Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00136/15.3BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/04/2017
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:SUBSÍDIO DE EDUCAÇÃO ESPECIAL; ERRO NOS PRESSUPOSTOS DE FACTO
Sumário:
1 – Não obstante a sucessão normativa ocorrida, importa reter que as bases gerais do sistema de segurança social, relativamente ao subsistema de proteção familiar, asseguram que a compensação de encargos familiares acrescidos resultantes dos “encargos no domínio da deficiência”, concretizados “através da concessão de prestações pecuniárias”, “é suscetível de ser alargada, de modo a dar resposta a novas necessidades sociais (…) bem como às que relevem, especificamente, dos domínios da deficiência (…)”
2 – Independentemente da sucessão legislativa verificada, mostra-se manifestamente insuficientemente fundamentada, perante a documentação apresentada, a recusa de atribuição de subsidio de deficiência em decorrência da afirmação segundo a qual "A criança/jovem supra referenciada não possui comprovada redução permanente de capacidade física, motora, orgânica, sensorial ou intelectual que necessite de meio específico de apoio educativo habilitativo com vista a uma integração social e educacional (…)”
3 – Verifica-se Erro nos Pressupostos de Facto quando ocorre divergência entre os pressupostos de que o autor do ato partiu para emanar a decisão administrativa final e a sua efetiva verificação na situação em concreto, resultando do facto de se terem considerado na decisão administrativa factos não provados ou desconformes com a realidade, isto é os fundamentos da motivação do ato em causa não existiam ou não tinham a dimensão que foi por ele suposta.
Tendo a Segurança Social, em concreto, pelo menos no ano imediatamente anterior àquele que aqui está em causa, após a adoção de idênticas diligências, face ao igualmente requerido subsídio de Educação Especial, deferido a requerida atribuição, exigir-se-ia que perante a inflexão decisória, indeferido a sua atribuição, tal merecesse acrescida fundamentação, que não através de afirmações meramente conclusivas, desacompanhadas de qualquer parecer clinico que contrariasse aquele que foi apresentado pela interessada.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:MJOA
Recorrido 1:Centro Distrital da Segurança Social de Aveiro
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dar provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I Relatório

MJOA, no âmbito da Ação Administrativa Especial intentada contra o Centro Distrital da Segurança Social de Aveiro, tendente, em síntese, à anulação do despacho que em 14/11/2014, indeferiu o requerimento que apresentou no sentido de lhe ser atribuído subsídio de educação especial (SEE), relativo ao seu filho menor BMOA, inconformada com a Sentença proferida em 30 de dezembro de 2016 que julgou a Ação parcialmente procedente, veio interpor recurso jurisdicional da mesma, proferida em primeira instância no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro.

Formula a aqui Recorrente nas suas alegações de recurso, apresentadas em 7 de fevereiro de 2017, as seguintes conclusões (Cfr. fls. 190 a 194 Procº físico):

“1ª – Vem o presente recurso interposto da, aliás, douta sentença de fls. …, que julgou parcialmente improcedente a presente ação administrativa especial e, em consequência, decide condenar o Réu a, no prazo máximo de 10 dias, encetar diligências instrutórias no sentido de apurar se o menor está referenciado, nos termos do Decreto-Lei n.º 3/2008, como aluno com necessidades educativas especiais, bem como da inexistência de recursos naquele estabelecimento para lhe prestar o apoio especializado de que necessita, e assim, a deferir o pedido de subsidio por frequência de estabelecimento de educação especial, caso venha a ser apresentado documento comprovativo dessa situação, se a tal nada mais obstar e indeferir o pedido de pagamento de sanção pecuniária compulsória.

2ª – É, pois, profunda a discordância da Recorrente face à decisão ora em crise, fundando-se tal dissentimento desde logo nos aspetos e considerações jurídicas que lhe serviram de fundamento, não podendo aceitar a interpretação legal acolhida que determina a competência, no tocante à atribuição do SEE, dos serviços do Ministério da Educação, mais concretamente, dos órgãos competentes das respectivas escolas, exigindo para o efeito que a criança ou jovem seja previamente referenciado (e assim sujeito à avaliação de onde se possa determinar qual o apoio especializado de que necessita, cfr. artigo 5.º e 6.º, do Decreto-Lei n.º 3/2008.

3ª – O Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro, publicado no desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro (Lei de Bases do Sistema Educativo) e alterado pela Lei n.º 21/2008, de 12 de Maio, mantém vigente o corpo legislativo respeitante à atribuição do SEE (cfr. norma revogatória contida no artigo 32º), reconhecendo as dissemelhanças entre os cenários que visam reger, apenas atualizando a disciplina prevista no revogado Decreto-Lei nº 319/91, de 23 de Agosto, atinente aos apoios especializados a prestar na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário dos sectores público, particular e cooperativo.

4ª – A aplicação do Decreto-Lei 3/2008 apenas se justifica no que respeita às medidas educativas que prevê e que visam promover a aprendizagem e a participação dos alunos com necessidades educativas especiais, sendo estas apenas as seguintes: a) Apoio pedagógico personalizado; b) Adequações curriculares individuais; c) Adequações no processo de matrícula; d) Adequações no processo de avaliação; e) Currículo específico individual; f) Tecnologias de apoio (cfr. artigo 16º).

5ª – Tal diploma tem, pois, um âmbito de aplicação restrito, sendo totalmente omisso no que respeita ao regime de atribuição do subsídio de educação especial e, arredando do elenco das medidas educativas que, em teoria, oferece, todas as terapêuticas da competência exclusiva dos médicos especialistas, nomeadamente, as consultas terapêuticas (psicoterapia e terapia da fala) e a prescrição de fármacos.

6ª – O processo de avaliação previsto no artigo 6º do Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro, na redação introduzida pela Lei n.º 21/2008, de 12 de Maio, que apenas tem aplicação no contexto das situações que integram a previsão deste diploma, não tendo paralelo, nem substituindo, a disciplina que rege o processo de determinação da natureza e efeitos da deficiência, a forma do requerimento e exigências de instrução do processo de atribuição do SEE e organismo processador da subvenção, plasmada no Decreto Regulamentar n.º 14/81, com as alterações introduzidas pelo Decreto Regulamentar n.º 19/98.

7ª – Aliás, ao arredar-se da sua prática, a administração violou o princípio da boa-fé e da confiança, pois que sempre deferiu e emanou inúmeras diretivas e orientações técnicas aos beneficiários e aos prestadores de serviços, defendendo o SEE quando o apoio individualizado o é por profissionais não docentes, a saber, psicólogos, terapeutas da fala, terapeutas ocupacionais, entre outros, mesmo quando não eram referenciados como alunos com necessidades educativas especiais ao abrigo do Decreto-lei n.º 3/2008.

8ª – É que, como referiu na petição inicial, sem qualquer oposição por banda do Recorrido, no ano letivo de 2012/2013, a Recorrente havia apresentado também junto do Réu requerimento idêntico, instruindo com os mesmos documentos, merecendo despacho de deferimento por parte da administração, sendo certo que nenhuma das circunstâncias e pressupostos de que depende o seu conhecimento, todos do cabal conhecimento do Réu, se alterou entretanto.

9ª – Precisamente porque tal realidade não deixou de constranger o legislador, confrangido com as interpretações abusivas, ilegais e constitucionais, ciente de que o regime legal vigente, nos moldes em que foi pensado e aprovado, apesar da bondade que lhe foi concedida durante décadas, não está imune a interpretações perniciosas, que existem já diversos processos legislativos em curso e mesmo uma resolução da Assembleia da República (que teve na sua origem o Projeto de Resolução Nº 163/XIII/1.ª), sob a epígrafe “Reposição da Legalidade na Atribuição do Subsídio de Educação Especial”.

10ª – No essencial recomenda-se, com carácter interpretativo e que imponha a reavaliação dos processos afetados pelo Protocolo de colaboração, cuja revogação se impõe, em causa que se fixe a diferenciação e o deferimento da atribuição do Subsídio de Educação Especial, por apoio individualizado por profissional especializado, concretamente nas situações de apoio terapêutico individualizado nas valências de psicologia, terapia da fala, terapia ocupacional e psicomotricidade.

11ª – Em face do teor do preâmbulo do novo Decreto regulamentar n° 3/2016 e do seu Art° 2, n° 1 alínea c), atenta a sua expressa intenção de "atualização" e "clarificação", mostra-se que o mesmo evidência clara intenção interpretativa, relativamente à pretérita figura do "professor especializado", que deverá ser entendido como "técnico especializado".

12ª – Os atos impugnados estão, pois, feridos de vício de erro nos pressupostos de facto e de violação de lei, pelo que não podem manter-se.

13ª – A decisão recorrida ao defender a interpretação que a atribuição do SEE pressupõe sempre a prévia referenciação e avaliação do menor ou jovem por parte daquele estabelecimento de ensino, quanto à necessidade da mesma frequentar uma instituição de educação especial ou obter apoio especializado (e assim do tipo de apoio a receber) e, consequentemente, da impossibilidade do mesmo ser prestado na escola, nomeadamente por impossibilidade de recurso à aquisição desses serviços ou de inexistência de parcerias celebradas nos termos previstos na lei, para o efeito (cfr. artigos 5.º, 6.º, 29.º, 30.º do Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro, conjugado com o artigo 2.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2, do Decreto-Regulamentar n.º 14/81), está ferida de inconstitucionalidade, por violação das normas contidas nos artigos 13º, 43º, 63º, 64º e 71º da Constituição da República Portuguesa.

14ª – Ao assim decidir incorreu a decisão recorrida em erro de julgamento e na aplicação do Direito, afrontando a disciplina contida no Decreto-Lei n.º 133-B/97, de 30 de Maio, que ressalva expressamente no n.º 2 do referido art.º 75º a vigência do Decreto Regulamentar n.º 14/81, de 7 de Abril, mais concretamente, afrontando as disposições contidas nos artigos 2º, 3º, 12º e 13º do Regulamento, na redação vigente e, bem assim, as normas contidas nos artigos 13º, 43º, 63º, 64º e 71º da Constituição da República Portuguesa, pelo que não pode manter-se.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e legalmente fundado, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-a por outra em que, julgando a ação procedente, condeno o Réu no pagamento da subvenção devida e omitida, a bem da JUSTIÇA!”

O aqui Recorrido não veio apresentar contra-alegações de Recurso.

Em 26 de abril de 2017 foi proferido Despacho de admissão de recurso (Cfr. fls. 204 Procº físico).

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 2 de junho de 2017 (Cfr, fls. 211 Procº físico), veio em 8 de junho de 2017 referir que “deverá a ação ser julgada procedente, concedendo-se provimento ao recurso”.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, importando verificar, designadamente, o suscitado “erro de julgamento e na aplicação do Direito”.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo considerou a seguinte factualidade:
A). Em 23.09.2013, a A. apresentou no Centro Distrital da Segurança Social de Aveiro, um requerimento de subsídio por frequência de estabelecimento de educação especial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta como beneficiário, o menor BMOA, e assinalado, no local do requerimento destinado a identificar o “Tipo de atendimento de que necessita”, o seguinte: “-externato; -apoio individual por professor especializado”. - fls. 1 e ss. do processo administrativo;
B). Do requerimento a que se reporta a alínea anterior, no campo relativo a “Certificado Médico”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, extrai-se o seguinte: “LMBC, portador da cédula profissional n.º …, emitida pela Ordem dos Médicos Coimbra, especialista em Neuropediatria, declara que no exercício da sua atividade profissional, observou BMOA, cuja identidade confirmou, tendo verificado que o mesmo é, desde _____/__/___, portador de deficiência, motivada por redução permanente de capacidade intelectual que determina o seguinte quadro:
Efeitos produzidos pela deficiência: Dificuldade de aprendizagem, dificuldade de compreensão de leitura, dificuldade do relacionamento social – timidez, défice de atenção;
Tipo de atendimento de que necessita: Apoio individual.
Condições em que o atendimento deve ser prestado e respetiva fundamentação: apoio psicológico.” - cfr. fls. 3 e ss. do processo administrativo;
C). Em 28.10.2013, o requerimento que antecede foi instruído com o Mod. RP 5020/2008-A-DGSS, denominado “Declaração do Estabelecimento de Ensino – Subsidio por Frequência de Estabelecimento de Educação Especial – Apoio Individualizado”, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e, donde se extrai o seguinte:
“3. ELEMENTOS RELATIVOS À DEFICIÊNCIA
3.1 Caracterização
PERTURBAÇÕES GRAVES (…) 2. Do comportamento
(…)
3.2 Especificação das perturbações graves
(…)
2. Aluno com dificuldades de atenção, concentração. É muito inibido e revela pouca capacidade de resistência à frustração. É muito inseguro, ansioso e apresenta pouca confiança em si.
(…)
4. CERTIFICAÇÃO DO ESTABELECIMENTO DE EDUCAÇÃO/ENSINO
- O aluno frequenta este estabelecimento (…)
- Os Serviços de Apoio ao estabelecimento de ensino não possuem no ano letivo de 2013/2014 os recursos para a implementação das medidas específicas necessárias identificadas no campo 3.
- Na área geográfica do Agrupamento de Escolas/Escola não Agrupada não existem os recursos específicos necessários ao aluno.
A presente declaração é válida pelo período de 2013/09/16 a 2014/06/13.” – cfr. fls. 11 e ss. do processo administrativo;
D). Em 10.10.2013, o Presidente do Conselho Executivo do Agrupamento de Escolas de Estarreja, exarou a seguinte informação: “No contexto do Decreto-Lei n.º 3/2008 de 7 de Janeiro, alterado pela Lei 21/2008 de 12 de Maio e em complemento da informação constante no formulário RP 5020-A-DGSS, informa-se que o(a) a aluno(a) BMOA, nascido a 21/08/00:
(…)
2.ªNão está referenciado(a) como aluno(a) com necessidades educativas especiais de carácter permanente, nem está abrangido(a) pelas medidas educativas do Decreto-Lei n.º 3/2008 de 7 de Janeiro, alterado pela Lei 21/2008 de 12 de Maio.
3ª Observações
Criança com distúrbios emocionais, baixa auto estima e pouca iniciativa. O seu problema reflete-se negativamente na sua aprendizagem escolar pelo que necessita de apoio psicológico.” – cfr. fls. 12 do processo administrativo;
E). Em 24.10.2013, foi apresentada, junto do R., uma «declaração da entidade educadora», cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, emitida em 16.09.2013, por “Jogo Colorido – Gabinete Terapêutico Unipessoal, Lda.”, da qual se extrai, além do mais, o seguinte:
“(…) Utente: BMOA
(…)
Ano letivo de 2013/2014 e irá pagar mensalmente €280.00
Apoio Individual Prestado
Professor ou Técnico Especializado
Duração de cada sessão
Preço de cada sessão
Psicologia
Vionica Alieh
50 min
70€

Referente ao(s) seguinte(s) apoio(s) individual e especializado:
(…)
(…).” - cfr. fls. 13 e ss. do processo administrativo;
F). Em 05.02.2014, a Delegada Regional de Educação do Centro, remeteu um oficio aos Serviços do Réu, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e, do qual consta, além do mais, que: “(…) os documentos relativos aos alunos constantes na listagem em baixo foram devolvidos aos respetivos estabelecimentos de ensino por não poderem ser considerados nem validados, em virtude daqueles alunos não se encontrarem abrangidos pelo Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro”, sendo que na referida listagem consta o nome do menor BMOA. - cfr. fls. 17 e ss. do processo administrativo;
G). Em 01.07.2014, os Serviços do Réu, com referência ao requerimento da A. identificado na alínea A) supra, exararam a seguinte «informação»: “Propõe-se o indeferimento do requerimento, com base nos seguintes fundamentos:
A criança/jovem supra identificada não possui comprovada redução permanente de capacidade física, motora, orgânica, sensorial ou intelectual, que necessite de meio específico de apoio educativo habilitativo com vista a uma integração social e educacional, não exigindo a deficiência identificada, no plano social e pedagógico, o recurso a apoio individual por professor especializado (n.º 1 do artigo 2.º do Decreto Regulamentar n.º 14/81, de 7 de Abril, alterado pelo Decreto-Regulamentar n.º 19/98, de 14 de agosto).
Mais se propõe que se proceda à:
· Audiência do interessado nos termos do artigo 100.º e seguintes do CPA, notificando-o de que na falta de resposta no prazo de 10 dias úteis a contar da data da notificação, o requerimento é indeferido, considerando-se a data do indeferimento o 1.º dia útil ao do termo do referido prazo;
· Comunicação dos respetivos prazos de reclamação e recurso. (…)” - cfr. fls. 29 do processo administrativo;
H). Com data de 02.07.2014, foi endereçado ao A. o ofício n.º 109630, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, a informação a que se reporta a alínea anterior e, notifica a A. para, querendo, se pronunciar. - cfr. fls. 30 do processo administrativo;
I). Em 23.07.2014, o A. apresentou uma exposição em resposta ao ofício a que se reporta a alínea anterior, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e, onde reitera o pedido de concessão do subsídio e requer:
“(…) - a identificação nominal do responsável pelo diagnóstico que sustenta a notificação enviada por V.Ex.ª;
- cópia do parecer do médico especialista/equipa multidisciplinar, com indicação dos recursos utilizados para realização do mesmo;
- data de realização da avaliação do BMOA, se tal ocorreu; (…)”. - cfr. fls. 31 a 33 do processo administrativo;
J) Em 14.11.2014, a Diretora do Núcleo de Prestações Familiares e de Solidariedade, dos Serviços do Réu, proferiu «despacho», cujo teor aqui se dá por reproduzido, do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…) O beneficiário supra indicado formulou, em 23.09.2013, pedido de atribuição de Subsidio de Educação Especial (SEE), prestação mensal prevista no Decreto-Lei n.º 133-B/97, de 30 de Maio.
Decorre do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 2.º do Decreto-Regulamentar n.º 14/81, de 7 de Abril, alterado pelo Decreto Regulamentar n.º 19/98, de 14 de agosto, que o reconhecimento do direito a esta prestação depende de apresentação de declaração passada pelo estabelecimento de ensino que a criança/jovem frequenta, atestando que não dispõe de recursos, facto que impõe a prévia avaliação, nos termos definidos pelo Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro, alterado pela Lei n.º 21/2008, de 12 de maio.
Em 02.07.2014 foi o requerente notificado da intenção de não atribuição do SEE com fundamento no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Regulamentar n.º 14/81, de 7 de abril, alterado pelo Decreto Regulamentar n.º 19/98, de 14 de agosto informando-se também, os prazos legais definidos em CPA.
Em sede de audiência prévia veio o requerente apresentar as suas alegações, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, fazendo parte do presente despacho.
Apreciadas as alegações oferecidas não é alterado o sentido da decisão indeferindo-se a atribuição do Subsidio de Educação Especial por se verificar que criança/jovem supra identificado não possui comprovada redução permanente de capacidade física, motora, orgânica, sensorial ou intelectual, que necessite de meio especifico de apoio educativo habilitativo com vista a uma integração social e educacional, não exigindo a deficiência identificada, no plano social e pedagógico, o recurso a apoio individual por professor especializado (n.º 1 do artigo 2.º do Decreto Regulamentar n.º 14/81, de 7 de abril, alterado pelo Decreto Regulamentar n.º 19/98, de 14 de agosto).
Notifique-se nos termos do CPA.
(…)” - cfr. fls. 36 do processo administrativo;
K). Com data de 24.11.2014, os Serviços do Réu endereçaram um ofício à A., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, com a decisão a que se reporta a alínea anterior. - cfr. fls. 37 e 38 do processo administrativo).
L). O teor da «declaração de rendimentos – IRS / Modelo 3» referente ao ano de 2012, apresentada pela A., que aqui se dá por integralmente reproduzida. – cfr. fls. 5 a 7 do processo administrativo.
M). Em 25.01.2015, a A. apresentou em juízo, através do «SITAF», a petição inicial desta lide. – cfr. fls. 1 dos autos (suporte físico);

IV – Do Direito
À semelhança do efetuado no acórdão que relatámos nº 131/15BEAVR, de 13 de janeiro de 2017, previamente à análise que se fará do suscitado, enquadrar-se-á normativamente a controvertida situação.

Desde logo, o Decreto-Lei n.º 170/80, de 29 de Maio instituiu o Subsídio de Educação Especial, referindo no seu artigo 1º, sob a epígrafe “Âmbito quanto às prestações”, que “A proteção à infância e juventude e à família concretiza-se, nomeadamente, pela concessão, entre outras, das seguintes prestações pecuniárias: abono de família, abono complementar a crianças e jovens deficientes, subsídio mensal vitalício e subsídios de nascimento, de aleitação, por frequência de estabelecimentos de educação especial, de casamento e de funeral.”

Refere-se, por outro lado, no ponto 5 do preâmbulo do referido diploma, que se aproveita “a ocasião para institucionalizar o subsídio pela frequência de estabelecimentos de educação especial. Embora com este título, o seu conteúdo é ainda mais amplo, visto que não corresponde apenas à situação típica do deficiente que frequenta ou está em condições de frequentar estabelecimentos de reeducação pedagógica, mas a situações atípicas de apoio pedagógico e terapêutico, domiciliário.”

Refere ainda o artigo 5º do mesmo Decreto-Lei que “O abono complementar a crianças e jovens deficientes é concedido até aos 24 anos aos descendentes ou equiparados do trabalhador ou do cônjuge que, por razões de lesão, deformidade ou doença, congénita ou adquirida, estejam em alguma das situações seguintes:
a) Necessitem de atendimento individualizado específico de natureza pedagógica ou terapêutica;
b) Frequentem, estejam internados ou em condições de frequência ou de internamento em estabelecimentos de educação especial;
c) Possuam uma redução permanente de capacidade física, motora, orgânica, sensorial ou intelectual que os impossibilite de prover normalmente à sua subsistência ao atingirem a idade de exercício de atividade profissional”.

Também se refere no artigo 9º do mesmo diploma, ao instituir o Subsídio pela frequência de estabelecimento de educação especial, que “A compensação de encargos com a frequência, pelos descendentes ou equiparados, de estabelecimentos de educação especial que impliquem pagamento de mensalidades é realizada mediante a concessão de subsídios em regime de comparticipação de despesas, nos montantes e condições a fixar em regulamento próprio”, mais se referindo no n.º 3 que “É equivalente à frequência de estabelecimento de educação especial, em condições e nos valores de comparticipação a definir igualmente em regulamento, o apoio domiciliário de natureza docente e terapêutica prestado mediante prescrição médica a crianças e jovens cuja deficiência imponha ou aconselhe esse tipo de orientação”.

Correspondentemente veio a ser publicado o Decreto Regulamentar 14/81 alterado pelo Decreto Regulamentar 19/98, em vigor até há pouco tempo, o qual referia no seu artigo 2º que “Conferem direito ao subsídio as crianças e jovens de idade não superior a 24 anos que possuam comprovada redução permanente de capacidade física, motora, orgânica, sensorial ou intelectual, e que a seguir se designam apenas por deficientes, desde que por motivo dessa deficiência se encontrem em qualquer das seguintes situações:
a) Frequentem estabelecimentos de educação especial que impliquem o pagamento de mensalidade;
b) Careçam de ingressar em estabelecimento particular de ensino regular, após a frequência de ensino especial, por não poderem ou deverem transitar para estabelecimentos oficiais ou, tendo transitado, necessitem de apoio individual por professor especializado;
c) Sejam portadores de deficiência que, embora não exigindo, por si, ensino especial, requeiram apoio individual por professor especializado;
d) Frequentem creche ou jardim-de-infância normal como meio específico necessário de superar a deficiência e obter mais rapidamente a integração social.”

Nos termos do artigo 3º do referido Regulamento, a redução permanente da capacidade física, motora, orgânica, sensorial ou intelectual será determinada por declaração de médico especialista comprovativa desse estado, devendo tal declaração indicar fundamentadamente o atendimento necessário ao deficiente.

Como resulta dos artigos 12º e 13º do Regulamento citado, o requerimento para atribuição de tal subsídio seria instruído com a referida declaração médica, sendo a emergente subvenção paga aos encarregados de educação do deficiente ou diretamente ao estabelecimento.

Com a revogação do Decreto-Lei n.º 170/80, de 29 de Maio foi, no entanto, ressalvado expressamente que o Decreto Regulamentar n.º 14/81, de 7 de Abril se manteria em vigor.

Posteriormente, veio a ser publicado o Decreto-Lei nº 176/2003, de 2 de Agosto, que derrogou parcialmente o Decreto-Lei n.º 133-B/97 e o Decreto-Lei n.º 160/80, designadamente no que concerne às prestações de “abono de família para crianças e jovens”.

Mais recentemente veio a ser publicada a Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro, que aprovou as bases gerais do sistema de segurança social, a qual relativamente ao subsistema de proteção familiar, tendia a assegurar a compensação de encargos familiares acrescidos resultantes dos “encargos no domínio da deficiência” (art.º 46.º al. b)), enunciando que esta se concretiza “através da concessão de prestações pecuniárias” (art. 48.º n.º 1) e que “é suscetível de ser alargada, de modo a dar resposta a novas necessidades sociais (…) bem como às que relevem, especificamente, dos domínios da deficiência (…)” (art. 48.º n.º 2).

Finalmente, o Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro, veio atualizar a disciplina prevista no revogado Decreto-Lei nº 319/91, de 23 de Agosto, relativo aos apoios especializados a prestar na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário dos sectores público, particular e cooperativo.

A sucessão normativa, com derrogações parciais de diplomas e manutenção em vigor de normas de precedentes diplomas, evidência alguma inconstância legislativa, dificultando a interpretação do regime vigente em cada momento.

Em qualquer caso, importa encontrar um fio condutor do pensamento legislativo vigente, por forma a decidir a questão aqui controvertida.

Desde logo e em concreto, o indeferimento da pretensão requerida, resultou simplisticamente do facto dos serviços da Segurança Social terem entendido que "A criança/jovem supra referenciada não possui comprovada redução permanente de capacidade física, motora, orgânica, sensorial ou intelectual que necessite de meio específico de apoio educativo habilitativo com vista a uma integração social e educacional, não exigindo a deficiência identificada, no plano social e pedagógico, o recurso a apoio individual por professor especializado (n.º 2 do artigo 2.º do decreto regulamentar n. 14/81, de 7 de Abril, alterado pelo decreto regulamentar n.' 19/98, de 14 de Agosto".

Como resulta obrigatório, a aqui Recorrente juntou ao seu processo tudo quanto era suposto, designadamente certificação médica de Especialista em Neuropediatria, que declara ter observado BMOA, tendo verificado que o mesmo é portador de deficiência, motivada por redução permanente de capacidade intelectual que determina o seguinte quadro:
“Efeitos produzidos pela deficiência: Dificuldade de aprendizagem, dificuldade de compreensão de leitura, dificuldade do relacionamento social – timidez, défice de atenção;
Tipo de atendimento de que necessita: Apoio individual.”

No mesmo sentido, aponta o Parecer da Escola frequentada pelo menor, a qual afirma que o mesmo sofre de perturbações graves, mais se afirmando que tem “dificuldades de atenção, concentração. É muito inibido e revela pouca capacidade de resistência à frustração. É muito inseguro, ansioso e apresenta pouca confiança em si.”

Mais se afirma que “o aluno frequenta este estabelecimento (…)” e que “os Serviços de Apoio ao estabelecimento de ensino não possuem no ano letivo de 2013/2014 os recursos para a implementação das medidas específicas necessárias…”

Refere-se finalmente que “na área geográfica do Agrupamento de Escolas/Escola não Agrupada não existem os recursos específicos necessários ao aluno.”

Dito e declarado isto, mal se compreende como o Presidente do Conselho Executivo do Agrupamento de Escolas de Estarreja, declare que estamos perante uma “Criança com distúrbios emocionais, baixa auto estima e pouca iniciativa”, mais referindo que “o seu problema reflete-se negativamente na sua aprendizagem escolar pelo que necessita de apoio psicológico”, para depois concluir, contraditoriamente, assinalando um campo pré-preenchido, que o aluno “não está referenciado como aluno com necessidades educativas especiais de carácter permanente, nem está abrangido pelas medidas educativas do Decreto-Lei n.º 3/2008 de 7 de Janeiro, alterado pela Lei 21/2008 de 12 de Maio”

Tendo o identificado menor recebido já no ano anterior, o subsidio ora recusado, mal se compreende como possa o mesmo não estar referenciado.

Como resulta sumariado no Acórdão do STA nº 0224/04, de 19-10-2004, “I - Para efeitos do Decreto Regulamentar n.º 14/81, de 7 de Abril, a determinação da natureza da deficiência e do atendimento necessário da criança ou jovem é realizada por declaração de médico especialista (artigo 3.º);
II - No caso de a criança ou jovem frequentar estabelecimento de ensino regular a concessão de "subsídio de educação especial" depende de declaração passada pelo respetivo estabelecimento de ensino comprovativa de que o apoio individual necessário ao mesmo não lhe é garantido pela escola (artigo 2.º, n.º 2, red. DR n.º 19/98, de 14.8.);
III - O estabelecimento de ensino, deve, pois, em função da natureza da deficiência e do apoio necessário indicados pelo médico especialista passar aquela declaração se não estiver em condições de garantir o apoio exigido;”

Na situação em apreciação, mostram-se preenchidos os requisitos/pressupostos referidos no precedentemente citado acórdão do STA.

Não deixa de ser extraordinário que a Segurança Social, tenha afirmado conclusivamente, sem qualquer fundamentação acrescida ou tecnicamente assente em parecer clínico, que “a criança/jovem supra referenciada não possui comprovada redução permanente de capacidade física, motora, orgânica, sensorial ou intelectual que necessite de meio específico de apoio educativo habilitativo com vista a uma integração social e educacional, não exigindo a deficiência identificada, no plano social e pedagógico, o recurso a apoio individual por professor especializado (n.º 2 do artigo 2.º do decreto regulamentar n. 14/81, de 7 de Abril, alterado pelo decreto regulamentar n.º 19/98, de 14 de Agosto o que parece ter resultado de pressupostos meramente economicistas.

Estamos pois manifestamente perante um de vício de erro nos pressupostos de facto e de violação de lei.

O erro nos pressupostos de facto constitui uma das causas de invalidade do ato administrativo, consubstanciando um vício de violação de lei que configura uma ilegalidade de natureza material, pois "neste caso, é a própria substância do ato administrativo, é a decisão em que o ato consiste, que contraria a lei. A ofensa não se verifica aqui nem na competência do órgão, nem nas formalidades ou na forma que o ato reveste, nem no fim tido em vista, mas no próprio conteúdo ou no objeto do ato" - Freitas do Amaral, "Curso de Direito Administrativo", 4ª Reimpressão, Vol. II, pag. 390.

Tal vício consiste, por conseguinte, na divergência entre os pressupostos de que o autor do ato partiu para emanar a decisão administrativa final e a sua efetiva verificação na situação em concreto, resultando do facto de se terem considerado na decisão administrativa factos não provados ou desconformes com a realidade, isto é os fundamentos da motivação do ato em causa não existiam ou não tinham a dimensão que foi por ele suposta - cfr. acórdãos do STA de 10-05-2000, Proc.° n.° 44191, de 18-01-2001, Proc.° n.° 45271.

Mais se refere no identificado Acórdão que: "Em termos gerais, sem preocupações de integração categorial na teoria dos vícios, o erro nos pressupostos de facto é o vício do ato administrativo que consiste na (ou resulta da) representação errónea de elementos materiais relevantes para a decisão, ou seja, o que resulta da consideração pela Administração de factos materialmente inexistentes ou erroneamente apreciados. A sua procedência exige a demonstração de desconformidade entre a realidade e a ideia que sobre ela a Administração formou para decidir o que decidiu".

No que respeita já ao procedimento adotado, tendo a Autora, pelo menos no ano imediatamente anterior àquele que aqui está em causa, adotado idênticas diligências (ano letivo de 2012/2013), tendo o então requerido merecido decisão favorável, mais se exigiria que perante a inflexão decisória por parte do ISS IP, tal se mostrasse acrescidamente justificado, que não através de uma decisão meramente conclusiva, desacompanhada de qualquer parecer clínico que contrariasse aquele que foi apresentado pela aqui Recorrente.

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Pelas conclusões a que se chegou, mostra-se inútil e prejudicada a análise dos restantes vícios invocados no Recurso Jurisdicional apresentado, designadamente no que concerne à invocada inconstitucionalidade.
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Deste modo, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, conceder provimento ao Recurso, mais se julgando procedente a Ação.
Custas pela Entidade Recorrida

Porto, 4 de outubro de 2017
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Luís Migueis Garcia