Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00175/15.4BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/11/2017
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO; CARTÃO PROFISSIONAL DE DIRETOR DE SEGURANÇA; PSP; TRÂNSITO EM JULGADO
Sumário:
1 – À instância recursiva apenas caberá sindicar e modificar o decidido quanto à factualidade dada como provada e não provada, caso verifique a ocorrência de erro de apreciação, suscetível de determinar a viciação da decisão final, mormente enquanto erro de julgamento, patente, ostensivo palmar ou manifesto.
Efetivamente, em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida.
2 – Para efeitos da alínea g) do nº 1 do Artº Artº 22º da Lei 34/2013, deverá entender-se a expressão “transitada em julgado”, no sentido da decisão punitiva se encontrar já consolidada na ordem jurídica, independentemente de ter sido confirmada por tribunal.
O sentido pretendido pela norma é o que que a decisão punitiva expulsiva terá já de ser definitiva.
Não se adotando tal entendimento, estar-se-ia a subverter o regime legal aplicável, possibilitando que o mesmo fosse contornado, perante a mera ausência de impugnação da decisão expulsiva.
Com efeito, a um agente a quem tivesse sido aplicada uma pena expulsiva, caso não impugnasse a mesma e com ela se conformasse, não seria aplicável o impedimento constante da referida alínea g) do nº 1 do Artº Artº 22º da Lei 34/2013.
Já um outro agente, exatamente nas mesmas circunstâncias, que tivesse impugnado jurisdicionalmente a referida pena, e que visse o tribunal julgar improcedente a referida ação impugnatória, ser-lhe-ia aplicável o impedimento da alínea g) do nº 1 do Artº Artº 22º da Lei 34/2013, o que só por si se consubstanciaria numa manifesta injustiça relativa, face a agentes a quem houvesse sido aplicada exatamente a mesma pena.
O sentido da referida norma será pois o de que estando a pena expulsiva já consolidada, constitui a mesma impedimento “para o exercício da atividade de segurança privada”, por se mostrar “verificada a condição negativa de que resulta o impedimento para o exercício da atividade pretendida”.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:RALF
Recorrido 1:Ministério da Administração Interna/PSP
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I Relatório
RALF, no âmbito da Ação Administrativa Especial que intentou contra o Ministério da Administração Interna/PSP, tendente a impugnar o Despacho do Diretor Nacional Adjunto da PSP que confirmou a decisão de indeferimento de emissão do cartão profissional de Diretor de Segurança, mais peticionando a condenação do Réu no deferimento do pedido de emissão do referido cartão, inconformado com a Sentença proferida em 29 de fevereiro de 2016, através do qual foi julgada “totalmente improcedente a presente ação”, veio interpor recurso jurisdicional da mesma, proferida em primeira instância no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.

Formula o aqui Recorrente/RALF nas suas alegações de recurso, apresentadas em 14 de dezembro de 2016, as seguintes conclusões (Cfr. Fls. 146 148 Procº físico):
“1) Deve ser aditado aos factos provados um novo número, a seguir ao nº 11, deste ou semelhante teor:
“De Setembro de 2012 a Abril de 2014 o A. exerceu funções de diretor de segurança na empresa GIS – Segurança Privada Unipessoal, Lda., facto que constava da Base de Dados do Departamento de Segurança Privada da PSP” , matéria alegada no artº 11º da p. i., aceite no artº 6º da Contestação e relevante para a decisão da causa.

2) O despacho impugnado fez errada interpretação do artº 22º, nº 1, al. g) da Lei 34/2013 ao considerar indevidamente a decisão administrativa de demissão como decisão transitada em julgado, o que o torna anulável.

3) A expressão ”decisão transitada em julgado” é usada na legislação processual (cfr. Artº 628º, anterior 677º, do CPC) para designar decisões judiciais irrecorríveis e na al. g), nº 1 do artº 22º da Lei 34/2013 tem o mesmo exato alcance, pelo que, decidindo em contrário e mantendo o ato recorrido, a douta sentença fez errada interpretação deste preceito, pelo que deve ser revogada.

4) Ao indeferir o pedido de emissão de cartão de diretor de segurança quando antes a PSP permitira ao A. e registara o exercício dessa atividade na sua respetiva base de dados, o ato recorrido violou o princípio da boa fé, plasmado no artº 6º - A, hoje 10º, do CPA, o que o torna anulável.

5) A mudança de diplomas legais atinentes à matéria não justifica a mudança de postura da PSP, pois o preceito agora invocado para indeferir o cartão de diretor de segurança – al. g) do nº 1, do artº 22º da Lei 34/2013 – reproduz da al. g) do nº 1 do artº 8º do DL 35/2004.

6) Por isso, a douta sentença ao considerar inviolado pelo ato recorrido o princípio da boa fé, plasmado no artº 6º-A, hoje 10º, do CPA violou tal princípio e preceito e deve ser revogada.

7) O artº 22º, nº 1, al. g) da Lei 34/2013 ao estabelecer como consequência necessária e automática de uma pena a perda de um direito profissional (cfr. Artº 47º da CRP) – é materialmente inconstitucional por força do artº 30º, nº 4 da CRP.

8) A Jurisprudência do Tribunal Constitucional, plasmada no Acórdão nº 748/2014, não salvaguarda a constitucionalidade da norma (al. g), nº1, art.22 Lei 34/2013) porque esta, ao contrário da analisada no acórdão, não elenca ilícitos que permitissem aquilatar da ligação entre eles e a atividade de segurança privada a exercer que eventualmente justificasse o automatismo do efeito (Cfr. Ac. TCASul, de 31-7-2015, Proc 12302/15.)

9) Por isso, a sentença ao ter por constitucional a norma da al. g) do nº 1 do artº 22º da Lei 34/2013, sustento jurídico do ato administrativo impugnado, afrontou o art.º 30º, nº 4 da CRP, pelo que deve ser revogada.

10) É ainda nulo o ato impugnado por aplicar norma– al. g), nº 1, artº 22º da Lei 34/2013 – restritiva do direito constitucional de livre escolha de profissão (art.º 47º, nº 1 da CRP ) retroativamente a situação fáctica e decisão punitiva muito anteriores à sua entrada em vigor, violando o artº 18º, nº 3 da CRP.

11) E a sentença recorrida ao manter o ato recorrido apesar desta violação do artº 18º, nº 3 da CRP, em igual violação incorreu, pelo que deve ser revogada.

12) Revogada a douta sentença e declarado nulo ou anulado o despacho impugnado, deverá o R. ser condenado à prática do ato devido nos termos e com o âmbito peticionado.

TERMOS EM QUE, o presente recurso deve ser julgado procedente, revogando-se a douta sentença recorrida e declarando-se nulo ou anulado o despacho impugnado e condenando-se o R. à prática do peticionado ato devido, como é de JUSTIÇA”.

O aqui Recorrido/MAI veio apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 23 de maio de 2016, concluindo (Cfr. fls. 199 Procº físico):
“1.º - Carece de justificação e utilidade o aditamento do “facto novo” pretendido pelo recorrente;
2.º - Não existe violação do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 22.º da Lei n.º 34/2013, uma vez que a norma dela constante abrange igualmente as decisões de natureza administrativa que se encontrem estabilizadas ou consolidadas e por isso constituam caso decidido ou resolvido;
3 .º - Não existe violação do princípio da boa-fé;
4.º - Não foi violada a norma contida na alínea g) do n.º 1 do artigo 22.º da Lei n.º 34/2013 em qualquer dos respetivos segmentos.
Deve por isso ser julgado improcedente o presente recurso.”

O Recurso Jurisdicional apresentado veio a ser admitido por Despacho de 14 de junho de 2016 (Cfr. Fls. 164 Procº físico).

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 1 de setembro de 2016, nada veio dizer, requerer ou Promover.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, onde se suscita, designadamente, que terá sido feita errada interpretação do Artº 22º nº 1 alínea g) da Lei 34/2013, cuja constitucionalidade é igualmente suscitada.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade:
“1. O autor era comandante da unidade orgânica da PSP do Porto denominada Pelotão de Segurança.
2. Por ilícitos criminais praticados no exercício dessas funções no decurso do ano de 1994, o autor foi condenado, por decisão proferida no processo n.º 3112/95.7TBVNG do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, na pena única de cinco anos de prisão e multa – cf. doc. 2 junto com a PI, a fls. 20 e ss. dos autos físicos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
3. Acusado disciplinarmente pelos mesmos factos, por decisão de 14.05.1999 do Secretário de Estado Adjunto do Ministério da Administração Interna, foi aplicada ao autor a pena de demissão – cf. declaração (extrato) n.º 207/99, publicado no Diário da República, II Série, de 15.07.1999, junto com a PI como doc. 1, a fls. 19 dos autos físicos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
4. Por decisão do Tribunal de Execução de Penas de 09.06.2006, proferida no processo gracioso de reabilitação judicial n.º 5226/05.8TXPRT, que correu termos no 1.º juízo daquele tribunal, determinou-se o cancelamento provisório total, nos certificados de registo criminal respeitantes ao autor, das decisões que deles deveriam constar – cf. doc. 2 junto com a PI, a fls. 20 e ss. dos autos físicos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
5. O cancelamento referido em “4.” converteu-se em definitivo, tendo sido cancelada a decisão condenatória no registo criminal - doc. 3 junto com a PI, a fls. 24 dos autos físicos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
6. Em 30.08.2010 o autor solicitou ao Departamento de Segurança Privada da Direção Nacional da PSP esclarecimento sobre se a pena de demissão aplicada era impeditiva do exercício das funções de Diretor de Segurança em empresa privada – cfr. doc. 4 junto com a PI, a fls. 25 dos autos físicos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
7. Por e-mail de 31.08.2010 do Intendente PANT, foi prestada ao autor a seguinte informação:
“Após consulta ao Departamento da Segurança Privada da PSP, informo:
Desde que obtida a Reabilitação Judicial nada obsta a que possas assumir tais funções.” cfr. doc. 5 junto com a PI, a fls. 25 dos autos físicos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
8. Em 05.09.2010 o autor solicitou ao Intendente PANT informação sobre se a Licenciatura em Ciências Policiais era habilitante para o desempenho das funções de diretor de segurança, ou se seria necessária a aprovação em Curso de Diretor de Segurança – cfr. doc. 6 junto com a PI, a fls. 27 dos autos físicos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
9. Por e-mail de 17.09.2010 do Intendente PANT, foi prestada ao autor a informação de que seria necessário frequentar o curso específico – cfr. doc. 6 junto com a PI, a fls. 27 dos autos físicos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
10. Entre 29.10.2010 e 29.01.2011 o autor frequentou o curso de especialização em direção de segurança ministrado pela Fundação Ensino e Cultura Fernando Pessoa, tendo obtido a menção de Excelente, correspondente à classificação de 17 valores – cfr. doc. 7 junto com a PI, a fls. 28 dos autos físicos cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
11. Entre 30.03.2011 e 15.09.2012 o autor desempenhou as funções de diretor de segurança na empresa Quatro Quinas, Segurança Privada, S.A., facto que constava da Base de Dados Policial SIGESP – cfr. doc. 8 junto com a PI, a fls. 29 dos autos físicos cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
12. Por documento datado de 27.04.2014 o autor remeteu ao Departamento de Segurança Privada da PSP informação sobre a cessação do exercício de funções como diretor de segurança da empresa GIS – Segurança Privada, Unipessoal, Lda. – cfr. doc. 9 junto com a PI, a fls. 30 dos autos físicos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
13. Por documento datado de 16.05.2014 o autor solicitou ao Departamento de Segurança Privada da PSP a emissão do Cartão de Diretor de Segurança – cfr. doc. 11 junto com a PI, a fls. 32 dos autos físicos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
14. Por ofício com a referência DSP206DLR2014 foi comunicado ao autor o teor do despacho do Diretor Nacional Adjunto para a Unidade Orgânica de Operações e Segurança datado de 28.08.2014, exarado sobre a informação do Diretor do Departamento de Segurança Privada da PSP de 18.08.2014 – cfr. doc. 12 junto com a PI, a fls. 33 dos autos físicos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
15. O despacho referido em “14” era do seguinte teor:
“Nos termos e com os fundamentos da presente Informação e de harmonia com as disposições do artigo 100.º do Código do Procedimento Administrativo, notifique-se RALF (...) da INTENÇÃO DE INDEFERIMENTO DE EMISSÃO de Cartão Profissional de Diretor de Segurança, uma vez que não se encontra reunido o disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 22.º (Requisitos e incompatibilidades para o exercício), por referência do n.º 2 do mesmo artigo da Lei n.º 34/2013, de 16 de Maio.
Mais deve ser notificado de que nos termos do artigo 101.º do mesmo diploma lhe é concedido o prazo de 10 (dez) dias úteis, para, querendo, dizer por escrito o que se lhe oferecer sobre a presente intenção de cancelamento do cartão profissional de vigilante. (...)”– cfr. doc. 12 junto com a PI, a fls. 33 dos autos físicos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
16. Da informação referida em “14.” constava, além do mais, o seguinte:
“Deste modo, a pena de demissão da PSP aplicada ao requerente RALF, e tendo já transitado em julgada, por assumir natureza de pena expulsiva, inviabiliza a manutenção do vínculo funcional do mesmo com a PSP, enquadra-se na alínea g), do n.º 1 do artigo 22.º do RJSP, e requisito de verificação permanente e cumulativa, inviabilizando, assim, o exercício da profissão de diretor de segurança por parte do mesmo e impedindo a emissão do cartão profissional por si, ora, requerido.” – cfr. doc. 12 junto com a PI, a fls. 32 dos autos físicos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
17. Por documento que designou de “reclamação hierárquica”, o autor pronunciou-se contra a intenção de indeferimento de emissão do cartão profissional, concluindo pelo dever de emissão do Cartão de Diretor de Segurança – cfr. doc. constante de fls. 42 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
18. Por ofício de 08.09.2014 foi comunicado ao autor o teor do despacho proferido em resposta à sua “reclamação graciosa”, exarado sobre a informação datada de 17.09.2014, com a referência n.º DSP206DLR2014 – cfr. doc. 13 junto com a PI, a fls. 38 dos autos físicos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
19. O teor do despacho referido em “18.” era o seguinte:
Considerando a presente informação (...) Notifique-se o reclamante, RALF, (...) de que avoco os argumentos nesta expostos e considero não dar provimento à reclamação apresentada, mantendo-se a decisão de indeferimento de emissão do cartão profissional de Diretor de Segurança.” – cfr. doc. 13 junto com a PI, a fls. 38 dos autos físicos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
20. Da informação referida em “18.” constava, além do mais, o seguinte:
“Abstraindo-nos da forma utilizada (porque o ato impugnado ainda não é suscetível de reclamação ou recurso) a administração vai considerar que o recorrente pretendeu exercer o seu direito de participação na formação do ato.
(...)
Nestes termos e demais de direito a administração confirma o ato de indeferimento da emissão do Cartão Profissional para o Exercício da Função de Diretor de Segurança de RALF, por não cumprir com os requisitos previstos no artigo 22.º, n.º 1, alínea g), da Lei n.º 34/2013, de 16 de Maio, conjugado com o disposto no n.º 2 e propõe-se a V. Ex.ª a notificação do presente ato ao reclamante.” – cfr. doc. 13 junto com a PI, a fls. 38 dos autos físicos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

IV – Do Direito
Pela sua relevância para a ponderação que se fará, infra se reproduzirá o essencial da explanação de “direito” constante da decisão recorrida:
“Dos vícios de violação de lei – art.º 22.º, n.º 1, al. g) da Lei n.º 34/2013
O primeiro dos vícios assacados ao ato impugnado resulta, no entender do autor, da violação do regime decorrente do art.º 22.º, n.º 1, al. g) da Lei n.º 34/2013, de 16.05.2013.
(…)
Entende o autor que, tendo o legislador consagrado na norma constante da al. g) a expressão “decisão transitada em julgado”, quis referir-se expressamente a uma decisão judicial, sustentando, em decorrência, que não cabe no âmbito da norma uma decisão administrativa. Pretende, neste sentido, que não se veja na aplicação de pena de demissão, no âmbito de procedimento disciplinar, impedimento à emissão do cartão de Diretor de Segurança, em face da previsão contida naquela norma. Vejamos.
Atentando, antes de mais, no elemento literal do preceito, constata-se que, diferentemente do que acontece com a previsão contida na al. d), não se usou o termo “sentença”.
Por outro lado, não se ignorando, muito embora, que o trânsito em julgado seja um instituto privativo das decisões judiciais, sendo usado com referência a uma “decisão”, e não a uma “sentença”, ao contrário, insiste-se, do que acontece com a alínea d) do mesmo preceito, parece querer abranger-se todos os casos de consolidação da decisão na ordem jurídica.
Com efeito, e como resulta, ao contrário do que pretende o autor, do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo por si citado, ambas as figuras têm em comum a consolidação na ordem jurídica da decisão sobre que incidem, resultante da omissão de impugnação (tempestiva), administrativa ou contenciosa.
O que se mostra, por conseguinte, subjacente à previsão em análise é a estabilização, na ordem jurídica, de uma decisão que, por poder resultar do exercício de poderes administrativos, e não exclusivamente judiciais, não reveste necessariamente a tipologia de “sentença”.
Com efeito, podendo advir do culminar de um procedimento administrativo (disciplinar), o que se exige é que a decisão pela qual se aplique uma pena de natureza expulsiva das forças de segurança esteja consolidada, dela resultando efeitos jurídicos perfeitamente estabilizados na ordem jurídica.
Ora, é justamente o que se verifica suceder no caso em apreço.
Como se deixou apurado e transposto para o elenco dos factos provados (“3.”), o autor foi sancionado, no âmbito de processo disciplinar em que figurava como arguido, com a pena de demissão, que por si não foi contestada.
A mesma decisão tornou-se, por conseguinte, com o decurso do prazo para a respetiva impugnação, inatacável, permanecendo o autor na situação jurídico-subjetiva por ela definida.
Mostra-se, por conseguinte, verificada a condição negativa de que resulta o impedimento para o exercício da atividade pretendida, tal como prevista no art.º 22.º, n.º 1, al. g) do diploma legal citado.
Improcede necessariamente, portanto, a pretensão do autor nesta parte.
Dos vícios de violação de lei – princípio da boa-fé
Entende o autor que o ato impugnado está ferido de invalidade, decorrente do desrespeito pelo princípio da boa-fé, parâmetro geral da atividade administrativa, tal como consagrado no art.º 6.º-A do Código do Procedimento Administrativo.
Sustenta o autor a sua alegação, neste ponto, no conhecimento, pela PSP, dos factos relativos à frequência de curso para o efeito e ao efetivo exercício das funções de diretor de segurança, por parte do autor.
Entende o autor, nesta linha, que o indeferimento da sua pretensão de emissão do cartão profissional de diretor de segurança afronta a conduta anterior da PSP e bem assim a confiança por ela gerada.
O argumento não pode, todavia, merecer acolhimento.
Na verdade, a decisão quanto à emissão do cartão de diretor de segurança traduz o culminar de um procedimento iniciado ex novo, sob enquadramento legal inovatório – o que aliás é expressamente reconhecido pelo autor nos respetivos articulados. É este, com efeito, quem se refere inequivocamente à alteração do quadro normativo, no sentido da imposição da emissão de um cartão como condição do exercício da atividade de diretor de segurança. É ainda o autor quem se refere à própria iniciativa de requerer a emissão do mencionado cartão, dando assim início ao procedimento administrativo cujo termo ocorreu com a prolação da decisão impugnada.
O que se constata, por conseguinte, é que inovadoramente se impõe como condição para o exercício de uma atividade a prática de um ato administrativo. Ato este, cuja prática, por sua vez, se mostra legalmente condicionada à verificação de determinados pressupostos.
Ora, sobre a prática de um ato assim configurado, e vinculativamente condicionado ao preenchimento de determinados requisitos, pela primeira vez estabelecidos na lei, não se podia, notoriamente, formar qualquer expectativa.
Inexiste, portanto, qualquer confiança a tutelar.
A anterior atuação do Réu seria idónea, eventualmente, a gerar expectativas quanto ao exercício da atividade sob o quadro legal anteriormente vigente, e não, como se constata à evidência, à face da modificação do regime jurídico em vigor, impositivo de uma averiguação anteriormente inexigida à Administração.
O apuramento de um facto impeditivo da prática do ato de emissão do cartão, à luz do regime jurídico entretanto entrado em vigor é, por conseguinte, insuscetível de frustrar quaisquer expectativas.
Motivo por que há-de improceder a alegação do autor, também nesta parte.
Das inconstitucionalidades da norma subjacente ao despacho impugnado
O autor prossegue a sua alegação invocando a inconstitucionalidade da norma contida no referido art.º 22.º, n.º 1, al. g), por confronto com o artigo 30.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.
Do teor desta última norma resulta, com relevo para o caso em análise, que “[nenhuma] pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos”.
Indiscutivelmente, no caso sub judice, do teor do artigo 22.º, nos citados número e alínea, decorre a consagração da perda de um direito profissional como consequência da aplicação de uma pena expulsiva.
Aparentemente, estaríamos pois no âmbito da proibição constitucionalmente estabelecida, daí resultando a invalidade consequente do despacho impugnado, por se fundar em norma materialmente inconstitucional.
Porém, por diversas vezes o Tribunal Constitucional se tem debruçado sobre a matéria, excluindo a emissão de juízo de inconstitucionalidade em casos em que se verifique uma de duas hipóteses:
a) a não automaticidade ou mecanicidade do efeito associado à aplicação da pena;
b) a conexão estreita entre a sanção aplicada (ou os factos que a justificaram) e a natureza da atividade a exercer.
Neste sentido, exemplificativamente, alinhou aquele Tribunal, em acórdão de 11.11.2014 [Acórdão n.º 748/2014, disponível em www.tribunalconstitucional.pt].
Como aí se deixou assente:
“Não restam dúvidas de que a não renovação do cartão profissional de segurança privado é reconduzível a uma situação de perda de direitos profissionais, para efeitos do disposto no artigo 30.º, n.º 4, da Constituição. Essa não renovação configura-se como um efeito automático da condenação por um dos crimes elencados no preceito em crise, decorrendo mecanicamente desta. O mesmo é dizer que a entidade administrativa competente para decidir da renovação não goza, nesta matéria, de qualquer margem de apreciação no sentido de poder apurar, casuisticamente, da existência de uma conexão entre a condenação na prática de um determinado crime e a perda do direito profissional em causa.
Embora necessária, a falta deste poder casuístico de valoração não é condição suficiente para apurar inequivocamente da inconstitucionalidade do preceito. Determinante é, ainda, que não seja possível antecipar uma ligação abstratamente forte entre o crime praticado e a atividade sob licenciamento, isto é, uma conexão apta a justificar a proporcionalidade do caráter “automático” ou “rígido” do efeito.”
É desta conexão que, no caso, importa aferir.
E, apreciando, entende-se que, dada a relevância e o risco inerentes ao exercício da atividade de segurança privada, no âmbito de um Estado de Direito, assim como os poderes e meios envolvidos nesse exercício (v.g. artigos 19.º, 31.º, 32.º e 33.º da Lei 34/2013), existe uma ligação suficientemente forte, ou estreita, entre a aplicação de sanção de natureza expulsiva, reservada para as infrações disciplinares mais graves, e a natureza da atividade a exercer.
Na verdade, o sancionamento com pena expulsiva, no âmbito de procedimento disciplinar, é privativo das situações em que, dada a gravidade do ilícito praticado, ocorra quebra insuprível na relação de confiança, a justificar o afastamento do exercício da profissão no âmbito da qual o ilícito foi praticado.
Mostra-se, assim, que entre a prática de um ilícito de tal gravidade, a motivar a aplicação de pena expulsiva, e o correspondente impedimento do exercício da atividade de diretor de segurança, não existe uma desproporção injustificada.
Como se refere no acórdão citado, resulta assim afastada uma relação de desproporção manifesta «entre “a via que foi escolhida para a realização do interesse público e a medida de realização desse mesmo interesse” (cfr. Maria Lúcia Amaral, A forma da República, reimpressão da 1.ª ed., Coimbra Editora, 2012, p. 189), obstando à violação do princípio da proibição do excesso e, por conseguinte, do direito, liberdade e garantia vertido no artigo 30.º, n.º 4, da Constituição.»
Conclui-se, por quanto vem de se expor, que a norma contida no art.º 22.º, n.º 1, al. g) da Lei n.º 34/2013, de 16.05 não infringe o disposto no art.º 30.º, n.º 4 da Constituição.
Cumpre por fim aferir da inconstitucionalidade da mesma norma por referência ao princípio da irretroatividade decorrente do art.º 18.º, n.º 3 do texto constitucional.
Aí se estabelece:
“As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstrato e não podem ter efeito retroativo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.”
Entende o autor que a norma contida no artigo em apreço [22.º, n.º 1, al. g) da Lei n.º 34/2013] é restritiva do direito de escolher livremente a profissão e que, por conseguinte, não pode ter eficácia retroativa.
O entendimento do autor revela-se acertado, nesta parte: a norma ali estabelecida não pode ser aplicada retroativamente.
O que se constata no caso dos autos, porém, é que não o foi.
Na verdade, o dispositivo legal em apreço foi aplicado, em data posterior à da respetiva entrada em vigor, a um ato jurídico a praticar, ex novo.
Sucedeu, na verdade, que no âmbito de procedimento administrativo, desencadeado por iniciativa do autor, em face da alteração legal ocorrida, foi justamente aplicada a lei nova, de acordo com a regra basilar da nossa ordem jurídica “tempus regit actum”.
Com efeito, tal como se encontra estabelecido por jurisprudência uniforme, “a legalidade do ato administrativo afere-se, em princípio, pela situação de facto e de direito existente à data da sua prolação (princípio tempus regit actum)” [cfr. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23.11.2005, processo n.º 0484/05, disponível em www.dgsi.pt].
Assim, o ato a praticar no âmbito da definição de uma situação jurídico-subjetiva futura regeu-se estritamente pela lei em vigor à data da sua prolação.
Daqui resulta, portanto, que a norma em causa não foi objeto de aplicação retroativa.
O ato praticado não padece, assim, de qualquer invalidade consequente, pelo que também neste passo improcede a pretensão do Autor.
(…)”

Antes de mais, e no que aqui releva, refere-se no controvertido Artº 22º da Lei 34/2013, a qual veio estabelecer o regime do exercício da atividade de segurança privada, o seguinte:
“Requisitos e incompatibilidades para o exercício da atividade de segurança privada
1 — Os administradores ou gerentes de sociedades que exerçam a atividade de segurança privada devem preencher, permanente e cumulativamente, os seguintes requisitos:
a) (…)
d) Não ter sido condenado, por sentença transitada em julgado, pela prática de crime doloso previsto no Código Penal e demais legislação penal;
e) (…)
g) Não ter sido sancionado, por decisão transitada em julgado, com a pena de separação de serviço ou pena de natureza expulsiva das Forças Armadas, dos serviços que integram o Sistema de Informações da República Portuguesa ou das forças e serviços de segurança, ou com qualquer outra pena que inviabilize a manutenção do vínculo funcional.
2 — O pessoal de vigilância deve preencher, permanente e cumulativamente, os requisitos previstos nas alíneas a) a d), f) e g) do número anterior.
3 — O diretor de segurança e o responsável pelos serviços de autoproteção devem preencher, permanente e cumulativamente, os requisitos previstos nas alíneas a), c), d), f) e g) do n.º 1, bem como ter concluído o 12.º ano de escolaridade ou equivalente.
(...) ”

Da Alteração da matéria de facto
Pretende o recorrente que seja dado como provado o facto por si alegado no artigo 11.º da p.i e que, por não ter sido impugnado, deveria ser aditado aos factos provados.

Como se sumariou no acórdão deste TCAN nº 01466/10.6BEPRT, de 04.11.2016, “À instância recursiva apenas caberá sindicar e modificar o decidido quanto à factualidade dada como provada e não provada, caso verifique a ocorrência de erro de apreciação, suscetível de determinar a viciação da decisão final, mormente enquanto erro de julgamento, patente, ostensivo palmar ou manifesto.
Efetivamente, em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida.

Em qualquer caso, sem prejuízo do referido, o recorrente não demonstra que o facto que pretende incluir nos factos provados, influenciaria a decisão final a proferir, em face do que, só por si, sempre improcederia o pretendido.

Acresce que o facto descrito se verificou em momento anterior à entrada em vigor do diploma que aqui se mostra aplicável - Lei n.º 34/2013, de 16 de Maio -, o que sempre reforçaria a inutilidade e da sua inclusão nos referidos factos.

Da Decisão transitada em julgado
O aqui Recorrente retoma aqui a argumentação expendida em 1ª instância, entendendo que o indeferimento do seu pedido não poderia ocorrer, uma vez que o mesmo resultou, não a uma decisão transitada em julgado mas a uma decisão de natureza administrativa – Pena disciplinar de demissão -, sendo que o normativo em que assentou o indeferimento (Alínea g) do nº 1 do Artº 22º da Lei 34/2013), refere que o interessado não pode “ter sido sancionado, por decisão transitada em julgado, com a pena … de natureza expulsiva …”.

A questão está pois em saber qual o sentido que deverá ser dado à expressão “transitada em julgado”.

Desde logo e como e bem se discorreu em 1ª instância, “Atentando … no elemento literal do preceito, constata-se que, diferentemente do que acontece com a previsão contida na al. d), não se usou o termo “sentença”.
Por outro lado, não se ignorando, muito embora, que o trânsito em julgado seja um instituto privativo das decisões judiciais, sendo usado com referência a uma “decisão”, e não a uma “sentença”, ao contrário, insiste-se, do que acontece com a alínea d) do mesmo preceito, parece querer abranger-se todos os casos de consolidação da decisão na ordem jurídica.

Efetivamente o sentido pretendido pela norma é o que que a decisão punitiva expulsiva terá já de ser definitiva.

Não se adotando tal entendimento, estar-se-ia a subverter o regime legal aplicável, possibilitando que o mesmo fosse contornado, perante a mera ausência de impugnação da decisão expulsiva.

Com efeito, a um agente a quem tivesse sido aplicada uma pena expulsiva, caso não impugnasse a mesma e com ela se conformasse, não seria aplicável o impedimento constante da referida alínea g) do nº 1 do Artº Artº 22º da Lei 34/2013.

Já um outro agente, exatamente nas mesmas circunstâncias, que tivesse impugnado jurisdicionalmente a referida pena, e que visse o tribunal julgar improcedente a referia ação impugnatória, ser-lhe-ia aplicável o impedimento da alínea g) do nº 1 do Artº Artº 22º da Lei 34/2013, o que só por si se consubstanciaria numa manifesta injustiça relativa, face a dois agentes a quem havia sido aplicada exatamente a mesma pena.

O sentido da controvertida norma será pois o de que estando a pena expulsiva já consolidada, constitui a mesma impedimento “para o exercício da atividade de segurança privada”, por se mostrar “verificada a condição negativa de que resulta o impedimento para o exercício da atividade pretendida”.

Em face do que precede, não se mostra violado o disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 22.º da Lei n.º 34/2013.

Da boa-fé
Suscita igualmente o recorrente o facto de ter supostamente sido violado o princípio da Boa-fé.

Refere o Recorrente no seu Recurso, designadamente que:
“(…) como consta dos pontos 6 a 12 dos factos provados, o A. perguntou à PSP se a pena expulsiva de demissão a que fora condenado em 1999 era impeditiva do exercício de funções de diretor de segurança e foi informado que não; também a seu pedido, a PSP informou-o de que para o exercício das funções de diretor de segurança não bastava a licenciatura em Ciências Policiais de que dispunha, sendo necessário um curso específico, que, em função dessa informação, para o efeito o A. frequentou e concluiu com classificação de excelente na Universidade Fernando Pessoa; exerceu as funções de diretor de segurança ao longo de 4 anos, desde 2011 a 2014, em mais que uma empresa com conhecimento e aceitação da PSP, devidamente registado tal exercício na base de dados do Departamento Segurança Privada da PSP.
Por isso, a recusa da emissão do cartão profissional que posteriormente começou a ser exigido para o exercício dessa atividade constitui uma mudança de postura que atinge a confiança suscitada no A. pela anterior atuação da PSP em violação do princípio de boa-fé.”

De tudo quanto se transcreveu, por estar aqui em causa a pena expulsiva que lhe foi aplicada, o que importa verificar predominantemente é o facto de alegadamente o Recorrente ter sido informado que a pena expulsiva aplicada não seria “impeditiva do exercício de funções de diretor de segurança”.

Há desde logo uma questão incontornável que se prende com o facto do esclarecimento solicitado não ter sido formalmente dirigido à PSP mas a um Departamento específico (Departamento de Segurança Privada), cuja resposta dada não poderia vincular a instituição policial enquanto tal.

Se o aqui Recorrente se sentir lesado com o investimento formativo que terá feito no intuito de obter a formação adequada para a obtenção do grau habilitacional necessário ao exercício das almejadas funções, por alegada informação deficiente, sempre poderá peticionar uma indemnização. O que não poderá é “obrigar” é a PSP a passar-lhe o pretendido cartão, uma vez que não detém os necessários requisitos.

Em face do que precede, não se reconhece a verificação da imputada violação do princípio da boa-fé.

Da Inconstitucionalidade da alínea g) do n.º 1 do artigo 22.º da Lei n.º 34/2013
O Recorrente suscita a inconstitucionalidade da al. g) do nº 1 do artº 22º da Lei 34/2013, ao viabilizar “que quem tenha sido condenado com pena expulsiva, automática e necessariamente, fica impedido de exercer a profissão de diretor de segurança, tolhendo a liberdade de escolha de profissão, conferida pelo artº 47º da CRP, o que afronta o artº 30º, nº 4 da CRP que determina que “nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos”.
Antes de mais, não basta invocar a verificação de uma qualquer inconstitucionalidade, importando que a sua verificação seja densificada e demonstrada, o que não ocorreu.

Como tem vindo a ser reconhecido pela generalidade da Jurisprudência (Vg. o Acórdão do TCA - Sul nº 02758/99 19/02/2004) “não é de conhecer por omissão de substanciação no corpo de alegação, a violação dos princípios Constitucionais, designadamente por interpretação desconforme mormente à Lei Fundamental, se o Recorrente se limita a afirmar a referida desconformidade de interpretação e de aplicação, sem apresentar, do seu ponto de vista, as razões de facto e de direito do discurso jurídico fundamentador nem, sequer, a modalidade a que reverte o vício afirmado.”

No mesmo sentido aponta, igualmente, o Acórdão do Colendo STA nº 00211/03 de 29/04/2003, onde se refere que “por omissão de substanciação no articulado inicial e nas alegações de recurso, não é de conhecer da questão da inconstitucionalidade e/ou interpretação desconforme à CRP de normas de direito substantivo …, na medida em que a Recorrente se limita a afirmar, conclusivamente, a referida desconformidade sem que apresente, do seu ponto de vista, as razões de facto e de direito do discurso jurídico fundamentador nem, sequer, a que modalidade reverte o vício afirmado”.

Assim, até por falta de concretização e densificação do alegado, não se vislumbra que se verifique qualquer violação de normas, mormente de natureza constitucional.

Em qualquer caso, sem prejuízo do referido, e para que não possam subsistir quaisquer dúvidas, sempre se dirá que não poderá ser ignorado que nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 1.º da Lei n.º 34/2013, a atividade de segurança privada visa prevenir a prática de crimes e tem uma função subsidiária e complementar da atividade das forças e serviços de segurança pública do Estado, estando por isso imbuída de um subjacente interesse público.

Em face do que precede, não se reconhece que as limitações impostas pelo referido normativo possam constituir uma qualquer inconstitucionalidade, pois que apenas e em bom rigor, estamos perante a necessidade de preenchimento de um conjunto de requisitos tendentes ao exercício de uma atividade profissional.

Não é subsumível como uma qualquer atividade a “proteção de pessoas e bens” e a “prevenção da prática de crimes”, em face do que a interpretação Constitucional a adotar, não poderá ignorar tais circunstâncias.

Como resulta do Acórdão do TCAS nº 09364/12, de 15-01-2015, o artigo 30.º, n.º 4, da CRP, se é certo que densifica a proibição de penas automáticas, não poderá deixar de ser ponderado em função das circunstâncias concretas.

Como se lê no acórdão n.º 284/89 do Tribunal Constitucional:
«(...)
Com tal preceito pretendeu-se proibir que, em resultado de quaisquer condenações penais, se produzissem automaticamente, pura e simplesmente, ope legis, efeitos que envolvessem a perda de direitos civis, profissionais e políticos e pretendeu-se que assim fosse porque, em qualquer caso, essa produção de efeitos, meramente mecanicista, não atenderia afinal aos princípios da culpa, da necessidade e da jurisdicionalidade.
(...)»

Entre as situações em questão contam-se, a recondução das situações de demissão, baixa de posto, não promoção, suspensão, cancelamento de inscrição, revogação de licença, e a não renovação de licença para o exercício de uma determinada atividade ao conceito de “perda de direitos civis, profissionais ou políticos” constante do n.º 4 do artigo 30.º, da Constituição (cfr. os acórdãos n.ºs 91/84, 255/87, 562/2003, 154/2004 e 25/2011, do Tribunal Constitucional.

O facto de estar em causa uma atividade profissional remunerada cujo exercício está dependente da atribuição de uma licença, não obsta a que à mesma se aplique a proibição de perda automática de direitos profissionais, visto que esta não se restringe à perda de direitos no contexto de uma determinada carreira profissional, mas abrange, também, os direitos de escolha e de exercício da profissão, assegurados pelo artigo 47.º da Constituição (cfr. acórdão n.º 25/2011, Tribunal Constitucional.

Independentemente de se saber se o controvertido condicionalismo pode ser considerado uma verdadeira restrição ao exercício de profissão, para efeitos de subordinação aos requisitos inscritos no artigo 18.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição (cfr. acórdão n.º 154/2004, do Tribunal Constitucional), importa evidenciar que a jurisprudência constitucional vem admitindo alguma mitigação do conceito, proposta, designadamente por Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª ed. revista, 2007, p. 505, enquanto “efeitos necessários das penas”.

O que está pois em causa será verificar se a fixação de sanções acessórias ou a previsão de certo tipo de efeitos opera mecânica e automaticamente, não se conferindo ao juiz do processo ou à entidade administrativa competente para o licenciamento de uma atividade o poder de, em concreto, valorar a relação, estabelecida pelo legislador, entre tais efeitos ou sanções, por um lado, e o desvalor da conduta que as motiva, por outro.

Efetivamente, como se disse, o próprio Tribunal Constitucional tem admitido que em determinadas condições e situações não se verificará necessariamente uma situação de inconstitucionalidade, por violação do artigo 30.º, n.º 4, da Constituição (cfr. Acórdãos n.ºs 363/91 e 522/95 do Tribunal Constitucional.

Por exemplo, apreciando a validade constitucional da norma constante do artigo 21.º, n.º 5, da Lei n.º 173/99, de 21 de setembro, que determina a caducidade da carta de caçador sempre que os respetivos titulares sejam condenados por crime de caça, o Tribunal Constitucional justificou o juízo de não inconstitucionalidade invocando os seguintes argumentos:
«(...)
A prática de um crime de caça, independentemente da sua gravidade para efeitos da determinação da respetiva pena, ilide, por si só, a presunção de que se mantêm as condições de passagem da carta, ou seja, de que o agente detém os conhecimentos, a aptidão e a adequação comportamental necessárias ao exercício da caça.
(...)
A circunstância de se tratar de uma infração criminal é suficientemente grave para justificar, na perspetiva do legislador, a reapreciação da situação do agente enquanto titular da carta de caçador, uma vez que tal atividade só pode ser exercida por sujeitos que demonstrem uma específica formação e aptidão, por estar em causa a proteção de valores ambientais com dignidade constitucional.
(...)»

De igual forma, nos acórdãos n.ºs 291/95, 53/97, 149/2001 e 79/09 do Tribunal Constitucional, este decidiu-se pela não inconstitucionalidade do artigo 4.º, do Decreto-Lei n.º 124/90, de 14 de abril, na parte em que aí se estatui que à condenação pelo crime de condução sob o efeito de álcool acresce sempre sanção acessória de inibição da faculdade de conduzir.

Como se referiu nos enunciados acórdãos:
«(...)
A circunstância de ter sempre de ser aplicada essa medida [sanção de inibição da faculdade de conduzir] ainda que pelo mínimo da medida legal da pena, desde que seja aplicada a pena principal de prisão ou multa, não implica, ainda assim, neste caso, colisão com a proibição de automaticidade. A adequação da inibição de conduzir a este tipo de ilícitos revela que a medida de inibição de conduzir se configura como uma parte de uma pena compósita, como se de uma pena principal associada à pena de prisão se tratasse, em relação à qual valem os mesmos critérios de graduação previstos para esta última.
Com efeito, a aplicação da inibição de conduzir fundamenta-se, tal como a aplicação da pena de prisão ou multa, na prova da prática do facto típico e ilícito e da respetiva culpa, sem necessidade de se provarem quaisquer factos adicionais.
Atenta a natureza da infração, com a inerente perigosidade decorrente dessa conduta, surge como adequada e proporcional a sanção de inibição de conduzir.
(...)»

Em bom rigor, tem o Tribunal Constitucional entendido que o artigo 30.º, n.º 4, da CRP não exclui necessariamente previsões sancionatórias rígidas, desde que as mesmas se mostrem “razoavelmente proporcionadas” (cfr. acórdão n.º 202/2000, do Tribunal Constitucional).

Adotando a jurisprudência Constitucional que se deixou expressa, aqui aplicada mutatis mutandis, não se entende ser inconstitucional, por suposta violação do n.º 4 do artigo 30.º, da CRP, o facto da alínea g) do nº 1 do Artº 22º da Lei 34/2013 impor para o exercício da atividade de segurança privada, designadamente, o facto do interessado “não ter sido sancionado … com … pena de natureza expulsiva”.

Em qualquer caso, é patente que o indeferimento da emissão do cartão de diretor de segurança pretendido pelo aqui Recorrente, na situação em ocorreu, resultante da aplicação de uma pena de demissão, se reconduz aparentemente a uma situação limitação de direitos profissionais, para efeitos do disposto no artigo 30.º, n.º 4, da Constituição.

Com efeito, essa não emissão do cartão requerido, operou como um efeito automático da aplicação da pena de demissão.
É certo que a entidade administrativa emissora do referido documento não goza, nesta matéria, de qualquer margem de apreciação no sentido de poder apurar, casuisticamente, da existência de uma conexão entre a condenação numa determinada pena expulsiva e a perda do direito profissional em causa.

Em qualquer caso, como se viu, a falta deste poder casuístico de valoração não é necessariamente condição suficiente para apurar da inconstitucionalidade do preceito.

Na situação em análise, verifica-se uma ligação suficientemente forte entre a aplicação da pena disciplinar expulsiva e o tipo de atividade profissional cuja inibição se pretende induzir através da norma sob escrutínio.
A conexão enunciada afasta, portanto, a existência de uma desproporção manifesta entre “a via que foi escolhida para a realização do interesse público e a medida de realização desse mesmo interesse” (cfr. Maria Lúcia Amaral, A forma da República, reimpressão da 1.ª ed., Coimbra Editora, 2012, p. 189), obstando à violação do princípio da proibição do excesso e, por conseguinte, do direito, liberdade e garantia vertido no artigo 30.º, n.º 4, da Constituição.

Neste sentido, e atendendo especificamente à pena disciplinar expulsiva aplicada ao aqui Recorrente, conclui-se que a al. g) do nº 1 do artº 22º da Lei 34/2013, não viola “in casu” o princípio da não automaticidade das penas, consagrado no artigo 30.º, n.º 4, da Constituição.

Com efeito, como esclarecedoramente se referiu na decisão recorrida, “dada a relevância e o risco inerentes ao exercício da atividade de segurança privada, no âmbito de um Estado de Direito, assim como os poderes e meios envolvidos messe exercício (v.g. 19.º, 31.º, 32.º e 33.º da Lei n.º 34/2013), existe uma ligação suficientemente forte, ou estreita, entre a aplicação de sanção de natureza expulsiva, reservada para as sanções disciplinares mais graves, e a natureza da atividade a exercer.
Na verdade, o sancionamento, com pena expulsiva, no âmbito do procedimento disciplinar, é privativo de situações em que, dada a gravidade do ilícito praticado, ocorra quebra insuprível na relação de confiança, a justificar o afastamento do exercício da profissão no âmbito da qual o ilícito foi praticado.
Mostra-se, assim, que entre a prática do ilícito de tal gravidade, a motivar a aplicação de pena expulsiva e o correspondente impedimento do exercício da atividade de diretor de segurança, não existe uma desproporção injustificada.
(…) resulta assim afastada uma relação desproporção manifesta entre a via que foi escolhida para a realização do interesse público e a medida de realização desse mesmo interesse (…), obstando à violação do princípio da proibição do excesso e, por conseguinte, do direito, liberdade e garantia vertido no artigo 30.º, n.º 4, da Constituição”, pelo que se conclui que a norma contida na alínea g) do n.º 1 do artigo 22.º da Lei n.º 34/2013 não infringe o disposto no n.º 4 do artigo 30.º da Constituição.
Também não se está perante a violação do disposto no n.º 3 do artigo 18.º da CRP (aplicação retroativa da lei), uma vez que a norma contida na referida alínea g) do n.º 1 do artigo 22.º da Lei n.º 34/2013 foi aplicada em data posterior à da sua entrada em vigor a um ato administrativo novo, em consonância por isso com a lei então, isso é, nessa data em vigor, como também se sustenta na decisão recorrida, com a justificação aí explanada, para a qual por isso se remete.”

Assim, em função de tudo quanto vem de ser expendido, independentemente da insuficiente densificação das inconstitucionalidades invocadas, ainda assim, não se reconhece a verificação de qualquer das inconstitucionalidades que vinham suscitadas.


* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, negar provimento ao Recurso, confirmando a Sentença objeto de Recurso.

Custas pelo Recorrente

Porto, 11 de maio de 2017
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Luís Migueis Garcia