativos decorrentes de princípios constitucionais, em particular os da confiança e da igualdade, pode ser apreciada a conformidade constitucional das soluções normativas em causa.»
E esta orientação foi confirmada no Acórdão n.º 187/2013, no qual se sustentou:
«Não há razões para afastar este entendimento, expresso no acórdão n.º 396/2011, quanto à não atribuição de estatuto jusfundamental ao direito à irredutibilidade de prestação, nem como direito autónomo, materialmente constitucional, nem como uma dimensão primária do direito fundamental à justa retribuição consagrado na alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º, da Constituição.»
Ora, não parecem descortinar-se razões para se divergir desta linha jurisprudencial, no presente caso. Tanto mais quanto a diminuição salarial em causa, apesar de existente, não se traduz numa redução real dos meios colocados à disposição do trabalhador para satisfazer as necessidades materiais, tanto próprias como da sua família, uma vez que a quantia pecuniária recebida se mantém a mesma.
Não se ignora que o aumento do período normal de trabalho diário poderá originar despesas adicionais para os trabalhadores (relacionadas com transportes, com o cuidado de ascendentes ou descendentes, etc.), mas, em todo o caso, há que ter presente que o grande prejuízo que as normas impugnadas lhes trazem é de tempo: tempo disponível para si mesmos, para as suas famílias e para o exercício de um conjunto de direitos fundamentais consagrados na Constituição (direito ao livre desenvolvimento da personalidade, liberdade de criação e fruição cultural, liberdade religiosa, liberdade de aprender e ensinar, liberdade de associação, entre outros), que se reconduzem a dimensões importantes da vida.
A perda salarial real limita-se, assim, à remuneração do trabalho suplementar. Como a remuneração deste tipo de trabalho tem por base a remuneração horária do período normal de trabalho, é óbvio que as alterações legislativas ora introduzidas, ao comportarem uma redução nominal dos salários, provocarão uma redução das quantias recebidas como contrapartida das horas extraordinárias.
Este facto não pode deixar de ser valorado pelo Tribunal Constitucional, tendo, além do mais, em conta as reduções salariais efectivas que o universo dos trabalhadores em funções públicas tem sofrido nos últimos anos, em virtude da necessidade de consolidação orçamental no âmbito do programa de assistência financeira. Não pode, igualmente, deixar de se tomar em conta a obrigatoriedade de prestação de trabalho extraordinário, à luz do disposto no artigo 26.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 259/98 e do artigo 159.º do RCTFP.
Contudo, e quanto à redução da remuneração pelo trabalho extraordinário, afirmou este Tribunal no Acórdão n.º 187/2013:
«[P]or sua própria natureza, apesar de ser tido como um suplemento remuneratório e de corresponder à contrapartida do trabalho efectuado, o acréscimo pecuniário devido pela prestação de trabalho extraordinário não assume, contrariamente ao que sucede com os subsídios de férias e de Natal, o carácter de habitualidade ou regularidade que tipicamente caracteriza a prestação retributiva, em sentido técnico-jurídico. [...]
Não integrando o pagamento do trabalho extraordinário, pelo menos de forma directa e necessária, o conceito qualitativo de retribuição, é de afastar, desde logo, a invocada garantia constitucional da irredutibilidade do salário como parâmetro constitucional pertinente à aferição da validade da medida legislativa, ora questionada, que opera a redução dos coeficientes para o respectivo cálculo.
Por outro lado, [...] a remuneração proporcionada pelo trabalho suplementar (é) de natureza variável e não prognosticável, porque dependente de decisões gestionárias da esfera exclusiva do empregador.»
Nestes termos, não é decisiva, no sentido da inconstitucionalidade, a diminuição das quantias efectivamente recebidas como remuneração do trabalho extraordinário. Desde logo, não sendo aplicável, nos termos da citada jurisprudência constitucional, a garantia da irredutibilidade do salário, não poderá ser este o fundamento de qualquer julgamento de desconformidade com a Constituição.”.

Face ao exposto, e pelos fundamentos que ficaram reproduzidos, a decisão recorrida concluiu que o acto impugnado não enferma, neste ponto, das invalidades que lhe foram imputadas pelo ora Recorrente, atenta a não inconstitucionalidade das normas dos art.ºs 2º, em articulação com o artigo 10.º, 3.º, 4.º e 11.º da Lei n.º 68/2013, de 19 de Agosto, a que o acto impugnado dá cumprimento e execução, julgando improcedentes, nesta parte, as razões invocadas pelo Autor, determinando a total improcedência da presente acção.

Ora, acompanhando-se, na íntegra, a apreciação da constitucionalidade efectuada pelo Tribunal Constitucional, em sede de fiscalização abstracta das referidas normas da Lei n.º 68/2013, de 29/08, para cujos fundamentos remetemos, nenhuma censura merece a sentença recorrida, ao considerar que não enferma o acto impugnado da invalidade imputada pelo Recorrente, por aplicação de normas inconstitucionais.


*

Improcedem assim os fundamentos alegados pelo Recorrente neste segmento de impugnação da sentença recorrida.
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IV – DECISÃO

Nestes termos, acordam os Juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo a decisão recorrida.

Sem custas, atenta a isenção de que beneficia o Recorrente prevista no artigo 4.º alínea f) do Regulamento das Custas Processuais.

Notifique. DN.

Porto, 21 de Outubro de 2016
Ass.: Alexandra Alendouro
Ass.: João Beato
Ass.: Hélder Vieira