Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01815/12.2BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/15/2016
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Joaquim Cruzeiro
Descritores:PROCEDIMENTO DISCIPLINAR; PRAZOS
Sumário:O prazo de suspensão preventiva a que se refere o artigo 45º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Púbicas, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro, é um prazo substantivo, aplicando-se à sua contagem o artigo 279º do Código Civil, ou seja, o mesmo não se suspende aos Sábados, Domingos e feriados.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local
Recorrido 1:Município do Porto
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
1 – RELATÓRIO
Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local – STAL vem interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 27 de Fevereiro de 2014, que julgou improcedente a acção interposta contra o Município do Porto e onde era solicitado que deviam:
a) Ser o acto apontado de injustificação de faltas ao trabalhador anulado;
b) Ser o Réu condenado a retirar do registo biográfico do trabalhador qualquer referência ao acto aqui em causa;
c) Ser o R condenado a pagar ao trabalhador todos os vencimentos e subsídios respeitantes às faltas injustificadas ora em causa…”.

Em alegações o recorrente concluiu assim:
1) O representado do recorrente foi suspenso preventivamente por 90 dias no âmbito de procedimento disciplinar.
2) O art. 2º da Lei 58/2008 de 9/9 estabelece que “ Os prazos referidos no Estatuto Disciplinar contam-se nos termos previstos no Código de Procedimento Administrativo”,
3) O prazo máximo de suspensão preventiva em procedimento disciplinar supra referido é um prazo estabelecido no Estatuto Disciplinar (art. 45º).
4) De acordo com tal legislação o prazo de suspensão preventiva de 90 dias a que o associado do recorrente foi sujeito, só pode contar-se nos moldes do C.P.A, ou seja, em dias úteis (com exclusão de sábados, domingos e feriados).
5) O douto Acórdão recorrido ao assim não ter entendido e decidido, padece de erro de julgamento por errada interpretação e aplicação daqueles supra referidos normativos, merecendo ser revogado.

O Recorrido, notificado para o efeito, contra-alegou, tendo concluído:
A. O douto acórdão proferido pelo tribunal a quo e ora colocado em crise pela Recorrente é, a nosso ver, justo, bem fundamentado e inatacável, demonstrando uma aplicação exemplar das normas jurídicas, pelo que deverá ser confirmado por V. Exas.
B. Com o presente recurso propugna o Recorrente que a decisão judicial colocada em crise padece de erro de julgamento por errada interpretação e aplicação do artigo 45º do Estatuto Disciplinar, do artigo 2º da Lei nº 58/2008, de 9 de Setembro e do artigo 72º do CPA.
C. Para tanto, propugna o Recorrente que a contagem do prazo de suspensão preventiva, a que alude o artigo 45º do Estatuto Disciplinar, deve ser feita em dias úteis, de acordo com o CPA.
D. Ora, no âmbito de um processo disciplinar os prazos procedimentais são contados em dias úteis, de acordo com o disposto no artigo 72º do CPA e por aplicação do artigo 2º da Lei nº 58/2008, de 9 de Setembro.
E. Contudo, o prazo relativo à suspensão preventiva não é um prazo procedimental.
F. Na verdade, não se inclui no conceito de prazos procedimentais o prazo estabelecido na lei como condição de exercício (factor de caducidade ou prescrição) do direito ou da posição jurídica a cuja atribuição ou reconhecimento o procedimento tende.
G. Assim, o prazo da suspensão preventiva (bem assim como a suspensão enquanto pena disciplinar) é substantivo e, por essa razão, não obedece às regras do CPA, maxime do seu artigo 72º.
H. Pelo que, a sua contagem não é feita em duas úteis, mas antes em prazo corrido, como sempre entendeu o Recorrido e também o tribunal a quo.
I. Por essa razão, claudica o único fundamento esgrimido pelo Recorrente no presente pleito para abalar o acto administrativo sub judice e agora a sentença a quo, devendo por conseguinte as faltas do Recorrente serem consideradas injustificadas.
J. Pelo que foi acima aduzido, não se verifica qualquer erro de julgamento da parte do tribunal a quo, pelo que é entendimento do Recorrido que a decisão judicial em apreço não merece qualquer reparo, devendo ser confirmada por V. Exas.

O Ministério Público, notificado ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA, emitiu parecer nos termos que aqui se dão por reproduzidos, pronunciando-se no sentido de ser confirmada a sentença recorrida.

As questões suscitadas e a decidir resumem-se em determinar:

— se ocorre erro de julgamento, quando se decidiu que o prazo estabelecido no artigo 45º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro é um prazo processual e não administrativo.

2– FUNDAMENTAÇÃO

2.1 – DE FACTO

Na decisão sob recurso ficou assente o seguinte quadro factual:

A. O representado associado do Autor foi suspenso preventivamente do exercício das suas funções, por 90 dias, no âmbito de processo disciplinar instaurado, por despacho proferido pela Vereadora dos Recursos Humanos do Município do Porto, em 14/09/2011 – Facto admitido por acordo das partes e corroborado pelo documento n.º 4 junto com a petição inicial.

B. O associado do Autor, JJFS, foi notificado do teor deste despacho em 15/09/2011 e de que fica impedido de comparecer nas instalações do Município – Facto admitido por acordo das partes e teor do mesmo ofício n.º I/138974/11/CMP.

C. Em 22/02/2012, a Chefe de Divisão Municipal de Mercados, Feiras e Inspecção Sanitária, por não ter sido apresentado nem provado qualquer facto legalmente atendível, designadamente, qualquer tentativa de apresentação ao serviço do trabalhador após o termo da suspensão preventiva por 90 dias, injustificou as faltas dadas por JJFS, nos dias 14 e 15 de Dezembro de 2011 e de 26 de Dezembro de 2011 a 24 de Janeiro de 2012 – cfr. documento de fls. 10 do processo físico – ref. I/32063/12/CMP.

D. Em 11/04/2012, foi enviado ofício com a ref. I/647335/12/CMP ao associado do autor dando conhecimento de que lhe foram consideradas injustificadas as ausências verificadas nos dias 14 e 15 de Dezembro de 2011 e de 26 de Dezembro de 2011 a 24 de Janeiro de 2012 – cfr. documento n.º 3 junto com a petição inicial.

3 – DE DIREITO

Cumpre apreciar as questões suscitadas pela ora Recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para tal efeito, pela lei processual aplicável - ver artigos 5.º, 608.º, n.º2, 635.º, n.ºs 4 e 5, e 639.º do C.P.C., na redacção conferida pela Lei n.º 41/2013, ex vi art.º 1.º do C.P.T.A, e ainda conforme o disposto no artigo 149º do CPTA.
A questão a decidir no presente processo prende-se com a necessidade de saber se o prazo referido no artigo 45º do Estatuto Disciplinar (ED) dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro, é um prazo administrativo/ processual ou um prazo substantivo.
De acordo com o referido artigo 45º, n.º 2, do referido ED 1 - O arguido pode ser, sob proposta da entidade que tenha instaurado o procedimento disciplinar ou do instrutor, e mediante despacho do dirigente máximo do órgão ou serviço, preventivamente suspenso do exercício das suas funções, sem perda da remuneração base, até decisão do procedimento, mas por prazo não superior a 90 dias, sempre que a sua presença se revele inconveniente para o serviço ou para o apuramento da verdade.
Por seu lado, o artigo 2º do Decreto-Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro, que aprovou o Estatuto Disciplinar, refere que os prazos referidos no Estatuto contam-se nos termos previstos no Código de Procedimento Administrativo.
Com base neste artigo vem o recorrente sustentar que o prazo de 90 dias de suspensão que foi aplicado ao seu associado deve ser contado como um prazo procedimental/administrativo.
A decisão recorrida veio sustentar que estarmos perante um prazo substantivo, contando-se o mesmo nos termos do artigo 279º do Código Civil, ou seja, não se suspendendo aos Sábados, Domingos e feriados.
Os prazos, como um período de tempo que há-de decorrer entre dois extremos (o dies a quo e o dies ad quem), como refere o Prof. José Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, pág. 53, costumam denominar-se de substantivos e de adjectivos ou processuais.
O prazo substantivo caracteriza-se por ser uma sucessão de tempo enquadrada no direito civil e a sua contagem processa-se fora da tramitação processual. O cômputo do seu termo é o que está estatuído no disposto no art.º 279.º do C. Civil.
O prazo processual refere-se a uma sucessão de tempo enquadrada no direito processual. Surge no contexto de uma série de actos previstos para certa tramitação legal e, por isso, pressupondo a existência de uma acção na qual se integra. Em consequência disso a sua contagem obedece aos ditames propostos nos artigos 144.º e 145.º do C.P.Civil.
Ou seja, um acto a praticar dentro de um processo é o que se designa por acto adjectivo ou processual, é um acto, como refere Alberto dos Reis, in, obra citada, pág. 57, citando Carnelutti, que tem a função de regular a distância entre os actos do processo. Aceite este ponto de vista, é fora de dúvida que não satisfaz este requisito o prazo para a propositura da acção. A função deste prazo é regular a distância entre quaisquer actos do processo; é determinar o período de tempo dentro do qual pode exercer-se o direito concreto de acção, o direito de acção no seu aspecto de direito material.
Por seu lado, estamos perante um prazo substantivo quando este não se destina a marcar o período de tempo para a prática de determinado acto dentro de um procedimento.
Como se refere no Acórdão do TRG pro. n.º 117/06-1, de 08-02-2006,
1.Em termos mais práticos sugerimos avançar que tem natureza adjectiva o prazo a que está sujeito qualquer acto a praticar dentro do processo, que não fora dele; e estamos perante um prazo substantivo quando ele se não destina a marcar o período de tempo durante o qual há-de praticar-se, nesse processo, determinado acto.
Um prazo dentro de um procedimento administrativo também é um prazo adjectivo, porque regula a prática de actos dentre de um procedimento, o procedimento administrativo. Mas a sua contagem tem uma regulação própria, e procede-se actualmente nos termos dos artigos 86º e sgs do CPA (antigo artigo 71º e sgs). A natureza do prazo é a mesma, ou seja, estamos perante um determinado prazo procedimental que visa regular os actos a praticar num procedimento administrativo. Diferentemente um prazo substantivo correrá fora desse procedimento e não terá como função regular a distância entre actos do procedimento, na terminologia utilizada por Alberto dos Reis.
Voltando agora ao nosso caso concreto, verificamos que está em causa a contagem de tempo do artigo 45º do Estatuto Disciplinar aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro, que refere que o trabalhador pode ser suspenso preventivamente por um prazo não superior a 90 dias. Não estamos perante um prazo de regulação procedimental ou, na terminologia de Alberto dos Reis, de um prazo que pretenda regular a distância entre actos do processo. Prazo procedimental, apenas como exemplo, será o constante do artigo 39º do referido Estatuto Disciplinar, que regula o início e o termo do procedimento, o prazo do artigo 48º, que regula o período de tempo em que deve ser deduzida a acusação, o prazo do artigo 49º, que regula a apresentação da defesa, o prazo do artigo 59º, que regula a elaboração do relatório final e da decisão. Estamos perante prazos que regulam o procedimento, ou, dito de outro modo, que regulam a distância entre os vários actos a praticar num procedimento.
Os prazos da suspensão preventiva, como é o caso dos autos e, por exemplo, o prazo relativo à pena de inactividade, são prazos que já se têm de considerar substantivos uma vez que não regulam a prática de um qualquer acto procedimental. São prazos de suspensão (preventiva) ou de aplicação de uma pena disciplinar.
Estamos a falar de prazos em que não está em causa um procedimento mas uma medida, preventiva ou não, a aplicar.
A suspensão preventiva de um trabalhador não pode ser suspensa ao sábado ao domingo e aos feriados, o que levaria, em último caso, a situação dos autos se vingasse a tese do Autor. Imaginemos que o associado do recorrente trabalhava por turnos e na prestação desse trabalho estaria incluído o trabalho aos sábados e domingos. Neste caso a suspensão preventiva não corria nestes dias. Não se pode concluir desta forma, pelo absurdo da mesma. De referir ainda que estes prazos, que vêm interferir com princípios ligados aos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores, são prazos que não podem exceder o que se encontra determinado na lei. Um prazo de noventa dias, que é o prazo máximo de suspensão preventiva, se contarmos apenas os dias úteis, levava a que esta tivesse uma duração efectiva muito superior ao período de tempo legalmente fixado. O mesmo se passava com um prazo onde estivesse em causa a aplicação de uma pena de inactividade.
Aliás, questão semelhante se passa no âmbito do processo penal. Aos actos processuais, no âmbito deste processo, aplicam-se as disposições da lei do processo civil, nos termos do artigo 104º do CPP. No entanto, para a contagem da pena de prisão aplica-se o disposto no artigo 479º deste Código, tendo esta contagem uma regulação especial. Uma coisa são os actos processuais, outra coisa serão as medidas a aplicar, preventivamente, ou não.
Conclui-se assim que o prazo de suspensão preventiva a que se refere o artigo 45º do ED aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro, é um prazo substantivo, aplicando-se à sua contagem o artigo 279º do Código Civil, ou seja, não se suspende aos Sábados, Domingos e feriados.
À mesma conclusão chegou Paulo Veiga e Moura, in, Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração pública, anotado, 2ª edição, pág. 12-13, ainda que com fundamento relativamente diferente quando refere: “ Na verdade, o estatuto em anotação consagra prazos diferenciados, alguns dos quais computados em dias – a maioria- e outros e, meses ou anos (v. nºs 4 e 6 do art. 6º; n.º 5 do art.11º; n.º 2 do art. 25º, art. 26º), parecendo-nos seguro afirmar-se que os prazos quantificados em meses ou anos são prazos de natureza substantiva, que contendem com a prescrição, com a suspensão das penas ou com a incapacidade temporária da aplicação das mesmas.”
Por todo o exposto tem de se concluir que não podem proceder as conclusões do recorrente não merecendo a decisão recorrida a censura que lhe é assacada e, em consequência, nega-se provimento ao recurso jurisdicional interposto.

3 – DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Sem custas atenta a isenção do recorrente (artigo 4º n.º 1 alínea h) do RCP).
Notifique.

Porto, 15 de Julho de 2016
Ass.: Joaquim Cruzeiro
Ass.: Fernanda Brandão
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco