Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02627/15.7BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/17/2016
Tribunal:TAF do Porto
Relator:João Beato Oliveira Sousa
Descritores:FARMÁCIA; INFARMED; SUSPENSÃO EFICÁCIA.
Sumário:A perda de um volume de negócios das suas farmácias num valor até 10%, que cada uma das Recorrentes previsivelmente teria que suportar até decisão do processo principal, por força da instalação na cidade da Maia de mais uma farmácia, não representa uma situação qualificável como facto consumado ou prejuízos de difícil reparação, não se verificando portanto o requisito “periculum in mora”, que nos termos do artigo 120º/1/b) CPTA seria necessário para justificar a adopção da providência cautelar requerida.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Farmácia Central C..., Lda. e Outros
Recorrido 1:INFARMED - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
Farmácia Central C..., Lda. e Outros vieram interpor recurso da sentença pela qual o TAF do PORTO indeferiu o processo cautelar que intentaram nos termos dos artigos 112.º e ss. do CPTA, com vista à suspensão da eficácia de ato administrativo do INFARMED - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P., datado de 07.10.2015, que defere o pedido de transferência da Farmácia MB, da contra interessada CD, Lda, sita na freguesia de AS, para a freguesia da Cidade da Maia, o que fazem previamente à instauração da correspondente acção administrativa especial de impugnação do ato administrativo suspendendo.
Em alegações as RECORRENTES formularam as seguintes CONCLUSÕES:

A. Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, na parte em que recusou a providência cautelar, acima melhor identificada, por não considerar “verificado o requisito de “periculum in mora”, cumulativamente exigido para o decretamento da presente providência, nos termos do art. 120.º, n.º 1, al. b) do CPTA, pelo que, não pode proceder o respectivo pedido de decretamento”.

B. Com efeito, o presente recurso está restringindo o seu objeto ao requisito do periculum in mora.

C. Entendem as aqui Recorrentes que atendendo a factualidade dada como provada, à melhor jurisprudência na matéria e a correta interpretação do art. 120.º, n.º 1, alínea b) do CPTA, nunca a presente providência deveria ter sido recusada com fundamento na falta de verificação do requisito do periculum in mora.

D. Salvaguardando o devido respeito por melhor opinião, a decisão em apreço encerra um claro erro de julgamento, ao afastar, desde logo, a situação de facto consumado na situação em apreço e, bem assim, ao considerar que o fundado receio não se pode referir a situações hipotéticas ou conjunturais – quando no caso concreto apenas se podem fazer projeções e juízos probabilísticos sobre os prejuízos que a eventual transferência da farmácia MB trará para as aqui Recorrentes e para o interesse público.

E. De igual modo, erra o Tribunal ao afirmar que os prejuízos das Recorrentes apenas relevariam se conduzissem à inviabilidade económica de toda e cada uma das Requerentes, como se a perda de quota de mercado, de clientela e rentabilidade – ou seja, a perda de lucro – não fosse um prejuízo a considerar, contrariando a mais douta jurisprudência na matéria, sem sequer a referir ou escalpelizar.

F. Mais, o Tribunal a quo parece, na verdade ter dissociado, errada e ilegalmente, os dois requisitos de que depende o decretamento da presente providência cautelar: por um lado, as aqui Recorrentes não precisam de estar em risco de fechar ou ficar insolventes para sofrer prejuízos considerados de difícil ou impossível reparação e, por outro lado, os prejuízos que as aqui Recorrentes irão sofrer apenas são relevantes na medida em que são causados por um ato ILEGAL – note-se que o requisito do fumus boni iuris foi julgado procedente e com grande probabilidade de alguns vícios serem julgados procedentes em sede de ação principal.

G. Não se tendo provado a inviabilidade económica das aqui Recorrentes – que, de resto, nunca foi assumida como um dano certo – foram provados prejuízos futuros e previsíveis de difícil reparação que foram ignorados, sem fundamento bastante para tal, pelo Tribunal a quo e que nos termos da jurisprudência dominante justificam o decretamento da presente providência cautelar, nos termos da melhor jurisprudência na matéria.

H. Ainda que as Recorrentes não tivessem feito prova dos prejuízos sofridos, A PERDA DE CLIENTELA TEM SIDO CONSIDERADA PELA JURISPRUDÊNCIA MAIS RECENTE COMO UM PREJUÍZO DE DIFÍCIL REPARAÇÃO PARA EFEITOS DE VERIFICAÇÃO DO REQUISITO DO PERICULUM IN MORA, ainda que esta seja (que não foi!) alegada genericamente, desde que resulte da concreta situação dos autos: é o caso da perda/fuga de clientela no mercado farmacêutico pela entrada de mais uma farmácia na freguesia ou até em freguesia limítrofe – cfr. Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte da 1.ª Secção de Contencioso Administrativo, proferidos, respetivamente, no âmbito do processo n.º 100/13.7BEAVR, no dia 14.06.2013, e no âmbito do processo n.º 224/13.0BECBR, no dia 13.09.2013 e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul da 2.ª Secção de Contencioso Administrativo, proferido no âmbito do processo n.º 10508/13, no dia 05.12.2013, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

I. As referidas decisões judiciais são unânimes ao decidir que atendendo à concreta caraterização do mercado farmacêutico – onde bens/serviços oferecidos e preços dos bens/serviços são muito semelhantes, por ser uma atividade altamente regulada – a chegada de uma nova farmácia a uma determinada freguesia ou freguesia limítrofe implicará, com um grau elevado de probabilidade, a perda de clientela, redução da quota de mercado, volume de negócios e perda de rentabilidade para as farmácias da mesma freguesia e mais próximas da nova localização.

J. Mais a alegação genérica, ao contrário do que foi considerado pelo Tribunal a quo, não pode ser motivo para desconsiderar esses prejuízos, segundo a referida jurisprudência, se a generalidade for pertinente: é, na verdade, conatural à abertura de uma nova farmácia numa determinada freguesia a fuga e perda de clientela das farmácias previamente eram previamente exploradas nessa mesma freguesia, especialmente quando estão muito próximas do local de destino da nova farmácia: como é o caso da 1.ª Recorrente nos presentes autos.

K. Por tudo quanto exposto e na esteira da mais recente jurisprudência na matéria é óbvio que o Tribunal a quo incorreu em erro crasso de julgamento ao não decretar a providência cautelar ora requerida por não verificação do periculum in mora, ignorando (sem uma referência sequer) as decisões dos tribunais superiores em relação a esta matéria, quando a perda de clientela – quer irá ocorrer com incisa e particular probabilidade atendendo à realidade do mercado farmacêutico – tem que forçosamente ser considerado como um prejuízo do difícil reparação para efeitos do art. 120.º, n.º 1 alínea b), 1.ª parte do CPTA, ainda que tivesse sido genericamente alegada – que não foi de todo o caso e resulta do estudo junto pelas Recorrentes.

L. Da mesma sorte, errou o Tribunal a quo ao considerar que o requisito do periculum in mora não se verificava por não se estar perante uma situação de facto consumado.

M. Também aqui a jurisprudência é maioritária ao considerar que o não decretamento de uma providência cautelar que tem por objeto a suspensão de um ato de autorização de transferência de uma farmácia para uma determinada freguesia cria uma situação de facto consumado perante as demais farmácias exploradas nessa freguesia de chegada - veja-se os acórdãos proferidos pelo Tribunal Central Administrativo Norte da 1.ª Secção de Contencioso Administrativo, no âmbito dos processos 00224/13.0BECBR, do dia 13.09.2013 e 265/13.8BEPRT de 11.10.2013.

N. Considerando o entendimento acolhido pela mais douta e melhor jurisprudência na matéria, basta fazer um juízo de prognose perante uma sentença que daqui a uns previsíveis 4 a 5 anos (ponderada a hipótese de um recurso) viesse a reconhecer a ilegalidade e a determinar a revogação do ato de autorização da farmácia MB para a freguesia da Cidade da Maia.

O. Por um lado, a farmácia MB já estaria instalada na freguesia da Cidade da Maia há 5 anos, por outro lado, o local de destino, na freguesia de AS, onde se encontrava instalada primeiramente a referida farmácia MB estaria disponível durante esses anos para outros negócios ou até outra farmácia que lá tivesse interesse em laborar.

P. Paralelamente, as Recorrentes já se teriam adaptado – após a perda de clientela, de quota de mercado, a redução de volume de vendas e perda de rentabilidade – à nova realidade causada pela transferência ilegal da Farmácia MB: adaptação essa que ocorreria a bem (no caso de se manterem abertas e a funcionar) ou a mal (no caso de fecharem portas).

Q. O mesmo se diga quanto à prosperidade e desenvolvimento económicos menores das ora Recorrentes, cujo caminho não poderia ser refeito no plano dos factos e muito menos por meio de uma mera indemnização: não se pode recriar no futuro a dinâmica de prosperidade de uma atividade económica ou de um negócio no passado e que foi travado pelo aparecimento ILEGAL de um novo player de mercado.

R. É um absurdo achar que no caso de procedência da ação principal o Réu iria simplesmente expulsar a farmácia MB de um local onde está instalada há 5 anos para salvaguarda de interesses que já foram lesados e já se adaptaram forçosamente (a bem ou a mal!) à nova realidade.

S. A essa data o mal estaria feito, porque a realidade económica de qualquer negócio durante 5 anos não se pode recontar, não pode ser refeita ou reconstituída; e ainda que as Recorrentes quisessem executar, sempre seria invocada e julgada procedente uma causa legítima de inexecução.

T. De tudo quanto exposto e nos termos da melhor jurisprudência na matéria é óbvio que o não decretamento da presente providência cautelar gerará uma situação de facto consumado para todos os intervenientes e todos os interesses em presença, independente do grau de prejuízos sofridos pelas aqui Recorrentes e da lesão do interesse e saúde pública, perdendo-se assim a utilidade de uma sentença futura que mais não seria que letra morta.

U. Razão pela qual deve o presente recurso proceder sendo a sentença recorrida revogada, quanto à apreciação do requisito do periculum in mora, por erro de julgamento com fundamento na sua ilegalidade por desatender à situação de facto consumada e irreversível supra descrita, aos prejuízos irreversíveis a sofrer pelas Recorrentes e por clara violação do art. 120.º, n.º 1, alínea b), 1.ª parte na redação aplicável e o princípio da legalidade.

V. E, consequentemente, deve o Tribunal ad quem substituir-se ao Tribunal a quo para apreciação do requisito da ponderação de interesses previsto no art. 120.º, n.º 2 do CPTA, na redação aplicável ao caso concreto, cujo conhecimento ficou prejudicado pelo juízo de improcedência do requisito do periculum in mora acolhido pela 1.ª Instância.

W. No caso concreto, para além de haver possibilidade de constituição de facto consumado, também não se vislumbra qualquer interesse público ou privado relevante que se possa sobrepor ao interesse das requerentes, antes pelo contrário.

X. A contrainteressada aguarda, desde Março de 2015, que lhe seja autorizada a transferência da sua farmácia para o novo local, sendo certo que, apesar de algum alarmismo pontual que se inclina para uma situação de pré insolvência, os próprios pareceres encomendados pela mesma são claros ao afirmar que a manter-se na atual localização a farmácia MB tornar-se-á inviável (ainda não o é).

Y. Acresce ainda que, os pareceres e análises que sustentaram o sentido decisório de autorização da transferência da farmácia em causa estão viciados nos seus pressupostos de facto, por considerarem custos com o pessoal superiores aos realmente suportados, para forçar a conclusão da inviabilidade económica e financeira da Farmácia MB.

Z. O que se confirma pelo simples facto de esta mesma farmácia apresentar RESULTADOS POSITIVOS antes de imposto em quase todos os anos, com exceção de 2010 e 2011, afastando a suposta inviabilidade financeira ou pré-insolvência na sua atual localização.

AA. Por contra ponto, ao interesse privado da contrainteressada – que passa apenas por aumentar a sua margem de lucro e não para impedir a sua suposta inviabilização financeira e consequente insolvência - surge, em primeira mão, o interesse público local da freguesia de AS, cuja lesão grave e iminente – em caso de não admissão da presente providência cautelar – não é negada por nenhum dos intervenientes e partes no presente processo – cfr. parecer do departamento de administração geral e suporte de atividade do Município da Maia, doc. 1 fls. 49, posição da contrainteressada no processo administrativos, cfr. doc. 1 fls. 80, parecer da Junta de Freguesia de AS, fls. 51 e 64 e 64 do PA do Município.

BB. Repare-se que a transferência deixa a população de origem, AS, em situação de manifesta carência de serviços e cuidados farmacêuticos e nada acrescerá à farmácia de serviço, sendo uma inverdade absoluta que a Farmácia MB esteja em situação de insolvência ou pré-insolvência.

CC. É manifesto o dano que a transferência da farmácia MB trará para o interesse público local da freguesia de AS e, consequentemente, para o interesse público municipal.

DD. Acresce ao dano aos interesses públicos em presença, o dano que será causado as aqui Recorrentes, enquanto farmácias da freguesia da Cidade da Maia: perda/fuga de clientela, de quota de mercado, de volume de negócios e de receita, como as forçará a reestruturar as suas estruturas, passando, em muitos casos e lamentavelmente, pela redução de postos de trabalho, aumentando os níveis de desemprego na freguesia; sendo inequivocamente afetadas na sua rentabilidade presente e futura.

EE. Pelo que, sendo os danos causados aos interesses públicos e privados em presença resultantes da recusa da providência superiores aos que resultariam da sua concessão (na verdade inexistentes, porque mantém um estado de coisas já existentes à data da aquisição da Farmácia MB pela contrainteressada), deve o presente recurso ser julgado procedente, a providência cautelar requerida, porque necessária e adequada à situação concreta, ser decretada e a sentença recorrida revogada na parte em que julga improcedente o requisito do periculum in mora.

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Em contra alegação o RECORRIDO INFARMED formulou as seguintes conclusões:

1ª. O requisito do periculum in mora não se verifica in casu desde logo porque as ora Recorrentes não invocaram qualquer prejuízo que a não suspensão do ato sub judice lhes possa trazer, tendo apenas alegado que a transferência do farmácia da Contrainteressada lhes trará uma significativa perda de quota de mercado.

2ª. Sendo que, não cumpriram com o seu ónus previsto no artigo 342.º/1 do CC de provar a significativa perda de quota de mercado que alegaram.

3ª. Por outro lado, e seguindo a jurisprudência deste mesmo Tribunal Central Administrativo Norte, contida no acórdão proferido no âmbito do processo n.º 218/13.6BEBRG, teremos que concluir que não será a abertura de uma nova farmácia causa adequada ao desvio de clientela das farmácias das Recorrentes, sendo os prejuízos alegados pelas Recorrentes meramente hipotéticos, afastando dessa forma a verificação do periculum in mora.

4ª. Por outro lado, também não se verifica o requisito do periculum in mora decorrente de qualquer prejuízo para a população de AS, porquanto a capitação daquela freguesia continua dentro dos imites legais e porque haverá uma farmácia a uma distância inferior - menos de 2000 metros - àquela que o legislador considera necessária para a abertura de uma nova farmácia,

5ª. O interesse público a defender nos presentes autos é muito superior ao interesse das Recorrentes.

6ª. De facto, o prejuízo que possa advir da execução do ato suspendendo às Recorrentes é praticamente nulo, já que a transferência de uma farmácia para determinada localidade não tem como efeito per se o desvio de clientela das farmácias já instaladas e a farmácia da contrainteressada ficará situada a mais de 350 metros da farmácia mais próxima, numa freguesia que tem capitação para a abertura de muitas mais farmácias.

7ª. No entanto, o prejuízo para o interesse público é enorme, pois implica que a Farmácia MB continue a laborar ao abrigo do regime previsto do artigo 57.º-A do DL 307/2007, o que causa uma diminuição da qualidade dos serviços prestados por aquela farmácia, além de que, no curto prazo, poderá determinar o encerramento da farmácia da Contrainteressada.


*
Por seu turno a CONTRA INTERESSADA contra alegou, concluindo:

I. A matéria de facto assente que sustenta a sentença recorrida não inclui um único facto susceptível de sustentar o requisito do periculum in mora.

II. Não obstante, no recurso apresentado, as Recorrentes não impugnaram a matéria de facto assente, limitaram-se a alegar, de modo totalmente conclusivo, uma perda da quota de mercado, redução de vendas ou perda de clientela, sem qualquer arrimo em factos ou recolha de elementos de campo.

III. A matéria de facto assente não dá por provadas as conclusões patentes no Estudo da Fulcral, Lda..

IV. Na verdade, as referências a este Estudo no enquadramento factual que sustenta a sentença recorrida são apenas no sentido de que se deu como provado que as Recorrentes juntaram um estudo elaborado por aquela sociedade comercial e que a mesma tinha retirado determinadas conclusões, o que é bem distinto de se considerar que o Tribunal Recorrido deu as mesmas como provadas, como ardilosamente as Recorrentes pretendem fazer crer.

V. Mesmo que se considerasse que as conclusões do Estudo da Fulcral encomendado pelas Recorrentes integram a matéria de facto assente - circunstância que foi expressamente negada pelo Tribunal Recorrido - as mesmas, para além de serem claramente insuficientes para sustentar o mencionado requisito de decretamento das providências cautelares, assentam em factos falsos.

VI. Sem prescindir, por força do princípio da igualdade das partes consagrado no artigo 4.º do CPC, se as conclusões patentes do Estudo da Fulcral forem consideradas factos assentes da sentença recorrida, também terão de o ser as conclusões/factos patentes nos Pareceres junto aos autos pela Recorrida, elaborados pela Porto Business School e referidos nos pontos 12 e 13 da matéria de facto assente da sentença recorrida.

VII. O Estudo da Fulcral retira ilações que são contrariadas muitas vezes por factos objectivos e oficiais, outras vezes por factos que foram invocados pela Recorrida e que constam do Parecer elaborado pela Porto Business School.

VIII. Sendo a sentença o resultado da aplicação do direito aos factos tidos por provados, não podem as Recorrentes pretender que o Tribunal ad quem profira uma decisão diversa sobre o requisito do periculum in mora sem ter dado como provados factos que sustentem essa decisão.

IX. Conscientes de que falharam em toda a linha no cumprimento do ónus que sobre si impende de provar a factualidade que sustente o periculum in mora, as Recorrentes enveredam na defesa de uma tese peregrina e inédita, propugnando que, no mercado farmacêutico, basta alegar de forma genérica e vaga a perda de clientela para lograr preencher esse requisito de decretamento.

X. Para esse efeito, fazem uma leitura deturpada de alguns acórdãos proferidos pelo Tribunal Central Administrativo Norte e Sul, os quais, para além de versarem sobre realidades factuais bem distantes daquela que se encontra subjacente aos presentes autos, reportam-se (na sua maioria) a um enquadramento legal muito particular que não enforma o julgamento dos presentes autos, na medida em que se referem à aplicação de uma norma transitória do Decreto-Lei n.º 171/2012, de 1 de Agosto – que permitiu durante um determinado período de tempo a abertura, transferência ou manutenção em funcionamento de farmácias, “independentemente da capitação do respectivo município”.

XI. Ao que acresce que, no caso presente, não foi alegada qualquer especificidade que justificasse a impossibilidade de comprovar a “perda de clientela”, as Recorrentes limitaram-se a juntar aos autos um Estudo que refere que as mesmas sofrerão uma perda de clientela na ordem dos 10%...

XII. Ademais, numa muito recente decisão proferida num acórdão de uniformização de jurisprudência sobre uma providência cautelar que versava igualmente sobre um pedido de transferência de localização de uma farmácia, o Supremo Tribunal Administrativo perfilhou a tese contrária àquela que as Recorrentes pretendem retirar das decisões judicias que citam, uma vez que propugna, com firmeza e insistência, que o dano da “perda de clientela” depende da prova de factos [acórdão de 02.07.2015, processo n.º 622/14]

XIII. Verifica-se, assim, que a argumentação deduzida pelas Recorrentes, no sentido de que a “melhor jurisprudência” apoiaria a sua tese e lhes daria conforto para lograrem uma decisão procedente quanto ao requisito do periculum in mora, não tem qualquer hipótese de ser declarada procedente.

XIV. Por outro lado, no mercado farmacêutico, apesar de fortemente regulado, vigora o princípio da livre concorrência e o princípio da liberdade de instalação, desde que observados determinados requisitos e exigências legais [cfr. acórdão do STA de 31.03.2011, processo 57/11]

XV. Neste sentido, no mercado farmacêutico, se é verdade que uma grande parte dos produtos que são vendidos têm os preços tabelados, não é menos verdade que a lei confere uma protecção especial aos estabelecimentos concorrentes que não reconhece nos demais sectores económicos, na medida em que só é permitida a abertura/transferência de farmácias se forem respeitados determinados critérios objectivos e imperativos, traduzidos em rácios de capitação e distâncias relativamente às farmácias pré-existentes, critérios esses que foram totalmente respeitados no caso presente, evidência esta que nunca foi posta em causa pelas Recorrentes.

XVI. A protecção especial que é conferida às farmácias concorrentes deverá impor uma maior exigência na subsunção do dano da perda de clientela ao requisito do periculum in mora, id est, não deve ser qualquer perda de clientela que é susceptível de suspender os efeitos de um acto de transferência de localização de uma farmácia, pois o deferimento de um pedido de transferência pressupõe, em si mesmo, que foi garantida uma margem de conforto para acautelar a viabilidade económico-financeira das farmácias concorrentes.

XVII. Não assiste qualquer razão às Recorrentes quando afirmam que o Tribunal Recorrido errou ao dissociar a apreciação dos dois requisitos de decretamento da providência, pois, segundo sustentam, o tribunal deveria ter avaliado o requisito do periculum in mora considerando a alegada ilegalidade do acto suspendendo.

XVIII. Desde logo e em primeiro lugar é falso que o Tribunal tenha considerado que o acto suspendendo é ilegal, uma vez que se limitou a referir que não é manifesta a improcedência dos vícios invocados no Requerimento Inicial, dito de outro modo, as Recorrentes olvidam que julgar verificado o requisito do “fumus non malus” não equivale a julgar o acto ilegal.

XIX. Para além do mais, mesmo que assim não fosse, nenhuma censura seria imputável ao Tribunal, porquanto a apreciação de cada um dos critérios é autónoma e independente, pelo que não pode ser assacado qualquer erro à sentença recorrida ao dissociar a apreciação dos dois critérios de decretamento da providência.

XX. Não merece qualquer acolhimento o erro imputado pelas Recorrentes ao Tribunal a quo errou por não considerar que o periculum in mora não se verificava, por não se estar perante uma situação de facto consumado.

XXI. É sobre o requerente da providência cautelar que recai o ónus de alegar e provar factos sustentem o fundado receio de constituição de facto consumado.

XXII. No caso em apreço, as Recorrentes não lograram provar que a transferência da Farmácia da Contra-interessada lhes acarretaria sequer prejuízos - como se alegou e demonstrou no ponto I.A) i. “FACTUALIDADE PROVADA” - pelo que muito menos se pode considerar estar em causa uma situação de facto consumado.

XXIII. Não se aceita, nem se concebe, a alegação absurda propugnada pelas Recorrentes, para justificar a alegação de facto consumado, de que no caso de procedência de acção principal o Infarmed se iria abster de executar a sentença anulatória pois a mera existência de uma previsão legal (artigo 175.º do CPTA) que possibilite, em abstracto, à Entidade Requerida poder vir a invocar uma causa legítima de inexecução de sentença não permite sustentar qualquer receio de uma situação de facto consumado.

XXIV. A tese alvitrada pelas Recorrentes de que poderão, eventualmente, vir a encerrar, caso se verifique uma perda de clientela, que elas próprias referem ser estimada de 10%, por si só faz cair por terra o argumento do “facto consumado”.

XXV. Ainda que as Recorrentes perdessem 10% da sua clientela e quota de mercado, nada, rigorosamente nada nos presentes autos faz indiciar - e muito menos temer!- que essa perda conduziria ao respectivo encerramento. Pelo contrário, dos elementos constantes dos autos resulta demonstrado que nos últimos anos o negócio das Recorrentes está a crescer, vai de vento em poupa e que estas auferem lucros elevados (cfr. artigos 244.º a 277.º da Oposição da Recorrida e documentos n.ºs 17 a 25 com ela juntos que aqui se dão por reproduzidos).

XXVI. São as próprias Recorrentes que confessam que num cenário de não decretamento da providência, passado um período de 4 ou 5 anos já se teriam adaptado à realidade, colocando mesmo a hipótese de tal adaptação correr a bem “no caso de se manterem abertas e a funcionar” (cfr. p. 27 e conclusão P das alegações), o que por si só afasta, inexoravelmente, um cenário de “fundado receio de verificação de uma situação de facto consumado”.

XXVII. Em qualquer caso, sempre cada uma das Recorrentes teria de alegar e provar, relativamente à sua própria e específica situação, em que medida é que se concretizaria uma situação de facto consumado, pois só assim poderia o Tribunal proceder a uma ponderação rigorosa do que vem alegado, o que não aconteceu.

XXVIII. O que as Recorrentes temem é a concorrência normal do mercado, não lhes convindo a instalação de um novo operador na cidade da Maia, o que não é tutelado pelo nosso ordenamento jurídico.

XXIX. Esta concorrência é legal, salutar e em benefício dos consumidores, corresponde ao normal funcionamento do mercado livre, que nem o Infarmed, nem as Recorrentes podem evitar, sob pena de violação da liberdade da iniciativa privada e de estabelecimento da aqui Contra-interessada.

XXX. Também não merece acolhimento o alegado pelas Recorrentes a respeito da reconstituição da situação hipotética através da “mera indemnização” porquanto, tal levaria à conclusão de que sempre que estivesse em causa uma providência cautelar que envolvesse o exercício de uma actividade económica, estaríamos perante uma situação subsumível ao conceito de facto consumado, o que não tem qualquer arrimo na lei, nem na jurisprudência consolidada sobre esta matéria.

XXXI. Sem prescindir, sempre se dirá que, é por demais evidente que, ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos resultantes da concessão da presente providência seriam claramente superiores aos que possam resultar para as Recorrentes da sua recusa.

XXXII. Uma vez mais, as Recorrentes nada de concreto invocam para que o Tribunal possa fazer a necessária ponderação de interesses a que alude o n.º 2 do art.º 120.º do CPTA.

XXXIII. O decretamento da presente providência implicaria danos particularmente graves quer para a Recorrida Contra-interessada e respectivos trabalhadores, quer para o interesse público.

XXXIV. Contrariamente ao invocado pelas Recorrentes, a situação da Recorrida sairá gravemente prejudicada com o decretamento da providência, pois, nessa hipótese, verificar-se-á, inevitavelmente, um agravamento da sua débil situação económico financeira que conduzir, a breve trecho, ao encerramento do seu estabelecimento.

XXXV. Como ficou demonstrado pelos relatórios técnicos juntos ao procedimento pela Contra-interessada e foi corroborado pela análise da Divisão do Património e Finanças da Câmara Municipal da Maia, a Farmácia da MB entrará a breve prazo numa situação de insolvência o que, num cenário do decretamento da presente providência, conduzirá ao seu encerramento (cfr. documentos n.ºs 1 e 2 juntos com a oposição da contra-interessada, fls. 134 do documento n.º 1 junto com o requerimento inicial e pontos 12, 13, 14, 18, 20, 21 da matéria de facto provada).

XXXVI. Os Estudos Técnicos juntos aos autos revelam que a análise do desempenho recente da farmácia da Contra-interessada (2014 vs.2013) comparado com o das farmácias da região da Maia e do distrito do Porto revelam uma quebra de vendas -18% em volume (n.º de unidades) e -17,2% em valor, o que se traduz numa performance que fica muito aquém da que se registou nas demais farmácias analisadas – cfr. Estudo da Porto Business School “Transferência de localização da “Farmácia MB” dentro do concelho da Maia, documentos n.ºs 1, 2 e 16 juntos com a oposição da Contra-interessada.

XXXVII. A farmácia da Contra-interessada encontra-se a laborar, desde Abril de 2015, sob o Regime Excepcional de Funcionamento previsto no artigo 57.º do Decreto-Lei n.º 307/2007, o que, por si só, é ilustrativo de que padece de uma grave situação económico-financeira.

XXXVIII. A contratação dos novos trabalhadores especificamente contratados para trabalhar na Farmácia MB nas novas instalações implicou um aumento substancial dos custos com o pessoal que corresponde a um encargo mensal de 9.342,25 Euros (cfr. documento n.º 10 junto com a oposição da Contra-interessada), pelo que em caso de decretamento da providência, a única alternativa que a Contra-interessada terá para estancar este avolumar dos custos com o pessoal será fazer cessar os contratos com os trabalhadores, com evidente prejuízo para os mesmos.

XXXIX. Para a concretização da transferência de instalações, a Contra-interessada incorreu em outros custos, superiores a 160.00,00€, que agravam de forma significativa a sua situação económico-financeira, designadamente custos com as instalações e fornecimentos de bens e equipamentos (cfr. documentos n.ºs 4 a 9 juntos com a oposição da Contra-interessada).

XL. É, ainda, de realçar a impossibilidade de reverter a situação de inviabilidade económico-financeira da farmácia da Contra-interessada em AS, pois, há factores objectivos que obstam ao sucesso de qualquer reforma na exploração do estabelecimento, os quais se traduzem numa “perda estrutural da procura” que é repetidamente acentuada nos Estudos Técnicos elaborados pela Porto Business School (cfr. artigos 328.º a 335.º da oposição da Contra-interessada que aqui se dão por reproduzidos).

XLI. É desprovido de fundamento o alegado pelas Recorrentes no ponto 25 das suas alegações a respeito dos custos com pessoal suportados pela Contra-interessada, pois pelo menos desde 2009 que a Farmácia MB não tem capacidade para a contratação/pagamento de um Director Técnico (cfr. documentos n.ºs 2 a 12 juntos com o requerimento da Contra-interessada de 15.01.2016).

XLII. De acordo com o artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31 de Agosto, é imprescindível ao seu funcionamento que a Farmácia MB disponha de um Director Técnico, pelo que as demonstrações financeiras da mesma que serviram de base à análise feita pelos pareceres do ROC e da Porto Business School juntos aos autos foram ajustadas no sentido de nelas ser considerada a remuneração do cargo de Director Técnico, no montante de 35.665€/ano. Este ajustamento enquadrou-se no objectivo de dar maior consistência às demonstrações prospectivas da Farmácia MB, respeitantes ao período 2015/2022 (Cfr. Adenda ao parecer do ROC (constante a fls 134 do documento n.º 1 junto com o requerimento inicial), emitida pelo mesmo ROC a 13.01.2016 e junta como documento n.º 13 requerimento da Contra-interessada de 15.01.2016).

XLIII. É indiscutível que a Recorrida se encontra numa situação económico-financeira insustentável, já consumada no encerramento do exercício do ano de 2015 com um prejuízo de 124.431,19€, circunstância que, a prolongar-se, levará, inevitavelmente, ao seu encerramento e à dispensa dos 10 funcionários especificamente contratados para o novo espaço da farmácia (cfr. documentos de aprovação das contas do exercício de 2015 juntos aos autos com o requerimento da Contra-interessada de 08.02.2016)

XLIV. Tudo quanto vem dito acerca da situação económico-financeira da Contra-interessada assume, ainda, uma maior gravidade porquanto, na sequência da douta sentença recorrida que indeferiu a providência cautelar em apreço, a Farmácia MB abriu ao público, no dia 1 de Abril de 2016, nas novas instalações na Cidade da Maia - cfr. documento n.º 1.

XLV. As Recorrentes usufruem de uma situação contabilístico-financeira muito confortável, que lhes permite encarar sem preocupações, nem sobressaltos, a transferência autorizada pelo Recorrido (cfr. artigos 244.º a 271.º da oposição da Contra-interessada e documentos n.ºs 17 a 25 com ela junta que aqui se dão por integralmente reproduzidos).

XLVI. Em face do que vem dito, redunda evidente que os prejuízos decorrentes da concessão da providência para a Contra-interessada são manifestamente superiores do que aqueles que poderiam resultar na esfera das Recorrentes da sua recusa

XLVII. Do ponto de vista da prossecução do interesse público, não têm qualquer razão as Recorrentes quando invocam, bem ao seu estilo, sem nada concretizar e/ou demonstrar, que o interesse público da população de AS justifica o decretamento da providência.

XLVIII. O acesso ao medicamento da população de AS continuará a ser garantido por 4 farmácias sitas nessa freguesia, para além das restantes farmácias no concelho da Maia, num total de 7, situadas dentro de um raio de 2.000 metros do local de origem da Farmácia MB, entre as quais se inclui a Farmácia Agra que dista apenas 960 metros do local de origem. Por outro lado, a população de AS continua a dispor da farmácia que se situa mais próxima do centro de saúde – a farmácia MC.

XLIX. As distâncias relativas às Farmácias situadas num raios de 2.000 metros assumem, no caso presente, um relevo especial se atendermos ao facto de a população da zona do local de origem da farmácia da Contra-interessada (Rua da Parada, AS) já ter de se deslocar a outras zonas da Maia, mesmo a outros municípios, a mais de 2.000 metros, para aceder às Unidades de Saúde Familiar e outros estabelecimentos que prestam cuidados de saúde.

L. A circunstância de a freguesia de AS passar a ficar com uma capitação de 6.868 hab/farmácia não revela nenhuma ilegalidade.

LI. A Câmara Municipal da Maia, a quem em primeira linha e nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31 de Agosto, cabe assegurar os interesse da população do concelho da Maia e da freguesia de AS – mormente no que se refere ao acesso ao medicamento da respectiva população – emitiu parecer favorável a transferência de instalações da Farmácia MB precisamente porque, ponderando os interesses em presença, considerou que esta era a solução que melhor servia o interesse público que lhe cabe prosseguir.

LII. A população de AS será beneficiada com a transferência da Farmácia MB, na medida em que passa a dispor da entrega gratuita dos medicamentos no seu domicílio, conforme a Contra-interessada assumiu perante a Câmara Municipal da Maia – cfr. pontos 16, 20 e 21 da matéria de facto provada.

LIII. O não decretamento da providência importará para os consumidores em geral um grande benefício, verificando-se uma franca melhoria no acesso ao medicamento, pois passam a usufruir do acesso a um estabelecimento de farmácia durante todos os dias do ano, até às 00horas, o que - incompreensivelmente - não existia no concelho da Maia (cfr. artigos 55.º a 59.º da oposição da Contra-interessada e documentos n.ºs 11 e 12 com ela juntos).

LIV. Com a abertura da Farmácia MB nas novas instalações, os consumidores em geral passam a ter acesso a um conjunto de novos serviços num mesmo local, que não são oferecidos pelas farmácias das Recorrentes, designadamente, um serviço denominado “Seguimento Farmacoterapêutico”, a óptica, a optometria, ortopedia e sapatos.

LV. Os benefícios para os consumidores subjacentes à transferência da Farmácia MB resultarão num incremento e intensificação da concorrência que, previsivelmente, se traduzirá numa revisão da política comercial das demais farmácias das imediações, incluindo as Recorrentes, num normal e são funcionamento da concorrência do mercado em que os consumidores saem sempre beneficiados.

LVI. O encerramento da Farmácia MB - que se perspectiva breve caso a providência requerida seja decretada - implica um significativo prejuízo para o interesse público, pois, conforme o Infarmed tem vindo a defender, dada a acentuada crise económica e financeira em Portugal, não se vislumbra a abertura de novas farmácias e, dessa forma, fica comprometida a boa distribuição medicamentosa e de serviços farmacêuticos pela população e pelo território, em especial no concelho da Maia.

LVII. Ponderados todos os interesses públicos e privados em presença, forçoso será de concluir que na eventualidade de o Tribunal vir a concluir pela procedência do critério de decisão do “periculum in mora” – no que não se concede -, deverá ainda assim declarar improcedente a pretensão das Recorrentes, à luz do critério da ponderação de interesses.

LVIII. Em suma, tudo visto e bem visto, resulta claro e inequívoco que não merece qualquer censura a douta sentença recorrida, pelo que deve ser mantida na íntegra, negando-se provimento ao presente recurso!


*
O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
*
FACTOS
Consta da sentença recorrida:
IV - Matéria de facto (convicção do Tribunal assente em prova documental patente no processo administrativo p.a./PA):
1. As 1.ª, 2.ª, 3.ª, 4.ª e 5.ª Requerentes são sociedades comerciais que se dedicam ao exercício da atividade farmacêutica, sendo detentoras dos respetivos alvarás.

2. Em 02.03.2015, a Contrainteressada apresentou ao Conselho Diretivo do Requerido um requerimento com vista à transferência das instalações da Farmácia MB, com o alvará n.º 4599, para a Rua SR, freguesia da Cidade da Maia, localidade da Maia, concelho da Maia, distrito do Porto (cfr. requerimento e alvará a fls. 186 e 197, respetivamente, dos presentes autos físicos).

3. Em 06.04.2015, as Requerentes e a Farmácia BMAPMF apresentaram um requerimento junto do Requerido, através do qual pediram o indeferimento do pedido de transferência referido em 2 (cfr. requerimento a fls. 228 dos presentes autos físicos).

4. Em 08.04.2015, as Requerentes e a Farmácia BMAPMF apresentaram um requerimento junto do Município da Maia, em que requereram a emissão de parecer desfavorável ao pedido de transferência referido em 2 (cfr. requerimento a fls. 335 e ss dos presentes autos físicos).

5. Em data não apurada, anterior a 21.05.2005, a junta de freguesia de AS comunicou a sua discordância com a transferência da Farmácia MB e enviou ao Município da Maia um abaixoassinado da população local defendendo a manutenção da Farmácia MB na freguesia de AS (cfr. informação junta a deliberação camarária a fls. 225 e ss dos presentes autos físicos).

6. Em 21.05.2015, a câmara municipal da Maia deliberou por unanimidade, com base em Informação emitida pela Chefe de Divisão da Gestão Urbana, emitir parecer desfavorável à transferência da Farmácia MB, da freguesia de AS, para a freguesia da Cidade da Maia (cfr. ata da deliberação a fls. 223 e ss dos presentes autos).

7. Da deliberação referida em 6 consta o seguinte:

“(…) esta Câmara Municipal deverá emitir um parecer desfavorável à transferência da Farmácia MB, da freguesia de AS, para a freguesia da cidade da Maia, tendo em conta que, por um lado, com a deslocalização pretendida, deixa de se encontrar salvaguardada a acessibilidade das populações locais aos medicamentos, a sua comodidade e, por outro lado, da nova localização pretendida também não resultará a melhoria ou aumento dos serviços farmacêuticos de promoção de saúde e do bem estar dos utentes, uma vez que esta área do Concelho, Cidade da Maia, já se encontra suficientemente servida por unidades farmacêuticas.

(cfr. ata da deliberação a fls. 223 e ss dos presentes autos)

8. Em 01.06.2015, a Contrainteressada comunicou ao Requerido a desistência do pedido de transferência de instalações referido em 2 (cfr. requerimento a fls. 219 dos presentes autos físicos).

9. Em 04.06.2015, o Requerido determinou o arquivamento do pedido de transferência referido em 2 (cfr. despacho a fls. 220 dos presentes autos físicos).

10. Em 11.06.2015, a Contrainteressada apresentou ao Conselho Diretivo do Requerido um requerimento com vista à transferência das instalações da Farmácia MB, com o alvará n.º 4599, para a Rua de SR, freguesia da Cidade da Maia, localidade da Maia, concelho da Maia, distrito do Porto (cfr. requerimento e alvará a fls. 1 e ss do p.a.).

11. O requerimento referido em 10 foi instruído com vários documentos, entre os quais um requerimento fundamentado, do qual consta o seguinte:

“(…)

LOCAL DE DESTINO:

A Freguesia da Cidade da Maia, com 10,8 km2 de área e 40 134 habitantes (Censos 2011). Atualmente é a freguesia com o maior número de habitantes do Concelho da Maia. Nesta freguesia onde se encontra o centro da cidade da Maia, polo dos serviços camarários, Águas, Electricidade (EDP), Conservatórias, Finanças, Escolas, Hospital, Centro de Saúde, etc. a cobertura farmacêutica não se encontra devidamente assegurada até às 24 horas nos dias úteis, nem aos sábados, domingos e feriados, tendo a população que se dirigir ou a freguesias/concelhos limítrofes, de veículo próprio ou táxi, pois a Câmara Municipal da maia não assegura estes transportes nestes dias e horários, nem existe qualquer empresa privada de transportes a assegurar a acessibilidade nestes períodos. A farmácia MB irá ter um horário de funcionamento até às 24 horas todos os dias da semana, incluindo sábados, domingos e feriados.

(…)

2 – Informação adequada à avaliação do cumprimento do critério de viabilidade económica da farmácia:

A farmácia MB, depara-se atualmente com os mesmos problemas que outras farmácias enfrentam, diminuição da faturação, tendo atingido no ano 2014 uma perda acumulada superior a 51% relativamente ao ano de 2010 (…).

(…)

A inviabilidade económica (pré insolvência) da farmácia no local onde se encontra atualmente, faz com que seja urgente a transferência de instalações para a freguesia Cidade da Maia, com 10,8 km2 de área e 40 134 habitantes (Censos 2011).

Atualmente é a freguesia com o maior número de habitantes do Concelho da Maia, pelo que a transferência da farmácia para esta freguesia faz com que a população alvo quase que duplique face ao local onde se encontra atualmente.

(…)

(cfr. requerimento a fls. 12 e ss do p.a.)

12. Em 13.07.2015, a Contrainteressada enviou ao Requerido um documento intitulado “Análise da Viabilidade Económica e da Viabilidade Financeira da Farmácia da MB” e um parecer emitido pelo Revisor Oficial de Contas, como documentos complementares do pedido de transferência referido em 10 (cfr. despacho a fls. 220 dos presentes autos físicos).

13. O documento intitulado “Análise da Viabilidade Económica e da Viabilidade Financeira da Farmácia da MB” referido no ponto anterior foi elaborado pela escola “Porto Business School”, em 17.06.2015, dele constando o seguinte:

“(…)

03/CONCLUSÃO

Face ao exposto e considerando:

● A análise das Demonstrações Financeiras estimadas;

● A razoabilidade e pertinência dos pressupostos assumidos nas estimativas; e

● A capacidade prevista do projeto para remunerar todos os seus stakeholders evidenciada pela estimativa do Valor Atual Líquido, é lícito concluir que a deslocação da Farmácia MB para a nova localização na freguesia da cidade da Maia é um projeto com viabilidade económica e financeira.

04/BREVE NOTA SOBRE A VIABILIDADE NA ATUAL LOCALIZAÇÃO

Foi-nos igualmente solicitado que nos pronunciássemos sobre a possibilidade de manter a Farmácia na atual localização, tendo por base estimativas de continuidade.

No que concerne aos pressupostos, impõe-se salientar:

● No que concerne ao Volume de Negócios e por comparação com o cenário de mudança, fica inviabilizado o crescimento real, quer por fatores específicos da localização já escalpelizados na primeira parte deste trabalho, quer por incapacidade de espaço para alargar leque de produtos vendidos e ampliar stock de medicamentos;

● No que concerne aos gastos, a manutenção nas atuais instalações da farmácia obrigará à contratação de colaboradores sem que isso se traduza no efetivo crescimento das receitas, devendo-se a necessidade de contratação à inevitabilidade de substituir familiares da antiga proprietária que colaboravam cm esta sem qualquer remuneração;

● Os FSE’s passam a incorporar a renda do atual espaço, o que não aconteceu em 2014 com a anterior estrutura societária.

Assim, e após estimar as alterações de gastos decorrentes do ponto acima e mesmo considerando um aumento da margem de contribuição por força da capacidade negocial dos novos proprietários, a estimação da Demonstração de Resultados prospetiva para o período 2015-2022 (Quadro 16) permite verificar a continuidade da delapidação do património económico e financeiro da Farmácia, levando a concluir pela sua inviabilidade económica na atual localização na freguesia de AS.

(cfr. análise a fls. 36 e ss do p.a.)

14. O parecer do Revisor Oficial de Contas referido em 12 foi elaborado pelo Revisor Oficial de Contas Dr. MAG, em representação da sociedade RC & M. G, SROC, Lda, em 18.06.2015, dele constando o seguinte:

“(…)

INTRODUÇÃO

1. Procedemos à revisão das demonstrações financeiras prospetivas da sociedade CD Lda respeitantes ao período 2015-2022, que compreendem o Balanço e a Demonstração dos Resultados prospetivos, incluindo os pressupostos em que se basearam, descritos no Estudo da análise de viabilidade económica e financeira da Farmácia MB elaborado pela Porto Business School.

(…)

RESERVA

4. Confirmarmos que, de acordo com o referido Estudo de Viabilidade Económica e Financeira a Farmácia MB nas atuais instalações e condições de exploração não se apresenta viável.”

(cfr. parecer a fls. 35 do p.a.)

15. Em 13.07.2015, através do ofício n.º 9037, datado de 09.07.2015, a câmara municipal da Maia, após ter constatado que a deliberação da câmara municipal referida em 6 era omissa quanto à análise da viabilidade económica da farmácia a deslocalizar, solicitou ao Requerido o envio de documentação adicional para suportar documentalmente a análise pretendida (cfr. ofício a fls. 57 do p.a.).

16. Em 29.07.2015, a Contrainteressada entregou, junto da câmara municipal da Maia, um requerimento do qual consta, entre outros, o seguinte:

“CCJMP, sócia-gerente da sociedade CD, Lda, na qualidade de proprietária, (…) na sequência da exposição apresentada, datada de 22 de Julho de 2015 e das reuniões realizadas a propósito da emissão do parecer previsto no n.º 3 do artigo 26.º do Decreto-lei 307/2007 (…), vem assumir os seguintes compromissos:

1. De forma a garantir que da transferência da Farmácia Barros da sua localização actual em AS para a Cidade da Maia não decorre qualquer incómodo ou desfavorecimento para a população presentemente servida por aquela Farmácia, a CD, Lda. assume o compromisso de manter nas actuais instalações a venda de medicamentos não sujeitos a receita médica (Parafarmácia).

2. A CD, Lda. assume, também, o compromisso de, naquela Parafarmácia, disponibilizar um serviço gratuito de recepção de receitas médicas, assegurando, designadamente através da Farmácia MB e da Farmácia ST (das quais é igualmente proprietária), a entrega de medicamentos ao domicílio, serviço este que, aliás, já existe actualmente.

3. A CD, Lda. compromete-se a manter em funcionamento a Parafarmácia referida no número anterior pelo prazo de dois anos, findo o qual a viabilidade económica e financeira será reavaliada, em conjunto com o Município da Maia.

4. Independentemente do encerramento da Parafarmácia, o fornecimento domiciliário gratuito de medicamentos à população residente na freguesia de AS manter-se-á.

Caso V. Exas. entendam adequado, a CD, Lda. está inteiramente disponível para assumir estes compromissos através da celebração de um Protocolo com o Município de Maia, cuja respectiva minuta desde já se envia em anexo.

(…)

Em conclusão, a transferência da farmácia Monteiro Barros para a Cidade da Maia nos termos descritos é a única solução que permite assegurar o acesso aos medicamentos da população de AS e, paralelamente, dar um contributo positivo na saúde e bem-estar da população da Cidade da Maia, criando uma situação globalmente melhor.

Em face de tudo o que vem dito, deve ser emitido pela Câmara Municipal da Maia parecer favorável à requerida transferência da Farmácia MB.

(…)”

(cfr. requerimento a fls. 82 e ss do p.a.)

17. Em anexo ao requerimento referido em 16, a Contrainteressada enviou ao Município do Porto um documento intitulado “Escala de Farmácias de Serviço do Concelho da Maia disponibilizada pela Associação Nacional de Farmácias” e uma minuta de protocolo da qual consta, entre outros, o seguinte:

“(…)

Cláusula Primeira

1. A Segunda Contraente compromete-se a manter nas actuais instalações da Farmácia MB um estabelecimento de venda de medicamentos não sujeitos a receita médica (Parafarmácia).

2. A Segunda Contraente compromete-se a disponibilizar na Parafarmácia referida no número anterior um serviço gratuito de recepção de receitas médicas, assegurando, designadamente através da Farmácia MB e da Farmácia ST (de que também é proprietária), a entrega dos medicamentos ao domicílio na freguesia de AS.

Cláusula Segunda

1. A Segunda Contraente compromete-se a manter em funcionamento a Parafarmácia referida na cláusula anterior pelo prazo de dois anos.

2. Findo esse prazo de dois anos, verificando-se que é económica e financeiramente inviável a manutenção em funcionamento da Parafarmácia, a Segunda Contraente poderá decidir o seu encerramento definitivo.

Cláusula Terceira

Sem prejuízo do encerramento da Parafarmácia nos termos previstos na Cláusula Segunda, a Segunda Contraente compromete-se a assegurar o serviço gratuito de entrega medicamentos ao domicílio na freguesia de AS, enquanto a Farmácia MB estiver em pleno funcionamento.

(…)”

(cfr. protocolo e documento a fls. 86 e ss do p.a.)

18. Em 27.07.2015, a Contrainteressada entregou, junto da câmara municipal da Maia, novo requerimento do qual consta uma exposição no sentido da emissão de parecer favorável à transferência da Farmácia MB e junta, em anexo, um documento intitulado “Parecer técnico - Transferência de Localização da Farmácia MB dentro do Concelho da Maia” e os documentos referidos em 12 (cfr. requerimento a fls. 101 e ss dos presentes autos físicos).

19. Através de ofício datado de 30.07.2015, o Requerido enviou ao Município da Maia cópias dos documentos solicitados nos termos do ponto 15, requerendo a comunicação de parecer quanto ao pedido de transferência referido em 10 no prazo de 60 dias (cfr. ofício a fls. 58 do p.a.).

20. Em 08.09.2015, a câmara municipal da Maia deliberou por unanimidade, emitir parecer favorável à transferência da Farmácia MB, da freguesia de AS, para a freguesia da Cidade da Maia, com base na informação elaborada pela Chefe de Divisão da Gestão Urbana, bem como revogar a anterior deliberação de 21.05.2015 referida em 6

(cfr. ata da deliberação a fls. 63 do p.a.).

21. Da informação referida em 20 consta o seguinte:

“(…)

Assim, e atendendo à documentação rececionada, que foi remetido pelo INFARMED e pela requerente, designadamente a análise da Viabilidade Económica e da Viabilidade Financeira da Farmácia MB elaborado e subscrito pela “Porto Business School” e o Parecer do Revisor Oficial de Contas subscrito pelo “RC & M. G, SROC, Lda.”, representada pelo Dr. MAG – ROC 891, bem como um Protocolo de Acordo a celebrar entre o Município da Maia e a sociedade comercial “CD, Lda”, foram reavaliados os pressupostos que deram origem ao parecer anteriormente prestado e acima referido, tendo, assim, sido elaborado parecer técnico pelos serviços municipais da Divisão de Finanças e do Património, bem como parecer prestado pela Divisão dos Assuntos Jurídicos e do Contencioso quanto ao Protocolo de Acordo.

Assim, e atendendo aos novos dados e aos compromissos que a requerente “CD, Lda”, pretende assumir (…), considera-se que se encontra demonstrado que a pretensão cumpre os critérios constantes do artigo 26º da Lei n.º 26/2011, de 16 de junho (…).”

(cfr. informação a fls. 64 e ss do p.a.)

22. Em 07.10.2015, o Conselho Diretivo do Requerido deferiu o requerimento da Contrainteressada com vista à transferência das instalações da Farmácia MB, com o alvará n.º 4599, para a Rua de SR, n.º 572, freguesia da Cidade da Maia, concelho da Maia, distrito do Porto (cfr. ato de deferimento a fls. 161 do p.a.).

23. Do ato de deferimento referido em 22 consta, entre outros, o seguinte:

“(…) deve o pedido de transferência de instalações da Farmácia MB ser autorizado, uma vez que foi apresentada toda a documentação exigida por lei para um pedido de transferência da localização da farmácia, estando cumpridos os critérios legalmente exigidos:

● A localização pretendida para a transferência da farmácia, na Rua de SR n.º 572, freguesia da Cidade da Maia, conselho da Maia, distrito do Porto, respeita os requisitos respeitantes à distância previstos nas alínea b) e c) do artigo 2.º da Portaria n.º 352/2012, de 30 de outubro, conforme certidão camarária junta ao processo e planta de localização;

● O edifício ou fração para onde se pretende a transferência dispõe das áreas mínimas, conforme previsto na Deliberação n.º 1502/2014, publicada em Diário da república, n.º 145, de 30-07-2007 de 31 de Agosto, tendo sido apresentado com a indicação da Dra. Irene MB e estando dispensada da obrigatoriedade do segundo farmacêutico, ao abrigo do artigo 57.º-A do Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31 de agosto;

● Foram demonstrados e consideram-se cumpridos os critérios estabelecidos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31 de Agosto, na redação dada pela Lei n.º 26/2011, de 16 de junhho,

● Não existem pedidos conflituantes nos termos do artigo 22.º da Portaria n.º 352/2012, de 30 de outubro;

● Em cumprimento do disposto no artigo 26.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31 de Agosto, foi solicitado parecer à Câmara Municipal da Maia, que emitiu parecer favorável à transferência da farmácia MB.

(…)”

(cfr. ato de deferimento a fls. 161 do p.a.)

24. O ato de deferimento referido em 22 foi notificado à Contrainteressada através do ofício n.º DIL/UL/CR/450.10.216, datado de 09.10.2015 (cfr. ofício a fls 221 do p.a.).

25. A sociedade Fulcral – Consultoria de Gestão, Lda, em data não apurada, elaborou uma análise económica e financeira a farmácias diretamente afetadas pela inclusão/transferência de uma farmácia para as suas zonas de influência (cfr. estudo a fls. 1009 e ss dos presentes autos físicos).

26. Do estudo referido em 25 consta, entre outros, o seguinte:

“Neste estudo pretende-se medir o impacto da deslocalização da Farmácia MB da freguesia de AS para a cidade da Maia. Procurando caraterizar a situação atual das farmácias existentes na cidade da Maia, nomeadamente as farmácias C..., LC, BD e A…, área de influência para onde se pretende transferir a Farmácia MB, estimando o impacto que esta irá ter no futuro das mesmas.

(…)

5 Análise das farmácias – impacto da transferência:

5.1 Farmácia Central de C...

A Farmácia Central de C..., provavelmente, irá ser uma das mais afectadas, não em termos de valor absoluto, mas sim em termos de viabilidade financeira. Senão vejamos esta farmácia terminou o ano de 2014, com Resultados Operacionais de 31.532,91 € e um Resultado antes de Impostos 29.307,505€, tendo uma redução no volume de vendas, de 25,67%, de 2009 para 2014, e uma quebra na margem de lucro de 27,7%, para o mesmo período, conforme quadro I.

(…)

No entanto, se tentarmos avaliar o impacto futuro da transferência da Farmácia MB na Farmácia Central de C..., vemos que terá um impacto significativo nos resultados desta, e terá, de eventualmente passar por rescisões no quadro de pessoal – quadro II.

Conforme referido no ponto anterior, se extrapolarmos as vendas projectadas para a FMB, facilmente constatamos que teremos cerca de 1.000,00€ a 1.500.000€, que serão deslocalizados das farmácias da área de influência para a Farmácia MB – eventualmente, valores estes modestos para a estrutura prevista.

(…)

Analisando o impacto da transferência no futuro imediato da Farmácia Central de C..., vemos que, o impacto de perda nas vendas de cerca de 10%, principalmente porque é das mais próximas, será significativo. Enquanto que neste momento, segundo os resultados de 2014, a farmácia apresenta resultados antes de impostos de 29.307,50€, com o impacto da deslocalização, o Resultado Antes de Impostos, poderá, passar para um valor residual de 1.667,61€, quase negativos, o que aconteceria se essa redução nas vendas fosse na ordem dos 20% - esse valor passaria para uns negativos (23.103,75€).

(…)

7 Conclusão

A análise feita ao impacto da transferência da Farmácia MB da freguesia de AS para a cidade da Maia, permite-nos aferir das implicações que advirão daí, uma significativa degradação dos resultados e da rendibilidade das vendas.

(…)

A Farmácia MB, na sua atual localização, com melhor gestão, marketing e associado ao grupo a que pertence, na nossa opinião, é perfeitamente viável, face aos rácios analisados;

(…)”

(cfr. estudo a fls. 1009 e ss dos presentes autos físicos).

27. A sociedade Fulcral – Consultoria de Gestão, Lda, em data não apurada, elaborou um documento intitulado “Adenda - Avaliação Económica e Financeira da entrada de mais um player – Farmácia MB, na cidade da Maia” (cfr. documento a fls. 1050 e ss dos presentes autos físicos).

28. Do documento referido em 27 consta, entre outros, o seguinte:

A Fulcral, na sequência da junção de elementos contabilísticos oficiais, solicitados na Providência Cautelar, pelo autor: Farmácia C... e outros, vem tecer breves considerações aos elementos fornecidos:

(…)

Com base no exposto, na nossa opinião, consideramos que a Farmácia MB na localização actual é viável.
(cfr. documento a fls. 1050 e ss dos presentes autos físicos).

*
DIREITO

O TAF resolveu o presente litígio de natureza cautelar com fundamento em que «…não se considera verificado o requisito de “periculum in mora”, cumulativamente exigido para o decretamento da presente providência, nos termos do art.º 120º, n.º 1, al. b), do CPTA, pelo que, não pode proceder o respectivo pedido de decretamento».

Se este julgamento merece ou não ser confirmado é a imediata questão a resolver e, se resolvida no sentido afirmativo, a única, como reconhecem as Recorrentes na conclusão B.

Na conclusão D as Recorrentes afirmam que “a decisão em apreço encerra um claro erro de julgamento ao afastar, desde logo, a situação de facto consumado na situação em apreço”.

Lendo a sentença, não se confirma esta imputação de afastamento liminar, ou prematuro, da hipótese de existência do facto consumado.

Na verdade, referindo-se ao “periculum in mora” e a título de “breves considerações quanto à figura deste requisito” o TAF começa por dizer que «São duas as circunstâncias alternativas que se podem verificar para que se considere comprovado o requisito do “periculum in mora”: a possibilidade de se constituir uma situação de facto consumado ou de se produzirem prejuízos de difícil reparação»

Seguidamente aborda, nesta sequência, a “situação de facto consumado” e a “situação de prejuízos de difícil reparação”, citando a propósito de cada uma algumas posições doutrinárias e jurisprudenciais.

Sendo a sequencialidade uma característica incontornável da escrita, algum dos assuntos tinha que ser enunciado em primeiro lugar, mas a passagem a um novo tema não significa logicamente o abandono do anterior.

E na verdade não há abandono do tema “facto consumado”, desde logo por estar implícito, talqualmente os “prejuízos de difícil reparação”, nos conceitos de “fundado receio” e “periculum in mora” nos quais o TAF foca seguidamente a sua atenção e pelos quais suficientemente se alonga.

Mas sobretudo porque a sentença o explicita. Por exemplo, após sintetizar e enquadrar os fundamentos da pretensão das Requerentes na temática do “periculum in mora”, o TAF declara que «do articulado pelas Impetrantes, não resultam factos concretos que se possam reconduzir a “um fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação” que não possam ser assegurados no processo principal». E, analisando os pareceres sobre a situação económica das Requerentes refere que “deles não resulta o fundado receio de uma situação de prejuízos de difícil reparação ou de facto consumado”.

Seguidamente a sentença envereda pela apreciação mais detalhada dos factos pertinentes e seu enquadramento normativo, sempre privilegiando as expressões “fundado receio” e “periculum in mora”, sem distinção radical entre “facto consumado” e “prejuízos de difícil reparação”, de modo que mais facilmente se poderia acusar o TAF de sincretismo entre ambas as perspectivas presentes no critério legal previsto no artigo 120º/1/b) do CPTA, correntemente designado “periculum in mora”, do que do abandono de uma delas.

No entanto, esse sincretismo é no caso perfeitamente justificado, uma vez que sendo os interesses a precaver essencialmente de índole económica (trata-se de sociedades comerciais, que visam o lucro), a distinção é mais de grau do que de natureza, admitindo-se que o facto consumado será mais idóneo à descrição de potenciais situações destrutivas do negócio (maxime a insolvência), enquanto a dificuldade de reparação dos prejuízos pressupõe um prognóstico conservador, em que se conjectura que as Requerentes aguentam o choque do acréscimo concorrencial.

Ora, nem sequer dos estudos económicos e financeiros apresentados e levados à matéria de facto resulta como hipótese credível a falência do negócio das Requerentes na antevisão de instalação de mais uma farmácia nas proximidades.

O TAF pondera sensatamente a este respeito:

«Atente-se a conclusão do parecer, em que alude apenas à degradação dos resultados: “A análise feita ao impacto da transferência da Farmácia MB da freguesia de AS para a cidade da Maia, permitenos aferir das implicações que advirão daí, uma significativa degradação dos resultados e da rendibilidade das vendas.” (cfr. ponto 27.º do probatório).
Veja-se ainda o conteúdo da análise efetuada. Quanto à farmácia que, segundo o próprio parecer, se considera como a mais afectada – a Farmácia Central de C... -, a redução nas vendas prevista, de 10 %, resultaria na obtenção de resultados ainda positivos. Neste parecer, admite-se que a redução das vendas poderia passar para valores negativos se as vendas das farmácias fosse afectada na ordem dos 20 %, mas o impacto que se prevê é de
10% (cfr. ponto 27.º do probatório).
Por aqui se vê que não ficou minimamente provado um fundado receio da inviabilidade imediata, total e definitiva das farmácias Requerentes até à prolação da decisão na acção principal.»
Este documento, no contexto da demais factualidade indiciariamente provada, é decisivo no sentido de se afastar, como manifestamente improvável, o cenário da superveniência de situações de factos consumados relevantes em prejuízo dos interesses defendidos pelas Recorrentes.
Seja como for, compreensivelmente, as Recorrentes enfatizam “pro domo sua” todas as dúvidas que possam subsistir e que obviamente, quando se tenta “antecipar” o futuro, são potencialmente infinitas e nunca totalmente demonstráveis.
E assim, partindo de uma previsão que, concede-se, se afigura plausível - perda de clientela, redução da quota de mercado, do volume de negócios e dos lucros, em função da instalação na freguesia de uma nova farmácia - reinterpretam a doutrina e a jurisprudência à medida dos seus interesses, como se a mera previsibilidade desses efeitos negativos para o seu negócio, em qualquer grau e medida, fosse susceptível de preencher o requisito legal do artigo 120º/1/b) CPTA.
Ora, se há lição que se retira de toda a doutrina e jurisprudência conhecidas é a necessidade de tempero, equilíbrio e proporcionalidade na ponderação e extrapolação dos factos indiciários, não só por em casos como o vertente não existirem certezas absolutas, mas apenas hipóteses e probabilidades, como ainda por o preenchimento do critério “periculum in mora” não se bastar com a probabilidade de qualquer prejuízo, antes exigir o fundado receio de ocorrência de prejuízos que atinjam um grau de relevância e de nocividade para os interesses dos requerentes que se prefigure inadmissível e insuportável para o direito.
Ora, na falta de outros “instrumentos” de avaliação mais fiáveis, em termos de bom senso e experiência comum este TCAN firma a convicção de que a hipotética perda temporária de um volume de negócios igual ou inferior a 10% que cada uma das Recorrentes eventualmente teria que suportar com a instalação - provisória - na cidade da Maia de mais uma farmácia, não representa uma situação qualificável como “prejuízos de difícil reparação” em termos de enquadramento naquele requisito legal.
De todo o modo nunca se trataria de prejuízos inacessíveis a uma futura indemnização adequada, porque se alguma perda de clientela será resultado previsível da instalação da nova farmácia, simetricamente e por igual razão a recuperação dessa clientela será efeito conjecturável e provável da desinstalação da mesma farmácia, em execução de uma decisão favorável às Requerentes no processo principal.

Nos termos sumários e perfuntórios inerentes ao julgamento cautelar, a fundamentação da sentença e o que se adita constituem um corpo racional suficiente para confirmar a inverificação no caso do requisito do “periculum in mora” previsto no artigo 120º/1/b) CPTA.

Deste modo improcedem na totalidade as conclusões dos Recorrentes e mantém-se a decisão recorrida.

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DECISÃO

Pelo exposto acordam em negar provimento ao recurso.

Porto, 17 de Junho de 2016
Ass.: João Beato Sousa
Ass.: Hélder Vieira
ass.: Alexandra Alendouro