Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00171/15.1BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/26/2017
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Hélder Vieira
Descritores:NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS; PROFESSOR ESPECIALIZADO;
TÉCNICO ESPECIALIZADO
Sumário:
Como se decidiu no acórdão TCAN de 13-01-2017, Proc. 131/15BEAVR:
1 – Não obstante a sucessão normativa ocorrida, importa reter que as bases gerais do sistema de segurança social, relativamente ao subsistema de proteção familiar, asseguram que a compensação de encargos familiares acrescidos resultantes dos “encargos no domínio da deficiência”, concretizados “através da concessão de prestações pecuniárias”, “é suscetível de ser alargada, de modo a dar resposta a novas necessidades sociais (…) bem como às que relevem, especificamente, dos domínios da deficiência (…)”
2 – Independentemente da sucessão legislativa verificada, mostra-se manifestamente insuficientemente fundamentada, perante a documentação apresentada, a recusa de atribuição de subsidio de deficiência em decorrência da afirmação segundo a qual "A criança/jovem supra referenciada não possui comprovada redução permanente de capacidade física, motora, orgânica, sensorial ou intelectual que necessite de meio específico de apoio educativo habilitativo com vista a uma integração social e educacional, não exigindo a deficiência identificada, no plano social e pedagógico, o recurso a apoio individual por professor especializado".
3 – A Segurança Social tendia a indeferir a atribuição de subsídios refugiando-se no conceito de "professor especializado" constante do artigo 2.° n.° 1 do Decreto Regulamentar n.° 14/81, de 7 de Abril, com as alterações preconizadas pelo Decreto Regulamentar n.º 19/98 que condicionava a atribuição de subsídio de Educação Especial à necessidade de recurso ao "apoio individual por professor especializado".
4 - Tendo a Escola em causa reconhecido a sua incapacidade em termos de recursos para o acompanhamento do jovem em questão, é manifesto que o recomendado acompanhamento por Psicólogo se inserirá no conceito “Professor especializado”, legalmente estabelecido.
O mesmo se verificará relativamente a outras valências clinicas, como sejam os terapeutas da fala, terapeutas ocupacionais, etc., não fazendo sentido restringir o conceito de “Professor especializado”.
O que está em causa é o acompanhamento dos jovens com deficiência através de técnicos especializados, habilitados em cada uma das valências necessárias, pois que sempre foi esse o espirito da lei.
5 – Sintomática foi a recente alteração legislativa, introduzida pelo Decreto-regulamentar nº 3/2016, de 23 de Agosto, o qual veio expressamente a substituir no Artº 2º nº 1 alínea c) a figura do “Professor especializado”, por “técnico especializado”, indo exatamente ao encontro do entendimento aqui preconizado.
Com efeito, como lapidarmente se refere no preâmbulo do novel Decreto-regulamentar “(…) para que se protejam, de forma mais eficaz, as situações de deficiência que requerem apoio especial, evidenciando maior rigor na atribuição da prestação, torna-se necessário proceder à atualização de alguns conceitos e clarificar aspetos da certificação, dos efeitos da deficiência e do apoio necessário a prestar à criança ou jovem com deficiência, integrados na declaração médica. Com este objetivo introduz-se o conceito de «técnico especializado», entendendo-se ser este conceito menos restritivo do que o de «professor especializado».*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:JMAO; Instituto da Segurança Social, IP - Centro Distrital de Aveiro
Recorrido 1: Instituto da Segurança Social, IP- Centro Distrital de Aveiro e Outr(s)...
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Condenação à Prática Acto Devido (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu no sentido de ser revogada a sentença recorrida.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – RELATÓRIO

Recorrentes: JMAO; Instituto da Segurança Social, IP - Centro Distrital de Aveiro

Vem interposto recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que na acção administrativa especial supra identificada decidiu “condeno o Réu a, no prazo máximo de 10 dias, dar início às diligências instrutórias no sentido de apurar se a menor está referenciada, nos termos supra descritos, como aluna com necessidades educativas especiais, bem como da inexistência de recursos naquele estabelecimento para lhe prestar o apoio especializado de que necessita, e assim, a deferir o pedido de subsidio por frequência de estabelecimento de educação especial, caso venha a ser apresentado documento comprovativo dessa situação, se a nada mais obstar”, na qual era pedido, designadamente, a sua condenação “à prática do acto administrativo recusado que, por verificação de todos os pressupostos de facto, direito e procedimentais, defira o requerimento formulado pelo Autor e decida conceder o subsídiuo de educação especial, nos termos requeridos”.

O objecto do recurso interposto por JMAO é delimitado pelas seguintes conclusões da respectiva alegação(1):

1ª – Vem o presente recurso interposto da, aliás, douta sentença de fls. …, que julgou parcialmente improcedente a presente acção administrativa especial e, em consequência, decide condenar o Réu a, no prazo máximo de 10 dias, dar início às diligências instrutórias no sentido de apurar se a menor está referenciada, nos termos do Decreto-Lei n.º 3/2008, como aluna com necessidades educativas especiais, bem como da inexistência de recursos naquele estabelecimento para lhe prestar o apoio especializado de que necessita, e assim, a deferir o pedido de subsidio por frequência de estabelecimento de educação especial, caso venha a ser apresentado documento comprovativo dessa situação, se a nada mais obstar e indeferir o pedido de pagamento de sanção pecuniária compulsória.

2ª – É, pois, profunda a discordância do Recorrente face à decisão ora em crise, fundando-se tal dissentimento desde logo nos aspectos e considerações jurídicas que lhe serviram de fundamento, não podendo aceitar a interpretação legal acolhida que determina a competência, no tocante à atribuição do SEE, dos serviços do Ministério da Educação, mais concretamente, dos órgãos competentes das respectivas escolas, exigindo para o efeito que a criança ou jovem seja previamente referenciado (e assim sujeito à avaliação de onde se possa determinar qual o apoio especializado de que necessita, cfr. artigo 5.º e 6.º, do Decreto-Lei n.º 3/2008.

3ª – O Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro, publicado no desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro (Lei de Bases do Sistema Educativo) e alterado pela Lei n.º 21/2008, de 12 de Maio, mantém vigente o corpo legislativo respeitante à atribuição do SEE (cfr. norma revogatória contida no artigo 32º), reconhecendo as dissemelhanças entre os cenários que visam reger, apenas actualizando a disciplina prevista no revogado Decreto-Lei nº 319/91, de 23 de Agosto, atinente aos apoios especializados a prestar na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário dos sectores público, particular e cooperativo.

4ª – A aplicação do Decreto-Lei 3/2008 apenas se justifica no que respeita às medidas educativas que prevê e que visam promover a aprendizagem e a participação dos alunos com necessidades educativas especiais, sendo estas apenas as seguintes: a) Apoio pedagógico personalizado; b) Adequações curriculares individuais; c) Adequações no processo de matrícula; d) Adequações no processo de avaliação; e) Currículo específico individual; f) Tecnologias de apoio (cfr. artigo 16º).

5ª – Tal diploma tem, pois, um âmbito de aplicação restrito, sendo totalmente omisso no que respeita ao regime de atribuição do subsídio de educação especial e, arredando do elenco das medidas educativas que, em teoria, oferece, todas as terapêuticas da competência exclusiva dos médicos especialistas, nomeadamente, as consultas terapêuticas (psicoterapia) e a prescrição de fármacos.

6ª – O processo de avaliação previsto no artigo 6º do Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro, na redacção introduzida pela Lei n.º 21/2008, de 12 de Maio, que apenas tem aplicação no contexto das situações que integram a previsão deste diploma, não tendo paralelo, nem substituindo, a disciplina que rege o processo de determinação da natureza e efeitos da deficiência, a forma do requerimento e exigências de instrução do processo de atribuição do SEE e organismo processador da subvenção, plasmada no Decreto Regulamentar n.º 14/81, com as alterações introduzidas pelo Decreto Regulamentar n.º 19/98.

7ª – Aliás, ao arredar-se da sua prática, a administração violou o princípio da boa fé e da confiança, pois que sempre deferiu e emanou inúmeras directivas e orientações técnicas aos beneficiários e aos prestadores de serviços, defendendo o SEE quando o apoio individualizado o é por profissionais não docentes, a saber, psicólogos, terapeutas da fala, terapeutas ocupacionais, entre outros, mesmo quando não eram referenciados como alunos com necessidades educativas especiais ao abrigo do Decreto-lei n.º 3/2008.

8ª – É que, como referiu na petição inicial, sem qualquer oposição por banda do Recorrido, no ano lectivo de 2012/2013, o Recorrente havia apresentado também junto do Réu requerimento idêntico, instruindo com os mesmos documentos, merecendo despacho de deferimento por parte da administração, sendo certo que nenhuma das circunstâncias e pressupostos de que depende o seu conhecimento, todos do cabal conhecimento do Réu, se alterou entretanto.

9ª – Precisamente porque tal realidade não deixou de constranger o legislador, confrangido com as interpretações abusivas, ilegais e constitucionais, ciente de que o regime legal vigente, nos moldes em que foi pensado e aprovado, apesar da bondade que lhe foi concedida durante décadas, não está imune a interpretações perniciosas, que existem já diversos processos legislativos em curso e mesmo um projecto de resolução (Projeto de Resolução Nº 163/XIII/1.ª), sob a epígrafe “Reposição da Legalidade na Atribuição do Subsídio de Educação Especial”.

10ª – No essencial recomenda-se, com carácter interpretativo e que imponha a reavaliação dos processos afectados pelo Protocolo de colaboração, cuja revogação se impõe, em causa que se fixe a diferenciação e o deferimento da atribuição do Subsídio de Educação Especial, por apoio individualizado por profissional especializado, concretamente nas situações de apoio terapêutico individualizado nas valências de psicologia, terapia da fala, terapia ocupacional e psicomotricidade.

11ª – A decisão recorrida ao interpretar que a atribuição do SEE pressupõe sempre a prévia referenciação e avaliação do menor ou jovem por parte daquele estabelecimento de ensino, quanto à necessidade da mesma frequentar uma instituição de educação especial ou obter apoio especializado (e assim do tipo de apoio a receber) e, consequentemente, da impossibilidade do mesmo ser prestado na escola, nomeadamente por impossibilidade de recurso à aquisição desses serviços ou de inexistência de parcerias celebradas nos termos previstos na lei, para o efeito (cfr. artigos 5.º, 6.º, 29.º, 30.º do Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro, conjugado com o artigo 2.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2, do Decreto-Regulamentar n.º 14/81), está ferida de inconstitucionalidade, por violação das normas contidas nos artigos 13º, 43º, 63º, 64º e 71º da Constituição da República Portuguesa.

12ª – Ao assim decidir incorreu a decisão recorrida em erro de julgamento e na aplicação do Direito, afrontando a disciplina contida no Decreto-Lei n.º 133-B/97, de 30 de Maio, que ressalva expressamente no n.º 2 do referido art.º 75º a vigência do Decreto Regulamentar n.º 14/81, de 7 de Abril, mais concretamente, afrontando as disposições contidas nos artigos 2º, 3º, 12º e 13º do Regulamento, na redacção vigente e, bem assim, as normas contidas nos artigos 13º, 43º, 63º, 64º e 71º da Constituição da República Portuguesa, pelo que não pode manter-se.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e legalmente fundado, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-a por outra em que, julgando a acção procedente, condeno o Réu no pagamento da subvenção devida e omitida, a bem da JUSTIÇA!”.

O objecto do recurso interposto por Centro Distrital da Segurança Social, IP, é delimitado pelas seguintes conclusões da respectiva alegação:

1.ª - Vem o presente recurso interposto da douta Sentença de fls.98 a 124 dos autos que condenou o R. a, no prazo máximo de 10 dias, dar início às diligências instrutórias no sentido de apurar se a menor está referenciada (...) como aluna com necessidades educativas especiais, bem como da inexistência de recursos naquele estabelecimento para lhe prestar apoio especializado de que necessita, e assim, a deferir o pedido de subsidio por frequência de estabelecimento de ensino de educação especial, caso venha a ser apresentado documento comprovativo dessa situação, se a nada mais obstar.

2.ª - A sentença recorrida esquivou-se a conhecer do mérito da causa, parecendo olvidar que o processo administrativo possui já os elementos essenciais indispensáveis à prolação de uma decisão que verse sobre a pretensão material do A;

3.ª - A decisão posta em crise está inquinada por erro de julgamento - na parte em que considera o processo administrativo deficientemente instruído - e de aplicação de direito, na parte em que desconsidera que os pressupostos cumulativos de que depende a atribuição do subsídio de educação especial não se verificavam no caso concreto;

4.ª - A concessão do subsídio por frequência de estabelecimento de ensino especial depende do preenchimento cumulativo de dois requisitos: em primeiro lugar, criança ou jovem menor de 24 anos terá de possuir comprovada redução permanente de capacidade física, motora, orgânica, sensorial ou intelectual; em segundo, a deficiência, embora não exigindo por si, ensino especial, deverá carecer de apoio individual por professor especializado, sendo que, no caso em apreço, as necessidades educativas especiais são asseguradas por psicólogo (e não por professor especializado), mostrando-se inverificado o segundo pressuposto de que depende a atribuição do subsidio;

5.ª - Este subsídio tem por desiderato custear as despesas tidas com o apoio por professor especializado, cuja missão consiste (tal como sucederia em estabelecimento de ensino especial) em adequar os normais conteúdos formativos/informativos, a alguém cujas capacidades se encontram comprovada e notoriamente diminuídas, prestando o apoio necessário para que a criança tenha sucesso escolar;

6.ª - O papel do psicólogo, neste âmbito, é verdadeiramente distinto daquele que é atribuído ao professor especializado, já que psicólogo tem por missão avaliar e diagnosticar as dificuldades de aprendizagem, numa primeira fase, e, posteriormente, desenvolver estratégias de reeducação e intervenção psicopedagógicas, adaptadas às problemáticas individuais, mas não focadas no estudo acompanhado, que é o que se pretende no domínio do subsídio em causa.

7.ª - A distinção funcional entre professor especializado e outro tipo de pessoal técnico encontra-se bem patente em diversos diplomas legais, tais como a Portaria n° 1102/97, de 3 de Novembro ou a Portaria n° 212/2009 de 23 de Fevereiro

8.ª - Nenhuma utilidade se retiraria da decisão ora colocada em crise, na medida em que ainda que se viesse a completar o PA com declarações emitidas pela estrutura do Ministério da Educação, a decisão administrativa seria novamente desfavorável aos intentos do A., precisamente por se considerar que a terapêutica prescrita não se enquadra no âmbito de abrangência do preceituado no 2° do Decreto Regulamentar n° 14/81, de 7 de Abril

TERMOS EM QUE DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA SER REVOGADA A DECISÃO RECORRIDA, SUBSTITUINDO-A POR OUTRA QUE JULGUE A ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL IMPROCEDENTE FAZENDO-SE, DESDE MODO, A COSTUMADA

JUSTIÇA!”.

O Ministério Público foi notificado ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA, e pronunciou-se no sentido da revogação da sentença, devendo a acção ser julgada improcedente, em termos que se dão por reproduzidos.

De harmonia com as conclusões da alegação de recurso, as questões suscitadas(2) e a decidir(3), se a tal nada obstar, resumem-se em determinar se a decisão recorrida padece dos erros de julgamento quanto à matéria de direito que lhe imputa (i) o Recorrente JMAO, com violação dos princípios da boa-fé e da confiança, dos artigos 13.º, 43.º, 63.º, 64.º e 71.º, todos da Constituição da República Portuguesa, e a disciplina contida no Decreto-Lei n.º 133-B/97, de 30 de Maio, e (ii) o Recorrente ISS, IP, com violação do nº 2 do Decreto Regulamentar nº 14/81, de 07 de Abril, com as alterações introduzidas pelo Decreto Regulamentar nº 19/98, de 14 de Agosto.

Cumpre decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – OS FACTOS ASSENTES NA DECISÃO RECORRIDA

A matéria de facto fixada pela instância a quo é a seguinte:

A) A Autora em 23.09.2013, apresentou no Centro Distrital da Segurança Social de Aveiro, um requerimento de subsídio por frequência de estabelecimento de educação especial, onde assinalou, no local do requerimento destinado a identificar o “Tipo de atendimento de que necessita”, o seguinte: “-externato; -apoio individual por professor especializado” (fls. 1 e ss, do processo administrativo);

B) Do requerimento a que se reporta a alínea anterior, no campo relativo a “Certificado Médico”, extrai-se o seguinte: “LMBC, portador da cédula profissional n.º 11…, emitida pela Ordem dos Médicos Coimbra, especialista em Neuropediatria, declara que no exercício da sua actividade profissional, observou RMAOS, cuja identidade confirmou, tendo verificado que o mesmo é, desde__/__/__, portador de deficiência, motivada por redução permanente de capacidade intelectual que determina o seguinte quadro:

Efeitos produzidos pela deficiência: Dificuldade de aprendizagem, Défice de atenção, comportamento disruptivo.

Tipo de atendimento de que necessita: Apoio individual.

Condições em que o atendimento deve ser prestado e respectiva fundamentação: Apoio Psicológico.” (cfr. fls. 3 e ss, do processo administrativo);

C) Com o requerimento a que se reportam as alíneas anteriores foi ainda junto o Mod. RP 5020/2008-A-DGSS, denominado “Declaração do Estabelecimento de Ensino – Subsidio por Frequência de Estabelecimento de Educação Especial – Apoio Individualizado”, de se extrai o seguinte:

“3. ELEMENTOS RELATIVOS À DEFICIÊNCIA

3.1 Caracterização

Alterações Graves: 1. Do comportamento

3.2 Especificação das perturbações graves

Aluna com um temperamento retrovertido, muito insegura e com baixa autoestima. É ansiosa, com baixa capacidade de atenção, concentração, raciocínio e associação de conhecimentos. Revela dificuldades de socialização.

4. CERTIFICAÇÃO DO ESTABELECIMENTO DE EDUCAÇÃO/ENSINO

- O aluno frequenta este estabelecimento (…)

- Os Serviços de Apoio ao estabelecimento de ensino não possuem no ano lectivo de 2013/14 os recursos suficientes para implementação das medida necessárias identificadas no campo 3.

- Na área geográfica do Agrupamento de Escolas/Escola não Agrupada não existem os recursos específicos necessários ao aluno.

A presente declaração é válida pelo período de 2013/09/16 a 2014/06/13.” (fls. 8 e 9, do processo administrativo);

D) Em 10.10.2013, o Presidente do Conselho Executivo do Agrupamento de Escolas de Estarreja, exarou a seguinte informação: “No contexto do Decreto-Lei n.º 3/2008 de 7 de Janeiro, alterado pela Lei 21/2008 de 12 de Maio e em complemento da informação constante no formulário RP 5020-A-DGSS, informa-se que o(a) a aluno(a) RMAOS, nascido a 30/01/2000: 2.ªNão está referenciado(a) como aluno(a) com necessidades educativas especiais de carácter permanente, nem está abrangido(a) pelas medidas educativas do Decreto-Lei n.º 3/2008 de 7 de Janeiro, alterado pela Lei 21/2008 de 12 de Maio.3.º Aluna muito insegura, introvertida, ansiosa e com baixa estima. O seu problema afeta-a na sua aprendizagem e integração social. Necessita de apoio psicológico de forma a promover a seu desenvolvimento global.” (fls. 10 do processo administrativo);

E) Com o requerimento a que se reporta a alínea a), foi ainda junto uma declaração emitida por “JC... – Gabinete Terapêutico Unipessoal, Lda”, do qual se extrai o seguinte:

“(…) Utente: RMAOS

(…)

Ano lectivo de 2013/2014 e irá pagar mensalmente €280.00

Referente ao(s) seguinte(s) apoio(s) individual e especializado:
Apoio Individual Prestado
Professor ou Técnico Especializado
Duração de cada sessão
Preço de cada sessão
Psicologia
DLGS
50 min
70€
(…) (cfr. fls. 11 e ss, do processo administrativo);”

F) Em 05.02.2014, a Delegada Regional de Educação do Centro, remeteu um oficio aos Serviços do Réu, no qual se lia que: “os documentos relativos aos alunos constantes na listagem em baixo foram devolvidos aos respectivos estabelecimentos de ensino por não poderem ser considerados nem validados, em virtude daqueles alunos não se encontrarem abrangidos pelo Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro”, sendo que na referida listagem consta o nome da indicada RMAOS (cfr. fls. 15 e ss, do processo administrativo).

G) Em 09.09.2014, os Serviços do Réu, com referência ao requerimento da Autora identificado na alínea a), exararam a seguinte informação: “Propõe-se o indeferimento do requerimento, com base nos seguintes fundamentos:

A criança/jovem supra identificada não possui comprovada redução permanente de capacidade física, motora, orgânica, sensorial ou intelectual, que necessite de meio específico de apoio educativo habilitativo com vista a uma integração social e educacional, não exigindo a deficiência identificada, no plano social e pedagógico, o recurso a apoio individual por professor especializado (n.º 1 do artigo 2.º do Decreto Regulamentar n.º 14/81, de 7 de Abril, alterado pelo Decreto-Regulamentar n.º 19/98, de 14 de agosto).

Mais se propõe que se proceda à:

· Audiência do interessado nos termos do artigo 100.º e seguintes do CPA, notificando-o de que na falta de resposta no prazo de 10 dias úteis a contar da data da notificação, o requerimento é indeferido, considerando-se a data do indeferimento o 1.º dia útil ao do termo do referido prazo;

· Comunicação dos respectivos prazos de reclamação e recurso.” (cfr. fls. 20, do processo administrativo);

H) Em 09.09.2014, foi remetido à Autora um ofício, com a informação a que se reporta a alínea anterior, e para se pronunciar querendo (cfr. fls. 21, do processo administrativo);

I) A Autora apresentou uma exposição, em resposta ao ofício a que se reporta a alínea anterior, onde reitera o pedido de concessão do subsídio e requer:

- a identificação nominal do responsável pelo diagnóstico que sustenta a notificação enviada;

- cópia do parecer do médico especialista/equipa multidisciplinar, com indicação dos recursos utilizados para realização do mesmo;

- data de realização da avaliação da RMAOS, se tal ocorreu. (cfr. fls. 23 e 24, do processo administrativo);

J) Em 03.12.2014, a Directora do Núcleo de Prestações Familiares e de Solidariedade, dos Serviços do Réu, proferiu o seguinte despacho, com referência ao requerimento identificado na alínea a, supra: “A beneficiária supra indicada formulou, em 23.09.2013, pedido de atribuição de Subsidio de Educação Especial (SEE), prestação mensal prevista no Decreto-Lei n.º 133-B/97, de 30 de Maio.

Decorre do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 2.º do Decreto-Regulamentar n.º 14/81, de 7 de Abril, alterado pelo Decreto Regulamentar n.º 19/98, de 14 de agosto, que o reconhecimento do direito a esta prestação depende de apresentação de declaração passada pelo estabelecimento de ensino que a criança/jovem frequenta, atestando que não dispõe de recursos, facto que impõe a prévia avaliação, nos termos definidos pelo Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro, alterado pela Lei n.º 21/2008, de 12 de maio.

Em 09.09.2014 foi a requerente notificada da intenção de não atribuição do SEE com fundamento no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Regulamentar n.º 14/81, de 7 de abril, alterado pelo Decreto Regulamentar n.º 19/98, de 14 de agosto informando-se também, os prazos legais definidos em CPA.

Em sede de audiência prévia veio a requerente apresentar as suas alegações, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, fazendo parte do presente despacho.

Apreciadas as alegações oferecidas não é alterado o sentido da decisão indeferindo-se a atribuição do Subsidio de Educação Especial por se verificar que criança/jovem supra identificado não possui comprovada redução permanente de capacidade física, motora, orgânica, sensorial ou intelectual, que necessite de meio especifico de apoio educativo habilitativo com vista a uma integração social e educacional, não exigindo a deficiência identificada, no plano social e pedagógico, o recurso a apoio individual por professor especializado (n.º 1 do artigo 2.º do Decreto Regulamentar n.º 14/81, de 7 de abril, alterado pelo Decreto Regulamentar n.º 19/98, de 14 de agosto).

Notifique-se nos termos do CPA.” (cfr. fls. 27, do processo administrativo);

K) Em 29.12.2014, os Serviços do Réu enviaram um ofício à Autora, com a decisão a que se reporta a alínea anterior (cfr. fls. 28 e 29, do processo administrativo).

II.2 – DO MÉRITO

As questões a dirimir que os recursos interpostos carreiam foram já apreciadas em outros processos, tal como as partes e o Ministério Público bem identificam.

Porque aderimos totalmente às soluções jurisprudenciais vertidas nos acórdãos deste TCAN, designadamente, de 13-01-2017, processo nº 131/15.2BEAVR, de 27-01-2017, processos nºs 123/15.1BEAVR e 128/15.2BEAVR, de 27-01-2017, processo nº 127/15.4BEAVR, adopta-se aqui e transcreve-se (artigo 663º, nº 5, do CPC), por total similitude das questões a dirimir, a fundamentação deste último acórdão, tirado em situações e recursos semelhantes aos que temos presente e, bem assim, com a mesma formação de julgamento, embora diferente relator:

Recentemente, em 13-01-2017, este TCAN proferiu acórdãos nos processos nºs 131/15.2BEAVR, 125/15.8BEAVR e 111/15.8BEAVR sobre questões idênticas às dos presentes autos, em todas as dimensões pretensivas, factuais, normativas e até argumentativas relevantes para o conhecimento do presente recurso.

No essencial o tema do recurso é o delimitado na conclusão 12ª da Recorrente/Autora, isto é, ponderar se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento e na aplicação do Direito, afrontando a disciplina contida no Decreto-Lei n.º 133-B/97, de 30 de Maio, que ressalva expressamente no n.º 2 do referido art.º 75º a vigência do Decreto Regulamentar n.º 14/81, de 7 de Abril, mais concretamente, afrontando as disposições contidas nos artigos 2º, 3º, 12º e 13º do Regulamento, na redacção vigente. E se a acção deveria ter sido julgada procedente.

É certo que no presente recurso existe uma novidade relativamente aos demais citados: a interposição de recurso pelo Réu. No entanto, em substância trata-se apenas de uma posição contraposta à do recurso da Autora e que poderia funcionar como contra-alegação a este. Tudo porque nos presentes autos o TAF não satisfez a pretensão da Autora nem do Réu, limitando-se por assim dizer a “adiar” a solução de fundo, ao condenar o Réu a “dar início às diligências instrutórias no sentido de apurar se a menor está referenciada, nos termos supra descritos, como aluna com necessidades educativas especiais”.

Ora, tudo reponderado, entende-se que a acção deveria ter sido julgada procedente pelas razões expendidas nos acórdãos anteriormente citados, donde resulta que merece provimento o recurso interposto pela Autora e que deve ser improvido o recurso do Réu.

Para efeito de fundamentação assume-se como modelo o Ac. de 13-01-2017 proferido no Proc. 131/15.2BEAVR, cuja fundamentação se mostra replicada nos supra citados acórdãos com a mesma data, nos processos 125/15.8BEAVR e111/15.8BEAVR. E será de novo reiterada neste recurso. Assim:

*

Analisemos então o suscitado.

Antes de mais enquadremos normativamente a controvertida situação.

Desde logo, o Decreto-Lei n.º 170/80, de 29 de Maio instituiu o Subsídio de Educação Especial, referindo no seu artigo 1º, sob a epígrafe “Âmbito quanto às prestações”, que “A proteção à infância e juventude e à família concretiza-se, nomeadamente, pela concessão, entre outras, das seguintes prestações pecuniárias: abono de família, abono complementar a crianças e jovens deficientes, subsídio mensal vitalício e subsídios de nascimento, de aleitação, por frequência de estabelecimentos de educação especial, de casamento e de funeral.”

Refere-se, por outro lado, no ponto 5 do preâmbulo do referido diploma, que se aproveita “a ocasião para institucionalizar o subsídio pela frequência de estabelecimentos de educação especial. Embora com este título, o seu conteúdo é ainda mais amplo, visto que não corresponde apenas à situação típica do deficiente que frequenta ou está em condições de frequentar estabelecimentos de reeducação pedagógica, mas a situações atípicas de apoio pedagógico e terapêutico, domiciliário.”

Refere ainda o artigo 5º do mesmo Decreto-Lei que “O abono complementar a crianças e jovens deficientes é concedido até aos 24 anos aos descendentes ou equiparados do trabalhador ou do cônjuge que, por razões de lesão, deformidade ou doença, congénita ou adquirida, estejam em alguma das situações seguintes:

a) Necessitem de atendimento individualizado específico de natureza pedagógica ou terapêutica;

b) Frequentem, estejam internados ou em condições de frequência ou de internamento em estabelecimentos de educação especial;

c) Possuam uma redução permanente de capacidade física, motora, orgânica, sensorial ou intelectual que os impossibilite de prover normalmente à sua subsistência ao atingirem a idade de exercício de atividade profissional”.

Também se refere no artigo 9º do mesmo diploma, ao instituir o Subsídio pela frequência de estabelecimento de educação especial, que “A compensação de encargos com a frequência, pelos descendentes ou equiparados, de estabelecimentos de educação especial que impliquem pagamento de mensalidades é realizada mediante a concessão de subsídios em regime de comparticipação de despesas, nos montantes e condições a fixar em regulamento próprio”, mais se referindo no n.º 3 que “É equivalente à frequência de estabelecimento de educação especial, em condições e nos valores de comparticipação a definir igualmente em regulamento, o apoio domiciliário de natureza docente e terapêutica prestado mediante prescrição médica a crianças e jovens cuja deficiência imponha ou aconselhe esse tipo de orientação”.

Correspondentemente veio a ser publicado o Decreto Regulamentar 14/81 alterado pelo Decreto Regulamentar 19/98, em vigor até pouco tempo, o qual referia no seu artigo 2º que “Conferem direito ao subsídio as crianças e jovens de idade não superior a 24 anos que possuam comprovada redução permanente de capacidade física, motora, orgânica, sensorial ou intelectual, e que a seguir se designam apenas por deficientes, desde que por motivo dessa deficiência se encontrem em qualquer das seguintes situações:

a) Frequentem estabelecimentos de educação especial que impliquem o pagamento de mensalidade;

b) Careçam de ingressar em estabelecimento particular de ensino regular, após a frequência de ensino especial, por não poderem ou deverem transitar para estabelecimentos oficiais ou, tendo transitado, necessitem de apoio individual por professor especializado;

c) Sejam portadores de deficiência que, embora não exigindo, por si, ensino especial, requeiram apoio individual por professor especializado;

d) Frequentem creche ou jardim-de-infância normal como meio específico necessário de superar a deficiência e obter mais rapidamente a integração social.”

Nos termos do artigo 3º do referido Regulamento, a redução permanente da capacidade física, motora, orgânica, sensorial ou intelectual será determinada por declaração de médico especialista comprovativa desse estado, devendo tal declaração indicar fundamentadamente o atendimento necessário ao deficiente.

Como resulta dos artigos 12º e 13º do Regulamento citado, o requerimento para atribuição de tal subsídio seria instruído com a referida declaração médica, sendo a emergente subvenção paga aos encarregados de educação do deficiente ou diretamente ao estabelecimento.

Com a revogação do Decreto-Lei n.º 170/80, de 29 de Maio foi, no entanto, ressalvado expressamente que o Decreto Regulamentar n.º 14/81, de 7 de Abril se manteria em vigor.

Posteriormente, veio a ser publicado o Decreto-Lei nº 176/2003, de 2 de Agosto, que derrogou parcialmente o Decreto-Lei n.º 133-B/97 e o Decreto-Lei n.º 160/80, designadamente no que concerne às prestações de “abono de família para crianças e jovens”.

Mais recentemente veio a ser publicada a Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro, que aprovou as bases gerais do sistema de segurança social, a qual relativamente ao subsistema de proteção familiar, tendia a assegurar a compensação de encargos familiares acrescidos resultantes dos “encargos no domínio da deficiência” (art.º 46.º al. b)), enunciando que esta se concretiza “através da concessão de prestações pecuniárias” (art. 48.º n.º 1) e que “é suscetível de ser alargada, de modo a dar resposta a novas necessidades sociais (…) bem como às que relevem, especificamente, dos domínios da deficiência (…)” (art. 48.º n.º 2).

Finalmente, o Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro, veio atualizar a disciplina prevista no revogado Decreto-Lei nº 319/91, de 23 de Agosto, relativo aos apoios especializados a prestar na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário dos sectores público, particular e cooperativo.

A sucessão normativa, com derrogações parciais de diplomas e manutenção em vigor de normas de precedentes diplomas, evidência alguma inconstância legislativa, dificultando a interpretação do regime vigente em cada momento.

Em qualquer caso, importa encontrar um fio condutor do pensamento legislativo vigente, por forma a decidir a questão aqui controvertida.

Desde logo e em concreto, o indeferimento da pretensão requerida, resultou simplisticamente do facto de se ter entendido que "A criança/jovem supra referenciada não possui comprovada redução permanente de capacidade física, motora, orgânica, sensorial ou intelectual que necessite de meio específico de apoio educativo habilitativo com vista a uma integração social e educacional, não exigindo a deficiência identificada, no plano social e pedagógico, o recurso a apoio individual por professor especializado (n.º 2 do artigo 2.º do decreto regulamentar n. 14/81, de 7 de Abril, alterado pelo decreto regulamentar n.' 19/98, de 14 de Agosto".

Como resulta obrigatório, a aqui Recorrente juntou ao seu processo tudo quanto era suposto, designadamente certificação médica de Neurologista Pediátrico, atestando ser o menor em causa portador de Défice Cognitivo, Dificuldades de Aprendizagem, Défice de Atenção/Hiperatividade/Impulsividade e Dificuldades de Relacionamento Social.

Paradigmático, sintomático e incontornável, são as declarações constantes do “Certificado Médico” (Facto Provado d)) onde se refere que o menor E… é “portador de deficiência motivada por redução permanente de capacidade intelectual”, que lhe produz “Défice cognitivo Dificuldade de aprendizagem, Défice de Atenção/Hiperatividade/Impulsividade, Dificuldade de relacionamento social”.

No mesmo sentido, aponta o Parecer do Agrupamento de Escolas de Ovar (Facto Provado e)), no qual se refere no item 1.2 que o “aluno deve continuar a beneficiar de intervenção psicoterapêutica já iniciada, no sentido de promover no aluno competências pessoais, sociais e relacionais”.

Como resulta sumariado no Acórdão do 0224/04, de 19-10-2004, “I - Para efeitos do Decreto Regulamentar n.º 14/81, de 7 de Abril, a determinação da natureza da deficiência e do atendimento necessário da criança ou jovem é realizada por declaração de médico especialista (artigo 3.º);

II - No caso de a criança ou jovem frequentar estabelecimento de ensino regular a concessão de "subsídio de educação especial" depende de declaração passada pelo respetivo estabelecimento de ensino comprovativa de que o apoio individual necessário ao mesmo não lhe é garantido pela escola (artigo 2.º, n.º 2, red. DR n.º 19/98, de 14.8.);

III - O estabelecimento de ensino, deve, pois, em função da natureza da deficiência e do apoio necessário indicados pelo médico especialista passar aquela declaração se não estiver em condições de garantir o apoio exigido;”

Na situação em apreciação, mostram-se preenchidos os requisitos/pressupostos referidos no precedentemente citado acórdão do STA.

Tal como suscitado pelo Ministério Público, não deixa de ser extraordinário que a Segurança Social, afirmando expressamente não pôr em causa o diagnóstico efetuado pelo Especialista que observou o menor, tenha afirmado conclusivamente, sem qualquer fundamentação acrescida ou tecnicamente assente em parecer clinico, não se mostrar comprovada a invocada redução permanente de capacidade do mesmo, o que parece ter resultado de pressupostos meramente economicistas.

Estamos pois manifestamente perante um de vício de erro nos pressupostos de facto e de violação de lei.

O erro nos pressupostos de facto constitui uma das causas de invalidade do ato administrativo, consubstanciando um vício de violação de lei que configura uma ilegalidade de natureza material, pois "neste caso, é a própria substância do ato administrativo, é a decisão em que o ato consiste, que contraria a lei. A ofensa não se verifica aqui nem na competência do órgão, nem nas formalidades ou na forma que o ato reveste, nem no fim tido em vista, mas no próprio conteúdo ou no objeto do ato" - Freitas do Amaral, "Curso de Direito Administrativo", 4ª Reimpressão, Vol. II, pag. 390.

Tal vício consiste, por conseguinte, na divergência entre os pressupostos de que o autor do ato partiu para emanar a decisão administrativa final e a sua efetiva verificação na situação em concreto, resultando do facto de se terem considerado na decisão administrativa factos não provados ou desconformes com a realidade, isto é os fundamentos da motivação do ato em causa não existiam ou não tinham a dimensão que foi por ele suposta — cfr. acórdãos do STA de 10-05-2000, Proc.° n.° 44191, de 18-01-2001, Proc.° n.° 45271.

Mais se refere no identificado Acórdão que: "Em termos gerais, sem preocupações de integração categorial na teoria dos vícios, o erro nos pressupostos de facto é o vício do ato administrativo que consiste na (ou resulta da) representação errónea de elementos materiais relevantes para a decisão, ou seja, o que resulta da consideração pela Administração de factos materialmente inexistentes ou erroneamente apreciados. A sua procedência exige a demonstração de desconformidade entre a realidade e a ideia que sobre ela a Administração formou para decidir o que decidiu".

Já quanto ao conceito de "professor especializado" suscitado pela aqui Recorrida/ISS, importa igualmente referir o seguinte:

O artigo 2.° n.° 1 do Decreto Regulamentar n.° 14/81, de 7 de Abril, com as alterações preconizadas pelo Decreto Regulamentar n.º 19/98 comtemplava dentro dos pressupostos definidos, a necessidade de recurso ao "apoio individual por professor especializado", determinante potencialmente da atribuição de Subsídio de Educação Especial.

Tendo a Escola em causa reconhecido a sua incapacidade em termos de recursos para o acompanhamento do jovem em questão, é manifesto que o necessário e legalmente imposto acompanhamento deveria ser assegurado por técnico habilitado para o efeito, que no caso, por se tratar de psicólogo, não deixará de se integrar no conceito de “Professor especializado
O mesmo se dirá relativamente a outras valências clinicas, como sejam os terapeutas da fala, terapeutas ocupacionais, etc., não fazendo sentido restringir o conceito de “Professor especializado” aos professores enquanto conceito restritivamente entendido.

O que está em causa é o acompanhamento dos jovens com deficiência através de técnicos especializados, habilitados em cada uma das valências necessárias, pois que o contrário não resulta do espirito da lei.

Refira-se, aliás, que o Decreto-regulamentar nº 14/81, só veio a ser revogado pelo recente Decreto-Regulamentar nº 3/2016, de 23 de Agosto, o qual veio expressamente a substituir no Artº 2º nº 1 alínea c) a figura do “Professor especializado”, por “técnico especializado”, indo exatamente ao encontro do entendimento aqui preconizado, por forma a acabar com a potencial proliferação de decisões pouco condizentes com o espirito da lei.

Com efeito, lapidarmente se refere no preâmbulo do novel Decreto-regulamentar que “Neste sentido, para que se protejam, de forma mais eficaz, as situações de deficiência que requerem apoio especial, evidenciando maior rigor na atribuição da prestação, torna-se necessário proceder à atualização de alguns conceitos e clarificar aspetos da certificação, dos efeitos da deficiência e do apoio necessário a prestar à criança ou jovem com deficiência, integrados na declaração médica. Com este objetivo introduz-se o conceito de «técnico especializado», entendendo-se ser este conceito menos restritivo do que o de «professor especializado» (Realce a sublinhado nosso).

Em face do teor do parcialmente transcrito preâmbulo do novo Decreto-regulamentar nº 3/2016 e do seu Artº 2, nº 1 alínea c), atenta a sua expressa intenção de “atualização” e “clarificação”, sem prejuízo do precedentemente expendido, mostra-se que o mesmo evidência clara intenção interpretativa, relativamente à pretérita figura do “professor especializado”, que deverá ser entendido como “técnico especializado”.

No que respeita já ao procedimento adotado, tendo a Autora em anos precedentes àquele que aqui está em causa, adotado idênticas diligências, designadamente no ano letivo de 2012/2013, tendo o então requerido merecido decisão favorável, mais se exigiria que perante a inflexão decisória por parte do ISS IP, tal se mostrasse acrescidamente justificado, que não através de uma decisão meramente conclusiva, desacompanhada de qualquer parecer clinico que contrariasse aquele que foi apresentado pela aqui Recorrente.”.

Pelas conclusões a que se chegou já, mostra-se inútil e prejudicada a análise dos restantes vícios invocados no Recurso Jurisdicional apresentado, designadamente no que concerne à invocada inconstitucionalidade, nos termos do nº 1 do artigo 95º do CPTA, o qual refere explicitamente que “Sem prejuízo do disposto no número seguinte, o tribunal deve decidir, na sentença ou acórdão, todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras. (…)”

Adite-se ainda, em reforço, o referido no acórdão proferido no Proc. 125/15.8BEAVR: “Na linha do decidido neste aresto agora transcrito — a que acresce, em termos do desenho da solução final, e continuidade, “conforto” da Resolução da AR nº 113/2016 de 22/06, e Decr. Regul. nº 3/2016, de 23/08 , mutatis mutandis, a conclusão é a do provimento do recurso do Autor.

Em suma, merece provimento o recurso do Autor e, em contraponto, não merece provimento o recurso do Réu.

III.DECISÃO

Termos em que os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte acordam em:

a) Conceder provimento ao recurso do Autor, julgando procedente a acção e condenando o réu à prática de acto que defira a atribuição do subsídio requerido;

b) Negar provimento ao recurso interposto pelo Réu.

Custas pelo Recorrente/Réu ISS, IP.

Notifique e D.N..

Porto, 26 de Maio de 2017
Ass.: Helder Vieira
Ass.: Fernanda Brandão
Ass.: Joaquim Cruzeiro
______________________________________
1 Nos termos dos artºs 144.º, n.º 2, e 146.º, n.º 4, do CPTA, 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4, e 685.º-A, n.º 1, todos do CPC, na redacção decorrente do DL n.º 303/07, de 24.08 - cfr. arts. 05.º e 07.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 41/2013 -, actuais artºs 5.º, 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5, 639.º e 640º do CPC/2013 ex vi artºs 1.º e 140.º do CPTA.
2 Tal como delimitadas pela alegação de recurso e respectivas conclusões, nas quais deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade - artigos 608º, nº 2, e 635º, nºs 3 e 4, 637º, nº 2, 639º e 640º, todos do Código de Processo Civil ex vi artº 140º do CPTA.
3 Para tanto, e em sede de recurso de apelação, o tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida porquanto, “ainda que declare nula a sentença, o tribunal de recurso não deixa de decidir o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito”, reunidos que se mostrem os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas — art. 149.º do CPTA.