Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00368/10.0BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/01/2016
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
ASSOCIAÇÃO DE FUTEBOL
ARTIGOS 100º/1 DO CPA E 21º DO DL 248-B/2008, DE 31/12
AUDIÊNCIA DO INTERESSADO
Sumário:I-Não sendo a Recorrida Associação de Futebol de B... titular de qualquer direito subjectivo ou interesse legalmente protegido no que concerne ao estatuto de utilidade pública desportiva da Federação Portuguesa de Futebol, cuja suspensão foi decretada depois de, nos termos legais, se ter realizado a audiência prévia desta, não tinha ela de ser também ouvida no procedimento. *
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:ASSOCIAÇÃO DE FUTEBOL DE B...,
Recorrido 1:SECRETÁRIO DE ESTADO DA JUVENTUDE E DO DESPORTO
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido do provimento do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
ASSOCIAÇÃO DE FUTEBOL DE B..., pessoa colectiva 5…, com sede no ..., intentou acção administrativa especial “emergente do Despacho n.º 7294/2010 (proferido pelo Exmo. Secretário de Estado da Juventude e Desporto)” contra o SECRETÁRIO DE ESTADO DA JUVENTUDE E DO DESPORTO, a notificar na Av. ….
Formulou o seguinte pedido: “(…) seja declarada a sua ilegalidade e declarado nulo ou, caso assim não se entenda, anulado o Despacho Administrativo impugnado e, consequentemente, ser a Entidade Administrativa condenada a praticar os actos necessários à sanação dos invocados vícios e à adopção dos actos e operações necessários para reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado e dar cumprimento aos deveres que ela não tenha cumprido com fundamento no Acto impugnado, designadamente procedendo ao pagamento dos apoios financeiros decorrentes da vigência dos Contratos-Programa suspensos por virtude da prolação do Despacho Impugnado, e que por causa deste não foram atribuídos”.
Por acórdão proferido pelo TAF de Mirandela foi anulado o acto impugnado.
Deste vem interposto recurso.
Nas alegações a Entidade demandada formulou as seguintes conclusões:
A) A legitimidade processual ativa não se confunde com a legitimidade procedimental, v.g. para efeitos do direito de audiência prévia reconhecido aos interessados no procedimento;

B) Nos termos do artigo 53.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, são interessados no procedimento, para aquilo que ora releva, os titulares de direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos, no âmbito das decisões que nele forem ou possam ser tomadas;
C) O estatuto de utilidade pública desportiva diz respeito às federações desportivas – uma por modalidade desportiva ou conjunto de modalidades afins – , conforme se estabelece nos artigos 10.º e 15.º do Decreto-Lei n.º 248-B/2008;
D) No procedimento de atribuição, suspensão, cancelamento e renovação do estatuto de utilidade pública desportiva, regulado nos artigos 16.º a 25.º do referido diploma legal, não se prevê a intervenção dos associados das federações desportivas, a que se refere o artigo 2.º;
E) As associações desportivas de âmbito territorial, como é o caso da ora Recorrida Associação de Futebol de B..., não são beneficiárias diretas de quaisquer apoios públicos;
F) Na verdade, são as federações desportivas que, nos termos do artigo 3.º, alínea c), do Decreto-Lei n.º 273/2009, podem beneficiar de tais apoios;
G) As federações desportivas, por sua vez, podem conceder apoios financeiros às associações distritais nelas filiadas, nos termos do artigo 7.º do mesmo diploma legal;
H) Não é, assim, de estranhar que a Recorrida não seja parte nos contratos-programa celebrados entre o Instituto do Desporto e a Federação Portuguesa de Futebol que se encontram juntos à ação,
I) não tendo legal ou contratualmente direito a qualquer apoio financeiro por parte da Recorrente;
J) Atento o disposto no artigo 53.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, apenas os destinatários do ato ou os incluídos na zona de radiação dos respetivos efeitos jurídicos podem ser considerados interessados, beneficiando, por esse facto, do direito de audiência prévia;
K) Não sendo esse o caso da Recorrida, e tendo a interessada Federação Portuguesa de Futebol sido ouvida no procedimento previamente à decisão final, o ato impugnado não infringiu, sequer por aparência, o regime do artigo 100.º do Código do Procedimento Administrativo;
L) Já o mesmo não se poderá dizer, todavia, da decisão impugnada, que, ao orientar-se em sentido contrário, inobservou o disposto conjugadamente nos artigos 100.º, n.º 1, do referido Código e 21.º do Decreto-Lei n.º 248-B/2008.

Nestes termos, e nos melhores de direito, para os quais se conta com o suprimento, deve o presente recurso ser julgado procedente e provado, anulando-se, em conformidade, o Acórdão recorrido, pelo vício de que o mesmo padece, assim se fazendo
Justiça.
Não foram juntas contra-alegações.
O MP, notificado nos termos e para os efeitos do artº 146º/1 do CPTA, emitiu parecer no sentido do provimento do recurso.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1. O Requerido proferiu o despacho n.º 7294/2010, datado de 12/4 e publicado no DR, 2ª série, n.º 81 de 27/4, que aqui se dá por reproduzido, com o seguinte destaque: “1 — A Federação Portuguesa de Futebol — adiante designada por FPF — é uma pessoa colectiva titular do estatuto de utilidade pública desportiva, nos termos do despacho n.º 56/95, de 1 de Setembro, do Primeiro -Ministro, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 213, de 14 de Setembro de 1995. //2 — Por força do disposto no Decreto -Lei n.º 248 -B/2008, de 31 de Dezembro, a FPF deveria ter adaptado os seus estatutos ao disposto no referido diploma, no prazo de seis meses a contar da publicação do despacho referido no n.º 3 do artigo 26.º (cf. artigo 64.º). // 3 — Tendo tal despacho sido publicado em 26 de Janeiro de 2009 (despacho n.º 3203/2009, in Diário da República, 2.ª série, n.º 17, de 26 de Janeiro de 2009), o referido prazo de seis meses terminou em 27 de Julho de 2009. //4 — A FPF, porém, não apresentou, até àquela data, os seus novos estatutos, adaptados ao referido Decreto -Lei n.º 248 -B/2008. //5 — Nestes termos, pelo despacho n.º 15/SEJD/2009, de 12 de Agosto, o Secretário de Estado da Juventude e do Desporto determinou que o Instituto do Desporto de Portugal, I. P., instaurasse um processo de inquérito à FPF para averiguar as razões para tal incumprimento. //6 — Tal inquérito decorreu entre 7 de Setembro e 9 de Outubro de 2009, e foi remetido, para decisão final, ao Gabinete do Secretário de Estado da Juventude e do Desporto em 9 de Novembro de 2009 (ofício n.º 14926, do Instituto do Desporto de Portugal, I. P., dessa data). 7 — De tal processo resulta que a direcção da Federação Portuguesa de Futebol preparou um projecto de novos estatutos e de um regulamento eleitoral, com o intuito de modernizar a estrutura orgânica e o funcionamento da FPF, procurando responder, por um lado às normas da FIFA em matéria de organização interna das federações nacionais e, por outro lado, às exigências decorrentes do Decreto -Lei n.º 248 -B/2008, de 31 de Dezembro. 8 — Mais ficou apurado que a direcção da FPF se empenhou, durante mais de um ano, na preparação desta reforma estatutária, tendo iniciado os seus trabalhos logo que foi divulgada a proposta inicial do Governo sobre o futuro Regime Jurídico das Federações. //9 — E assim, desde Fevereiro de 2008 que a FPF veio a trabalhar com a FIFA (através dos respectivos serviços jurídicos) no sentido de encontrar as soluções que satisfizessem as exigências daquela Federação Internacional e que, por outro lado, viessem a estar conformes com as que decorrem da legislação nacional. //10 — O projecto de estatutos resultante deste longo e moroso trabalho veio a merecer a concordância e a aprovação expressas da FIFA, a qual, por carta de 6 de Novembro de 2008, subscrita pelos Srs. MV (director of legal affairs) e FF (head of general legal) informaram a FPF que «we have now checked your draft and are pleased to confirm that it meets all requirements of FIFA and UEFA. We congratulate you on your excellent work and thank you for your cooperation».//11 — Entretanto, e após diversas reuniões realizadas para esclarecimento dos diversos sócios da FPF, a assembleia geral destinada a aprovar o referido projecto de estatutos foi agendada para o dia 18 de Julho de 2009.//12 — Em 15 de Julho de 2009 o presidente da FIFA, JB, em carta enviada ao presidente da FPF (por manifesta gralha, tal carta está datada de 15 de Julho de 2007), informou a FPF do seguinte:«Je sais que la Fédération Portugaise de Football (FPF) organiseson assemblée générale le 18 juillet 2009 afin de ratifier ses nouveaux statuts. J’ai été informé que ces nouveaux statuts sont d’un excellent niveau et je tiens a vous féliciter du travail accompli jusqu’ici.Comme vous le savez, la FIFA accorde une grande importance à ce que ses membres adoptent des statuts conformes aux statuts standardsde la FIFA. Pour nous il s’agit d’une condition de base pour pouvoir assurer une qualité de gouvernancecorrespondantaux exigences du football moderne.C’est pourquoi je vous addresse mes voeux chaleureux afin que cês statuts puissent être adoptés au cours de l’assemblée générale à venir et je vous serais reconnaissant de m’informer du résultat.» //13 — Destascartas foi dado conhecimento aos sócios da FPF na assembleia geral realizada em 18 de Julho de 2009.//14 — E delas resulta, sem margem para dúvidas, a expressa concordância da FIFA quanto ao projecto de estatutos que foi apresentado. //15 — Realizada a referida assembleia-geral, e após apenas cerca de duas horas de discussão — numa assembleia que se estimava pudesse vir a durar dois ou três dias — o projecto de estatutos em causa foi liminarmente rejeitado em sede de discussão na especialidade. //16 — Considerando que, antes de uma qualquer decisão sobre uma concreta federação desportiva, haveria todo o interesse em proceder a uma avaliação global de todo o processo de adaptação estatutária das diferentes federações desportivas, o Secretário de Estado da Juventude e do Desporto convocou uma reunião do Conselho Nacional do Desporto para o dia 17 de Dezembro de 2009. //17 — Nesta reunião, para além de se constatar que a quase totalidade das federações desportivas tinham adaptado, ou estavam em vias de o fazer, os seus estatutos ao disposto no Regime Jurídico das Federações Desportivas, foi entendido conceder, ainda, uma última oportunidade, até final do mês de Fevereiro de 2010, às federações faltosas para procederem a tais alterações estatutárias. //18 — Terminado, porém, esse prazo, sem que todas as federações tivessem alterado os seus estatutos, logo em 1 de Março de 2010 foi convocada uma nova reunião do Conselho Nacional do Desporto, para o dia 16 de Março de 2010, na qual esta situação pudesse ser debatida antes que fosse proferida decisão final por parte do Secretário de Estado da Juventude e do Desporto. //19 — Ora, estabelece -se na alínea a) do n.º 1 do artigo 21.º do Decreto--Lei n.º 248 -B/2008 que a violação das regras de organização interna das federações desportivas, constantes deste diploma, constitui fundamento bastante para a suspensão do estatuto de utilidade pública desportiva de que uma federação desportiva seja titular. //20 — E, acrescenta o n.º 2 daquele artigo 21.º que a suspensão do estatuto de utilidade pública desportiva pode acarretar um ou mais dos seguintes efeitos, a fixar no despacho ministerial que concretize a citada suspensão: //a) Suspensão dos apoios decorrentes de um ou mais contratos-programa;//b) Suspensão de outros apoios em meios técnicos, materiais ou humanos;//c) Impossibilidade de outorgar novos contratos -programa com o Estado pelo prazo em que durar a suspensão;//d) Impossibilidade de beneficiar de declaração de utilidade pública da expropriação de bens, ou direitos a eles inerentes, necessária à realização dos seus fins;//e) Suspensão de processos para atribuição de quaisquer benefícios fiscais, nos termos do Estatuto dos Benefícios Fiscais;//f) Suspensão de toda ou parte da actividade desportiva da federação em causa.//21 — A FPF, ao não ter aprovado novos estatutos conformes ao Decreto -Lei n.º 248 -B/2008, viola as regras de organização interna e de funcionamento que resultam deste diploma, designadamente quanto à composição da assembleia geral, à distribuição de delegados entre os diversos sectores da modalidade (clubes e agentes desportivos), ao facto de que cada delegado só pode dispor de um voto e à necessidade de consagrar o método de Hondt para a eleição de determinados órgãos, entre outros aspectos. (…)//Determino: a) É suspenso, pelo prazo de um ano, eventualmente renovável por idênticos períodos, o estatuto de utilidade pública desportiva de que é titular a FPP, nos termos e para os efeitos abaixo discriminados; // b) A presente suspensão acarreta, nos termos da alínea a) do n.º 2 do art.º 21.º do Decreto-Lei n.º 248-B/2008, a suspensão imediata dos apoios financeiros resultantes dos contratos programa com os n.ºs 198/2009, 199/2009 e 199-A/2009, bem como dos respectivos aditamentos referentes aos duodécimos de Janeiro a Março de 2010//c) Nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 21.º do Decreto -Lei n.º 248 -B/2008, fica a FPF impedida de solicitar a concessão ou renovação da requisição, destacamento ou qualquer outra forma de mobilidade de servidores do Estado, das Regiões Autónomas ou das autarquias locais, excepto dos que devam prestar a sua colaboração no âmbito do alto rendimento ou das selecções nacionais; d) Por outro lado, nos termos da alínea c) do n.º 2 do mesmo artigo 21.º do Decreto -Lei n.º 248 -B/2008, durante o prazo de suspensão do estatuto, é interdita a possibilidade de celebração de novos contratos -programa, para os mesmos fins dos contratos -programa ora suspensos, com a FPF, excepto os que digam respeito ao apoio a prestar exclusivamente para a organização e gestão directas da própria Federação, a fim de que esta possa dar execução cabal às actividades previstas nos outros contratos--programa celebrados com o Instituto do Desporto de Portugal, I. P., e ora não suspensos; e) Às verbas que a FPF deixe de receber, por força do disposto nas alíneas anteriores, é aplicável o disposto no artigo 23.º do Decreto -Lei n.º 273/2009, de 1 de Outubro; f) As medidas referidas nas alíneas anteriores produzem efeitos a partir da data da assinatura do presente despacho; g) O disposto no presente despacho será revisto sempre que as circunstâncias o justifiquem, podendo ser alteradas as medidas agora decididas ou aditadas outras, sem prejuízo de, a qualquer tempo, poderem ser dadas por findas, a requerimento da FPF, com base no desaparecimento das circunstâncias que constituíram fundamento da suspensão (…)”
2. O Requerente é sócio ordinário da Federação Portuguesa de Futebol – doc. n.º 2 da PI;
3. Dão-se aqui por reproduzidos os referidos contratos programa que a A. juntou sob docs. 4 a 7 da PI ( respectivamente contratos-programa de desenvolvimento desportivo n.ºs 198/2009, 199/2009, 199-A/2009 e CP/33/DDF/2010), celebrados entre o Instituto do Desporto de Portugal, IP (IDP) e a Federação Portuguesa de Futebol ( FPF), com os seguintes destaques:
a. “A comparticipação financeira a prestar pela IDP, IP à FEDERAÇÃO, (…) é do montante de 1.562.000$00, com a seguinte distribuição: //a) A quantia de 1.262.000$00 €, destinada a comparticipar exclusivamente os custos com a organização e gestão da FEDERAÇÃO; B) a quantia de 300.000,00 €, destinada a comparticipar exclusivamente a execução do projecto de desenvolvimento da actividade desportiva (Cfr. doc. n.º 4 da PI – Contrato programa n.º 198/2009)
b. “CLAUSULA 3ª// Comparticipação financeira// 1. A comparticipação a prestar pelo IDP, IP, `a Federação, para apoio exclusivo à execução do programa referido na cláusula 1ª, é do montante de 300.894,83 €, destinado a comparticipar os custos com o Enquadramento Técnico indicado no Anexo I a este contrato, o qual faz parte integrante do mesmo” (Cfr. doc. n.º 5 da PI, Contrato programa n.º 199/2009);
c. “A. Considerando que// (…) o contrato programa n.º 199/2009 (…) foi concedida pelo Instituto do Desporto de Portugal I.P, uma comparticipação financeira à Federação para execução do programa de Enquadramento Técnico, que a Federação apresentou e se propõe levar a efeito no decurso do corrente ano;// (…) CLÁSULA 2ª // Comparticipação financeira// A comparticipação financeira concedida no n.º 1, da cláusula 3ª do contrato-programa de desenvolvimento desportivo n.º 199/2009 é acrescida de 66.114,60 (…)” ( cfr. doc. 6, contrato programa n.º 199-A/2009).
4. A A., por conta dos referidos contratos programas citados, recebeu uma comparticipação financeira no montante global de 5.015,76 € - cfr doc. n.º 8 daPI
5. Ao abrigo do Contrato Programa n.º CP/33/DDF/2010 foram mantidas as referidas comparticipações para o ano de 2010 – cfr. doc. n.º 7 da PI, em especial a cláusula 1ª;
6. Em 19/3/2009 a FPF foi, nos termos e para os efeitos do art.º 101.º do CPA notificada do projecto de decisão aqui impugnada – doc. n.º 15 e 16 da PI;
7. A FPF pronunciou-se alegando, para o que aqui interessa, que a suspensão imediata dos apoios financeiros resultantes dos Contratos Programa de Desenvolvimento Desportivo iriam afectar directamente as Associações Desportivas – cfr. docs. 17 da PI;
8. A A., Associação de Futebol de B..., em momento algum foi notificada para o disposto no art.º 100.º do CPA – art.º 85.º da PI, e 2ª parte do art.º 38.º da contestação;
9. Entre o Instituto do Desporto de Portugal, I.P e a Federação Portuguesa de Futebol continuaram a ser celebrados Contratos-programa de Desenvolvimento do Desporto de Alto Rendimento e Selecções Nacionais - cfr. Contrato-Programa celebrado em 2 de Junho de 2010, publicado no DR, 2 série, n.° 113 de 14 de Junho e Doc. 23 da PI;
10. Em 22/7/2010 foram publicados Contratos-Programa celebrados entre o Instituto do Desporto de Portugal, I.P e a Federação Portuguesa de Futebol, e que dizem respeito a concessões de comparticipações financeiras à organização pela FPF de eventos desportivos designados Torneio Internacional do Porto, Torneio Internacional do Algarve, Torneio Internacional sub 18, Mundialito de Futebol Feminino, Algarve 2010, Torneio Internacional de Futebol da cidade de Lisboa, Torneio de Apuramento para o Campeonato da Europa sub-19, Torneio de Apuramento para o Campeonato da Europa sub-17, e comparticipação financeira à execução do Programa de Desenvolvimento da Prática Desportiva, aqui se dão por reproduzidos - cfr. Docs. 24, 24, 26, 27, 28 e 29 da PI;
11. Dá-se aqui por reproduzida a notícia divulgada pelo Diário de Notícias, que a A. juntou como Doc. 9: “A maioria das 22 associações distritais corre um sério risco de fechar as portas. Uma situação que coloca em perigo os campeonatos regionais e a formação (de jogadores, treinadores e árbitros) comprometendo seriamente toda a estrutura do futebol português”.
12. Dá-se aqui por reproduzida a notícia divulgada pela Agência LUSA em 16/03/2010, onde a dado passo, e referindo-se ao autor do despacho impugnado, pode ler-se o seguinte: «O governante negou que vá ser retirado o estatuto de utilidade pública, sublinhando que irá «ser suspenso nos termos da lei e naqueles que vierem a ser fixados no despacho, conforme compromisso assumido no CND (…) Em Dezembro, disse que esperava que até ao fim de Fevereiro os estatutos ficassem aprovados e disse que, caso não fossem, não podia pagar o justo pelo pagador. Não podem sofrer consequências outras áreas de actividades que não têm nenhuma responsabilidade por as federações não estarem adequadas à lei”, realçou.
O Secretário de Estado da Juventude e do Desporto garantiu também que não existe qualquer “reflexo nas competições nacionais” e limitou-se a dizer que “o que vai ser afectado é, naturalmente, aquilo que deu causa ao facto de hoje a FPF ainda não ter estatutos”, referindo-se às associações distritais e regionais, que inviabilizaram o novo modelo de estatutos na Assembleia Geral de 18 de Julho de 2009.” - doc. N.º 30 da PI;
13. Dá-se aqui por reproduzida uma outra notícia divulgada pela Agência Lusa, em 13/04/2010:”Á saída da Comissão de Educação e Ciência, onde anunciou a suspensão por um ano, por a FPF não ter adequado os estatutos ao novo regime jurídico das federações desportivas, Laurentino Dias explicou que a mesma “é circunscrita ao desenvolvimento desportivo e ao enquadramento técnico” – doc. N.º 31 da PI.
14. Reproduz-se aqui o despacho de 1/6/2011, publicado no DR, 2ª série, n.º 112, de 9/6/2011, do Secretário de Estado da Juventude e do Desporto que determinou a revogação dos despachos 7294/2010, 1670/2011 e 7013/2011, com o seguinte destaque: “25 – Tendo em atenção o exposto, determino: // a) (…); // b) Em consequência, a FPF passa a gozar, sem qualquer restrição, de todos os direitos que resultam do estatuto de utilidade pública desportiva de que é titular (…)”
X
DE DIREITO
Está posta em causa a decisão do TAF de Mirandela que anulou o acto impugnado.
Na óptica do Recorrente a decisão padece de erro de julgamento de direito, por violação do disposto nos artºs 100º/1 do CPA e 21º do Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31/12.
Cremos que lhe assiste razão.
Antes, porém, atente-se no seu discurso jurídico fundamentador, na parte que ora interessa:
“(…..)
Da preterição de formalidades essenciais – audiência do interessado
Nos termos do n.º 1 do art.º 100.º do CPA, concluída a instrução, e salvo o disposto no art.º 103.º, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta.
Conforme o TCAN considerou no acórdão em referência (e que, recorde-se, se pronunciou quanto ao recurso da decisão que considerou a A. parte ilegítima), resulta do próprio acto a definição jurídica concreta da requerente em termos que lhe são desfavoráveis ou lesivos, determinando a suspensão dos apoio financeiros, como consequência directa e imediata da retirada do estatuto de utilidade pública desportiva de que é titular a Federação Portuguesa de Futebol.
Ora, se assim é, a A. deveria ter sido ouvida antes do R. suspender o estatuto de utilidade pública à FPF.
Procede o pedido da A. com fundamento nesta causa de pedir.
(…….)”
X
Vejamos:
Já se viu que a decisão recorrida, com fundamento na falta de audiência prévia da Autora/Associação de Futebol de B..., anulou o acto de suspensão do estatuto de utilidade pública desportiva da Federação Portuguesa de Futebol.
Ora, a acção administrativa especial que está na origem da decisão recorrida e, derivadamente, do presente recurso, tem por objecto o Despacho n.º 7294/2010, do então Secretário de Estado da Juventude e do Desporto, de 12 de abril de 2010, que suspendeu, pelo prazo de um ano, o estatuto de utilidade pública desportiva da Federação Portuguesa de Futebol, com as consequências ali fixadas, v.g., a suspensão imediata dos apoios financeiros decorrentes dos contratos programa n.ºs 198/2009, 199/2009 e 199-A/2009, e respectivos aditamentos, referentes aos duodécimos de janeiro a março de 2010, e a impossibilidade de celebração de novos contratos-programa para os mesmos fins enquanto durasse a suspensão.
O referido despacho foi revogado em 01 de junho de 2011, tendo a mencionada federação passado a gozar, sem qualquer restrição, de todos os direitos inerentes ao estatuto de utilidade pública desportiva.
Depois de estabilizada a questão da legitimidade processual da ora Recorrida, deu-se como provado na acção, para aquilo que ora releva, o que consta dos n.ºs 2 a 5 e 8 do probatório.
Assim, e para além da sua qualidade de associada da Federação Portuguesa de Futebol, apurou-se ter aquela recebido, por conta dos contratos acima referidos, uma comparticipação financeira desta federação no montante global de € 5.015,76, que foi mantida para o ano de 2010 através do Contrato Programa n.º CP/33/DDF/2010; e, bem assim, demonstrou-se que a Recorrida não foi ouvida para os efeitos do disposto no artigo 100.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo antes da emissão do acto que operou a suspensão do estatuto de utilidade pública desportiva da Federação Portuguesa de Futebol.
Foi, pois, com base nesta factualidade que o acórdão sob censura concluiu pela violação do direito de audiência prévia da Associação de Futebol de B..., pois, como igualmente se provou, a Federação Portuguesa de Futebol foi, como cumpria, ouvida em tempo (cfr. nºs 6 e 7 do probatório).
Para fundamentar a sua decisão baseou-se o Tribunal a quo no seguinte trecho do acórdão deste TCAN, de 9 de novembro de 2011:
«(…) resulta do próprio acto a definição jurídica concreta da requerente em termos que lhe são desfavoráveis ou lesivos, determinando a suspensão dos apoios financeiros, como consequência directa e imediata da retirada do estatuto de utilidade pública desportiva de que é titular a Federação Portuguesa de Futebol».
Considerando que, «(…) se assim é, a A. deveria ter sido ouvida antes do R. suspender o estatuto de utilidade pública à FPF», o acórdão impugnado concluiu de imediato pela procedência do pedido da Autora com fundamento em vício procedimental.
Cremos que ao decidir no apontado sentido, confundindo legitimidade processual com interesse procedimental, o Tribunal a quo incorreu em erro na aplicação do direito.
Senão, vejamos:
Tal como sustentado pela Recorrente, da decisão deste TCAN acerca da legitimidade processual da Autora - matéria que aqui não está em causa - , não se segue a conclusão extraída pelo Tribunal recorrido em matéria de intervenção no procedimento, pois nada na lei impõe a audiência prévia da Associação de Futebol de B... no processo administrativo que culminou na suspensão do estatuto de utilidade pública desportiva da Federação Portuguesa de Futebol.
Relevando directamente do princípio constitucional da participação dos administrados na formação das decisões que lhes disserem respeito (cfr. artº 267º/5, da lei fundamental), o direito de audiência prévia visa, consabidamente, assegurar o contraditório aos particulares interessados na decisão administrativa, permitindo-lhes que exponham os seus argumentos acerca da respectiva legalidade e justeza previamente à sua emissão, contribuindo, desse modo, para a prática de actos legais e justos.
Nos termos do disposto no artº 53º do Código do Procedimento Administrativo, têm, nomeadamente, «legitimidade para iniciar o procedimento administrativo e para intervir nele os titulares de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos, no âmbito das decisões que nele forem ou possam ser tomadas, bem como as associações sem carácter político que tenham por fim a defesa desses interesses» (n.º 1).
Interessados no procedimento são, pois, os titulares de posições jurídicas activas, nas modalidades de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos, que possam ser atingidos pelos efeitos jurídicos do acto a emitir (cfr., neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 31 de janeiro de 2012, proferido no proc. 0927/11); e é a estes que a lei reconhece (também) o direito de audiência prévia (artº 100º/1 do CPA).
Deste modo, são interessados no procedimento, desde logo, os destinatários do acto, a quem os seus efeitos se dirigem imediatamente; e é também o caso dos terceiros que, não sendo, embora, visados pela decisão, mas situando-se na “zona de radiação” dos correspondentes efeitos, são, eles também, directamente afectados por esta.
Pelo contrário, já não fazem parte do grupo dos interessados no procedimento os terceiros a quem o acto seja indiferente; e, bem assim, aqueles que apenas sejam afectados por ele de modo acidental, colateral ou meramente derivado - como é o caso da aqui Recorrida, na medida em que estava destinada a obter determinado benefício/apoio da Federação.
Na verdade, o procedimento administrativo de atribuição, suspensão e cancelamento do estatuto de utilidade pública desportiva, regulado no DL 248-B/2008, de 31 de dezembro (cfr. artºs 10º a 25º), diz exclusivamente respeito às federações desportivas - e não aos respecivos associados, individualmente considerados (que, nos termos do artº 2º, podem ser clubes ou sociedades desportivas, associações de âmbito territorial, ligas profissionais, praticantes, técnicos, juízes e árbitros). Por conseguinte, não é de estranhar que, no caso concreto, a única interessada no procedimento fosse a também destinatária única do despacho ministerial que lhe pôs termo, a saber, a Federação Portuguesa de Futebol (e não a sua associada Associação de Futebol de B.../ Recorrida, ou qualquer outra pessoa ou entidade).
Com efeito, e para aquilo que ora releva, são as federações desportivas (e não os seus sócios, como é o caso da Recorrida) que podem beneficiar de apoios financeiros públicos ao abrigo do DL 273/2009, de 1 de outubro (cfr. artºs 2º e 3º). Em conformidade, e conforme se alcança dos contratos-programa celebrados entre o Instituto do Desporto de Portugal, I.P., e a Federação Portuguesa de Futebol juntos à acção, não surpreende que a ora Recorrida Associação de Futebol de B... não seja parte nos mesmos, não tendo, assim, legal ou contratualmente, direito a quaisquer apoios financeiros por parte da Recorrente.
Na verdade, é à Federação Portuguesa de Futebol que cabe conceder apoios financeiros, entre outras, às associações regionais ou distritais nela filiadas, nos termos do artº 7º do referido diploma legal; pelo que o benefício para a Recorrida da subsistência do estatuto de utilidade pública da referida Federação, de que depende a atribuição a esta de verbas destinadas a tais apoios, é meramente conjuntural ou fortuito.
Ora, um interesse com tais caraterísticas - que confluem na sua imediatividade ou caráter indirecto - não confere à Recorrida a qualidade de interessada no procedimento administrativo de que aqui se vem falando.
Logo, não sendo a Recorrida Associação de Futebol de B... titular de qualquer direito subjectivo ou interesse legalmente protegido no que concerne ao estatuto de utilidade pública desportiva da Federação Portuguesa de Futebol, cuja suspensão foi decretada depois de, nos termos legais, se ter realizado a audiência prévia desta, não tinha ela de ser também ouvida no procedimento.
Tal equivale a dizer que não existiu qualquer violação do dever de audiência prévia, gerador de vício procedimental e consequente anulabilidade do acto impugnado.
Deste modo, procedem todas as conclusões da alegação o que significa que, tendo o acórdão sob escrutínio feito incorrecta interpretação dos citados preceitos legais - artigos 100º, nº 1(1), do Código do Procedimento Administrativo, e 21º(2) do Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro -, não poderá manter-se na ordem jurídica.

DECISÃO
Termos em que se concede provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se a decisão sub judice e julga-se improcedente a acção administrativa especial.
Custas, na 1ª instância, pela Recorrida e, nesta sede, sem custas, atenta a ausência de contra-alegações.
Notifique e DN.

Porto, 01/07/2016
Ass.: Fernanda Brandão
Ass.: Frederico Branco
Ass.: Joaquim Cruzeiro
________________________________
(1) Artigo 100.º
(Audiência dos interessados)
1-Concluída a instrução, e salvo o disposto no art.º 103.º, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta.
2…
3…
(2) Artigo 21.º Suspensão
1-O estatuto de utilidade pública desportiva pode ser suspenso por despacho fundamentado do membro do Governo responsável pela área do desporto nos seguintes casos: a) Violação das regras de organização interna das federações desportivas constantes do presente decreto- lei; b) Não cumprimento da legislação contra a dopagem no desporto, bem como da relativa ao combate à violência, à corrupção, ao racismo e à xenofobia; c) Não cumprimento de obrigações fiscais ou de prestações para com a segurança social; d) Violação das obrigações contratuais assumidas para com o Estado através de contratos -programa.
2-A suspensão do estatuto de utilidade pública desportiva pode acarretar um ou mais dos seguintes efeitos, a fixar no despacho referido no número anterior: a) Suspensão dos apoios decorrentes de um ou mais contratos -programa; b) Suspensão de outros apoios em meios técnicos, materiais ou humanos; c) Impossibilidade de outorgar novos contratos- programa com o Estado pelo prazo em que durar a suspensão
d) Impossibilidade de beneficiar de declaração de utilidade pública da expropriação de bens, ou direitos a eles inerentes, necessária à realização dos seus fins; e) Suspensão de processos para atribuição de quaisquer benefícios fiscais, nos termos do Estatuto dos Benefícios Fiscais; f) Suspensão de toda ou parte da actividade desportiva da federação em causa.
3-A suspensão de parte da actividade desportiva de uma federação desportiva acarreta, para esta, a impossibilidade de apoiar financeiramente os clubes, ligas ou associações participantes nos respectivos quadros competitivos, bem como de atribuir quaisquer efeitos previstos na regulamentação desportiva aos resultados apurados nessas competições.
4-O prazo e o âmbito da suspensão são fixados pelo despacho referido no n.º 1 até ao limite de um ano, eventualmente renovável por idêntico período, podendo aquela ser levantada a requerimento da federação desportiva interessada com base no desaparecimento das circunstâncias que constituíram fundamento da suspensão. (negrito e sublinhado nossos).