Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02417/15.7BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/19/2016
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:SUSPENSÃO DA EFICÁCIA; REQUISITOS; ÓNUS DA PROVA; PENA DE DEMISSÃO;
AGENTE DA PSP; CONDENAÇÃO EM PROCESSO-CRIME POR SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO; CRIME GRAVE; PONDERAÇÃO DE INTERESSES; ARTIGO 120.º, N.º 1 B) E N.º 2 DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS; ARTIGO 342º, N.º2, DO CÓDIGO CIVIL, E NOS ARTIGOS 487º E 516º, ESTES DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL; ARTIGO 32º, N.º2, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA.
Sumário:1. Face ao estatuído no artigo 120.º, n.º 1 b) e n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, são três os requisitos de que depende a concessão de uma providência conservatória (como é o caso da suspensão de eficácia do acto) e cuja verificação é cumulativa: o fumus boni iuris, na sua formulação negativa ou seja, de que não é manifesto o insucesso da acção principal; o periculum in mora, a possibilidade de criação de uma situação de facto consumado ou de prejuízos de difícil reparação; a superioridade dos danos resultantes da sua concessão, relativamente aos que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências.

2. A demissão de um agente da PSP, cujo vencimento, presume-se, é a sua única fonte de rendimentos, é susceptível de provocar uma situação de facto consumado ou prejuízos de difícil reparação, dado provocar necessariamente uma diminuição acentuada do seu nível de vida.

3. É grave e concreto o prejuízo para o interesse público da manutenção ao serviço de um agente da PSP que foi condenado em processo-crime, com sentença transitada em julgado, por crimes graves, em concreto, um crime de ofensa à integridade física qualificada, um crime de coacção grave e um crime de abuso de poder.

4. Ponderando o interesse do requerente em prover à sua subsistência através do recebimento do seu vencimento como agente da PSP e o interesse público no afastamento do serviço do agente que foi condenado por crimes graves, deve prevalecer o interesse público, indeferindo-se o pedido de suspensão da eficácia do acto que aplicou a sanção disciplinar. *
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:RSLON
Recorrido 1:Ministério da Administração Interna
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral: EM NOME DO POVO
Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
RSLON veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 27.11.2015, que indeferiu a providência cautelar deduzida contra o Ministério da Administração Interna para a suspensão de eficácia do acto pelo qual lhe foi aplicada a pena disciplinar de demissão.

Invocou para tanto, em síntese, que a decisão recorrida errou, por errada interpretação e aplicação ao caso concreto, o disposto nas alíneas a), ou subsidiariamente, b) do n.º1 e no n.º2, do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos; isto porque é evidente a procedência da pretensão a deduzir no processo principal, dado que face, ao disposto nos artigos 6.º, n.º 6, da Lei n.º 58/2008 de 9 de Setembro e da alínea d), do n.° 2, do artigo 133.°, do Código do Procedimento Administrativo, estamos perante um acto manifestamente ilegal, a punição disciplinar por uma infracção cujo procedimento prescreveu; em todo o caso, ainda que não fosse evidente esta providência sempre se verificaria uma situação de facto consumado ou de prejuízos de difícil reparação e os demais requisitos para a procedência do pedido de suspensão da eficácia do acto.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Notificado deste parecer, o Recorrente veio reiterar, no essencial, o teor das suas alegações.
*

I - São estas as conclusões das alegações e que definem o objecto do presente recurso:

1ª - O Tribunal a quo não se debruça sobre os fundamentos do periculum in mora, no caso concreto.

2ª - A decisão de demissão acarreta, efectivamente, a impossibilidade de o requerente poder contribuir para o seu sustento, agora que se encontra em situação de liberdade condicional e procura retomar o curso normal da sua vida enquanto cidadão consciente das suas obrigações.

3ª - O acto impugnado ao impossibilitar que o requerente possa recuperar o rendimento do seu trabalho irá, com certeza, dificultar o seu processo de ressocialização agora iniciado.

4ª - Os danos que o não decretamento da providência cautelar causará ao requerente serão de difícil reparação e irão juntar-se a uma injusta condenação penal.

5ª - O Tribunal a quo não se debruça sobre o essencial da “aparência do direito” invocada pelo requerente e fundamenta a sua decisão em normas que não se aplicam ao caso concreto.

6ª - Ao invés do Tribunal a quo se pronunciar sobre a duração máxima do procedimento disciplinar, que é o que está em causa, o Tribunal a quo vem pronunciar-se sobre a prescrição do direito de instauração do procedimento disciplinar.

7ª - O Tribunal a quo, explanando o regime de prescrição de instauração do procedimento criminal estabelecido no Código Penal, conclui que “como desde a prática da infracção (25/07/2008) até à decisão (25/06/2015) decorreram seis anos e onze meses, não se encontram perfeitos os dez anos necessários para que ocorresse a prescrição do procedimento disciplinar.”

8ª - O requerente não invoca a prescrição do direito à instauração do procedimento disciplinar, mas sim a violação do prazo máximo de duração do procedimento disciplinar, que é um prazo bem diferente e que pretende salvaguardar o direito do arguido de ter uma decisão célere acerca dos factos de que vem acusado disciplinarmente. Já depois de iniciado o procedimento disciplinar.

9ª - O Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública não remete para o Código Penal ou para o Código do Processo Penal a fixação do prazo máximo de duração do procedimento disciplinar, como o faz para o prazo de prescrição de instauração do procedimento disciplinar, quando estamos perante infracções disciplinares que constituem ilícito penal.

10ª - Pelo que, nos termos do artigo 66.º do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública, em caso de omissão, a primeira instância a que se recorre é o Estatuto Disciplinar, fixado na Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro.

11ª - O processo disciplinar que aplica ao requerente pena de demissão encontra-se prescrito, já que decorreram mais de 18 meses entre o início do mesmo e a sua decisão final.

12ª - Após a entrada em vigor do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro, dezoito meses é o prazo a ter em conta conforme acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27.09.2011, processo 43/11.9YFLSB.

13ª - O Estatuto é aplicável a todos os trabalhadores que exercem funções públicas, independentemente da modalidade de constituição do respectivo vínculo, dispondo-se no seu artigo 6.º, n.º 6, que o “procedimento disciplinar prescreve decorridos 18 meses contados da data em que foi instaurado quando, nesse prazo, o arguido não tenha sido notificado da decisão final.”

14ª - Contados os 18 meses sobre a data de instauração do procedimento de inquérito que faz parte integrante do procedimento disciplinar, a decisão final do referido procedimento teria que ter sido proferida e notificada ao requerente até 27 de Julho de 2010, o que não aconteceu.

15ª - O procedimento disciplinar prescreveu nos termos referidos, dado que nos termos do artigo 66.º, do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública, se aplicam, subsidiariamente, ao procedimento disciplinar instaurado ao requerente as disposições vertidas no Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local.

16ª - Estão, assim, criadas as condições para que se produza o juízo de prognose que revele a probabilidade de ser dada razão ao requerente na causa principal e, deste modo, assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo.

17ª - O acto que determinou a demissão do requerente padece do vício de violação de lei, nos termos conjugados dos artigos 6.º, n.º 6, da Lei n.º 58/2008 de 9 de Setembro e da alínea d), do n.° 2, do artigo 133.°, do Código do Procedimento Administrativo, pelo que estamos perante um acto manifestamente ilegal.

18ª - Torna-se, assim, evidente a existência de fumus boni iuris do pedido a formular no processo principal, devendo por isso ser adoptada a providência aqui solicitada, ao abrigo do disposto na alínea a), do n.º 1 do artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

19ª -No caso de se entender de forma diferente, mesmo assim deve ser decretada a providência ao abrigo da alínea b), do n.º 1 do artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, por ter ficado provada a existência de fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e não é manifesta a falta de fundamento da pretensão a formular nesse processo.
*
II – Matéria de facto.

O recorrente insurge-se contra as conclusões tiradas pelos Tribunal a quo sobre o pressuposto do periculum in mora ou a produção de prejuízos de difícil reparação sem por em causa, em rigor, o julgamento da matéria de facto indiciada.

Deveremos assim dar como indiciariamente provada a seguinte matéria de facto, com relevo:

A) O autor foi alistado como Agente da Polícia de Segurança Pública em 14 de Novembro de 2005, encontrando-se ao serviço no dia 25 de Julho de 2008 em patrulhamento automóvel nas ruas de Lisboa, onde deteve um cidadão de nacionalidade alemã e o conduziu para a Esquadra (vide processo administrativo e fls. 259).

B) O requerente foi alvo de um processo disciplinar instaurado a 27 de Janeiro de 2009, o qual foi precedido de um processo de Averiguações iniciado a 30 de Julho de 2008 (fls. 2 e 219 do processo administrativo).

C) Em 06 de Fevereiro de 2009, foi dado início à instrução do processo disciplinar, notificada ao arguido (ora requerente) em 19 de Fevereiro de 2009, inquiridas duas testemunhas no dia 25 de Fevereiro de 2009, ouvido o arguido em 11 de Março de 2009 (fls. 224, 225, 253, 245, 246, 267 do processo administrativo).

D) Em 17 de Dezembro de 2010, o instrutor propõe que o processo disciplinar seja suspenso, ao abrigo do artigo 37.º, n.ºs 1 e 3 do Regulamento Disciplinar da PSP, a aguardar a conclusão do processo-crime que se encontrava pendente nos serviços do Ministério Público junto do DIAP de Lisboa; o qual obteve Despacho concordante do Ministro da Administração Interna, em 25 de Junho de 2010, notificado ao Arguido em 02 de Agosto de 2010 (fls. 321, 325 e 332 do processo administrativo).

E) Em 28 de Abril de 2010, pelo Ministério Público foi proferida acusação contra o arguido (ora requerente) da prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, um crime de coacção grave e um crime de abuso de poder (fls. 337 a 347 do processo administrativo).

F) Em 12 de Julho de 2011, foi proferido acórdão pela 5.ª Vara Criminal de Lisboa, que condenou o requerente na prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, de um crime de coacção grave e de um crime de abuso de poder, aplicando, em cúmulo jurídico, a pena única de quarto anos e três meses de prisão; do qual foi interposto recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, que manteve a pena aplicada conforme acórdão proferido em 17 de Outubro de 2012, tendo transitado em julgado em 15 de Janeiro de 2013 (fls. 355 a 374, e 391 a 406 e 407 do processo administrativo).

G) Mediante despacho do Ministro da Administração Interna proferido a 11 de Fevereiro de 2013, foi determinado o levantamento da suspensão do processo disciplinar (fls. 412 e verso do processo administrativo).

H) Em 18 de Outubro de 2013, foi deduzida acusação disciplinar contra o requerente, pela prática das infracções de dever de obediência, de correcção, de aprumo e de zelo, notificada ao arguido a 25/10/2013 (fls. 447 a 453 verso e 462 do processo administrativo).

I) O arguido apresentou a sua defesa em 21/11/2013, na qual arrolou seis testemunhas, que foram inquiridas nos dias 4, 5 e 11 de Dezembro de 2013 (fls. 473 a 482, 510 a 518, 521 a 523 do processo administrativo).

J) Em 03/03/2015, foi elaborado relatório final do processo disciplinar (o qual se dá como reproduzido para todos os efeitos legais) que propôs a pena disciplinar de demissão, por considerar infringidos os deveres de obediência, correcção, aprumo e de zelo, a qual foi acolhida por despacho de 25/06/2015 da Ministra da Administração Interna, notificada ao requerente em 30/07/2015 (fls. 690 a 707 verso e 726 a 726 e 731 do processo administrativo).

K) O relatório final do processo disciplinar, deu por assentes a seguinte factualidade:

«1.º O arguido RSLON é agente da Polícia de Segurança Pública a, entre as 13H30 e as 19H30 do dia 25 de Julho de 2008, esteve em serviço de patrulhamento automóvel, o que fez na companhia do agente OM. O arguido era o arvorado do veículo policial, o qual ostentava a chapa com a matrícula **-**-18 e correspondia ao carro-patrulha 11.03 da 1ª Divisão da Polícia de Segurança Pública de Lisboa.

2.ºO arguido e o seu colega OM iam uniformizados com o fardamento próprio da referida Corporação e apresentavam ao peito o seu brasão, vulgo crachá.

3.º Entre as 16H00 e as 16H30 desse dia 25 de Julho de 2008, ABG, cidadão alemão, a frequentar o 4.º ano do Curso Universitário de Linguística Geral na Universidade de Potsdam e, no momento, a cursar o programa Europeu ERASMUS na Universidade Nova de Lisboa, deslocou-se, juntamente com a sua namorada RFVG, para o Museu de Arte Antiga, sito na Rua das Janelas Verdes, em Lisboa.

4.º Para tanto. na Praça do Comércio, em Lisboa, a RFVG entrou para o veiculo eléctrico da Carris que efectuava a carreira n.25, ao mesmo tempo que o ABG se pendurou na parte exterior do mesmo veículo, agarrando-se a um varão metálico situado junto da porta traseira.

5.º O veículo eléctrico iniciou a sua marcha e o ABG seguiu viagem agarrado ao mesmo, nas circunstâncias já descritas, ou seja "pendurado" na sua parte exterior.

6.º Cerca das 17H00, o veículo policial conduzido pelo agente OM, no qual o arguido se fazia transportar, circulou pela Rua da Boavista, em Lisboa, ao mesmo tempo que também por aí circulava o veículo eléctrico que fazia a carreira n. 25 e no qual seguia agarrado o ABG.

7.ºAo verem o ABG a circular no exterior do veículo eléctrico e agarrado ao mesmo, logo o arguido RSLON e o seu colega OM acordaram em abordá-lo e conduzi-lo a uma Esquadra da Policia de Segurança Pública.

8.ºAssim, logo que o veiculo eléctrico se imobilizou na paragem sita no Largo Conde Barão, o agente OM imobilizou o veiculo policial e, em acto contínuo, ele e o arguido dirigiram-se ao ABG que continuava agarrado à parte traseira do veículo eléctrico.

9.º Chegados junto do ABG, o arguido e o seu colega agarraram-no e puxaram-no, ao mesmo tempo que lhe gritavam, razão pela qual aquele largou o varão.

10.º O ABG, que não era titular de qualquer titulo de transporte válido que lhe permitisse viajar no veiculo eléctrico, informou o arguido e o seu colega que se fazia acompanhar dos seus documentos de identificação e que a sua namorada Rebeca se encontrava no interior do veiculo eléctrico.

11.ºO arguido e o seu colega OM recusaram-se a identificar o ABG no local e, exaltados, disseram-lhe que tinha de os acompanhar à Esquadra e que iria sozinho. De seguida, de forma brusca, o arguido e o seu colega empurram o ABG para o veículo policial, sentando-o no banco traseiro. O arguido e o seu colega entraram para o mesmo veículo e este conduziu-o para a 3.ª Esquadra da 1.ª Divisão, sita nas Mercês - Bairro Alto, em Lisboa.

12.º Durante o percurso até à mesma Esquadra, o ABG seguiu no banco traseiro com o arguido e o agente OM ligou os sinais sonoros de emergência (sirenes), que estiveram accionados durante todo o trajecto.

13.ºJá no exterior da Esquadra das Mercês, o ABG informou o arguido e o seu colega OM que era cidadão alemão, disse-lhes o seu nome e estendeu-lhes mão num sinal de cumprimento. Porém, o arguido e o seu colega não responderam ao cumprimento e conduziram o ABG para o interior da Esquadra.

14.º Uma vez dentro da Esquadra, o arguido e o seu colega conduziram o ABG para uma sala e ordenaram-lhe que colocasse os seus objectos pessoais em cima de um mesa, o que este fez, aí colocando tudo o que tinha nos, bolsos, inclusive cannabis com peso concreto não apurado, mas seguramente perto de 2 gramas.

15.º De seguida, o ABG solicitou ao arguido que o deixasse fazer uma chamada telefónica, sendo que este ordenou ao ABG que se calasse e disse-lhe que ali eram eles quem faziam perguntas. O ABG pediu, então, que lhe dessem um copo de água, mas o arguido e o seu colega negaram dar-lhe de beber.

16.º Em acto contínuo, com o fundamento que o ABG "se tratava de um suspeito que havia fugido à polícia" e que '"tinha causado distúrbios", o arguido e o seu colega acordaram em fazer um "revista minuciosa" ao mesmo indivíduo. a qual consistia em retirar-lhe as peças de roupa, verificar as costuras da roupa e as mangas dobradas.

17.º Assim, o arguido e o seu colega ordenaram ao ABG que se despisse. Este obedeceu e tirou todas as peças de vestuário, à excepção das cuecas, De imediato, o arguido RSLON e o seu colega OM ordenaram ao ABG que despisse as cuecas, sendo que este se mostrou indignado e ficou revoltado, afirmando que tal pedido era uma violação dos seus direitos e que os agentes não podiam exigir tal procedimento.

18.º Perante o não acatamento da sua ordem, o arguido e o seu colega calçaram luvas de couro e, agindo em comunhão de vontades e em conjugação de esforços, dirigiram-se ao ABG e, ao mesmo tempo que lhe diziam para fazer o que lhe mandaram, desferiram-lhe vários murros na cara, têmporas e nas orelhas, assim lhe provocando dores.

19.º O ABG levantou-se e, a correr, dirigiu-se para a porta da sala que se encontrava aberta. Porém, logo surgiram dois elementos policiais, não identificados, os quais empurraram o ABG para dentro da sala, projectando-o ao solo.

20.º Com o ABG caído no solo e impossibilitado de se defender, o arguido, o seu colega OM e outro elemento policial não identificado, pisaram-no por várias vezes e desferiram-lhe vários pontapés que o atingiram nas costas, no peito e nas pernas, provocando-lhe dores.

21.ºO ABG gritou por socorro, sendo que o erguido, o seu colega OM e outro elemento policial não identificado, rindo-se, disseram "a pedir ajuda? Aqui?".

22.º Amedrontado e com receio de continuar a ser agredido se não obedecesse ao arguido e ao seu colega OM, o ABG despiu as cuecas e ficou totalmente nu.

23.º De seguida, o arguido RSLON ordenou ao ABG que se colocasse de cócoras e flexionando as pernas se baixasse e levantasse, o que este fez. O arguido ordenou ao ABG que repetisse este exercício por quatro ou cinco vezes, o que o mesmo fez.

24.º O arguido e o seu colega ordenaram, então; ao ABG que vestisse as cuecas ao mesmo tempo que verificaram todos os seus objectos e bens e lhe solicitaram que lhes indicasse a sua morada. O arguido RSLON ordenou ao ABG que ligasse e desligasse o seu telemóvel, anotando num papel o respectivo código secreto (PIN).

25.º O ABG voltou a pediu que lhe dessem um copo de água, mas o arguido e o seu colega de novo negaram dar-lhe de beber.

26.º O arguido RSLON disse, dirigindo-se ao ABG, "isto aqui é o Bairro Alto, nós aqui somos as autoridades e tu não tens nada a mexer aqui" e depois, apontando para as respectivas chapas de identificação, acrescentou "eu chamo-me N... e o mau colega é o OM..., espero não voltar a ver mais a tua cara nem aqui no Bairro Alto, nem no Cais Sodré, que é a minha zona".

27.º Após inquirir, por várias vezes, o ABG se o mesmo tinha percebido, o arguido RSLON disse-lhe para se vestir, guardar os seus objectos e abandonar a Esquadra.

28.º Logo que o ABG se vestiu e guardou os seus bens e valores, o agente OM conduziu-o à porta da Esquadra e disse-lhe que se podia ir embora. De imediato, o ABG abandonou a Esquadra.

29.ºO ABG entrou em contacto telefónico com a RFVG e, juntos, dirigiram-se à Esquadra da Lapa onde o ABG apresentou queixa pela ocorrência dos factos acima descritos. De seguida, o ABG deslocou-se ao Hospital de São José, onde deu entrada às 20H38 no serviço de urgência, registo n.º 8146791.

30.º Como consequência directa e necessária da conduta do arguido e do seu colega OM, o ABG sofreu dores e traumas múltiplos em lodo o corpo, hematoma retroauricular esquerdo, escoriação no cotovelo direito, no hipocôndrio e nas costas, cervicalgias, lesões que lhe determinaram oito dias de doença, sendo cinco com afectação da capacidade para o trabalho geral.

31.º Quando o ABG foi conduzido à Esquadra das Mercês pelo arguido e pelo seu colega OM, sobre o mesmo não havia qualquer suspeita que tivesse praticado crime, nem era conhecida a pendência de processo de extradição ou de expulsão.

32.º O arguido tinha conhecimento que a posse, por parte do ABG, de cannabis com cerca de 2 gramas, constituía contra-ordenação e, como tal, deveria ler apreendido tal produto, elaborar os respectivos autos de apreensão e de notícia, o que conscientemente omitiu.

33.º O arguido RSLON e o seu colega OM agiram concertadamente, em comunhão de vontades e em conjugação de esforços para atingirem o corpo do ABG e lhe provocarem lesões no corpo e na saúde, desiderato que lograram concretizar.

34.º O arguido, ao agir como acima descrito em conjunto com o agente OM e outros dois colegas estava ciente da superioridade física e numérica em relação ao ABG, o qual estava efectivamente impossibilitado de se defender e de pedir socorro, aproveitando tal possibilidade para o agredir fisicamente.

35,º O arguido e o seu colega OM agiram concertadamente, em comunhão de vontades e em conjugação de esforços para, através do uso de violência física e psíquica e da intimidação, forçarem o ABG a despir as cuecas, o que ele não queria fazer, manifestando oposição, desiderato que lograram concretizar.

36.º O arguido RSLON sabia que ao agir da forma descrita, em conluio com o seu colega OM, estava a usar os poderes que, na sua qualidade de agente da Polícia de Segurança Pública, lhe estavam confiados em razão da lei e que usava tais poderes para fins não legalmente previstos e em razão exclusiva dos seus interesses pessoais, desejo que logrou concretizar, como era de sua vontade.

37.º O arguido foi condenado, no âmbito do processo comum colectivo registado sob o nuipc.438/08.5.SG.LSB. pela prática dos factos acima descritos, pela coautoria material de:

- um crime de ofensa à integridade física qualificada, p.p. nos arts.143.º n.1, 145.° ns.1 al. a) e 2, com referência ao ali. 132. o n."2 ai. h), todos do Código Penal, na pena de dois anos de prisão;

- um crime de coacção grave, p.p. nos arts.154.º n.1 e 155.° n. 1 al. d) todos do Código Penal, na pena de três anos de prisão;

- um crime de abuso de poder, p.p. nos arts.383.º do Código Penal, na pena de um ano e seis meses de prisão;

Em cúmulo jurídico, o arguido foi condenado na pena única de quatro anos e três meses de prisão.

38.º Esta sentença transitou em julgado a 15 de Janeiro de 2013 e o arguido encontra-se preso no Estabelecimento Prisional de Évora a cumprir a respectiva pena.

39.º O arguido RSLON, na qualidade de Agente da Polícia de Segurança Pública, tinha pleno conhecimento do quadro legal e regulamentar do recurso à força física, da condução de suspeitos à Esquadra para identificação e de que a posse de cannabis para consumo constituía a prática de contra-ordenação.

40.º O arguido tinha, também, conhecimento do teor da Norma de Execução Permanente, datada de 1 de Junho de 2004, da Direcção Nacional da Polícia de Segurança Pública sobre os Limites ao Uso de Meios Coercivos.

41.º Perante o quadro acima exposto. a utilização da força física contra o ABG por parte do arguido foram efectuadas fora e em oposição à referida Norma de Execução Permanente, de 01/0612004, da Direcção Nacional da Policia de Segurança Pública sobre os limites ao Uso de Meios Coercivos, designadamente a al. b) do n.º 3 do Capitulo I, por violação do princípio da necessidade.

42.º Integrando, ainda, a referida conduta do arguido a violação do preceituado nos arts. 3.º, 7.º, n. 1 e 8 ns 1 e 2 do Código Deontológico do Serviço Policial, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros, nº 37/2002, de 28 de Fevereiro, normativos esses de que o arguido, também, linha conhecimento.

43.º O arguido agente RSLON agiu com plena consciência do carácter disciplinarmente censurável do seu comportamento, bem sabendo que a sua conduta era punida, porque proibida por lei.

44.º Com a sua conduta colocou o erguido em causa, de forma grave, a capacidade funcional e o prestígio da Polícia de Segurança Pública.

45.º O arguido ingressou na Policia de Segurança Pública no dia 14 de Novembro de 2005, encontrando-se, na data da prática dos factos, colocado na classe de comportamento exemplar e, actualmente, na primeira classe: foi disciplinarmente punido, na Escola Prática de Polícia em 6 de Julho de 2006, com uma pena de quatro dias de não concessão de dispensas a, no Comando de Lisboa, em 6 de Outubro de 2009, com uma pena de repreensão escrita.

46.º Milita a favor do erguido a circunstância atenuante enunciada no art.52.º, n.1 alínea c) do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública, uma vez que o arguido possuía, à data dos factos, pouco tempo de serviço.

47.º Milita a favor do arguido a circunstância atenuante enunciada no art.52.º, n.1 alínea g) do mesmo Regulamento Disciplinar, uma vez que o mesmo foi louvado em 4 de Março de 2011, pelo Comandante Metropolitano de Lisboa.

48.º Contra o arguido militam as circunstâncias agravantes enunciadas no art. 53.º, n.1 alíneas d), e), f) e i) do referido compêndio legal (infracção cometida em acto de serviço ou por motivo do mesmo, a infracção praticada em conluio com outros, ser a infracção comprometedora da honra, brio, decoro profissional e prejudicial ao serviço e a acumulação de infracções).

49.º Não se verificam quaisquer circunstâncias dirimentes da responsabilidade disciplinar do arguido (cfr. art.51.º do Regulamento Disciplinar em causa).

(…)».

L) O requerente no ano de 2014, auferiu o rendimento de € 267,89 (vide declaração de IRS de 2014).


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III - Enquadramento jurídico.

1. A evidência da procedência da pretensão a deduzir no processo principal; a alínea a) do n.º 1 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Determina a alínea a) do n.º 1 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que uma providência cautelar é decretada quando seja evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal.

Algo evidente é algo que não oferece dúvida, incontestável, certo (ver dicionário no sítio http://www.priberam.pt/).

O que é evidente não precisa de ser explicado, para um destinatário mediano, bem entendido. O que precisa de explicação já não é evidente.

Aqui falamos, claro está, de uma evidência não meramente lógica mas jurídica, a evidência de que a pretensão é procedente.

Mas para não se descolar os conceitos jurídicos do conceito comum, de forma a que os destinatários das decisões as possam compreender o melhor possível, só poderemos dar por preenchida esta previsão legal quando a procedência se imponha claramente, seja incontestável, certa para quem tem o mínimo de formação jurídica.

Só nos casos em que procedência da pretensão se mostre indiscutível, patente e, por isso, a decisão final do processo principal, salvo circunstâncias anormais e imprevisíveis, se mostre como algo certo, inexorável, se pode dizer que a procedência é evidente (neste sentido ver os acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 19.1.2006, recurso 01295/05, e de 28-06-2007, recurso 02225/07).

Pois apenas nestes casos se justifica a desnecessidade de demonstrar os requisitos exigidos por lei para o decretamento das providências cautelares, em concreto os que são exigidos nas restantes alíneas do mesmo n.º1, e no n.º 2, do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

São, portanto, raros os casos em que esta previsão se pode dar por preenchida.

Como dizem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, no Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, ed. 2005, p. 120, “Os próprios exemplos que o legislador indica no preceito sugerem, porém, que este preceito deve ser objecto de uma aplicação restritiva: a evidência a que o preceito se refere deve ser palmar, sem necessidade de quaisquer indagações”.

Ou, como se refere, entre outros, no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 29.04.2010, processo 02484/09.2BEPRT:

“Só em relação aos vícios graves, aqueles que concretizam uma lesão insuportável dos valores protegidos pelo direito administrativo e que por isso implicam a nulidade do acto, é que é possível verificar o requisito previsto no artigo 120º, alínea a) do CPTA porque em relação à violação de preceitos de forma em sentido amplo, o que inclui a forma e o próprio procedimento, incluindo vícios cominados com a anulabilidade, nem sempre a preterição da forma conduz à anulação.”

Fora das situações em que a solução jurídica se imponha sem necessidade de qualquer indagação ou explicação para além da simples indicação da evidência, e das situações de vícios graves, impõe-se demonstrar os requisitos para o deferimento da providência, mencionados nas aludidas alíneas b) e c).

Ora todas as questões aqui suscitadas, reportadas ao processo principal, envolvem um estudo minimamente aprofundado.

Defende o recorrente que se deve considerar no caso concreto o disposto no artigo 6.º, n.º 6, da Lei n.º 58/2008 de 9 de Setembro, para considerar prescrito o procedimento disciplinar dado ter decorrido desde o seu início até à prolação da decisão punitiva mais de 18 meses, prazo previsto neste preceito, pelo que o acto punitivo é inválido.

Já a entidade demandada defende que ao caso não se aplica a Lei n.º 58/2008 de 9 de Setembro, mas antes o disposto no nº 2 do artigo 55º do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública que determina aplicar-se ao procedimento disciplinar o “prazos de prescrição do procedimento criminal”. E, como se considerou na decisão recorrida o prazo de prescrição seria o estabelecido na alínea b) do n.º 1 do artigo 118.º do Código Penal, ou seja, dez anos para extinção do procedimento disciplinar por prescrição. Havendo, em todo o caso, de considerar o período de suspensão do procedimento disciplinar.

Conclui-se, portanto, que no caso presente não é evidente nem a procedência, como pretende o recorrente, nem a improcedência da pretensão a deduzir no processo principal, afastando-se aqui a aplicação do disposto na alínea a) do n.º1 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Cabe agora verificar se estão preenchidos os critérios referidos na alínea b) do mesmo preceito, dado estarmos perante uma típica providência conservatória.

Determina este preceito:

“Quando, estando em causa a adopção de uma providência conservatória, haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito”.

Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.10.2009, Proc. n.º 0826/09, reiterando entendimento jurisprudencial que ali invoca, face “… ao art. 120.º, n.º 1 b) e n.º 2 do CPTA, são três os requisitos de que depende a concessão de uma providência conservatória (como é o caso da suspensão de eficácia do acto) e cuja verificação é cumulativa: - o fumus boni iuris, na sua formulação negativa; - o periculum in mora; - a superioridade dos danos resultantes da sua concessão, relativamente aos que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências”.

No que diz respeito, desde logo, ao fumus non malus iuris, sustentou-se, impressivamente, no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13.05.2009, proc. n.º 0156/09, que o «tribunal apenas se deve basear, para a formulação dos juízos a que se refere o art. 120.º, numa apreciação perfunctória, que é própria da tutela cautelar, sobre a (in)existência de circunstâncias que possam obstar ao conhecimento do mérito da causa e sobre a probabilidade de êxito que o requerente poderá ter no processo principal. Trata-se, pois, de juízos formulados sob reserva de, no processo principal, se poder chegar a uma conclusão diferente».

O critério do “fumus boni iuris”, aqui na sua formulação negativa, é, nestes casos da alínea b) do n.º 1 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, mais suave (ver Mário Aroso de Almeida, “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, 2005, 4ª edição revista e actualizada, pág. 310) ou seja, a providência deve ser decretada (se estiverem preenchidos os outros pressupostos) se não existirem elementos que tornem evidente a improcedência ou a inviabilidade da pretensão material.

Também não se pode dizer, no caso, que face aos termos, discutíveis da controvérsia que torna, ao menos, plausível, a posição do requente, deverá ter-se como verificado este pressuposto, ao contrário do decidido.

Quanto ao “periculum in mora”, refere, Mário Aroso de Almeida (in, obra citada, pág. 309) que “se não falharem os demais pressupostos, a providência deve ser concedida se dos factos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade. É este o único sentido a atribuir à expressão “facto consumado””.

Continua este autor a referir que a providência deve também ser concedida, sempre pressupondo que não falhem os demais pressupostos (...) quando os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que se a providência for recusada, essa reintegração no plano os factos será difícil (…), ou seja, nesta segunda hipótese, trata-se de aferir da possibilidade de se produzirem “prejuízos de difícil reparação”.

Por seu lado quanto a esta questão, refere Vieira de Andrade, in “ A Justiça Administrativa 4º ed. p. 298, que:

“O juiz deve, pois, fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por entretanto se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstem à reintegração específica da sua esfera jurídica.

Analisando a nossa situação concreta verificamos que estamos perante uma situação potenciadora de causar prejuízos de difícil reparação.

Antes de mais importa referir que não subscrevemos a seguinte fundamentação da decisão recorrida na parte em que considerou a matéria de facto não indiciada:

“Que as economias do Requerente se tenham esgotado, por falta de prova sobre o assunto. Assim, competia ao Requerente apresentar documentos bancários, a mencionar não deter depósitos, ou declaração do Banco de Portugal na qual se fizesse menção das contas bancárias por si tituladas, ou inexistência das mesmas.”

Na verdade a prova que aqui interessa, meramente indiciária não se compadece com tão exigente prova, de resto difícil de obter: solicitar a todas as entidades bancárias declarações de que não tem ali qualquer depósito ou ao Banco de Portugal que não tem contas bancárias.

De resto, tendo o autor afirmado que não tem qualquer fonte de rendimento regular e não tendo esta afirmação sido contraditada pela entidade demandada na sua oposição deverá concluir-se que a mesma se verifica – n.º4 do artigo 83º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Na verdade estamos perante a aplicação de uma pena disciplinar de demissão.

Tem sido jurisprudência assente que a aplicação de uma pena disciplinar acarreta, desde logo, uma situação que pode ser considerada irreversível pelo decurso do tempo. Na verdade cumprida que esteja a pena disciplinar, estaremos perante um facto consumado que dificilmente poderá ser reposto.

Ver neste sentido Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 24.05.2007, no processo n.º 1014/06.4BECBR ainda que quanto a outras penas disciplinares não tão gravosas (ponto I do sumário):

“A não suspensão da execução do acto administrativo que aplicou uma pena disciplinar de 200 dias de suspensão efectiva implica no imediato duas consequências gravosas: por um lado reduz substancialmente o rendimento mensal do funcionário com o qual faz face às suas despesas diárias e naturalmente que isso irá implicar uma diminuição da sua qualidade de vida, ainda que não afecte os meios indispensáveis à sua subsistência condigna -perigo de retardamento, por outro lado cria uma situação de facto consumado, já que, a ser cumprida de imediato tal pena disciplinar, se o funcionário vier a ter ganho de causa nos autos principais já arcou com as consequências gravosas desse cumprimento e não é mais possível reconstituir a situação que existiria uma vez que cumpriu ilegalmente uma pena disciplinar – perigo de infrutuosidade”.

No caso, a aplicação da pena de demissão, ainda que venha a ser revertida, leva a que o requerente deixe de perceber o seu vencimento na totalidade.

Ora, só esse facto é potenciador de se poder concluir que se verifica este pressuposto, de uma situação de facto consumado, sem necessidade de quaisquer outras considerações, pois terá de viver num determinado período de tempo sem contar com o seu vencimento, pois vê-se sem fontes de rendimento, tendo de se socorrer necessariamente da ajuda de terceiros.

Em todo o caso, na situação de grave crise de emprego em que nos encontramos, não será fácil, acabado de sair da prisão, encontrar com facilidade novo emprego, pelo que sofrerá prejuízos de difícil reparação, dificuldade em prover ao sei próprio sustento e conseguir um nível de vida digno.

Pelo que também este requisito se deverá ter por verificado, ao contrário do decidido.

A ponderação de interesses.

Como nos diz Cármen Chinchilla Marín em “La tutela cautelar en la nueva justicia administrativa”, Civitas, Madrid, 1991, pág. 163: “… o interesse público há-de ser específico e concreto, ou seja, diferenciado do interesse genérico da legalidade e eficácia dos actos administrativos …”

Deste modo, só quando as circunstâncias do caso concreto revelarem de todo em todo a existência de lesão do interesse público que justifique a qualificação de grave e se considere que essa qualificação deve prevalecer sobre os prováveis prejuízos causados ao requerente é que se impõe a execução imediata do acto, indeferindo-se, por esse facto, o pedido de suspensão. – Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 13.01.2005, Proc. n.º 959/04.9BEVIS.

Neste aspecto tem de se ponderar o interesse do requerente em continuar em funções e perceber o seu vencimento e por outro lado o interesse público invocado pela entidade requerida.

A entidade requerida vem mesmo sustentar, na oposição que deduziu e na resolução fundamentada que apresentou que o regresso do requerente ao serviço “constituiria um grave prejuízo para o interesse público, porque poderia inculcar no espírito dos cidadãos a ideia de que a Administração Pública não censura o abuso de poder já punido criminalmente”.

O que é verdade.

Para além de que acarretaria a descredibilização da Polícia de Segurança Publica e o risco para a manutenção da disciplina na corporação.

O requerente foi condenado, com trânsito em julgado, e esse facto não pode ser aqui contornado.

Foi condenado por um crime de ofensa à integridade física qualificada, um crime de coacção grave e um crime de abuso de poder, cumpriu pena de prisão e encontra-se em liberdade condicional.

Ora, a um agente da Polícia de Segurança Pública é exigível um comportamento exemplar no exercício das suas funções. Se para um qualquer cidadão a prática dos factos pelos quais foi condenado o requerente têm de ser considerar graves, muito mais o é para um agente da PSP, a quem compete prevenir a criminalidade e a prática de quaisquer actos contrários à lei. O poder vir a exercer o seu trabalho, nesta fase, quer para o público em geral, quer para dentro da corporação, era estar a dar uma imagem negativa do funcionamento dos serviços, aliada a uma eventual imagem de impunidade resultante de determinados comportamentos considerados graves.

Como se refere no recentíssimo acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11-04-2012, no processo n.º 0239/12 de 11-04-2012, ainda que quanto à prática de um outro ilícito disciplinar e criminal:

“Deste modo, o eventual retorno da requerente às funções, por se suspender a eficácia do acto, feriria grave e incompreensivelmente o interesse público a que ele se inclina. É que, estando ela já condenada, disciplinar e criminalmente, pela apropriação de dinheiros públicos, esse seu regresso à actividade funcional seria encarado como uma estupefactiva transigência com condutas do género e como a denegação, mesmo que transitória, da justiça já aplicada – tudo redundando, afinal, na desmoralização dos demais funcionários e num sério desprestígio dos tribunais. Portanto, o interesse público na imediata execução do acto aplicador da pena expulsiva sobreleva claramente o interesse privado da requerente em reingressar nas anteriores funções”.

Assim sendo, sopesados os interesses em jogo, é forçoso optar pelos interesses associados à não suspensão do acto ora em crise, para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

O que impõe o indeferimento do pedido de suspensão, tal como decidido pela sentença recorrida, embora por diversos fundamentos.


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IV- Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.

Custas pelo Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.

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Porto, 19 de Fevereiro de 2016.
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Hélder Vieira
Ass.: Alexandra Alendouro