Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01163/14.3BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/07/2017
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Alexandra Alendouro
Descritores:INSPECÇÃO/AUDITORIA REALIZADA PELA INSPECÇÃO GERAL DE FINANÇAS A INSTITUTO PÚBLICO;
ACTO DE MEMBRO DO GOVERNO CONCORDANTE COM RELATÓRIO DE INSPECÇÃO (RECOMENDAÇÕES RELATIVAS AO SISTEMA REMUNERATÓRIO); IMPUGNABILIDADE CONTENCIOSA; EFEITOS EXTERNOS; ARTIGO 51º, Nº 1, DO CPTA.
Sumário:O despacho da Ministra do Estado e das Finanças que, na sequência de inspecção/auditoria realizada pela IGF ao sistema remuneratório do IMTT, concorda com a proposta constante de informação/relatório dessa inspecção, relativa a recomendações dirigidas ao presidente do conselho daquele instituto no sentido de os competentes serviços promoverem a reposição nos cofres do Estado do montante de quantias abonadas a título de despesas de representação por exercício de cargos de dirigentes e a suspensão dos abonos em causa, desencadeando os inerentes procedimentos atinentes à emissão dos actos administrativos que têm como destinatários concretos os trabalhadores daquele Instituto, que se encontram nas situações visadas, não projecta, por si só, efeitos jurídicos na esfera jurídica da Recorrente, enquanto dirigente de 3.º grau do IMTT, sendo, por isso, inimpugnável – artigo 51º, nº 1, do CPTA.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:ISAF
Recorrido 1:MINISTÉRIO DAS FINANÇAS.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parece no sentido da procedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I – RELATÓRIO
ISAF interpôs recurso jurisdicional da decisão proferida no TAF do Porto que julgou verificada a excepção da inimpugnabilidade do acto impugnado – Despacho n.º 282/13/MEF da Ministra de Estado e das Finanças que concordou com a Informação n.º 993/2012 da Inspecção geral de Finanças, relativa a recomendações dirigidas ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes, IP, na sequência de auditoria ao sistema remuneratório – no âmbito da presente acção administrativa especial proposta contra o MINISTÉRIO DAS FINANÇAS.
*
Em alegações, a Recorrente formula as seguintes CONCLUSÕES que delimitam o objecto do recurso:

a) “O acto impugnado, da autoria da Ministra das Finanças, ao homologar relatório da inspecção adquire eficácia externa, nos termos do artigo 15.º do Decreto Lei n.º 276/2007, de 31 de Julho;

b) Sendo que se insere no âmbito da uma relação contratual formada entre Recorrente e Recorrida determinando que aquela reponha verbas recebidas no âmbito de tal relação, assim definindo, de forma unilateral e autoritária, a situação jurídica daquela;

c) Sem que exista margem de discricionariedade para o CD do IMT, IP, decidir de forma diversa;

d) Trata-se, por conseguinte, de acto lesivo;

e) Ao assim não entender, violou a sentença impugnada os artigos 268.º, n.º 4, da CRP e 51.º, n.º 1, do CPTA.

Termos em que, deve a sentença impugnada ser revogada, ordenando-se a prossecução dos autos.”

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O Recorrido não contra-alegou.
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O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para os efeitos previstos no artigo 146º do CPTA, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
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Cumpre apreciar e decidir:
II – QUESTÕES DECIDENDAS:
Das conclusões das alegações apresentadas pela Recorrente, a partir da respectiva motivação – artigos 5.º, 608.º, nº 2, 635.º, nº 3 e 4, do CPC – resulta que a única questão a decidir é a de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento, por violação dos artigos 268.º, n.º 4, da CRP e 51.º, n.º 1, do CPTA, ao considerar inimpugnável o acto objecto da acção.
***
III - FUNDAMENTAÇÃO

A/DE FACTO:

O Tribunal a quo, fixou, com interesse para a decisão a proferir, a seguinte factualidade:
1. A inspecção-geral de Finanças efectuou uma auditoria ao sistema remuneratório do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, IP, cujas conclusões foram transpostas para o relatório n.º 1155/2011 e homologadas pelo Secretário de Estado do Orçamento em 23 de Janeiro de 2013, através do despacho n.º 92/2012/SEO, com o seguinte teor: “Homologo. Proceda-se conforme o proposto nos pontos 4.2 e 4.3” (cfr. fls. 189 do processo físico);

2. O Instituto da Mobilidade e dos Transportes, IP, solicitou “à Tutela que, em articulação com Sua Ex.ª, o Ministro de Estado e das Finanças” procedesse à ponderação dos elementos de facto e de direito apresentados para a não implementação das recomendações no que se refere ao dever de reposição de verbas (cfr. fls. 184 do processo físico);

3. O pedido referido no ponto anterior foi objecto da informação n.º 933/2012 da IGF que, no seu ponto IV, refere o seguinte:

[imagem omissa]

4. Na informação da IGF n.º 933/2012 foi exarado o despacho do Inspector de Finanças Director, de 13 de Julho de 2012, com o seguinte teor: “À consideração superior, com a minha concordância, reiterando a necessidade do CD do IMTT implementar as recomendações formuladas no relatório n.º 1155/2011 (homologado pelo Sr. SEO)” (cfr. fls. 182 do processo físico);

5. Na informação da IGF n.º 933/2012 foi exarado, pela Ministra do Estado e das Finanças, o despacho n.º 282/13/MEF, de 3 de Dezembro de 2013, com o seguinte teor: “Concordo. Sem prejuízo dos efeitos da prescrição, proceda-se como proposto no Cap. IV da presente informação” (cfr. fls. 182 do processo físico);

6. Por ofício nº 038200082148382 de 13 de Fevereiro de 2014 foi comunicado ao IMTT o despacho n.º 282/13/MEF (cfr. fls. 139 do processo físico);

7. A “Deliberação/IMT/2013”, com data de 11 de Fevereiro de 2014, determinou a expedição de notificações aos sujeitos identificados no anexo I da mesma deliberação, para se pronunciarem, querendo, sobre o projecto de decisão do IMT, no sentido exigir àqueles sujeitos a reposição dos montantes “indevidamente abonados” (cfr. fls. 140 e 141 do processo físico);

8. O Conselho Directivo do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, IP, remeteu os ofícios n.º 38200082138174, 38200082131459, 38200082132156 e 38200082134366, todos com data de 13 de Fevereiro de 2014, aos aqui Autores, comunicando o acto projectado para efeitos de audição prévia;

9. A comunicação remetida pelo ofício 38200082138174 para a Autora, ISAF, “para pronúncia em sede de audiência de interessados”, informava da intenção do IMT de “proceder à execução dos actos preparatórios da decisão final de solicitar” a reposição de quantias abonadas “a título de despesas de representação por exercício do cargo de dirigente de 3.º grau do IMTT”, no montante de 7.086 euros no ano de 2010 e no montante de 1.778,77 euros no ano de 2011, no total de 8.864,77 (documento n.º 1, junto com a petição inicial, a fls. 43 e 44 do processo físico).

10. A comunicação remetida pelo ofício n.º 38200082131459 para o Autor, JGC, “para pronúncia em sede de audiência de interessados”, informava da intenção do IMT de “proceder à execução dos actos preparatórios da decisão final de solicitar” a reposição de quantias abonadas “a título de retribuição base por exercício do cargo de dirigente intermédio, de 1.º grau ou do 2.º grau do IMTT e, bem assim, as quantias abonadas no mesmo período a título de despesas de representação”, no montante de 7.844,51 euros correspondentes ao ano de 2011 (documento n.º 2, junto com a petição inicial, a fls. 45 e 46 do processo físico);

11. A comunicação remetida pelo ofício 38200082132156 para o Autor, JMRC, “para pronúncia em sede de audiência de interessados”, informava da intenção do IMT de “proceder à execução dos actos preparatórios da decisão final de solicitar” a reposição de quantias abonadas “a título de retribuição base por exercício do cargo de dirigente intermédio, de 1.º grau ou do 2.º grau do IMTT e, bem assim, as quantias abonadas no mesmo período a título de despesas de representação”, no montante de 9.360,66 euros no ano de 2010 e no montante de 1.712,98 euros no ano de 2011, no total de 11.073,64 (documento n.º 3, junto com a petição inicial, a fls. 48 e 49 do processo físico);

12. A comunicação remetida pelo ofício 38200082134366 para o Autor, JCV, “para pronúncia em sede de audiência de interessados”, informava da intenção do IMT de “proceder à execução dos actos preparatórios da decisão final de solicitar” a reposição de quantias abonadas “a título de retribuição base por exercício do cargo de dirigente intermédio, de 1.º grau ou do 2.º grau do IMTT e, bem assim, as quantias abonadas no mesmo período a título de despesas de representação”, no montante de 9.360,66 euros no ano de 2010 e no montante de 2.068,18 euros no ano de 2011, no total de 11.428,84 (documento n.º 4, junto com a petição inicial, a fls. 50 e 51 do processo físico).

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B/DE DIREITO:
Apreciemos, então, se o decidido pelo Tribunal a quo se mostra conforme à lei.

A sentença recorrida considerou que o Despacho n.º 282/13/MEF da Ministra das Finanças da Ministra de Estado e das Finanças, não configura um acto impugnável “porquanto o mesmo não se mostra dotado de conteúdo decisório, de uma estatuição autoritária e vinculativa, que produza por si só, na esfera jurídica dos Autores, determinados efeitos jurídicos ou uma modificação jurídica definida

Para o tribunal a quo a imposição ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes, IP de um determinado comportamento, resultou da homologação pelo Secretário de Estado do Orçamento do relatório que contém as recomendações resultantes da auditoria efectuada pela Inspecção-Geral de Finanças ao sistema remuneratório do mesmo Instituto (relatório n.° 1155/2011, homologado pelo Secretário de Estado do Orçamento, em 23 de Janeiro de 2013, através do despacho n.º 92/2012/SE0).”

Vindo mais tarde a ser emitido o despacho impugnado, na sequência de pedido do Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres, IP “à Tutela para que, em articulação com Sua Ex.ª, o Ministro de Estado e das Finanças”, procedesse à ponderação dos elementos de facto e de direito apresentados para a não implementação das recomendações no que se refere ao dever de reposição de verbas, concordante com o proposto no Cap. IV da informação n.º 933/2012 da IGF.

E que assimtais actos (...) são dirigidos ao Presidente do Conselho Directivo do Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres, IP, impondo-lhe uma determinada actuação. Os mesmos não têm, ainda, efeitos na esfera jurídica dos Autores, porquanto, para o efeito, carece este Instituto de implementar o procedimento atinente à emissão dos actos administrativos que têm como destinatários concretos os trabalhadores daquele Instituto, que se encontram nas situações visadas.”.

(…).

“Deste modo, ainda que as recomendações do relatório da IGF, confirmadas pelo Secretário de Estado do Orçamento e pelo despacho da Ministra do Estado e das Finanças, devam ser tidas em conta pelo IMTT, todavia, são insusceptíveis, por si só, de produzir efeitos jurídicos na situação individual e concreta dos Autores”.

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Vejamos.

A Lei Fundamental garante aos administrados o direito de impugnar, junto dos tribunais administrativos, os actos administrativos lesivos de direitos ou interesse legalmente protegidos dos administrados, independentemente da sua forma, nos termos do disposto nos artigos 268.º, n.º 4 da CRP.

Garantia constitucional que impõe ao legislador ordinário que respeite a impugnabilidade contenciosa dos actos lesivos, mas não o coarcta de limitar tal impugnabilidade apenas a tais actos.

Neste contexto, o CPTA definiu no artigo 51.º do CPTA, o acto administrativo impugnável como sendo aquele acto que é dotado de eficácia externa, remetendo a lesividade (subjectiva) para o papel de mero critério de aferição dessa impugnabilidade, ao prever o seguinte:

ainda que inseridos num procedimento administrativo, são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos” (artigo 51.º, n.º 1).

Do que se retira, desde logo, que apenas são judicialmente impugnáveis os actos administrativos dotados de eficácia externa, ainda que inseridos num procedimento administrativo, e especialmente, mas não apenas, aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar posições jurídicas subjectivas – neste sentido MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, sublinhando que “O elemento decisivo da noção de acto administrativo impugnável é a eficácia externa”, in O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, Coimbra, Fevereiro 2003, p. 117 e ss, e, entre outros, o Acórdão do STA, de 16.12.2009, P. 0140/09, e do TACN de 20/09/07, P.01503/05.6., cujos sumários respectivamente, se transcrevem:

“I- Hoje, face ao artº 51º, nº 1 do CPTA, a impugnabilidade do acto administrativo, depende apenas da sua externalidade, ou seja, da susceptibilidade de produzir efeitos jurídicos que se projectem para fora do procedimento onde o acto se insere. II - Assim, torna-se irrelevante, para aferir da impugnabilidade do acto, que ele seja definitivo ou não, lesivo ou não, bem como a sua localização no procedimento (início, meio ou termo). III - Assim, qualquer decisão administrativa pode ser hoje impugnável, questão é que o seu conteúdo projecte efeitos jurídicos para o exterior, i.e tenha eficácia externa.”.

“I. No âmbito do CPTA, acto administrativo impugnável é acto dotado de eficácia externa, actual ou potencial, neste último caso desde que seja seguro ou muito provável que o acto irá produzir efeitos; II. A lesividade subjectiva constitui mero critério, mas talvez o mais importante de aferição de impugnabilidade do acto administrativo, coloca a sua impugnabilidade sob a alçada da garantia constitucional, e confere ao recorrente pleno interesse em agir”.

Termos em que, o conceito de acto administrativo impugnável pressupõe um conceito material de acto administrativo – enquanto decisão de órgão da administração que ao abrigo de normas de direito público vise produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta (artigo 120.º do anterior Código do Procedimento Administrativo, então aplicável) – não obstante ser “por um lado mais amplo e por outro mais restrito”, na medida em que não depende da qualidade administrativa do seu autor (artigo 51.º n.º 2) e só abrange as decisões administrativas com eficácia externa, aquelas “que determinem (que visem determinar, que sejam capazes de determinar) a produção de efeitos externos, independentemente da respectiva eficácia” – VIEIRA DE ANDRADE, Justiça Administrativa (Lições), 13.º Edição, Almedina, Coimbra, 2014, p. 188.

A “Eficácia externa” não tem assim de ser actual, podendo ser potencial, mercê de ser seguro ou muito provável que o acto irá produzir efeitos – cfr. artigos 51.º, n.º 1 e 54.º, n.º 1, al. b) ambos do CPTA – cfr. Acórdão do TCAN, 25.11.2013, P. 02853/12.0BEPRT.

Em síntese, o conceito de actos administrativos impugnáveis reporta-se aos actos com efeitos externos, com destaque dos lesivos de direitos ou interesses legítimos dos interessados, excluindo os puros actos instrumentais e meramente preparatórios (propostas, informações, pareceres, relatórios etc.), os actos complementares (notificações, publicações, avisos), as operações materiais ou jurídicas de execução de actos administrativos – assim, entre outros, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA /RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, in Código de Processo nos Tribunais Administrativos, VI, Almedina, p. 342 e ss. Para além dos actos meramente confirmativos (artigo 53.º do CPTA), dos actos ineficazes (artigo 54.º do CPTA), e dos actos sujeitos a recurso hierárquico necessário ou a outra impugnação administrativa.

Mostrando-se, assim, irrelevante para aferir da impugnabilidade do acto, que ele seja definitivo ou não, lesivo ou não, bem como a sua localização no procedimento, conquanto o seu conteúdo projecte de imediato ou seja seguro que venha a projectar efeitos jurídicos para o exterior, independentemente de ser lesivo ou não.

No caso concreto, sustenta a Recorrente que o despacho da Ministra do Estado e das Finanças recorrido, que confirmou as recomendações do relatório da Inspecção Geral de Finanças (IGF), resultantes da auditoria por esta efectuada ao sistema remuneratório do Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMTT) – relatório n.° 1155/2011, homologado pelo Secretário de Estado do Orçamento, em 23 de Janeiro de 2013, através do despacho n.º 92/2012/SE0 de 23 de Janeiro de 2012 – no sentido de deverem ser tidas em conta pelo IMTT, é susceptível de produzir efeitos jurídicos na situação individual e concreta da Recorrente (na parte que respeita às recomendações formuladas no ponto 3.2 daquele relatório que propõe a reposição de montantes relativos a despesas de representação que foram recebidos indevidamente por dirigentes, logo pela Recorrente, bem como a suspensão dos mesmos abonos).

Mais propriamente, que o acto impugnado, ao homologar o relatório da inspecção adquiriu eficácia externa, projectando os seus efeitos no âmbito da relação contratual formada entre a Recorrente e o IMTT, na medida em que determina que aquela reponha verbas recebidas no âmbito de tal relação, assim definindo, de forma unilateral e autoritária, a situação jurídica daquela, sem que exista margem de discricionariedade para o CD do IMT, IP, decidir de forma diversa.

Acto que, assim, reveste as características de externalidade e lesividade sendo, por conseguinte, um acto impugnável.

*
Vejamos.

O IMTT integra a administração indirecta do Estado, prosseguindo as suas atribuições, na qualidade de pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa, prosseguindo as suas atribuições sob superintendência e tutela do Ministério da Economia e do Emprego (artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 236/2012, de 31 de Outubro).

Neste contexto, encontra-se abrangido, no que ora interessa, pelo disposto no Decreto-lei n.º 276/2007, de 31 de Julho, que estabeleceu o Regime Jurídico da Actividade de Inspecção da Administração Directa e Indirecta do Estado (RPIIGF), regulando a actividade de inspecção, auditoria e fiscalização dos serviços da administração directa e indirecta do Estado, aos quais tenha sido cometida a missão de assegurar o exercício de funções de controlo, interno ou externo.

Conforme o disposto no artigo 15.º, no final de cada acção de inspecção, o inspector responsável pelo procedimento elabora um relatório final e submete-o à decisão do dirigente máximo do serviço de inspecção, que o deve reencaminhar, para homologação, ao ministro da tutela (n.º 1), o qual, pode delegar no dirigente máximo do serviço a competência para homologação dos relatórios finais das inspecções, sendo obrigatória a informação dos relatórios à tutela (n.º 2), verificando-se que, nos casos em que o ministro da tutela delegue a competência para homologação dos relatórios finais, a decisão do dirigente máximo prevista no n.º 1 adquire imediatamente eficácia externa (n.º 3).

O referido preceito legal específica, ainda, que no relatório final relativo a cada acção de inspecção, os serviços de inspecção podem emitir recomendações dirigidas à melhoria da adequação das actividades das entidades objecto de inspecção à legislação que lhes seja aplicável e aos fins que prosseguem (n.º 4) e que, na sequência da homologação ministerial sobre os seus relatórios, os serviços de inspecção asseguram o respectivo encaminhamento para os membros do Governo com responsabilidades de superintendência ou tutela sobre as entidades inspeccionadas, bem como para o dirigente máximo da entidade objecto de inspecção (n.º 5).

Aditado pelo Decreto-Lei n.º 32/2012, de 13 de Fevereiro, o artigo 15.º-A do mesmo diploma, prevê o acompanhamento, no âmbito do Sistema de Controlo Interno da Administração Financeira do Estado, estabelecendo o seguinte: “Quando se trate de acções relativas à gestão, organização, funcionamento ou avaliação das entidades objecto da sua intervenção, os serviços de inspecção devem enviar os relatórios finais das suas acções de inspecção, incluindo as recomendações, aos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública, nos termos a definir por despacho dos mesmos membros do Governo” (estabelecidos pelo Despacho n.º 6533/2013 do Ministério das Finanças, do Ministério das Finanças, Gabinetes dos Secretários de Estado do Orçamento e da Administração Pública, DR II Série de 21 de Maio de 2013).

Por sua vez, artigo 22.º do Regulamento do Procedimento de Inspecção da Inspecção-Geral de Finanças, aprovado pelo Despacho n.º 6387/2010, de 5/4 refere que, após ser conhecido o resultado de uma inspecção da IGF, essa entidade tem a obrigação de proceder à verificação de que a entidade inspeccionada implementou as recomendações formuladas pela IGF, fixando-se um prazo de 60 dias para prestação de informações sobre as medidas e decisões entretanto adoptadas; e se não forem adoptadas as medidas recomendadas quanto às questões relevantes, “deve comunicar-se à entidade que lhes deve dar cumprimento, com indicação do prazo para o efeito”; “esgotado o prazo referido no número anterior e continuando a verificar-se o incumprimento por parte da entidade visada, é enviada informação para a respectiva tutela para que sejam exigidas responsabilidades”.

E, nos termos dos artigos 57.° e ss da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas, o não acatamento das referidas recomendações pela entidade inspeccionada, no caso pelo IMTT, é passível de responsabilidade financeira (sancionatória e reintegratória).

Do exposto, ressalta, com reporte para o caso vertente, que as recomendações constantes do relatório da IGF que foram objecto do despacho de confirmação do Secretário de Estado do Orçamento, em 4 de Setembro de 2012 e, posteriormente de despacho de concordância da Ministra de Estado e das Finanças, em 3 de Dezembro de 2013, devem ser cumpridas pelo IMTT.

O que bem se compreende, dado estar em causa o controlo da legalidade financeira do Estado.

Não obstante, do procedimento recomendativo supra descrito, ainda que impondo medidas a serem tomadas pelo IMTT, não retiramos que in casu, o acto da Ministra de Estado e das Finanças impugnado nos autos, projecte de imediato e, por si só, efeitos jurídicos na esfera jurídica da Recorrente.

Com efeito, tal acto, concordante com as recomendações em causa, dirige-se ao Presidente do Conselho Directivo do Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres, IP, impondo-lhe uma determinada actuação, inserindo-se no âmbito de relações interorgânicas e intersubjectivas, só projectando efeitos na esfera jurídica da recorrente, quando e após cumprimento das mesmas.

Repare-se que na informação n.º 933/2012 da IGF, sobre a qual recaiu o acto impugnado, se propõe a reposição de montantes relativos a despesas de representação que foram recebidos indevidamente por dirigentes, logo pela Recorrente, bem como a suspensão desses abonos, fixando um prazo máximo para o cumprimento das mesmas, mormente mediante a realização de medidas e actos necessários à concretização dos “procedimentos de reposição já homologados obstando à respectiva prescrição parcial (…)”. – cfr. probatório.

Pelo que, e como bem refere a sentença recorrida, o acto impugnado “não tem, ainda, efeitos na esfera jurídica dos Autores, porquanto, para o efeito, carece o Instituto de implementar o procedimento atinente à emissão dos actos administrativos que têm como destinatários concretos os trabalhadores daquele Instituto, que se encontram nas situações visadas.

Assim, a susceptibilidade do acto impugnado produzir efeitos jurídicos que se projectem para fora do procedimento onde o acto impugnado se insere, depende de actos do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, IP, no sentido de desencadear os concretos procedimentos dirigidos aos visados, para efeitos de exigir a reposição dos montantes tidos por indevidamente abonados.

O que sucedeu, pois, e como se afirmou na sentença recorrida “tendo em vista tal procedimento, o Conselho Directivo do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, IP proferiu a “Deliberação/IMT/2013”, determinando a expedição de notificações aos interessados (identificados no anexo I da mesma deliberação), para se pronunciarem, querendo, sobre a intenção do Instituto de lhes exigir a reposição dos montantes indevidamente abonados (facto 7 do probatório).

Na sequência do que, o Conselho Directivo do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, IP, remeteu os ofícios com data de 13 de Fevereiro de 2014, aos aqui Autores, comunicando o acto projectado para efeitos de audição prévia, definindo o valor a repor e os anos a que o mesmo se refere (factos 9 a 12 do probatório).”

Sendo, pois, os actos que sejam proferidos no sentido de ordenar a reposição do valor tido por indevidamente recebido nos anos em causa, pelos trabalhadores visados, logo pela Recorrente, que produzirão efeitos, no caso lesivos, na esfera individual e concreta de cada um deles e, por isso, susceptíveis de impugnação contenciosa.

Pelo que, e como se conclui na sentença recorrida “ainda que as recomendações do relatório da IGF, confirmadas pelo Secretário de Estado do Orçamento e pelo despacho da Ministra do Estado e das Finanças, devam ser tidas em conta pelo IMT, todavia, são insusceptíveis, por si só, de produzir efeitos jurídicos na situação individual e concreta dos Autores.”.

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Termos em que a decisão a quo, ao considerar verificada a inimpugnabilidade do acto impugnado, não merece censura, improcedendo os erros de julgamento que lhe foram imputados, e, em consequência, o recurso jurisdicional interposto.
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo acordam em negar provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique. DN.

Porto, 7 de Abril de 2017
Ass.: Alexandra Alendouro
Ass.: João Beato
Ass.: Hélder Vieira