Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00506/12.9BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/21/2016
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Joaquim Cruzeiro
Descritores:DIREITO DE ACESSO À VIA PÚBLICA; CAMINHOS MUNICIPAIS
Sumário:1. O direito de acesso à via pública pelos prédios confinantes é um direito subjectivo público “sui generis” de natureza administrativa e não um direito civil de servidão;
2. A Administração, enquanto mantiver afectada a via à circulação, não pode impedir os proprietários confinantes de utilizá-la nas condições legais e regulamentares. Mas não faz parte do direito de acesso à via pública, o exigir que o mesmo se construa em detrimento do espaço público e de forma diferente ao anteriormente existente.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:ALF
Recorrido 1:Município de Nelas e a Junta de Freguesia de M
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Sumária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer "concluindo que a sentença está ferida de nulidade, nos termos do art.º 615º, n.º 1 al. d) do CPC, devendo os autos baixar à 1º instância para o juiz se pronunciar sobre a matéria do pedido em causa".
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
1 – RELATÓRIO
ALF vem interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, datada de 30 de Setembro de 2014, que julgou improcedente a acção interposta contra o Município de Nelas e a Junta de Freguesia de M... e onde era solicitado que se devia:
“…reconhecer o direito do Autor, enquanto proprietário do prédio, a manter o acesso à via pública por viaturas automóvel e trator, pelas respectivas entradas e, condenando-se as entidades rés, a demolir qualquer obstáculo que o impeça.

Em alegações o recorrente concluiu assim:

1-O Recorrente não se pode conformar com a sentença recorrida que julgou que não resultou dos autos que o Autor não tenha acesso ao seu prédio nem ficou privado de qualquer acesso à via pública, antes considerando que o que ficou patente é que eventualmente veículos pesados é que poderão entrar com grandes dificuldades de manobra.

2-Resulta da matéria provada que o Autor ora Recorrente, comunicou ao Município a necessidade de alargar as entradas para se tornar mais fácil o acesso de viaturas.

3-O Autor sempre que necessitou, nomeadamente desde 2008, utilizou o espaço público para acesso à sua moradia.

4-O referido espaço resultou da demolição de uma casa em ruinas.

5-Espaço esse integrado no domínio público, facto este admitido por acordo a quando dos respetivos articulados e constando da matéria provada.

6-Sendo irrelevante o que existiu outrora, (casa em ruinas, ruelas, etc.)

7-A obstinação das Entidades Recorridas, em procederem ao encrave relativo do prédio do Recorrente, constitui um dano sob a situação patrimonial do lesado, correspondente a benefícios que deixou de obter por causa de tal ilicitude, existindo assim, um nexo de causalidade entre a prática do facto “edificação” e o dano (encrave relativo).

8-A prática dos atos supra referidos, constitui as Entidades Recorridas, em responsabilidade civil extracontratual, por factos ilícitos derivados de atos de gestão pública.

9-A largura correspondente a 2,50 metros inviabiliza a entrada de qualquer veículo de tração mecânica, nomeadamente, trator munido de alfaias agrícolas ou reboque, cuja entrada era permitida.

10-O segundo portão pelo qual se acede a um outro nível do terreno, tem ainda uma distância entre a edificação e o portão, de medida inferior.

11-Salvo outro melhor entendimento, verifica-se uma insuficiência de ligação à via pública, para as necessidades normais de acesso, tendo em conta a afetação do prédio.

12-O prédio do Recorrente é constituído por uma realidade habitacional e uma realidade agrícola.

13-Que o Recorrente explora.

14-A partir da garagem não é possível criar qualquer outro acesso ao prédio.

15-Ao considerar que não resulta dos autos que o Autor não ficou privado de qualquer (sublinhado nosso) acesso à via pública, nem os Réus tenham tido uma conduta ilícita, face à fundamentação de facto e à prova produzida e junta aos autos (fotografias), a douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, uma vez que se impunha que os decidisse nos termos supra referidos.

O Recorrido, notificado para o efeito, não contra-alegou.

O Ministério Público, notificado ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA, emitiu parecer nos termos que aqui se dão por reproduzidos, concluindo que a sentença está ferida de nulidade, nos termos do art.º 615º, n.º 1 al. d) do CPC, devendo os autos baixar à 1º instância para o juiz se pronunciar sobre a matéria do pedido em causa.

As questões suscitadas e a decidir resumem-se em determinar:

— se ocorre erro de julgamento, quando se decidiu que não resultou dos autos que o Autor não tenha acesso ao seu prédio nem ficou privado de qualquer acesso à via pública.

2– FUNDAMENTAÇÃO

2.1 – DE FACTO

Na decisão sob recurso ficou assente o seguinte quadro factual:

1) O Autor é proprietário do imóvel sito na calçada de S. Pedro…, na localidade de P..., freguesia de M... e concelho de Nelas.
2) O identificado imóvel é constituído por uma moradia de dois pisos e com logradouro, este, localizado na lateral da moradia adjacente à Calçada de S. Pedro – cfr. certidão de teor e de registo, junta como docs. nº 1 e 2 com a petição inicial.
3) Em Dezembro de 2008 o Autor participou à Câmara Municipal de Nelas o "Restauro de muro em granito com dois portões de entrada e ainda arranjo da cobertura da cozinha anexa à moradia" – cfr. doc. nº 3 junto com a petição inicial.
4) A quando da realização das obras, que decorreram entre finais de 2008 e princípios de 2009, o transporte de todo o material de construção civil realizou-se já pelas aludidas entradas.
5) De igual forma, o Autor procedeu no seu quintal à abertura de um poço, tendo-se deslocado ali um camião para o efeito, e desta forma, assim também entrado.
6) Os serviços camarários nada tiveram a “opor” ao identificado restauro.
7) Sempre respeitando-se o alinhamento.
8) O Autor comunicou ao Município a necessidade de alargar as entradas, para se tornar mais fácil o acesso de viaturas.
9) O Autor sempre que disso necessitou, nomeadamente desde 2008, utilizou o espaço público (largo) imediatamente frontal para acesso à sua moradia.
10) O Largo supra referido, resultou da demolição de uma casa em ruínas.
11) Cuja aquisição e demolição foi realizada pela Junta e Freguesia M... e que não foi reabilitada.
12) O Autor, regressado à sua residência para férias em Portugal, depara-se com a realização de obras no espaço público imediatamente frontal à sua moradia.
13) Destinando-se as obras à execução de um jardim sob a forma de muretes, escadarias e canteiros para árvores.
14) O prédio do Autor nunca foi servido por um acesso à via pública em melhores condições do que as que dispõe hoje.
15) Os serviços camarários nada tiveram a opor às obras participadas exclusivamente no que respeitava ao alinhamento das mesmas e não a qualquer acesso à via pública.
16) O prédio do Autor, na parte confinante com a via pública, sempre padeceu de constrangimentos no acesso ao mesmo, dada a existência no local de uma casa (a qual foi adquirida pelo Município de Nelas em 2005) que condicionava tal acesso.
17) Quando o Autor adquiriu o prédio identificado, tais constrangimentos já se verificavam.
18) Após a aquisição pelo Município, a casa referida supra foi demolida com o objectivo do respectivo espaço ser integrado no domínio público, tendo as obras participadas pelo autor sido realizadas posteriormente e daí ter sido possível o acesso efectuado ao prédio do autor.
19) Logo aquando da participação de tais obras, foi o autor informado de que o largo criado pela demolição da casa iria ser requalificado.
20) No decurso de 2010, como refere o autor em comunicação dirigida ao Município de Nelas, o mesmo anota a sua discordância com a existência de uma pedras defronte da sua propriedade e com um edital que anuncia a requalificação do largo.
21) O Município deixou um espaço de cerca de 2,5 metros, tendo a antiga ruela existente defronte do prédio do autor muito menos de largura, para possibilitar o acesso a um dos portões de entrada.
22) O prédio do Autor dispõe de garagem, a qual tem mais de três metros de largura para entrada, à qual se acede directamente por intermédio de via pública com largura disponível de mais de 5 metros, ocupando tal garagem parte do piso térreo da casa de habitação do Autor.

Factos não provados:
Que as obras destinadas à execução de um jardim sob a forma de muretes, escadarias e canteiros para árvores e a obra final inviabilizam o acesso por viaturas automóvel e tractor à propriedade do autor, pelos portões que foram autorizados.
Que constituindo já no presente a inexistência de acessos de viaturas e consequente encrave relativo, afectando o prédio do autor.
Que entre a casa adquirida pelo Município de Nelas e o prédio propriedade do autor existir uma ruela com espaço médio disponível de 1 metro, o qual apenas permitia o seu percurso e acesso ao prédio a pé ou carro de mão.

3 – DE DIREITO

Cumpre apreciar as questões suscitadas pela ora Recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para tal efeito, pela lei processual aplicável - ver artigos 5.º, 608.º, n.º2, 635.º, n.ºs 4 e 5, e 639.º do C.P.C., na redacção conferida pela Lei n.º 41/2013, ex vi art.º 1.º do C.P.T.A, e ainda conforme o disposto no artigo 149º do CPTA.
A questão a decidir no presente processo prende-se com a necessidade de saber se o recorrente tem ou não direito a ter acesso à via pública através de viaturas automóveis e tractor agrícola.

I- O Digno Procurador-Geral Adjunto vem, no seu parecer, sustentar que ocorre nulidade da decisão recorrida uma vez que o Autor não funda o seu pedido no âmbito da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado, o que, no fundo veio a ser apreciado. Fundamenta o seu parecer no disposto na alínea d) do artigo 615º do CPC.

Compulsados os autos verifica-se que o recorrente vem solicitar na petição inicial que lhe fosse reconhecido o direito” enquanto proprietário do prédio, a manter o acesso à via pública por viaturas automóvel e trator, pelas respectivas entradas e, condenando-se as entidades rés, a demolir qualquer obstáculo que o impeça.“

Na decisão recorrida é apreciado o pedido do Autor, ora recorrente, enquadrando-se o mesmo no âmbito da responsabilidade civil extracontratual do Estado. Refere-se na decisão recorrida o seguinte:
O prédio do Autor nunca foi servido por um acesso à via pública em melhores condições do que as que dispõe hoje.
Os serviços camarários nada tiveram a opor às obras participadas exclusivamente no que respeitava ao alinhamento das mesmas e não a qualquer acesso à via pública.
O prédio do Autor, na parte confinante com a via pública, sempre padeceu de constrangimentos no acesso ao mesmo, dada a existência no local de uma casa (a qual foi adquirida pelo Município de Nelas em 2005) que condicionava tal acesso.
Quando o Autor adquiriu o prédio identificado tais constrangimentos já se verificavam quando existia a casa que entretanto foi demolida.
Após a aquisição pelo Município, a casa referida supra foi demolida com o objectivo do respectivo espaço ser integrado no domínio público, tendo as obras participadas pelo autor sido realizadas posteriormente e daí ter sido possível o acesso efectuado ao prédio do autor.
No decurso de 2010, como refere o autor em comunicação dirigida ao Município de Nelas, o mesmo anota a sua discordância com a existência de uma pedras defronte da sua propriedade e com um edital que anuncia a requalificação do largo.
O Município deixou um espaço de cerca de 2,5 metros, tendo a antiga ruela existente defronte do prédio do autor muito menos de largura, para possibilitar o acesso a um dos portões de entrada.
O prédio do Autor dispõe de garagem, a qual tem mais de três metros de largura para entrada, à qual se acede directamente por intermédio de via pública com largura disponível de mais de 5 metros, ocupando tal garagem parte do piso térreo da casa de habitação do Autor.
Ora, não resulta dos autos que o autor não tenha acesso ao seu prédio, aliás, como é bem visível pelas fotografias juntas, tem acesso pela garagem e pelo portão e não ficou privado de qualquer acesso à via pública. O que ficou patente é que, eventualmente, veículos pesados é que poderão entrar com grandes dificuldades de manobra. Porém, não precisou o autor qual era a necessidade ou se tinha necessidade de acesso de viaturas pesadas ao seu prédio, nem sequer vive em Portugal.
Não restou provado que as obras destinadas à execução de um jardim sob a forma de muretes, escadarias e canteiros para árvores e a obra final inviabilizam o acesso por viaturas automóvel e tractor à propriedade do autor, pelos portões que foram autorizados; Que constituindo já no presente a inexistência de acessos de viaturas e consequente encrave relativo, afectando o prédio do autor.
Assim, não se vislumbra que os RR tenham tido uma conduta ilícita, caindo assim uma das traves mestras, a ilicitude, essenciais à gestação do direito que o Autor invoca.

De acordo com o n.º 3 do artigo 5º do CPC, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito. Quer isto dizer que em face dos factos concretos provados o juiz poderá, se assim o entender, dar outra qualificação jurídica a esses mesmos factos independentemente da qualificação atribuída por estas.

Ver neste sentido Acórdão do STA, proc. n.º 0433/3, de 05-06-2013, quando refere: I - Em matéria de direito, o tribunal não está sujeito à alegação das partes, nem sequer no que respeita à qualificação jurídica dos factos por elas efectuada, e goza de liberdade na indagação, interpretação e aplicação do Direito (art. 664.º do CPC).

II - Sendo certo que o tribunal de recurso, com excepção das questões de conhecimento oficioso, tem a sua actividade balizada pelas conclusões das alegações do recurso (art. 684.º, n.º 3, do CPC), mantém total liberdade no julgamento da matéria de direito, designadamente ao conferir à norma escolhida o sentido e alcance que, de acordo com as regras da hermenêutica jurídica, entende ser o correcto, ainda que divergentes dos conferidos pelas partes (art. 664.º do CPC).

No caso concreto dos autos a decisão recorrida entendeu enquadrar o pedido do Autor, tendo em atenção os factos dados como provados, no âmbito da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado. Este enquadramento, como veremos, efectivamente, não se encontra correcto. No entanto, como estamos perante o enquadramento jurídico dos factos não ocorre nulidade da decisão por omissão de pronúncia. A decisão recorrida pronunciou-se sobre o pedido do recorrente. Pronunciou-se no sentido de saber se este tem ou não direito a ter acesso à via pública através de viaturas automóveis e tractor agrícola. Efectuou, isso sim, um enquadramento jurídico que não pode ser considerado como o mais correcto. A omissão de pronúncia ocorre, de acordo com a alínea d) do artigo 615º do CPC, quando: “ o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar…”. No caso em apreço o juiz não deixou de se pronunciar sobre as questões que se deveria pronunciar, fez foi um errado enquadramento jurídico dos factos.
Estamos, no entanto, perante erro de julgamento e não perante e não perante nulidade por omissão de pronúncia.

Assim sendo, improcede esta alegação de nulidade da sentença.

II- O recorrente vem sustentar que ocorre erro de julgamento uma vez não se deveria ter dado como não provado que os 2,5 metros que tem como referência o portão indicado no doc. n.º 7 da pi possibilite o acesso de entrada a um pequeno tractor ou a qualquer viatura de tração mecânica.

Vem sustentar que a matéria de facto deveria ser outra, mas nas suas conclusões não vem especificar a que pontos da matéria de facto deveria ser dada resposta diferente. Nos termos do artigo 640º do CPC, quando haja impugnação da matéria de facto, deve o recorrente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e quais os concretos meios probatórios, que impunham decisão diferente. O recorrente apesar de vir, nas suas alegações, insurgir-se quanto à matéria de facto não cumpre com o ónus de referir que pontos concretos da matéria de facto pretendia ver alterados. Aliás, nas suas conclusões, nada refere quanto a este aspecto.

Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões deveria o recorrente ter inserido nestas a matéria de facto que pretendia ver alterado.

Ver, neste sentido, Acórdão TRC n.º 2312/11.9TBLRA.C1, de 19-12-2012, quando refere:

1. Quando se impugna a matéria de facto, pelo menos a especificação dos concretos pontos de facto que o recorrente pretende ver alterados deve constar das conclusões da alegação, por o objecto do recurso ser delimitado pelas respectivas conclusões;

2. A omissão desse ónus de especificação imposto pelo art. 685º-B do CPC implica a rejeição do recurso;
No caso dos autos, analisada, contudo, toda a argumentação do recorrente verifica-se que este não se insurge tanto quanto à matéria de facto dada como provada, como refere nas alegações, mas sim à interpretação que veio a ser dada resultante da mesma.
Vejamos o que está em causa nos autos.
O recorrente é proprietário de um imóvel, sito na calçada de S. Pedro, n.º 14, na localidade de P..., Freguesia de M..., concelho de Nelas. Este imóvel é constituído por uma moradia de dois pisos, com logradouro, localizado na lateral da moradia adjacente à Calçada de S. P….
Em Dezembro de 2008 o recorrente participou à Câmara Municipal, ora recorrida, que nada teve a opor, o restauro de muro em granito com dois portões de entrada e ainda o arranjo da cobertura da cozinha anexa à moradia. Procedeu nesta data à abertura de um poço.
O recorrente, sempre que disso necessitou, nomeadamente para efectuar as obras desde 2008, utilizou o espaço público (largo) imediatamente frontal para acesso à sua moradia.
O Largo referido resultou da demolição de uma casa em ruínas, cuja aquisição e demolição foi realizada pela Junta de Freguesia de M....
Entretanto as entidades recorridas efectuaram obras no espaço público imediatamente frontal à moradia do recorrente, destinando-se estas à execução de um jardim sob a forma de muretes, escadarias e canteiros para árvores.
O Município deixou um espaço de cerca de 2,5 metros em frente a um dos portões de entrada.
O prédio do recorrente dispõe de garagem, a qual tem mais de três metros de largura para entrada, à qual se acede directamente por intermédio de via pública com largura disponível de mais de 5 metros, ocupando tal garagem parte do piso térreo da casa de habitação.
A questão que o recorrente coloca é a de que os recorridos, quando efectuaram as obras em frente à sua vivenda, deixaram uma faixa muito estreita em frente aos dois portões onde decorreram obras (2,5m num dos portões) o que impossibilitará o acesso à sua propriedade, mesmo com um tractor pequeno ou uma viatura automóvel.
O que pretende é que se lhe reconheça o direito, enquanto proprietário do prédio, a manter o acesso à via pública por viaturas automóvel e trator, pelas respectivas entradas, condenando-se as entidades rés a demolir qualquer obstáculo que o impeça.
Está em causa no presente processo o denominado acesso à “zona da estrada”, ou seja, o direito de acesso à via pública por parte de um terreno privado. Este acesso à via pública constituída pela faixa de rodagem, pelas bermas e, quando existam, por valetas e passeios estava regulado para as estradas nacionais, pelo Decreto-Lei n.º 13/71 de 23 de Janeiro, hoje pela Lei n.º 34/2015, de 27 de Abril, e para as estradas e caminhos municipais, encontra-se regulado na Lei nº 2110, de 19 de Agosto de 1961. Para as estradas municipais, refere o artigo 42º da Lei 2110 que “não é permitido a veículos e animais entrar nas vias municipais ou sair delas fora das serventias estabelecidas segundo as normas deste regulamento”, e o artigo 43º diz que: “nenhum proprietário é permitido erguer tapumes e resguardos ou efectuar depósitos de manutenção, escavações, edificações e outras obras ou trabalhos de qualquer natureza na zona das vias municipais sem prévia licença da câmara municipal”. Refere o artigo 45º deste último diploma que “ não é em geral permitida a construção ou reconstrução de passadiços ao longo ou através das vias municipais. As câmaras municipais poderão excepcionalmente autorizá-las, a título precário e sem o dever de indemnizar na hipótese de revogação das autorizações, determinadas pelas necessidades de viação”.
Por seu lado refere o artigo 62º da Lei ora em análise que: “As serventias das propriedades confinantes com as vias municipais são sempre executadas a título precário, não havendo direito a indemnização por quaisquer obras que os proprietários sejam obrigados a fazer, quer na serventia, quer na propriedade servida, no caso de ser modificada a plataforma da via municipal.
Como se vê dos artigos referidos as serventias das propriedades confinantes com a via pública são sempre precárias e como se refere no Acórdão deste Tribunal, processo n.º 00111/06.9BEMDL, de 05-11-2010: Trata-se de um direito precário, no sentido de que fica dependente das modificações que a Administração entenda fazer nas formas e modalidades de utilização dos bens dominais. Em princípio, a propriedade pública não está sujeita a restrições em favor dos proprietários confinantes. A Administração, enquanto mantiver afectada a via à circulação, não pode impedir os proprietários confinantes de utilizá-la nas condições legais e regulamentares. Mas não tem que respeitar o interesse desses proprietários em manter para sempre o modo de utilização da via. A afectação e o modo de utilização das coisas públicas podem variar ao longo do tempo. Por exemplo, se estrada tem por utilidade principal a circulação automóvel, não há restrições de interesse privado que impeçam o uso do subsolo estradal também para saneamento público. Neste caso, pode acontecer que, apesar da via manter o mesmo uso, a forma como os proprietários vizinhos a utilizavam já não possa ser a mesma. Todavia, tais interesses privados não podem deixar de ser sacrificados ao interesse público. Sendo as serventias concedidas a título precário, então, nem a actuação da Administração é ilícita, nem há lesão de uma posição jurídica subjectiva consolidada dos proprietários confinantes.
Refere o sumário deste Acórdão o seguinte:
1. O direito de acesso à via pública é um direito subjectivo público sui generis de natureza administrativa e não um direito civil de servidão;
2. Não faz parte do direito de acesso à via pública, o poder de exigir que se a mesma se construa, suspenda, cesse ou que se mantenha inalterada.
Ver ainda Acórdão do STA, proc n.º 040581, de 13.01-2004, quando refere:
II - O direito de acesso dos confinantes à via pública é um direito subjectivo-público "sui generis", não um direito civil de servidão.
III - O artigo 62° do Regulamento Geral das Estradas e Caminhos Municipais, aprovado pela Lei n° 2 110 de 19 de Agosto de 1961, subtrai à obrigação de indemnizar as situações em que é possível vencer as consequências das alterações na plataforma da via mediante obras na "serventia" ou na propriedade servida.
De todo o exposto se conclui que o acesso à via pública é um direito subjectivo-público "sui generis", não um direito civil de servidão. Os proprietários dos prédios confinantes têm direito a utilizar o acesso à via pública nas condições legais e regulamentares existentes, mas tendo sempre em atenção que a propriedade pública não está sujeita a restrições em favor dos proprietários confinantes. A Administração, não tem que respeitar o interesse desses proprietários em manter para sempre o modo de utilização da via.
No caso em apreço não está em causa o acesso à via publica mas sim a forma como esse acesso é feito. Está em causa saber se o recorrente tem ou não direito a que os recorrentes não tivessem realizado as obras na via Pública que efectuaram, obras estas que limitaram a forma de acesso à sua propriedade.
Em primeiro lugar é de referir que o recorrente tem acesso à via pública. Tem acesso, com todas as condições na sua garagem, questão esta aliás que não veio colocada em causa.
Vem apenas sustentar que não consegue ter acesso à sua propriedade através de um tractor com as respectivas alfaias agrícolas nos dois portões em que realizou obras em 2008. E isto porque num dos portões o caminho em frente ao mesmo apenas tem 2,50 largura, o que não dá para efectuar manobras a um qualquer tractor agrícola.
Da matéria de facto dada como provada verifica-se que quando o recorrente adquiriu o imóvel em causa a estrada em frente ao mesmo não tinha mais largura da que tem hoje. Ou seja, o caminho anteriormente existente tinha menos largura da que existe hoje.
Estas restrições anteriores derivavam do facto de em frente à sua vivenda ter existido uma casa em ruinas que o Município de Nelas adquiriu para poder restaurar a zona em causa. Foi após esta aquisição e demolição da mesma, e enquanto o Município Réu não fez obras, que o recorrente entrou facilmente no seu prédio e realizou as obras em 2008. No entanto a casa em frente à sua foi adquirida pelo Município para tal espaço ser integrado no domínio público com o objectivo de poderem realizar obras de beneficiação no local. O recorrente foi informado desta questão quando as obras realizadas em 2008.
Assim sendo, e tendo em atenção tal matéria de facto, não pode agora o recorrente vir solicitar que seja deixado à frente do seu imóvel um espaço amplo de tal forma que consiga entrar na sua propriedade, facilmente, com um tractor agrícola com as suas alfaias. O recorrente nunca teve essa facilidade (a não ser quando da destruição da casa adquirida pelo Município, antes das obras). Por seu lado, após as obras, o caminho frente à sua propriedade ficou mais largo. Ou seja, ficou com uma situação melhor à anteriormente existente. De notar que com a sua pretensão o que o recorrente pretendia era que à custa do orçamento do Município fosse deixado um espaço à frente da sua casa para poder entrar no logradouro de forma desafogada. O Município adquiriu a casa e tem o direito de proceder à reconstrução do espaço Público dentro das normas regulamentares. Não tem é o dever de adquirir um espaço para um privado poder melhorar a entrada na sua propriedade. A propriedade pública não está sujeita a restrições em favor dos proprietários confinantes.
O que o Município não pode é vedar o acesso do prédio confinante ao caminho público. Mas não é isto que se passa. O recorrente tem acesso ao caminho público não só através da sua garagem, mas também nos dois portões existentes na sua propriedade.
Pode não ter acesso como gostaria de ter, mas também antes das obras já não tinha o acesso ao logradouro como agora vem peticionar. Antes pelo contrário. Com as obras ficou com o acesso mais facilitado.
Assim sendo e por todo o exposto se conclui que as conclusões do recorrente não podem proceder, pelo que, com a presente fundamentação se mantém a decisão recorrida.

3 – DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal, com a actual fundamentação, em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente.
Notifique.

Porto, 21 de Outubro de 2016
Ass.: Joaquim Cruzeiro
Ass.: Fernanda Brandão
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco