Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01135/14.8BEPRT-A
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:08/31/2015
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Hélder Vieira
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR; INFARMED
FUMUS BONI IURIS
Sumário:I — A verificação do fumus boni iuris a que alude a alínea a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA depende da evidência da procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal.
II — Um dos planos susceptíveis de revelar essa evidência é o da manifesta ilegalidade do acto em causa.
III — Se a evidência da procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal vier suscitada por via da manifesta ilegalidade do acto em causa, abalado o carácter manifesto da invocada ilegalidade, aluída se queda a evidência reclamada pelo disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA.
IV — Na verdade, a qualidade de cognição exigida pelo artº 120º, nº 1, alínea a), do CPTA para o fumus boni iuris imposta pela expressão “quando seja evidente a procedência da pretensão formulada” é de máxima intensidade e essa evidência resultará da cognição sumária, no processo cautelar, das circunstâncias de facto e consequente juízo subsuntivo na lei aplicável, de que resulte a irrefragável conclusão de procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:JPL
Recorrido 1:INFARMED – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu perecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I – RELATÓRIO
Recorrente: JPL
Recorrido: INFARMED – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP
Contra-interessada: MJRL

Vem interposto recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou “improcedente o presente processo cautelar”, no qual foi requerida providência cautelar de suspensão da eficácia do acto de homologação da lista de classificação final dos candidatos admitidos ao concurso público para a instalação de uma nova farmácia no lugar de PF, concelho de E....

O objecto do recurso é delimitado pelas seguintes conclusões da respectiva alegação(1):

A. «Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida no dia 16 de Março de 2015, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, no âmbito da providência cautelar que o Requerente, ora Recorrente, requereu contra o INFARMED – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P. (doravante, “INFARMED”), a qual tinha como objecto a suspensão de eficácia do acto de homologação da lista de classificação final dos candidatos admitidos, praticado pelo Conselho Directivo do INFARMED, ao concurso público para a instalação de uma nova farmácia no lugar de PF, freguesia de PF, concelho de E..., aberto por meio do Aviso n.º 7968-V/2001, publicado no Diário da República II Série, no dia 15 de Junho de 2001.

B. Sucede que, não obstante a factualidade exposta pelo ora Recorrente, o Tribunal a quo, perante a alegada “avaliação do peso relativo dos interesses e, confronto”, concluiu pela não adopção da providência.

C. A sentença assim proferida não pode ser mantida por duas razões essenciais:

a) O Tribunal a quo considerou não ser esta sede cautelar o momento oportuno para analisar – ainda que de modo perfunctório - a questão essencial do processo em que assenta o direito invocado pelo Requerente: a demonstração de que o acto suspendendo é manifestamente ilegal porque não apreciou / valorou o critério da residência do Requerente no âmbito ao concurso público para a instalação de uma farmácia no lugar e freguesia de PF, concelho de E..., relegando, portanto, a apreciação desta questão fundamental para o processo principal, quando tinha tudo - até mesmo a garantia da manutenção do interesse público - para suspender cautelarmente a decisão manifestamente ilegal do Infarmed;

b) O Tribunal a quo considerou que os prejuízos alegados pela Contra-Interessada seriam mais relevantes do que os do Requerente, partindo do pressuposto errado - porque, desde logo, ilegal - de que a abertura da Farmácia da Contra-Interessada não conduz, necessariamente, ao encerramento da Farmácia do Requerente, como se ambas as farmácias pudessem continuar a coexistir, além do mais, no mesmo edifício, uma ao lado da outra e, portanto, a uma distancia de menos de 350 metros.

D. O douto Tribunal a quo, com o devido respeito, não constatou o evidente: a efectiva verificação dos pressupostos da providência cautelar, pelo que não concedeu a providência.

E. Nos termos do critério de decisão constante da alínea a) do n.º 1, do artigo 120.º, do CPTA, e sem prejuízo do disposto nos números seguintes daquele artigo, as providências cautelares são adoptadas: “Quando seja evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, designadamente por estar em causa a impugnação de acto manifestamente ilegal, de acto de aplicação de norma já anteriormente anulada ou de acto idêntico a outro já anteriormente anulado ou declarado nulo ou inexistente;

F. Como resultou inequívoco da prova produzida (documentos e testemunhas) o Recorrente reside em E... com carácter de permanência desde, pelo menos, 1998, ano em que foi admitido como farmacêutico adjunto na Farmácia M...!

G. Aliás conforme ficou provado nos autos, o Recorrente trabalhou no Porto, na Farmácia G... entre 01.09.1991 (quando terminou o curso de Farmácia) até 31.11.1997, como Farmacêutico Adjunto.

H. Tendo sido admitido, como Farmacêutico Adjunto, na Farmácia M... em 01.03.1998, o Requerente passou a exercer funções de Director Técnico dessa mesma Farmácia, em 01.01.2001, na sequência do falecimento Dr. JNMCA, sendo que, em virtude de doença prolongada do Dr. JNMCA, há muito que o Requerente exercia, de facto, as funções de Director Técnico da Farmácia M..., desde 1998.

I. Como resultou igualmente da prova testemunhal produzida, é em E... que se encontrava e encontra o centro da vida do Requerente: onde trabalhava, pernoitava, fazia refeições, tinha a sua família e amigos, fazia as suas compras e todo o seu dia-a-dia.

J. Relativamente à questão da execução pelo INFARMED, da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, confirmada por acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, tal sentença não tinha por efeito que ao Requerente não pudessem ser atribuídos quaisquer pontos por referência ao critério “Residência Habitual”.

K. Com efeito, a referida sentença nada refere – nem podia referir – quanto aos pontos que devem – ou não – ser atribuídos ao referido candidato pela sua residência habitual em E....

L. Nessa medida, se e na medida em que o Requerente demonstrasse junto do procedimento administrativo, através dos meios de prova admitidos por lei, que residia habitualmente no Concelho de E... há pelo menos 1 ano antes do concurso em causa, deveria o INFARMED decidir nessa conformidade.

M. Considera, aliás, o Tribunal a quo, a este respeito que “não salta à vista que o INFARMED teria que atribuir, em fase de execução, “0” pontos ao Candidato – ora Requerente – pelo aludido critério. Não é líquido que assim seja, desde logo, porque o Tribunal não o afirmou –nem tinha que o fazer”.

N. Face à matéria factual que, assim, resultou evidentemente comprovada, impunha-se ao Tribunal a mera constatação da evidente a procedência da acção principal.

O. Em suma, encontrando-se reunidos os requisitos de concessão da providência cautelar ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA, por ser “evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, designadamente por estar em causa a impugnação de acto manifestamente ilegal”;

P. Sucede que, o douto Tribunal a quo, quanto à questão central da apreciação do critério da residência do Requerente e que constitui o fundamento do seu pedido de suspensão de eficácia do acto de homologação praticado pelo Infarmed, pese embora toda a matéria de facto que deu como provada e que lhe permitiria decidir de modo diverso, optou por não retirar nenhuma conclusão, o que se impunha.

Q. Nessa sequência, o douto Tribunal a quo andou mal quando concluiu, então, pela não verificação do requisito do fumus boni iuris, de necessária verificação para a concessão da providência ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA.

R. Ainda requereu o Requerente a concessão da providência cautelar ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA. Ora, da análise da sentença recorrida, constata-se que o douto Tribunal a quo parece concluir pela verificação do chamado “fumus non malus iuris” quando refere não ser manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou à existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito.

S. No que ao preenchimento do periculm in mora diz respeito, pese embora o Tribunal tenha reconhecido “que está preenchido o requisito do periculm in mora, exigido pela alínea b) do artigo 120.º do CPTA, na vertente do «fundado receio na produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente cautelar visa assegurar no processo principal »”, uma vez que a concessão da providência está dependente da ponderação imposta pelo n.º 2 do artigo 120.º do CPTA, concluiu, a contrario que, “a avaliação do peso relativo dos interesses em confronto, dos quais se destaca os da Contra-Interessada, recomenda a não adopção da providência”.

T. E concluiu dessa forma porque partiu do pressuposto errado de que a abertura da Farmácia da Contra-Interessada não acarreta o encerramento da Farmácia do Requerente, como se fosse legalmente possível a coexistência de duas farmácias, lado a lado, a menos de 350 metros.

U. Ora, independentemente de a acção cautelar sub judice ter por objecto um acto que reconduzirá, efectivamente, à abertura de uma nova farmácia, é evidente que a abertura dessa farmácia acarretará, inevitavelmente, o encerramento da Farmácia do Recorrente.

V. Pelo que, atento o facto de estarmos perante um concurso público para a instalação de apenas uma farmácia a atribuir a um só concorrente, bem como a imposição legal consagrada nos termos do número 1 do artigo 2.º da Portaria n.º 352/2012, de 30 de Outubro relativa à necessidade de as farmácias distarem 350 metros entre si, é forçoso concluir que a abertura da farmácia da Contra-Interessada acarreta, necessariamente, o encerramento da farmácia do Recorrente com todas as consequências já anteriormente abordadas.

W. Assim sendo, é evidente que não está aqui apenas em causa o apuramento de eventuais prejuízos resultantes da abertura de uma nova farmácia no mesmo edifício da farmácia do Recorrente, uma vez que não existe qualquer viabilidade de coexistência da farmácia do Requerente e da Farmácia da Contra-Interessada.

X. A realidade é só uma: a eventual abertura da farmácia da Contra-Interessada tem como efeito o encerramento da Farmácia do Recorrente, uma vez que as mesmas são incompatíveis, e sendo essa a realidade, é evidente que mal andou o Tribunal ao concluir como concluiu, ou seja, que os prejuízos alegados pela Contra-Interessada são mais relevantes e dignos de protecção.

Y. Resultou inequívoco da prova testemunhal produzida que o rendimento disponível que o Recorrente tem decorre, hoje, em exclusivo, da exploração da referida farmácia que lhe foi legalmente atribuída, pelo que, caso o Recorrente se visse impossibilitado de continuar explorar a farmácia em causa, ficaria numa situação económica particularmente difícil, bem como o seu agregado familiar.

Z. Sendo certo que, mesmo que, a final, venha a ser concedida razão ao Recorrente, durante o período de tempo que mediar até uma decisão final, produzir-se-ão não só evidentes prejuízos graves para o Recorrente, mas, principalmente, consolidar-se-á uma situação de facto consumado de tal forma que a sentença que venha eventualmente a ser proferida, ainda que favorável ao Requerente, esvaziar-se-á de qualquer eficácia prática.

AA. O que permite concluir que se encontra, efectivamente, preenchido o requisito do periculum in mora, resultante da alínea b) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA pelo facto de, evidentemente, haver “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal”.

BB. Sucede que não está aqui em causa saber se existe ou não periculum in mora. Aliás, veja-se que esse perigo é de tal forma evidente que o Tribunal concluiu pela sua existência, mesmo partindo do pressuposto errado de que a Farmácia do Recorrente não iria ser encerrada.

CC. Ora, não se venha dizer que ao alegado “perigo” vivenciado pela Contra-Interessada seja maior, como, salvo o devido respeito, faz o douto Tribunal. O perigo do Recorrente é bem maior e exponencial, mostrando-se muito mais evidente do que qualquer outro.

DD. Todo o investimento que a Contra-Interessada fez, fê-lo por sua conta e risco, sem qualquer expectativa legítima e digna de protecção.

EE. Se a Contra-Interessada até agora fez investimentos – ainda que não cautelosos –, caso a providência cautelar não seja concedida terá de continuar a fazer investimentos e vai endividar-se cada vez mais e mais. No final, se, face à patente ilegalidade do acto, este for revogado, a Contra-interessada ficará na mesma situação de eminente ruína em que está o ora Recorrente.

FF. Salvo o devido o respeito, que é muito, também não andou bem o Tribunal ao considerar que “o interesse público não sai minimamente beliscado com qualquer que seja o sentido da decisão cautelar”.

GG. Pois resultou evidente, em face da prova testemunhal produzida, que o Recorrente tem uma relação privilegiada com a população com a qual se encontra em contacto directo no balcão da farmácia, relação essa que faz com que o Requerente se voluntarie para levar os seus serviços farmacêuticos para fora das portas da farmácia.

HH. Falamos de entregas gratuitas de medicamentos ao domicílio, da prestação de cuidados básicos de saúde gratuitos, não esquecendo que se trata de um meio rural, em que a localização das residências dos seus utentes é, por vezes, de difícil acesso, em que muitos utentes estão incapacitados / têm dificuldades de locomoção (v. pág. 27 da sentença).

II. Este capital de confiança do Recorrente não poderia ter sido desvalorizado, ou melhor, teria, necessariamente, que ser valorizado e devidamente ponderado na tomada da decisão de decretamento da providência, tendo em conta o interesse público que lhe está subjacente.

JJ. Não pode ignorar-se também que a cessação da exploração da farmácia implicará que o Recorrente se veja obrigado a lançar os seus trabalhadores no desemprego, cfr. EE) dos factos assentes.

KK. Em face de tudo o exposto, salvo o devido respeito, que é muito, é manifesto o lapso incorrido pelo douto Tribunal a quo, ao decidir no sentido em que decidiu, devendo a providência cautelar ter sido concedida ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA ou, ainda que assim não se entendesse, ao abrigo da alínea b) do mesmo preceito, por se mostrar evidente a reunião dos necessários pressupostos para o efeito.

LL. Ao decidir diferentemente, a sentença recorrida não poderá ser mantida.

Termos em que o presente recurso deverá ser julgado totalmente procedente e, em consequência, ser revogada a Sentença proferida pelo Tribunal a quo, sendo substituída por outra que decrete a providência cautelar requerida, uma vez verificados os pressupostos da sua concessão.».

O Recorrido INFARMED contra-alegou, em termos que se dão por reproduzidos, e, tendo formulado conclusões, aqui se vertem: termos do artigo 143.º/5 o CPTA, porquanto, tal como aconteceu em primeira instância, o

1ª. «Ao presente recurso não pode ser fixado efeito suspensivo nos Recorrente não demonstrou que teria prejuízos com a fixação de efeito meramente devolutivo.

2ª. Em consequência, o ora Recorrente também não demonstrou que a fixação de efeito meramente devolutivo ao presente recurso lhe trará prejuízos superiores do que aqueles que sofrerão o interesse público e a Contrainteressada se for fixado efeito suspensivo.

3ª. Sendo que, da prova assente nos presentes autos resulta inequívoco que a Contrainteressada entrará em situação de insolvência se não abrir a sua farmácia assim que possível, isto é, entrará em insolvência se for fixado efeito suspensivo ao presente recurso.

4ª. Contrariamente ao alegado, o Recorrente não provou qualquer facto que permitisse ao Tribunal a quo julgar verificado os requisitos do periculum in mora e da verificação de interesses.

5ª. De facto, e como bem referiu o douto Tribunal a quo, o Recorrente "alegou prejuízos de forma bastante genérica, não tendo, aliás, sido produzida qualquer prova sobre este ponto".

6ª. Acresce que as testemunhas arroladas pelo Recorrente, para além de não terem conhecimento concreto da situação comercial e económica da farmácia do mesmo, produziram depoimentos incoerentes e incongruentes e assentaram os seus depoimentos com base em opiniões pessoais e não em factos.

7ª. Ou seja, o Recorrente não cumpriu com o seu ónus de provar os factos que alegou.

8ª. O douto Tribunal a quo nunca poderia ter decretado a providência requerida com base no artigo 120.º/1/a) do CPTA, uma vez que o ato suspendendo não padece de qualquer vício, tendo sido proferido ao abrigo dos artigos 158.º e 173.º/1 do CPTA.

9ª. Ou seja, contrariamente ao alegado pelo Recorrente, o ato suspendendo tinha conteúdo vinculado por decisão judicial transitada em julgado, não podendo o INFARMED classificar o Recorrente em 1.º lugar do concurso procedimental ora em causa com base no critério residência.

10ª. Da prova (não) produzida resultou inequívoco que in casu não estavam reunidos os pressupostos para que o douto Tribunal a quo julgasse verificado o requisito do periculum in mora.

11ª. Todavia, sempre se diga que teria sido fácil ao Recorrente provar os factos que alegou para a verificação do periculum in mora, através da apresentação da sua declaração de rendimentos e dos documentos contabilísticos da sua farmácia, sendo que não pode deixar de ser devidamente valorada essa não apresentação.

12ª. Por fim, é também evidente que não estavam reunidos os pressupostos para que o douto Tribunal a quo julgasse verificado o requisito da ponderação de interesses, já que ficou absolutamente provado que a Contrainteressada entrará em insolvência se não abrir a sua farmácia assim que possível.

NESTES TERMOS,

Deve ser negado provimento ao recurso interposto pelo Recorrente, mantendo-se a douta sentença recorrida, com as legais consequências.».

A Contra-interessada contra-alegou, em termos que se dão por reproduzidos, e, tendo formulado conclusões, aqui igualmente se vertem:

A. «As ilegalidades invocadas pelo Recorrente não são de molde a enquadrarem-se no conceito de ilegalidade manifesta porque, considerando as alegações formuladas, essa conclusão sempre exigiria uma tarefa de análise jurídica incompatível com exigência da alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA.

B. Andou bem a decisão recorrida ao concluir que não há ilegalidade manifesta porque o ato suspendendo sempre se haveria de conformar com a matéria de facto cristalizada na processo judicial anterior, pelo que, como é jurisprudência deste Tribunal de recurso, sendo evidente a razão da anulação, o Requerido INFARMED não podia deixar de dar cumprimento à sentença, o que reforça a conclusão, tirada na Sentença recorrida, de que não há qualquer ilegalidade manifesta.

C. O Tribunal a quo não decidiu – porque não podia, sob pena de violação de caso julgado – que o Recorrente reside desde 1998 em E..., improcedendo a alegação do Recorrente.

D. A Sentença recorrida andou bem ao decidir que a não concessão da providência não lesa qualquer interesse público.

E. Por outro lado e como decidiu o Tribuna a quo, os danos que adviriam para a Contrainteressada da não concessão da providência seriam, em face do endividamento em que incorreu com os procedimentos de instalação da farmácia, bastante elevados – e claramente superiores aos do Requerente – se fosse a instalação da farmácia suspensa.

F. O argumento avançado pelo Recorrente no sentido de que a abertura da farmácia pela Contrainteressado implica o encerramento da sua, é rotundamente falso, tendo andado bem o Tribunal a quo ao decidir nesse sentido.

G. Andou também bem a Sentença recorrida ao não considerar que o investimento feito pela Contrainteressada fosse o resultado de qualquer imprudência, pois ele é, de facto, o resultado da confiança nas decisões dos tribunais e da sua execução pela entidade administrativa requerida e, bem assim, da necessidade de assegurar o cumprimento de prazos legais inerentes à instalação da farmácia (sob pena de caducidade do direito a fazê-lo).».

Deduziu ainda a Contra-interessada MJRL pedido de ampliação do recurso, em termos que se dão por reproduzidos e, tendo formulado conclusões nessa matéria, aqui se vertem:

« CONLUSÕES RELATIVAS À AMPLIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

H. Apesar de ter andado bem em vários outros pontos a Sentença recorrida errou a não considerar a verificação da exceção da inimpugnabilidade do ato suspendendo e ao considerar provado o requisito do periculum in mora.

I. Porque assim é impõe-se à Recorrida prevenir, na hipótese de a apelação vir a ser julgada procedente – o que não se consente e apenas por mera de hipótese de raciocínio se admite –, a apreciação nos fundamentos em que decaiu.

J. Errou, então, a Sentença recorrida ao entender que o ato suspendendo veio definir uma situação jurídica, uma vez que, como o próprio Tribunal a quo admite, a matéria de facto está cristalizada no julgado anulatório prévio.

K. Errou a Sentença recorrida ao não seguir a jurisprudência firme e reiterada deste Tribunal que considera que os atos administrativos proferidos em execução de sentença anulatória apenas são suscetíveis de impugnação contenciosa na medida em que lhe seja imputado desrespeito pela autoridade de caso julgado, o que não se verifica na alegação do Recorrente.

L. Ao ter decidido como decidiu, o Tribunal a quo obnubilou que sendo o ato suspendendo imposta pela definitividade de uma decisão judicial, ela é insuscetível de suspensão de eficácia, sob pena de violação do disposto n.º 1 do artigo 158.º do CPTA.

M. Pelo que, errou a Sentença recorrida ao não declarar a absolvição da instância com fundamento na inimpugnabilidade do ato suspendendo.

N. Há ainda que censurar à Sentença recorrida o voluntarismo na substituição do periculum in mora alegado pelo Recorrente – tido como não provado – por um construído oficiosamente pelo Tribunal a quo, relacionado com uma suposta perda de clientela.

O. Apesar da jurisprudência invocada, a verdade é que, como bem decidiu a Sentença recorrida, o carácter conclusivo e genérico da alegação desta parte importantíssima na concessão da tutela cautelar levam a que não haja nos autos um único facto suscetível de se enquadrar em qualquer das modalidades do periculum in mora.

P. Não havendo qualquer facto desse tipo, o Tribunal a quo errou ao concluir que, por força de uma putativa “perda de clientela” – resultante, unicamente, da lavra do Tribunal – o Requerente teria prejuízos que poderiam ser difícil reparação. Reforça-se: não há um único facto que propenda nesse sentido.

Q. A Sentença recorrida erra também ao aplicar ao processo jurisprudência deste Tribunal sem nenhum ponto de contato com o do processo sub iudice.

R. Erra a Sentença recorrida ao entender que o interesse de afastar a concorrência é um interesse legítimo porque, de acordo com a jurisprudência do nosso Supremo Tribunal Administrativo, não é.

S. A Sentença recorrida erra ao considerar que o Recorrente teria prejuízos imediatos com a não concessão da providência, pois esses decorrerão unicamente da abertura da farmácia pela Contrainteressada, o que ainda não está em causa.

Termos em que deve ser negado provimento ao recurso interposto pelo Recorrente.».

À matéria da ampliação do recurso, o Recorrente JPL respondeu em articulado cujo teor se dá por reproduzido e, tendo formulado conclusões, aqui também se vertem:

1. «A exceção de inimpugnabilidade do ato deduzida pela Contra-interessada já foi apreciada e decidida em 1.ª instância, sendo a sua alegação, nesta sede, evidentemente intempestiva.

2. Ainda que assim não se entendesse, o que não se concede, e apenas por mero exercício de raciocínio se admite, sempre teria que concluir-se pela evidente impugnabilidade do ato suspendendo.

3. O Supremo Tribunal Administrativo limitou-se a anular o ato primitivo, alertando a entidade administrativa para a obrigação de não emitir um novo ato administrativo de conteúdo ilegal, pelo que ato administrativo impugnado, praticado pelo INFARMED, é o verdadeiro ato administrativo e que, mal ou bem, determinou a classificação final do concurso.

4. Como explicita a douta sentença recorrida, o INFARMED, estando apenas vinculado pelo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo a praticar novo ato expurgado dos vícios que inquinavam o ato anteriormente anulado, não estava, de todo, constrangido, a não atribuir qualquer ponto pelo critério da residência ao Recorrente.

5. O facto de o novo ato do INFARMED ter que assentar necessariamente sobre a realidade que emerge da matéria de facto cristalizada pela sentença, apenas significa que ao Recorrente não poderiam ser atribuídos os mesmos 5 pontos que, anteriormente, lhe haviam sido atribuídos.

6. Pelo que, acompanhando ainda de perto a douta sentença recorrida, «não é possível afirmar que o acto suspendendo seja inimpugnável pelo que perfunctoriamente não se pode afirmar que na hipótese dos autos exista “circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito».

7. Acresce que é evidente que, contrariamente ao agora alegado pela Contra-interessada, o Recorrente alegou e provou de forma bastante, o pressuposto do periculum in mora, demonstrando o seu fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado e de produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que visa assegurar no processo principal.

8. Independentemente da bondade da decisão do Tribunal a quo nesta sede, a verdade é que este, analisando o perigo de mora que recai sobre o Recorrente, na hipótese de a providência cautelar não ser concedida, concluiu pela verificação desse pressuposto, segundo a sua livre e íntima convicção, baseando a sua decisão, em relação às provas produzidas, a partir do exame e avaliação que fez dos meios de prova trazidos aos autos, de acordo com a sua experiência e conhecimento em geral, em concretização do princípio da livre apreciação de prova.

9. Reitere-se, porém que, pese embora o Tribunal tenha concluído, e bem, pela evidente verificação do periculum in mora do Recorrente, ponderou os interesses em presença, partindo do pressuposto erróneo de que apenas está em causa a abertura de uma farmácia e o impacto dessa abertura na FP, nomeadamente, em termos de perda de clientela.

10. O Recorrente tem um interesse direto e pessoal em evitar prejuízos diretamente decorrentes do ato suspendendo, porquanto a realidade é só uma: a eventual abertura da farmácia da Contra-interessada tem como efeito o encerramento da Farmácia do Recorrente, uma vez que as mesmas são incompatíveis entre si.

Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, deve a requerida ampliação do objeto de recurso, formulada pela Contra-interessada, ser julgada improcedente por não provada.».

O Ministério Público, ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA e em termos que se dão por reproduzidos, pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.

As questões suscitadas(2) e a decidir(3), se a tal nada obstar, resumem-se em determinar se a decisão recorrida padece de erro na apreciação do pressuposto do fumus boni iuris a que alude a alínea a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA, e ainda na ponderação dos interesses aludidos no nº 2 do referido artigo 120º, com prévia apreciação da questão atinente ao efeito do recurso.

Cumpre decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – OS FACTOS ASSENTES NA DECISÃO RECORRIDA

Na sentença sob recurso ficou e permanece pacificamente assente o seguinte quadro factual:

A) Por meio do Aviso n.º 7968-V/2001, publicado no Diário da República II Série, no dia 15 de Junho de 2001, o INFARMED procedeu à abertura de um concurso público para a instalação de uma nova farmácia no lugar de PF, freguesia de PF, concelho de E... – cf. documento de fls. 107 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

B) O Requerente formulou a sua candidatura, tendo o INFARMED, por deliberação de 27 de Setembro de 2002, procedido à homologação da lista de classificação final dos candidatos admitidos ao concurso público em análise – cf. documento de fls. 87 a 89 dos autos e de fls. 387 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

C) A referida lista classificou o ora Requerente em primeiro lugar – cf. documento de fls. 87 a 89 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

D) Para esse efeito, considerou o INFARMED que o Requerente fez prova da sua residência habitual no concelho de E..., tendo-lhe sido atribuídos 5 pontos, nos termos do artigo 10.º da Portaria 936-A/99, de 22 de Outubro – por acordo.

E) Do atestado de residência que instruiu a candidatura do Requerente resulta o seguinte: “A Junta de Freguesia de Gs..., concelho de E..., no uso das suas competências atesta para efeitos de concurso público a concessão de alvará de Farmácia que JPL (…), natural desta freguesia e residente na Rua ….

Mais se atesta que o interessado sempre residiu nesta freguesia, no lugar da Aldeia (agora Rua …) portanto, há mais de cinco anos, está aqui recenseado desde os 18 anos, com o n.º 633 e sempre aqui exerceu o direito de voto.

Por ser verdade se passou o presente atestado que vai ser devidamente e autenticado com o selo branco desta Junta.

Gs..., 10 de Julho de 2001”. – por acordo, cf., ainda, documento de fls. 709 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

F) Mais considerou o INFARMED que o Requerente fez prova do exercício profissional em farmácia de oficina ou hospitalar, pelo qual lhe foram igualmente atribuídos cinco pontos – por acordo.

G) Porém, mais de um ano depois de a referida lista ter sido homologada, mais concretamente em 5 de Dezembro de 2003, foi o Requerente citado para, querendo, contestar um recurso contencioso de anulação do acto de homologação praticado pelo Conselho de Administração do INFARMED, interposto pela candidata que havia sido classificada em 2.º lugar – por acordo.

H) Quando o Requerente foi citado para a referida acção judicial, já a farmácia que havia sido atribuída ao Requerente se encontrava em fase de preparação de abertura ao público – por acordo, cf., ainda, documento de fls. 90 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

I) Em 20 de Novembro de 2003 foi atribuído ao Requerente o Alvará n.º 4640, relativo à Farmácia sita no lugar de PF, freguesia de PF, concelho de E... – cf. documento de fls. 91 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

J) Farmácia esta – FP - que abriu ao público em 2003 – cf. depoimento da testemunha MFBM.

K) No âmbito do referido recurso de contencioso de anulação do acto de homologação praticado pelo Conselho de Administração do INFARMED, foi proferida sentença pelo TAF do Porto, da qual se extrai:

[No original, esta parte é composta por imagens, pelo que não tendo sido impugnada nem havendo necessidade de qualquer alteração, ao abrigo do disposto no nº 6 do artigo 663º do CPC remete-se, nesta parte, para os respectivos termos da decisão da 1ª instância que assentou esta matéria sob a forma de imagens — páginas 8 a 10 da decisão].

- cf. documento de fls. 380 e ss. dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

L) Esta acção judicial foi definitivamente julgada procedente por Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 22 de Março de 2011, cujo teor, em parte, segue: “(…)

[No original, esta parte é composta por imagens, pelo que não tendo sido impugnada nem havendo necessidade de qualquer alteração, ao abrigo do disposto no nº 6 do artigo 663º do CPC remete-se, nesta parte, para os respectivos termos da decisão da 1ª instância que assentou esta matéria sob a forma de imagens — páginas 11 a 16 da decisão].

(…).”

- cf. documento de fls. 93 a 109 dos autos, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.

M) E foi na sequência da decisão judicial de anulação do acto de homologação que o INFARMED retomou o procedimento administrativo, tendo elaborado nova lista de classificação final em 25 de Julho de 2012 – cf. documento de fls. 120 e ss dos autos, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.

N) Da lista de classificação - anexa à acta n.º 7 e 25 de Julho de 2012 – resulta que foram atribuídos, pelo exercício profissional, cinco pontos e, pela residência habitual no concelho de E..., zero pontos – cf. documento de fls. 126 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

O) Nessa lista, o Requerente ficou ordenado em sexto lugar – cf. documento de fls. 126 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

P) O Requerente pronunciou-se em sede de audiência prévia conforme resulta do documento de fls. 127 e ss. dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

Q) Após pronúncia do Requerente, o INFARMED veio a alterar a lista de classificação final, decidindo “atribuir ao candidato um ponto por cada ano completo de exercício profissional em farmácia de oficina ou hospitalar (Farmácia G... e Farmácia M...), totalizando nove pontos” - cf. documento de fls. 176 e ss. dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

R) Na referida lista, o ora Requerente ficou classificado em 2.º lugar, com 9 pontos, não lhe tendo sido atribuído qualquer ponto no que concerne ao critério “Residência Habitual” no concelho onde a farmácia será instalada - cf. documento de fls. 176 e ss. e 184 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

S) Inconformado, o Requerente apresentou nova pronúncia em sede de audiência prévia, mencionando, designadamente, que: a execução da Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto não tem por efeito nem determinava que nenhum ponto lhe fosse atribuído por referência ao critério “Residência Habitual”, tendo procedido à junção de 9 documentos e requerido a realização de diligências complementares de prova, mormente a inquirição de 7 (sete) testemunhas, nos termos do artigo 104.º do CPA - cf. documento de fls. 185 e ss. dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

T) Sucede que o INFARMED não procedeu à realização das diligências complementares requeridas e levou ao conhecimento do interessado o seu entendimento, por via do Ofício 009097, de 19 de Fevereiro de 2014, e da Acta n.º 9, em anexo, documentos cujo teor, em parte, se reproduz:

[No original, esta parte é composta por imagens, pelo que não tendo sido impugnada nem havendo necessidade de qualquer alteração, ao abrigo do disposto no nº 6 do artigo 663º do CPC remete-se, nesta parte, para os respectivos termos da decisão da 1ª instância que assentou esta matéria sob a forma de imagens — páginas 18 a 21 da decisão].

(…)

– cf. documento de fls. 78 e ss. dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

U) Em 10/12/1991, o Requerente concluiu na Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto a Licenciatura em Ciências Farmacêuticas – cf. documento de fls. 145 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

V) O Requerente iniciou a sua actividade profissional na Farmácia G..., sita no Porto, prestando aí actividade profissional como Farmacêutico Ajunto desde 01/09/1991 a 31/11/1997 – cf. documento de fls. 148 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e depoimento das testemunhas: MFBM, JHSS.

W) Em 1998, o Requerente passou a exercer a sua actividade profissional, como Farmacêutico Adjunto, na Farmácia M..., sita em E... – cf. documento de fls. 47 dos autos e depoimento da testemunha MFBM.

X) Tendo sido nomeado pelo Infarmed Director Técnico da mesma farmácia em 1 de Janeiro de 2001, após a morte do anterior Director, Dr. JNMCA, ocorrida no final do ano 2000 – por acordo, cf., ainda, depoimento da testemunha MFBM.

Y) O Requerente é casado – cf. facto 16 dado como assente na sentença - de fls. 381 dos autos – com base no assento de nascimento junto a esses autos.

Z) O Requerente tem dois filhos em idade escolar – cf. depoimento da testemunha AJF.

AA) O filho mais velho frequenta o ensino superior – cf. depoimento da testemunha AJF.

BB) A esposa do Requerente aufere pouco mais de EUR 1000,00 – cf. depoimento da testemunha AJF.

CC) O valor de comercialização do stock de produtos, mobiliário e equipamento da FP ascende a EUR. 100.000,00 – cf. documento de fls. 717 e ss. dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

DD) Pelo local onde se encontra instalada a FP, o Requerente paga um valor mensal de € 378, 92 – cf. documento de fls. 725 e ss. dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; cf. depoimento da testemunha MAMF.

EE) Na Farmácia do Requerente, trabalham seis pessoas: empregada da limpeza, colaboradora em regime de prestação de serviços, uma técnica de farmácia a tempo parcial e duas farmacêuticas – uma adjunta e uma estagiária – a tempo inteiro – facto convocado à luz do princípio da aquisição processual, cf. depoimento da testemunha MFBM.

FF) Para a instalação da Farmácia, a Contra-interessada celebrou, em 1/4/2014, contrato de arrendamento de um estabelecimento comercial sito na Rua ..., em PF – cf. documento de fls. 581 a 587 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; cf. depoimento da testemunha MAMF.

GG) Desde essa data, a Contra-interessada tem vindo a pagar, mensalmente, a renda de € 500,00 – cf. documentos de fls. 585 a 587 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, cf. depoimento da testemunha MAMF.

HH) Em 4/4/2014, a Contra-interessada dirigiu ao INFARMED requerimento cujo teor, em parte, segue:

[No original, esta parte é composta por imagens, pelo que não tendo sido impugnada nem havendo necessidade de qualquer alteração, ao abrigo do disposto no nº 6 do artigo 663º do CPC remete-se, nesta parte, para os respectivos termos da decisão da 1ª instância que assentou esta matéria sob a forma de imagens — página 23 da decisão].

- cf. documento de fls. 588 e 589 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

II) A Contra-interessada contratou com arquitecto a elaboração de um projecto com vista à adaptação do imóvel à instalação de uma farmácia, tendo já pago honorários no montante de € 1.048,25 – cf. documento de fls. 591 a 593, 600 e 601 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, cf., ainda, depoimento da testemunha AJPM.

JJ) A realização das obras com vista à adaptação do imóvel à instalação da farmácia da Contra-interessada estão praticamente finalizadas – cf. depoimento da testemunha AJPM.

KK) A execução da empreitada está de acordo com o orçamento que ascende ao montante global de € 56.064,06, incluindo IVA – cf. documento de fls. 602 a 611, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

LL) Para fazer face a essas despesas, viu-se a Contra-interessada na contingência de contrair empréstimos junto de duas instituições bancárias – cf. depoimento da testemunha PMFCM.

MM) A Contra-interessada solicitou um reforço do seu crédito de habitação, reforço esse no valor de € 75.000,00, a que corresponde uma prestação mensal aproximada de € 526,44 - cf. depoimento da testemunha PMFCM e documento de fls. 613 e ss. dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

NN) No dia 20/06/2014, a Contra-interessada celebrou um novo contrato de mútuo com o Banco BIC Português, pelo montante de € 50.000 , a que corresponde a prestação mensal de € 1.300,00 – cf. documentos de fls. 625 e ss., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, e depoimento da testemunha PMFCM.

OO) Em 21/04/2014, o INFARMED informou a Contra-interessada que nada havia a opor aos documentos apresentados relativamente à instalação da farmácia no estabelecimento entretanto locado em PF, concedendo-lhe o prazo de 360 dias para concluir a instalação da farmácia e requerer a vistoria – cf. documento de fls. 639 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

PP) A Contra-interessada exerce, actualmente, funções de Farmacêutica Adjunta de Substituição na Farmácia Central de AVOM – cf. documento de fls. 594 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

QQ) Actualmente, a Contra-interessada aufere € 1.466,56 de retribuição mensal – cf. documento de fls. 641 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

RR) Esta é a única fonte de rendimentos da Contra-interessada – cf. documento de fls. 640 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

SS) A Contra-interessada assinou Declaração de fls. 595 dos autos, cujo teor segue:

[No original, esta parte é composta por imagens, pelo que não tendo sido impugnada nem havendo necessidade de qualquer alteração, ao abrigo do disposto no nº 6 do artigo 663º do CPC remete-se, nesta parte, para os respectivos termos da decisão da 1ª instância que assentou esta matéria sob a forma de imagens — página 24 da decisão].

FACTOS NÃO PROVADOS

1. Quando foi citado para se opor ao recurso contencioso de anulação, o Requerente já se tinha endividado junto da banca em cerca de EUR 75.000,00, montante destinado à adaptação do local à actividade de farmácia e para aquisição de stock inicial.

II.2 — QUESTÃO PRÉVIA

II.2.1. Do efeito do recurso

Nas contra-alegações opõe-se o Requerido INFARMED ao efeito suspensivo do recurso defendido pelo Recorrente.

Em face do disposto no nº 5 do artigo 641º do CPC e não se suscitando ponderação da minoração de eventuais danos a que se refere o nº 4 do artigo 143º do CPTA, é questão que se mostra ultrapassada pelo despacho de admissão do recurso, de 09-04-2015, que fixou ao mesmo efeito meramente devolutivo, de harmonia com o disposto no nº 2 do referido artigo 143º do CPTA.

II.3 – DO MÉRITO DO RECURSO

Vertidos os termos da causa e a posição das partes, passamos a apreciar cada uma das questões a decidir, já acima elencadas.

II.3.1. Do erro na apreciação do pressuposto do fumus boni iuris a que alude a alínea a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA.

Insurge-se o Recorrente contra a apreciação e conclusão, operada pelo Tribunal a quo, de que da análise perfunctória de todos os vícios invocados pelo Requerente resulta não ser evidente a procedência ou a improcedência da acção principal.

Para tanto, aponta uma das vertentes apreciadas perfunctoriamente na decisão sob recurso e conclui assim, designadamente:

MM. “Como resultou inequívoco da prova produzida (documentos e testemunhas) o Recorrente reside em E... com carácter de permanência desde, pelo menos, 1998, ano em que foi admitido como farmacêutico adjunto na Farmácia M...!

NN. Aliás conforme ficou provado nos autos, o Recorrente trabalhou no Porto, na Farmácia G... entre 01.09.1991 (quando terminou o curso de Farmácia) até 31.11.1997, como Farmacêutico Adjunto.

OO. Tendo sido admitido, como Farmacêutico Adjunto, na Farmácia M... em 01.03.1998, o Requerente passou a exercer funções de Director Técnico dessa mesma Farmácia, em 01.01.2001, na sequência do falecimento Dr. JNMCA, sendo que, em virtude de doença prolongada do Dr. JNMCA, há muito que o Requerente exercia, de facto, as funções de Director Técnico da Farmácia M..., desde 1998.

PP. Como resultou igualmente da prova testemunhal produzida, é em E... que se encontrava e encontra o centro da vida do Requerente: onde trabalhava, pernoitava, fazia refeições, tinha a sua família e amigos, fazia as suas compras e todo o seu dia-a-dia.

QQ. Relativamente à questão da execução pelo INFARMED, da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, confirmada por acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, tal sentença não tinha por efeito que ao Requerente não pudessem ser atribuídos quaisquer pontos por referência ao critério “Residência Habitual”.

RR. Com efeito, a referida sentença nada refere – nem podia referir – quanto aos pontos que devem – ou não – ser atribuídos ao referido candidato pela sua residência habitual em E....

SS. Nessa medida, se e na medida em que o Requerente demonstrasse junto do procedimento administrativo, através dos meios de prova admitidos por lei, que residia habitualmente no Concelho de E... há pelo menos 1 ano antes do concurso em causa, deveria o INFARMED decidir nessa conformidade.

TT. Considera, aliás, o Tribunal a quo, a este respeito que “não salta à vista que o INFARMED teria que atribuir, em fase de execução, “0” pontos ao Candidato – ora Requerente – pelo aludido critério. Não é líquido que assim seja, desde logo, porque o Tribunal não o afirmou –nem tinha que o fazer”.

UU. Face à matéria factual que, assim, resultou evidentemente comprovada, impunha-se ao Tribunal a mera constatação da evidente a procedência da acção principal.

VV. Em suma, encontrando-se reunidos os requisitos de concessão da providência cautelar ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA, por ser “evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, designadamente por estar em causa a impugnação de acto manifestamente ilegal”;

WW. Sucede que, o douto Tribunal a quo, quanto à questão central da apreciação do critério da residência do Requerente e que constitui o fundamento do seu pedido de suspensão de eficácia do acto de homologação praticado pelo Infarmed, pese embora toda a matéria de facto que deu como provada e que lhe permitiria decidir de modo diverso, optou por não retirar nenhuma conclusão, o que se impunha.

XX. Nessa sequência, o douto Tribunal a quo andou mal quando concluiu, então, pela não verificação do requisito do fumus boni iuris, de necessária verificação para a concessão da providência ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA.

Mas não se lhe vislumbra razão.

A verificação do fumus boni iuris a que alude a alínea a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA depende, como se sabe e da norma consta, da evidência da procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal.

Um dos planos susceptíveis de revelar essa evidência — aqui relevado por ser aquele no qual foi, pelo Requerente, invocada a referida evidência — é o da manifesta ilegalidade do acto impugnado.

Tanto quanto dos autos resulta, no processo principal impugna-se o acto de homologação objecto de pedido de suspensão da eficácia no processo de que emanou o presente recurso jurisdicional.

A invocada manifesta ilegalidade assentou na arguição dos seguintes vícios assacados ao acto impugnado e ora suspendendo, tal como explanado na sentença sob recurso:

Alega, em suma:

Que o acto suspendendo é nulo/anulável:

(i) por falta de elemento essencial (no caso, instrução) – a sentença proferida pelo TAF do Porto, ulteriormente confirmada pelo STA, limitou-se a anular a deliberação, de 27/09/2002, do Conselho de Administração do INFARMED. Quer isto dizer que aquela sentença não impôs que nenhum ponto pudesse ser atribuído no factor “Residência habitual” ao candidato, ora Requerente. Com efeito, na fase de execução do julgado anulatório, cumpria ao INFARMED considerar e valorar todos elementos carreados e a carrear para o processo administrativo. Para tanto, devia o INFARMED realizar as diligências complementares oportunamente requeridas pelo interessado, sob pena de incorrer – tal como veio a acontecer – em novo vício de violação de lei, agora, por deficit de instrução.

(ii) por impossibilidade do respectivo objecto – na data em que transitou em julgado o acórdão do STA, verificava-se uma situação de impossibilidade absoluta de atribuição do alvará, porquanto este já havia sido concedido ao ora Requerente. O INFARMED deveria ter invocado esta circunstância como causa legítima de inexecução e discutir com a interessada a respectiva indemnização.

(iii) por falta absoluta de fundamentação – o Júri não referiu uma única palavra sobre a pertinência das diligências complementares requeridas, por exemplo, sobre o pedido de inquirição de testemunhas por si arroladas, violando, assim, o artigo 133.º, n.º 1, do CPA.

(iv) por ofensa ao disposto no artigo 100.º e 107.º do CPA – na medida em que o INFARMED tornou a fase de audiência prévia num mero pró-forma.

(v) por erro nos pressupostos de facto – o Júri deveria ter atribuído ao Requerente 5 pontos por aplicação do critério da residência habitual”, uma vez que este Candidato residia, à data da apresentação da sua candidatura, há mais de cinco anos no concelho de E....”.

Em face do alegado nesta sede, relevam, porque directamente relacionados entre si, os vícios mencionados em (i) e (v).

O primeiro, refere-se a vício de violação de lei, por deficit de instrução no plano da matéria atinente à residência habitual do Requerente.

O quinto, assaca vício por erro nos pressupostos de facto, com a alegação de que o Júri deveria ter atribuído ao Requerente 5 pontos por aplicação do critério da residência habitual”, uma vez que este Candidato residia, à data da apresentação da sua candidatura, há mais de cinco anos no concelho de E....

Como se vê, a própria argumentação do Requerente na invocação dos vícios assacados ao acto impugnado no processo principal e aqui suspendendo exclui a possibilidade de, com base no vício que o Requerente releva, se concluir pela manifesta ilegalidade do acto susceptível de evidenciar a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, pois não pode ignorar-se que o Requerente argui vício por erro nos pressupostos de facto, com a alegação de que o Júri deveria ter atribuído ao Requerente 5 pontos por aplicação do critério da residência habitual.

Ora, o acto em crise pode, ou não, estar viciado por deficit instrutório naquela matéria. Saber-se-á, se a tanto se guindar a respectiva causa, no processo principal e no momento próprio. E se esse vício não se verificar, significa que a atribuição de zero pontos pela residência habitual no concelho de E... [facto assente em R) e documento que o suporta e para o qual remete] não virá, por tal motivo, a ser considerada como decorrente do deficit instrutório.

Assim, na ausência da verificação de deficit instrutório, prevalece a relevância da matéria de facto apurada no procedimento concursal em causa.

Nesse cenário, de verosímil ocorrência — e basta a mera possibilidade para abalar a legalmente exigida evidência da manifesta ilegalidade — então o acto em crise não se mostraria viciado, por erro nos pressupostos de facto, pelos motivos alegados pelo Requerente, segundo o qual «o Júri deveria ter atribuído ao Requerente 5 pontos por aplicação do critério da “residência habitual”».

É que, outrossim e com relevo na execução do julgado operada pelo acto administrativo ora em crise, importa ter presente que no acórdão do STA, de 22-03-2011, processo nº 0928/09, que confirmou a anulação da deliberação de 27-09-2002, que havia homologado a lista de classificação final no concurso aqui em causa, se sumariou, entre o mais, a seguinte doutrina jurisprudencial: “ Tendo o concorrente a quem foi adjudicada a instalação de uma nova farmácia, sido pontuado com a classificação máxima, no critério «residência habitual no concelho onde vai ser instalada a farmácia» previsto no artº10º, nº1b) da Portaria nº 936/99, de 22.10, (5 pontos, sendo um por cada ano completo), quando, afinal, residia noutro concelho, no período relevante para o efeito, o acto impugnado padece de erro nos pressupostos de facto e viola o citado preceito legal”.

E quanto aos fundamentos havia dito, nesta matéria e designadamente:

(…) Entendeu a sentença recorrida que, face ao conjunto da prova produzida, não se mostrava verificado o pressuposto de facto em que assentou o acto impugnado, uma vez que vários documentos juntos aos autos, em especial a declaração apresentada pelo recorrente particular noutro concurso para instalação de uma outra nova farmácia no mesmo concelho de E..., reproduzida no ponto 21 do probatório, indicavam que o recorrente tinha a sua residência habitual no Porto, no período relevante para o concurso aqui em causa.

E, efectivamente, assim é.

Na verdade, verifica-se que na referida declaração apresentada pelo recorrente particular para efeitos do concurso de instalação de nova farmácia, esta na freguesia de …, concelho de E..., o mesmo declarou que residiu em E... «…desde o nascimento até Dezembro de 1994, mês em que casei, passando a residir desde Janeiro de 1995, na rua …, …, …Hab…., Porto…» (cf. o referido ponto 21 do probatório supra).

Mais se verifica que essa declaração está em perfeita consonância com a residência que consta do seu bilhete de identidade emitido, em 06.01.1995 e só alterada no bilhete de identidade emitido em 08.06.2000, conforme também se provou (cf. ponto 19 do probatório).

E igualmente está de acordo com o pedido que fez de isenção de contribuição autárquica, formulado em 09.02.1995, por um período de 10 anos com início em 1995, relativa à referida fracção do prédio sito na Rua …, …, … Hab…., Porto, em que declarou que afectou tal fracção a sua residência permanente e que foi deferido, conforme igualmente se provou nos pontos 17 e 18 do probatório.

O facto, salientado pelo recorrente, de na segurança social constar como única residência do recorrente, a do …, em … (cf. ponto 20 do probatório) e de se encontrar recenseado nessa freguesia do concelho de E..., não contraria, só por si, o conteúdo dos documentos atrás referidos, desde logo porque o que releva para efeitos do concurso em causa é, como vimos, a residência habitual e não qualquer outra que o recorrente possa eventualmente ter, sendo certo que o domicilio profissional não tem necessariamente que coincidir com a residência habitual e o cartão de eleitor junto ao procedimento administrativo foi emitido, como dele consta, em 20.05.1994 (cf. fls. 98) e, portanto, antes da mudança de residência do recorrente para o Porto, que só ocorreu, segundo ele próprio declarou, em Janeiro de 1995.

Portanto, tendo em conta o período relevante para o critério de residência habitual no concelho onde vai ser instalada a nova farmácia sob concurso (cf. artº10º, nº1b) da já referida Portaria) e ponderando todos os factos supra referidos e que se encontram provados, designadamente os que constam da declaração do próprio recorrente particular, que instruiu um concurso a que se candidatou para instalação de uma nova farmácia e do seu pedido de isenção de contribuição autárquica, que foi deferido e onde é determinante a residência permanente (artº46º, nº1 do EBF), não merece censura a conclusão a que chegou o Mmo. Juiz a quo, ou seja, que o acto impugnado padece de «vício de violação de lei com referência ao disposto no artº10º, nº1 b) da Portaria nº 936/99, de 22.10 e por erro nos pressupostos de facto, pois que emerge dos autos uma realidade diversa daquela que foi considerada no âmbito do concurso no que diz respeito aos elementos em apreço».(…)”.

Portanto, abalado o carácter manifesto da invocada ilegalidade, aluída se queda a evidência reclamada pelo disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA.

Na verdade, a qualidade de cognição exigida pelo artº 120º, nº 1, alínea a), do CPTA para o fumus boni iuris imposta pela expressão “quando seja evidente a procedência da pretensão formulada” é de máxima intensidade e essa evidência resultará da cognição sumária, no processo cautelar, das circunstâncias de facto e consequente juízo subsuntivo na lei aplicável, de que resulte a irrefragável conclusão de procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal.

No presente caso, não se afigura possível poder concluir-se ser evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, designadamente porque em causa está a impugnação de um acto que não revela, no âmbito da viciação relevada para tanto pelo Recorrente, padecer de manifesta ilegalidade.

Improcede a alegação nesta matéria.

II.3.2. Da ponderação dos interesses aludidos no nº 2 do referido artigo 120º do CPTA.

Depois de exarar, em BB. das suas conclusões, que “não está aqui em causa saber se existe ou não periculum in mora. Aliás, veja-se que esse perigo é de tal forma evidente que o Tribunal concluiu pela sua existência…”, de relevante à questão da ponderação de interesses concluiu o Recorrente:

CC. «Ora, não se venha dizer que ao alegado “perigo” vivenciado pela Contra-Interessada seja maior, como, salvo o devido respeito, faz o douto Tribunal. O perigo do Recorrente é bem maior e exponencial, mostrando-se muito mais evidente do que qualquer outro.

DD. Todo o investimento que a Contra-Interessada fez, fê-lo por sua conta e risco, sem qualquer expectativa legítima e digna de protecção.

EE. Se a Contra-Interessada até agora fez investimentos – ainda que não cautelosos –, caso a providência cautelar não seja concedida terá de continuar a fazer investimentos e vai endividar-se cada vez mais e mais. No final, se, face à patente ilegalidade do acto, este for revogado, a Contra-interessada ficará na mesma situação de eminente ruína em que está o ora Recorrente.

FF. Salvo o devido o respeito, que é muito, também não andou bem o Tribunal ao considerar que “o interesse público não sai minimamente beliscado com qualquer que seja o sentido da decisão cautelar”.

GG. Pois resultou evidente, em face da prova testemunhal produzida, que o Recorrente tem uma relação privilegiada com a população com a qual se encontra em contacto directo no balcão da farmácia, relação essa que faz com que o Requerente se voluntarie para levar os seus serviços farmacêuticos para fora das portas da farmácia.

HH. Falamos de entregas gratuitas de medicamentos ao domicílio, da prestação de cuidados básicos de saúde gratuitos, não esquecendo que se trata de um meio rural, em que a localização das residências dos seus utentes é, por vezes, de difícil acesso, em que muitos utentes estão incapacitados / têm dificuldades de locomoção (v. pág. 27 da sentença).

II. Este capital de confiança do Recorrente não poderia ter sido desvalorizado, ou melhor, teria, necessariamente, que ser valorizado e devidamente ponderado na tomada da decisão de decretamento da providência, tendo em conta o interesse público que lhe está subjacente.

JJ. Não pode ignorar-se também que a cessação da exploração da farmácia implicará que o Recorrente se veja obrigado a lançar os seus trabalhadores no desemprego, cfr. EE) dos factos assentes.

KK. Em face de tudo o exposto, salvo o devido respeito, que é muito, é manifesto o lapso incorrido pelo douto Tribunal a quo, ao decidir no sentido em que decidiu, devendo a providência cautelar ter sido concedida ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA ou, ainda que assim não se entendesse, ao abrigo da alínea b) do mesmo preceito, por se mostrar evidente a reunião dos necessários pressupostos para o efeito.».

A sentença sob recurso decidiu assim esta matéria:

«Para efeitos da ponderação imposta pelo nº 2 do artigo 120º do CPTA, o dano relevante há-de ser aferido no âmbito dos interesses públicos ou privados em presença.

Salta à vista que o interesse público não sai minimamente beliscado com qualquer que seja o sentido da decisão cautelar. A boa distribuição de medicamentos pela população esteve sempre salvaguardada pela FP. E mais salvaguardado ficará o interesse público se abrir a farmácia da Contra-interessada. Importa relembrar que o eventual encerramento da FP só terá lugar quando a farmácia da Contra - interessada se encontrar aberta ao público. Assim, independentemente do sentido da decisão cautelar, a população terá acesso contínuo e ininterrupto ao medicamento.

Na perspectiva dos particulares, o dano tem unicamente natureza patrimonial.

Se o periculum in mora, do lado do Requerente, reconduz-se ao difícil apuramento dos prejuízos como resultado da abertura de uma nova farmácia no mesmo edifício, já os prejuízos concretos, alegados e provados pela Contra-interessada, são relevantes e têm que ser tidos em conta.

Resulta da matéria indiciariamente assente que a Contra-interessada reconduziu tudo o que tem para a abertura da sua farmácia. Reforçou o seu crédito habitação e contraiu um novo empréstimo para fazer face às despesas relacionadas com a instalação da farmácia. A capacidade de endividamento da Contra-interessada encontra-se, aliás, ultrapassada. Mais, o somatório das prestações mensais desses mesmos empréstimos ultrapassam – e muito – o próprio vencimento da Contra-interessada. Por conseguinte, o decretamento da providência requerida levaria a Contra-interessada para uma situação de insolvência. Com efeito, a informação que se retira da matéria indiciariamente apurada permite ao Tribunal ter como seguro este cenário. Mais, face ao curtíssimo prazo para instalação e vistoria da farmácia, o Tribunal retira da experiência da vida que a Contra-interessada já terá assumido grande parte dos compromissos necessários para abertura da farmácia, não tendo margem para inverter o caminho, sem ter que arcar com evidente e graves prejuízos financeiros.

Assim, a avaliação do peso relativo dos interesses em confronto, dos quais se destaca os da Contra-interessada, recomenda a não adopção da providência.».

Nesta matéria, o Recorrente põe em crise a ponderação efectuada pelo Tribunal a quo imposta pelo nº 2 do artigo 120º do CPTA, que dispõe: Nas situações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior, a adopção da providência ou das providências será recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados, em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências.

Vejamos.

Os factos que directamente nesta matéria relevam estão contidos em I), J), Y), Z) e AA) a EE) do acervo de factos assentes.

Quanto aos argumentos expostos nas conclusões CC) a EE), improcedem totalmente, já que o punctum saliens — de que a Contra-interessada fez o investimento “por sua conta e risco, sem qualquer expectativa legítima e digna de protecção” — não merece acolhimento, em face da perspectiva de ser posicionada, como veio a acontecer, em primeiro lugar na nova graduação adoptada nesse concurso. E refira-se que esse posicionamento é de muito verosímil ocorrência, graduada que estava a Contra-interessada em segundo lugar na primeira deliberação, que veio a ser anulada por decisão judicial transitada em julgado, por vício cuja verificação subtraiu 5 pontos à classificação do ora Recorrente.

Relativamente aos argumentos ínsitos nas conclusões FF) a JJ) igualmente se entende que não lançam mácula sobre a decisão recorrida.

Em primeiro lugar, irreleva, para o pretendido efeito, a alegação de que não andou bem o Tribunal a quo ao considerar que o interesse público não sai minimamente beliscado com qualquer que seja o sentido da decisão cautelar.

Essa consideração é explicada pelo Recorrente com a alegação, em síntese, de uma relação privilegiada com a população, levando os seus serviços farmacêuticos para fora das portas da farmácia, com entregas gratuitas de medicamentos ao domicílio, no que considera um capital de confiança a valorizar e ponderar na tomada de decisão de decretamento da providência.

Mas não se lhe vislumbra razão.

Sendo, do ponto de vista humano, de louvar a alegada gratuitidade da prestação desse serviço, certo é que o argumento irreleva completamente, enquanto prestação de serviço cuja perda, por banda dos utentes da farmácia, fosse ofensiva, por essa via, do interesse público, sendo que todas as farmácias estão em pé de igualdade nessa matéria, no que tange ao interesse público colocado sob protecção pela lei.

Na verdade, em face do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 307/2007, de 31 de Agosto, a dispensa e entrega de medicamentos ao público em território nacional só pode ser efetuada pelo pessoal da farmácia a que se referem os artigos 23.º e 24.º, nas instalações desta ou no domicílio do utente, incluindo os medicamentos não sujeitos a receita médica que dependam de dispensa exclusiva em farmácia. Sendo certo que A atividade de entrega de medicamentos ao domicílio nos termos dos números anteriores, ou a utilização de página eletrónica na Internet, depende de comunicação prévia ao INFARMED.

Ademais as condições e os requisitos da dispensa de medicamentos ao domicílio e através da Internet estão sujeitos a regulamentação, sendo um serviço de exercício condicionado — alínea d) do artigo 57º do mencionado Decreto-Lei nº 307/2007.

E mesmo o Decreto-Lei n.º 48 547, de 27 de Agosto de 1968, revogado pelo referido Decreto-Lei nº 307/2007, já previa, designadamente no artigo 29º, as formas de dispensa de medicamentos ao público, pelo que o serviço de entrega domiciliária de medicamentos que ali não estivesse previsto sempre colocaria esse serviço fora da relevância do interesse público que a norma visava salvaguardar.

Em segundo lugar, os argumentos do Recorrente assentam numa perspectiva, que vem já do requerimento inicial — veja-se o artigo 295º a 297º —, que ignora aspectos não despiciendos e até decisivos: No âmbito do concurso em causa, o acto originário juridicamente relevante para efeito do encerramento da Farmácia do Requerente é a decisão judicial transitada em julgado que anulou a deliberação que, no concurso, o havia graduado em primeiro lugar e permitiu que lhe fosse atribuído o Alvará nº 4640, relativo à Farmácia sita no lugar de PF, concelho de E..., a qual abriu ao público em 2003 [factos I) e J) do acervo de factos assentes].

Com a salvaguarda dos poderes nesta matéria detidos pelo INFARMED — pois o encerramento de uma farmácia pode ser, num concreto caso, gravemente lesivo para o interesse público — em sede de execução da referida sentença de anulação, sempre a Administração e, neste caso, o INFARMED, teria e tem o dever de reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado. E, note-se, o licenciamento de novas farmácias é precedido de um procedimento concursal que permita a pré-seleção dos candidatos que preencham os requisitos fixados no respectivo aviso de abertura (nº 1 do artigo 25º do Decreto-Lei nº 307/2007), sendo certo que as farmácias só podem abrir ao público depois de lhes ser atribuído o respetivo alvará, emitido pelo INFARMED (nº 4 do mesmo normativo); o que em termos genericamente semelhantes se passava no âmbito do regime decorrente do artigo 50º do Decreto-Lei nº 48 547, de 27 de Agosto de 1968, e Portaria nº 936-A/99, de 22 de Outubro.

O que significa que a perda do título que juridicamente suporta a actual manutenção da actividade da Farmácia do Recorrente, em qualquer caso, não se mostra que decorra jurídica e directamente do acto impugnado e aqui suspendendo.

Em bom rigor, também o Recorrente tal não afirma expressamente. Antes operou a conexão ou relação de causa e efeito, entre futura abertura da farmácia pela Contra-interessada e o encerramento da sua própria farmácia.

Todavia, o acto impugnado e aqui suspendendo apenas homologou a lista de classificação dos candidatos, na qual a Contra-interessada se mostra graduada em primeiro lugar, e desse acto não resulta directa e necessariamente a abertura, por esta, da farmácia, mas apenas elege, de entre os candidatos, aquele que eventualmente virá a instalar a sua farmácia, desde que complete o posterior procedimento no atinente processo de instalação e nos prazos legalmente previstos, sob pena de perda de atribuição da farmácia.

Era assim no âmbito da Portaria nº 936-A/99, de 22 de Outubro, — cfr. artigos 12º a 15º — e assim continuou a ser no âmbito da Portaria nº 1430/2007, de 2 de Novembro — artigos 10º a 22º.

O que, outrossim, não permite que os argumentos ora expendidos pelo Recorrente possam colher em face do decidido pelo Tribunal a quo, que, assim, se deve manter integralmente.

II.3.3. Da ampliação do âmbito do recurso

A disposição do nº 2 do artigo 636º do CPC concede ao recorrido a faculdade de, a título subsidiário, arguir na respectiva alegação a nulidade da sentença, ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas.

Com esta faculdade visa-se dar ao recorrido a possibilidade de, impugnando por sua vez a decisão recorrida, neutralizar a eficácia dos fundamentos do recurso, pelo que o tribunal ad quem deve conhecer das questões suscitadas pelo recorrido desde que a apelação seja julgada procedente.

Não o tendo sido, tal matéria não é susceptível de apreciação nesta sede.

III. DECISÃO
Termos em que os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente.
Notifique e D.N..

Porto, 31 de Agosto de 2015
Ass.: Helder Vieira
Ass.: Fernanda Brandão
Ass.: Frederico Branco

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(1) Nos termos dos artºs 144.º, n.º 2, e 146.º, n.º 4, do CPTA, 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4, e 685.º-A, n.º 1, todos do CPC, na redacção decorrente do DL n.º 303/07, de 24.08 — cfr. arts. 05.º e 07.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 41/2013 —, actuais artºs 5.º, 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5, 639.º e 640º do CPC/2013 ex vi artºs 1.º e 140.º do CPTA.
(2) Tal como delimitadas pela alegação de recurso e respectivas conclusões — artigos 608º, nº 2, e 635º, nºs 3 e 4, 637º, nº 2, 639º e 640º, todos do Código de Processo Civil ex vi artº 140º do CPTA.
(3) Para tanto, e em sede de recurso de apelação, o tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida porquanto, “ainda que declare nula a sentença, o tribunal de recurso não deixa de decidir o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito”, reunidos que se mostrem os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas — art. 149.º do CPTA.