Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01832/07.4BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/27/2008
Relator:Aníbal Ferraz
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL - GARANTIA - EFEITO SUSPENSIVO
Sumário:1. Inovadoramente, o Código de Procedimento e de Processo Tributário/CPPT, aprovado pelo DL. 433/99 de 26.10., passou a prever, no n.º 3 do seu art. 103.º, a possibilidade de a impugnação judicial ter efeito suspensivo “mediante garantia adequada a solicitar, conceder e prestar nos termos do artigo 199.º”. Por efeito das alterações produzidas pela L. 15/2001 de 5.6., tal possibilidade manteve-se, deslocando-se para o n.º 4 do mesmo normativo e passando a estar sujeita a requerimento do contribuinte, devendo a garantia adequada, fixada com respeito pelos critérios e termos referidos no art. 199.º n.º 1 a 5 e 9 CPPT, ser prestada nos 10 dias seguintes à notificação, para o efeito, efectivada pelo tribunal.
2. Na medida em que, a par desta novel faculdade, se manteve a previsão de ser possível a suspensão da execução, nos moldes positivados no art. 169.º CPPT, procedimento, inquestionavelmente, da competência e responsabilidade do órgão da execução fiscal, temos de conceder, desde já, ter sido intenção do legislador tributário o estabelecimento de dois institutos/regimes diferentes, com campos de aplicação e modos de processamento diversos, visando atingir finalidades, necessariamente, díspares, não totalmente coincidentes, apesar de patentearem o denominador comum da eficácia suspensiva, em ambos os casos decorrente da prestação ou existência de garantia idónea, adequada.
3. Versando a previsão do art. 103.º n.º 4 CPPT, é tautológico afirmar estarmos em presença de uma faculdade concedida ao contribuinte de pedir, requerer, ao tribunal tributário (e não ao órgão da execução fiscal ou qualquer outro da AT), competente para apreciar e decidir a impugnação judicial, que diligencie no sentido de quantificar, de fixar, o montante da garantia capaz de, sendo prestada por aquele, conferir, outorgar, efeito suspensivo ao concreto processo de impugnação em que é requerida.
4. No que tange às incidências e repercussões de uma impugnação judicial deter eficácia suspensiva, por virtude da prestação de garantia nos termos e para os efeitos do normativo em apreço, importa, destacadamente, ter presente que esse efeito suspensivo obsta à instauração de processo de execução fiscal, desde que o processo impugnatório seja apresentado antes do termo do prazo de pagamento voluntário do tributo objecto de impugnação. Neste sentido, cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado, 4.ª Edição, Vislis, pág. 467.
5. Sem prejuízo de estar na disponibilidade do contribuinte/impugnante escolher o momento, do normal devir processual, em que pretende actuar o facultado efeito suspensivo da impugnação, tem de entender-se que, uma vez exercitada tal possibilidade, faculdade, legal, deflagra um incidente a merecer imediata e privativa consideração, tratamento e decisão, por parte do tribunal competente, em ordem a salvaguardar todos os interesses daquele, no momento que escolheu para accionar o versado mecanismo de lei.
6. Se o requerimento a solicitar a prestação de garantia for contemporâneo (integrando, eventualmente) da petição inicial do processo de impugnação judicial, impende sobre o tribunal tributário a obrigação de, previamente, antes de mais, providenciar pelos termos e diligências pertinentes para apreciação e decisão desse específico pedido e apenas quando decidido o incidente, no sentido de a impugnação ter efeito suspensivo ou não, empreender a normal tramitação do processo.
7. O despacho (do Chefe do SF) sob reclamação, apesar de não desrespeitar, de forma directa, a previsão do escalpelizado art. 103.º n.º 4 CPPT, apresenta-se-nos, reflexamente, inquinado pelo facto de o tribunal competente, para os termos do accionado processo de impugnação judicial, se ter, ostensivamente, demitido da imposição do mesmo decorrente de deferir ou indeferir a requerida, pelo aí impugnante, ora Recorrente, prestação de garantia, susceptível de induzir eficácia suspensiva nesse processo, a qual, além do mais, seria capaz de impedir a instauração do presente processo de execução fiscal.
8. Deste modo, o contribuinte/impugnante viu, por efeito da actuação omissiva do tribunal, postergados os seus direitos e foi confrontado com a prática de um acto (a emissão do despacho reclamado) que, não encerrando, em si, uma ilegalidade, consubstancia uma clara e necessária lesão dos seus interesses, enquanto sujeito passivo de uma relação jurídico-tributária, à qual importa pôr cobro, abrindo a possibilidade de o tribunal decidir a impetrada prestação de garantia, no âmbito do processo impugnatório.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:I
MIGUEL LUÍS , contribuinte n.º e com os demais sinais dos autos, apresentou, nos termos do art. 276.º CPPT, reclamação de decisão do órgão da execução fiscal.
Não se conformando com a sentença que a decidiu, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, interpôs o presente recurso jurisdicional, que acompanhou de alegações, concluídas nos termos seguintes: «
1.ª - Vem o presente recurso interposto da douta sentença de fls. 96/107 que julgou improcedente a reclamação de fls. 3/17, mantendo “o acto do órgão de execução fiscal reclamado” (fls. 107);
2.ª - O ora Recorrente foi oportunamente notificado para pagar, no mês de Abril de 2007, a 1.ª prestação do IMI que lhe foi liquidada com referência aos prédios de que é proprietário e ao ano de 2006;
3.ª - Dentro da data de vencimento daquela dívida, o ora Recorrente entregou, em 26-04-2007, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto uma petição de impugnação em que pediu a anulação da liquidação efectuada em IML ano de 2006, reportada ao seu prédio inscrito no artigo 1514 da matriz urbana da freguesia de Nevogilde (Porto) - fls. 13;
4.ª - Requereu o ora Recorrente, em simultâneo com o pedido de anulação do imposto, a prestação de garantia bancária para o imposto impugnado, nos termos e com os efeitos previstos no art. 103.º/4 do CPPT (fls. 14), facto que a douta sentença recorrida não incluiu, como devia ter feito, nos factos que deu por provados;
5.ª - Embora sem nenhuma obrigação de o fazer, mas à cautela e no seu próprio interesse, o ora Recorrente informou, por escrito, o Serviço de Finanças competente de que impugnara a liquidação acima identificada e, no mesmo articulado, requerera ao Tribunal a prestação de garantia, nos termos e com os efeitos previstos no art. 103.º/4 do CPPT - fls. 15;
6.ª - Desconsiderando o pedido de prestação de garantia apresentado pelo ora Recorrente ao Tribunal (fls. 14) e a informação por este prestada pelo seu requerimento de fls. 15,
7.ª - foi o ora Recorrente notificado do despacho reclamado, para prestar garantia no processo de execução fiscal instaurado no Serviço de Finanças competente para arrecadação da 1.ª prestação do imposto impugnado (IMI - 2006) - fls. 12;
8.ª - Embora discordasse da decisão administrativa que lhe ordenou a prestação de garantia, já anteriormente requerida ao Tribunal e nele pendente, o ora Recorrente prestou, à cautela, essa garantia (fls. 27 e 28), assegurando, deste modo, sem qualquer dúvida, a subida imediata da presente reclamação;
9.ª - É claro, para o ora Recorrente, o equívoco em que incorre a douta sentença sob recurso ao julgar válido o despacho reclamado.
10.ª - Esse equívoco começa na desvalorização do pedido feito pelo ora Recorrente na sua petição de impugnação do IMI de 2006, para que seja o Tribunal a fixar-lhe a garantia bancária a prestar, nos termos e com os efeitos previstos no art. 103.º/4;
11.ª - Em tão pouca consideração teve a douta sentença recorrida este ponto fundamental da questão que não o levou, como se impunha, à matéria de facto dada por assente;
12.ª - Na verdade, a garantia que o ora Recorrente se dispôs a prestar, só pelo Tribunal lhe podia ser fixada;
13.ª - Nessa data (26-04-2007) não havia qualquer valor em relaxe, não havendo, por isso, qualquer execução instaurada;
14.ª - Nem teria havido (ou, a ter sido instaurada, estaria suspensa) se o Tribunal tivesse, entretanto, despachado o requerimento do ora Recorrente, apresentado nos termos do art. 103.º/4 do CPPT;
15.ª - Não é a falta desse despacho - oportunamente solicitado - que outorga competência à AF para ser ela a fixar a garantia;
16.ª - Enquanto se não verificar a prolação daquele despacho, a AF não se pode substituir ao Tribunal, fixando ela, como fez no despacho reclamado, a garantia a prestar pelo ora Recorrente;
17.ª - Houve, claramente, usurpação de poder na actuação da AF;
18.ª - Ademais, a garantia entretanto prestada pelo ora Recorrente (fls. 28 e 29) - que haverá de ser levantada com o esperado provimento do presente recurso - não assegura a totalidade da dívida impugnada, mas tão-só a 1.ª prestação,
19.ª - O que não se verificará com a garantia bancária a prestar pelo ora Recorrente em cumprimento do despacho judicial por ele requerido em 26-04-2007 (fls. 14);
20.ª - Como se demonstra - e se referiu anteriormente em 20 supra - não são coincidentes os campos de aplicação da garantia, conforme esta seja requerida nos termos do art. 103.º/4 ou, no âmbito do processo de execução fiscal, dos arts. 169.º e segs., todo do CPPT;
21.ª - No caso dos autos, é a prestação de garantia prevista no art. 103.º/4 do CPPT a única que o ora Recorrente quis exercitar, por ser a única que melhor satisfazia os seus direitos e interesses;
22.ª - E essa garantia só lhe pode ser fixada pelo Tribunal, nunca pela AF, designadamente pelo despacho reclamado;
23.ª - Julgando como julgou, a sentença sob recurso não fez a aplicação que se impunha da norma do n.º 4 do art. 103.º do CPPT; sancionou a desobediência que ao seu comando fez o despacho reclamado, do Chefe de Finanças do (então) 6.º Serviço de Finanças do Porto, de 26-06-2007 (fls. 12) que enferma do vício de usurpação de poder e inobserva os princípios da justiça (arts. 266.º/2 da CRP e 55.º da LGT e da legalidade tributária [arts. 8.º/2-c) e e), e 55.º da LGT]; inobservou as disposições dos n.ºs 1 e 4 do art. 20.º da CRP ao aceitar que o prestação de garantia feito ao Tribunal pudesse deixar de ser por este decidido, passando a sê-lo pela AF; e enferma da causa de nulidade prevista no art. 668.º/1-d), 1.ª parte, do CPC.
Nestes termos e nos mais, de direito, aplicáveis, deve ser concedido provimento ao presente recurso e proferido ACÓRDÃO que revogue a sentença de fls. 99/107, com as inerentes consequências legais, para que assim se cumpra a LEI e se faça JUSTIÇA. »
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Não há registo da apresentação de contra-alegações.
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O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de que se deve ordenar a baixa dos autos ao tribunal recorrido, para conhecimento e decisão de nulidade arguida.
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Dispensados, em função da natureza urgente do processo – cfr. art. 707.º n.º 2 CPC, os pertinentes vistos, compete conhecer.
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II
Mostra-se inscrito, na sentença: «
DA MATÉRIA DE FACTO
Factos provados
Dos autos, considera-se como assente a seguinte factualidade com relevância para a decisão a proferir :
a) Em 2007.04.26, o reclamante deduziu impugnação judicial da liquidação de IMI, relativo a 2006, cujo prazo para pagamento voluntário terminou em 2007.04.30 (cfr. doc. junto a fIs. 13 e certidão de dívida a fIs.19);
b) Em 2007.05.25, o reclamante comunicou ao órgão de execução fiscal o facto de que em 2007.04.26 impugnara judicialmente a liquidação do Imposto Municipal sobre Imóveis relativo ao ano de 2006 a que se alude na alínea anterior (cfr. doc junto a fIs.15 dos presentes autos);
c) Em 2007.06.02, foi emitida pelos Serviços competentes a certidão de dívida, nº 2007/355182, concernente a IMI, relativo a 2006, no montante de €3.525,13, cujo prazo para pagamento voluntário terminou em 2007.04.30 (cfr. doc. junto a fIs. 19 dos presentes autos.
d) Em 2007.06.04, foi instaurado, no Serviço de Finanças do Porto 6, o processo de execução fiscal que ali corre termos sob o nº 3182200701034103, contra MIGUEL LUIS , para cobrança coerciva de dívida de IMI, relativa ao ano de 2006, montante de € 3.525,13 acrescido juros de mora e custas no montante global de € 3.643,82 (cfr. fIs.31, 43 e 69 dos presentes autos);
e) Em 2007.06.12, foi o reclamante citado na execução por via postal (cfr. fIs. 31 e 43 dos presentes autos);
f) Por despacho do Exmo Senhor Chefe do Serviço de Finanças do Porto 6° de 2007.06.26, foi fixada em € 4.511,00 o valor da garantia a prestar para suspender o processo executivo instaurado para cobrança coerciva do imposto cuja liquidação o reclamante impugnara judicialmente e a que se reporta a alínea a) supra (cfr. doc. a fls. 25 dos presentes autos).
g) Em 2007.07.06, foi o reclamante notificado pelo ofício nº 7495, datado de 2007.06.29 e registado em 2007.07.03, nos seguintes termos: “Na sequência da admissão da Impugnação, registada sob o nº 1022/07.6 BEPRT, pelo T.A.F.P., fica notificado que, por despacho de 2007-06-26, do Chefe do Serviço de Finanças, foi fixada em € 4.511,00 o valor da garantia bancária a prestar, nos termos do artigo 199° do C.P.P.T., no prazo de 15 dias a contar da presente notificação, tendo em vista a suspensão do processo de execução fiscal, segundo o disposto no artigo 169 do mesmo Código. (...) (cfr. docs. juntos a fls. 23 e 24 dos presentes autos)
h) Em 2007.07.19, o Exmo. Senhor Chefe do Serviço de Finanças do Porto 6, solicitou, ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, mediante o ofício nº 8098, datado de 2007.07.17, informação nos seguintes termos: ” : “Na sequência da admissão da Impugnação, registada sob o nº 1022/07.6 BEPRT, pelo T.A.F.P., solicito a V.Exa. que nos informe se foi solicitado e prestado e prestada a garantia, pelo Sujeito Passivo no processo em epígrafe, tendo em vista a suspensão do processo de execução fiscal nº 3182200701034103, segundo o disposto no artigo 169 do CPPT. (...) (cfr. docs. Juntos a fls 20 a 22 dos presentes autos)
i) A presente reclamação foi apresentada no órgão de execução fiscal competente, em 2007.07.16 (cfr. carimbo aposto no rosto da petição inicial a fls.3 dos presentes autos);
j) Em 2007.07.19, na sequência do despacho do Exmo. Senhor Chefe do Serviço de Finanças do Porto 6, de 2007.06.26, o Reclamante/executado veio aos autos de execução a correr termos sob o nº 3182200701034103 juntar uma garantia bancária, com o nº PB 101/2007 do BANCO PORTUGUÊS DE INVESTIMENTO, S.A. no valor de € 4.511,00 (cfr. docs. Juntos a fls. 27 e 28 dos presentes autos);
k) Desde 2007.07.20, que o processo de execução fiscal nº 3182200701034103, encontra-se suspenso, tendo sido canceladas as diligências para cobrança coerciva da quantia exequenda levadas a efeito em data anterior à apresentação da garantia bancária a que se alude na alínea anterior (cfr. doc. junto a fls. 69 e 70 dos presentes autos).

Factos não provados
Não se provaram outros factos para além dos supra mencionados. As demais asserções da douta petição integram conclusões de facto/direito ou meras considerações pessoais do reclamante.
Alicerçou a convicção do Tribunal a consideração dos factos provados no teor dos documentos supra identificados que não foram impugnados. »
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Como primeira questão a solucionar, neste recurso, encontramos a nulidade da sentença, invocada pelo Recorrente/Rte e prevista no art. 668.º n.º 1 al. d) (1.ª parte) CPC. Antes de mais, cumpre referir que, constatando-se não haver sido omitido (cfr. fls. 141) o despacho prescrito no art. 744.º n.º 1, ex vi do art. 668.º n.º 4, CPC, ao invés do defendido pelo Exmo. PGA, não existe fundamento para se ordenar a baixa dos autos ao tribunal recorrido, independentemente de apenas se poder assumir a vontade implícita, do julgador, de não suprir a nulidade apontada à sentença que proferiu, mantida com os mesmos e iniciais fundamentos.
Relativamente à matéria do vício (de forma) em apreço, a consideração do teor do ponto 49. das alegações (fls. 129) permite-nos concluir que o Rte tem a nulidade por verificada em função de a sentença recorrida não se haver pronunciado sobre determinados factos, que apresenta.
Como vem sendo, exaustivamente, afirmado pela jurisprudência do STA Profusamente coligida, pelo Exmo. Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, a fls. 566 do Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, 4.ª edição, Vislis., a nulidade em análise “… só ocorrerá nos casos em que o tribunal, pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão de que devesse conhecer, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento. Trata-se de falta de pronúncia sobre questões e não de falta de realização de diligências instrutórias ou de falta de avaliação de provas que poderiam ser apreciadas (grifamos). Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão e referir se a considera provada ou não provada”.
Outrossim e cumprindo destacar, o “conhecimento de todas as questões não significa que o tribunal tenha de conhecer de todos os argumentos ou razões invocadas pelas partes”.
Na situação julganda, tendo o Rte reconduzido a coligida nulidade a uma ausência de pronúncia sobre factos, necessariamente, em conformidade com a doutrina vinda de anotar, é inviável que se considere preenchido o vício apontado. Termos em que, sem mais delongas, se julga não verificada a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
As conclusões 4.ª (5.ª e 6.ª) e 11.ª conformam a segunda questão que se coloca à nossa apreciação e decisão, concretamente, a imputação de errado julgamento factual, por parte da sentença recorrida.
Ora, visto a factualidade apontada em falta revestir manifesto interesse para a correcta decisão deste pleito, integrando os autos os elementos de prova relevantes para o efeito, máxime, cópia integral da petição inicial do correspondente processo de impugnação judicial – cfr. fls. 32 a 40, ao abrigo do disposto no art. 712.º n.º 1 al. a) CPC, aos factos julgados provados na sentença aprecianda, decide-se aditar o seguinte:
l) Da parte final do articulado de impugnação judicial referenciado em a), dirigido ao Exmo. Sr. Juiz de Direito do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, consta o seguinte: « REQUER a V. Excia., nos termos e com os efeitos previstos no art. 103.º/4 do CPPT, se digne mandar notificar o Impugnante do valor por que deve ser passada a garantia bancária que ele trará aos autos no prazo fixado na supra citada norma legal. »
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Aqui chegados, emerge a terceira questão, despoletada pelo Rte, que se traduz na atribuição, à sentença, de erro de julgamento, no quadrante jurídico, ao decidir-se pela manutenção do “acto do órgão de execução fiscal reclamado”. Em síntese, esse erro decorre de não se ter assumido a existência de usurpação de poder, na actuação desenvolvida pelos serviços da administração tributária/AT, concretamente, o órgão da execução fiscal (Serviço de Finanças/SF Porto 6º) – cfr. conclusão 17.ª, bem como da circunstância de não ter sido definida e actuada a particularidade de serem diferentes, não coincidentes, os campos de aplicação de uma garantia prestada a coberto do disposto no art. 103.º n.º 4 CPPT e/ou do estabelecido no art. 169.º segs. do mesmo compêndio – cfr. v.g. conclusão 20.ª.
Com sintetismo, perscrutados os fundamentos expendidos na sentença recorrida sob a epígrafe “DA (I)LEGALIDADE DA DECISÃO RECLAMADA” (fls. 102 segs.), é indisfarçável que o julgamento aí efectivado, embora lhe faça esporádicas alusões, não relevou o facto Aliás, nem, tão-pouco, inserido no rol dos provados. de o impugnante haver formulado o pedido de prestação de garantia, nos moldes acima inscritos em l). Efectivamente, desde o início – cfr. fls. 102, a análise e decisão do pedido formulado, na petição do presente processo de reclamação, de revogação do despacho reclamado item f) dos factos provados, partiu do pressuposto de que a problemática em causa e concernente à prestação de garantia se tinha de aferir atentando “no respectivo regime legal, em particular no disposto no artigo 169º do C.P.P.T.”. Outrossim, mais se descortina - cfr. fls. 103 - o argumento de que “apenas em 2007.05.25, o reclamante deu conhecimento, ao órgão de execução fiscal, do facto de ter deduzido impugnação judicial (…), sendo que, nesta data, ainda não havia sido prestada garantia nos termos legais para suspensão do respectivo processo de execução fiscal”. Ora, partindo destas ideias força, a decisão recorrida afirmou, então, a final, não se encontrar o despacho reclamado ferido das ilegalidades coligidas pelo reclamante, nomeadamente, a violação do preceituado, entre outros, no art. 103.º n.º 4 CPPT.
Feita esta concisa menção dos argumentos eleitos em 1.ª instância, impõe-se aquilatar das razões invocadas, pelo Rte, para, neste recurso jurisdicional, impetrar a revogação da sentença sob escrutínio, principiando pela invocação do erro por não pronúncia no sentido da ocorrência do vício da usurpação de poder.
Na lição do Prof. Marcello Caetano Manual de Direito Administrativo, Vol. I, 10.ª Edição (7.ª Reimpressão), Almedina, pág. 495 segs., a usurpação de poder, enquanto vício do acto administrativo, “consiste na prática, por um órgão administrativo, de acto incluído nas atribuições dos tribunais judiciais”. Após a apresentação de casos concretos, paradigmáticos, retira-se a conclusão de que os actos versados “não são da competência de nenhuma autoridade administrativa, e sim da jurisdição dos tribunais judiciais”, rematando-se com indicação de estarmos em presença “de uma forma agravada de carência de competência do autor do acto” Ibidem, pág. 499..
Com estes contornos doutrinais, presente a factualidade apurada e a considerar neste processo, é seguro afirmar que o despacho reclamado, da autoria do Chefe do SF Porto 6º, datado de 26.6.2007, que fixou “em € 4.511,00 o valor da garantia a prestar para suspender o processo executivo instaurado para cobrança coerciva do imposto cuja liquidação o reclamante impugnara judicialmente e a que se reporta a alínea a) supra”, foi produzido no exercício, por este, das competências que, por lei Com destaque para o disposto no art. 103.º n.º 1 LGT., lhe estão atribuídas, no âmbito da normal e legal tramitação dos processos de execução fiscal. Como resulta da conjugação dos factos provados e vertidos nas alíneas c) a g), a emissão do versado despacho culminou uma sequência de eventos, iniciada com a extracção de imprescindível certidão de dívida tributária e consequente instauração, pelo órgão da AT competente, de um processo de execução fiscal. Ora, assim sendo, com respeito, manifestamente, não ocorre a prática, por um ente administrativo, de acto privativo das atribuições dos tribunais judiciais. A confusão resulta de, como veremos, o tribunal interveniente haver omitido a realização de diligência, que lhe foi expressamente solicitada, similar à efectivada pelo órgão da execução fiscal. Contudo, inequivocamente, não se trata da mesma realidade fáctica e jurídica, sendo qualquer dúvida dissipada, de forma irresistível, pelo teor da notificação que foi feita ao reclamante no sentido de que a garantia a prestar era nos termos do art. 199.º CPPT, objectivando a suspensão do processo de execução fiscal, face ao disposto no art. 169.º do mesmo diploma – cfr. item g) dos factos provados.
Excluída, portanto, a hipótese de ocorrer usurpação de poder, temos de nos debruçar sobre as potenciais implicações, máxime, para o despacho reclamado, da circunstância de o reclamante nestes autos, no âmbito de processo de impugnação judicial, ter dirigido, ao Juiz do TAF do Porto, requerimento para prestação de garantia, nos termos e com os efeitos previstos no art. 103.º n.º 4 CPPT, sendo seguro que tal pedido foi formalizado em data anterior à fixada como fim do prazo para pagamento voluntário da liquidação, de imposto (IMI, relativo ao ano de 2006), impugnada, bem como, óbvia e necessariamente, da emissão da respectiva certidão de dívida e da instauração do correspondente processo executivo, não tendo merecido, da parte do tribunal impetrado, qualquer pronúncia e/ou decisão, pelo menos, até ao dia (26.6.2007) em que foi proferido o despacho objecto desta reclamação.
Inovadoramente Com relação ao regime, imediatamente anterior, positivado no Código de Processo Tributário/CPT., o Código de Procedimento e de Processo Tributário/CPPT, aprovado pelo DL. 433/99 de 26.10., passou a prever, no n.º 3 do seu art. 103.º, a possibilidade de a impugnação judicial ter efeito suspensivo “mediante garantia adequada a solicitar, conceder e prestar nos termos do artigo 199.º”. Por efeito das alterações produzidas pela L. 15/2001 de 5.6., tal possibilidade manteve-se, deslocando-se para o n.º 4 do mesmo normativo e passando a estar sujeita a requerimento do contribuinte, devendo a garantia adequada, fixada com respeito pelos critérios e termos referidos no art. 199.º n.º 1 a 5 e 9 CPPT, ser prestada nos 10 dias seguintes à notificação, para o efeito, efectivada pelo tribunal.
Na medida em que, a par desta novel faculdade, se manteve a previsão de ser possível a suspensão da execução, nos moldes positivados no art. 169.º CPPT Correspondentes no essencial e sem encerrarem qualquer alteração relevante, de fundo, relativamente ao regime pretérito, inscrito no art. 255.º CPT., procedimento, inquestionavelmente, da competência e responsabilidade do órgão da execução fiscal, temos de conceder, desde já, ter sido intenção do legislador tributário o estabelecimento de dois institutos/regimes diferentes, com campos de aplicação e modos de processamento diversos, visando atingir finalidades, necessariamente, díspares, não totalmente coincidentes, apesar de patentearem o denominador comum da eficácia suspensiva, em ambos os casos decorrente da prestação ou existência de garantia idónea, adequada.
Versando, em particular, a previsão do art. 103.º n.º 4 CPPT, é tautológico afirmar estarmos em presença de uma faculdade concedida ao contribuinte de pedir, requerer, ao tribunal tributário (e não ao órgão da execução fiscal ou qualquer outro da AT), competente para apreciar e decidir a impugnação judicial, que diligencie no sentido de quantificar, de fixar, o montante da garantia capaz de, sendo prestada por aquele, conferir, outorgar, efeito suspensivo ao concreto processo de impugnação em que é requerida. Esta conclusão deriva de o normativo em apreço estabelecer que o requerimento para prestação de garantia seja formulado no âmbito do processo de impugnação judicial e, sobretudo, da previsão de que esta venha a ser prestada nos 10 dias seguintes à notificação, para tanto, concretizada pelo tribunal.
Já no que tange às incidências e repercussões de uma impugnação judicial deter eficácia suspensiva, por virtude da prestação de garantia nos termos e para os efeitos do normativo em apreço, importa, destacadamente, ter presente que esse efeito suspensivo obsta à instauração de processo de execução fiscal, desde que o processo impugnatório seja apresentado antes do termo do prazo de pagamento voluntário do tributo objecto de impugnação. Neste sentido, cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado, 4.ª Edição, Vislis, pág. 467.
Balizada, desta forma, a normatividade que emerge do art. 103.º n.º 4 CPPT, sem prejuízo de estar na disponibilidade do contribuinte/impugnante escolher o momento, do normal devir processual, em que pretende actuar o facultado efeito suspensivo da impugnação, tem de entender-se que, uma vez exercitada tal possibilidade, faculdade, legal, deflagra um incidente a merecer imediata e privativa consideração, tratamento e decisão, por parte do tribunal competente, em ordem a salvaguardar todos os interesses daquele, no momento que escolheu para accionar o versado mecanismo de lei. Logo, se o requerimento a solicitar a prestação de garantia for contemporâneo (integrando, eventualmente) da petição inicial do processo de impugnação judicial, impende sobre o tribunal tributário a obrigação de, previamente, antes de mais, providenciar pelos termos Embora fora do âmbito deste recurso, entendemos que, estando em causa a prestação de uma garantia, se deve seguir a via de processar o respectivo incidente por apenso, à semelhança, com as necessárias adaptações, do previsto, para a figura próxima da prestação espontânea de caução, nos arts. 988.º e 990.º CPC. e diligências Porque a prestação da garantia tem de respeitar os critérios e termos previstos no art. 199.º n.º 1 a 5 e 9 CPPT, necessariamente, uma das diligências a promover passa por solicitar ao órgão da execução fiscal o apuramento do quantum em que se deve fixar a garantia adequada, por aí residir a informação a considerar para o efeito. pertinentes para apreciação e decisão desse específico pedido e apenas quando decidido o incidente, no sentido de a impugnação ter efeito suspensivo ou não, empreender a normal tramitação do processo, em princípio, com o ordenar da notificação do representante da Fazenda Pública, nos termos e para os efeitos do art. 110.º n.º 1 CPPT.
Assim se devendo actuar, para cumprimento da lei, em face do supra já mencionado, não restam dúvidas que, na situação julganda, o TAF do Porto, a que foi apresentada uma petição de impugnação judicial com pedido, incorporado, de prestação de garantia nos termos e para os efeitos do art. 103.º n.º 4 CPPT, descurou o tratamento imediato e decisão prévia, liminar, da pretensão em causa, como se lhe impunha. Ora, in casu, esta omissão de imediata e atempada pronúncia foi determinante, decisiva, para que, não se possibilitando a prestação da proposta garantia, a impugnação judicial fosse coberta, desde a data da respectiva apresentação, pelo almejado efeito suspensivo, o que seria fundamento, apoio, bastante para, como acima assentámos, impedir a extracção da certidão de dívida e sequente instauração do processo de execução fiscal, no âmbito do qual veio a ser proferido o despacho reclamado. Obviamente, não colhe, como se argumentou na sentença recorrida, atribuir a culpa do sucedido ao facto de o impugnante apenas em 25.5.2007 ter dado conhecimento ao órgão da execução fiscal da apresentação do processo de impugnação judicial. Esta comunicação podendo encerrar, por exemplo, os efeitos previstos no art. 169.º n.º 4 CPPT, jamais dispensava ou substituía a actuação imposta, por lei e vinda de caracterizar, ao tribunal receptor do processo de impugnação.
Neste cenário, o despacho sob reclamação, apesar de não desrespeitar, de forma directa, a previsão do escalpelizado art. 103.º n.º 4 CPPT, apresenta-se-nos, reflexamente, inquinado pelo facto de o tribunal competente, para os termos do apresentado processo de impugnação judicial, se ter, ostensivamente, demitido da imposição do mesmo decorrente de deferir ou indeferir a requerida, pelo aí impugnante, ora Rte, prestação de garantia, susceptível de induzir eficácia suspensiva nesse processo, a qual, além do mais, seria capaz de impedir a instauração do presente processo de execução fiscal. Deste modo, o contribuinte/impugnante viu, por efeito da actuação omissiva do tribunal, postergados os seus direitos e foi confrontado com a prática de um acto (a emissão do despacho reclamado) que, não encerrando, em si, uma ilegalidade, consubstancia uma clara e necessária lesão dos seus interesses, enquanto sujeito passivo de uma relação jurídico-tributária, à qual importa pôr cobro, abrindo a possibilidade de o tribunal decidir a impetrada prestação de garantia, no âmbito do processo impugnatório. Após, em função do que vier a ser decidido e produzido com relação a tal aspecto, impor-se-á retirar e actuar todas as implicações, designadamente, ao nível dos termos deste processo de execução fiscal, não se olvidando que, a existir efeito suspensivo, se têm de reportar as respectivas consequências à data em que foi apresentada a impugnação judicial.
Em suma, a escrutinada sentença não pode manter-se e de igual modo o despacho reclamado.
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III
Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte, acorda-se:
- conceder provimento ao presente recurso jurisdicional e revogar a sentença recorrida;
- anular, em decorrência, o despacho do Chefe do Serviço de Finanças/SF Porto 6º, identificado no ponto f) dos factos provados.
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Custas a cargo da recorrida/Fazenda Pública, somente em 1.ª instância.
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(Elaborado em computador e revisto, com versos em branco)
Porto, 27 de Março de 2008
Aníbal Ferraz
Dulce Neto
Fernanda Brandão