Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00097/14.6BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/27/2014
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR.
EVIDÊNCIA.
“FUMUS NON MALUS IURIS”.
RECURSO.
REEXAME DAS QUESTÕES EQUACIONADAS.
SUBSÍDIO ESPECIAL DE EDUCAÇÃO.
Sumário:I) – Não é de evidente ilegalidade um protocolo de colaboração entre ministérios, quando ele próprio consigna “como objectivo definir os circuitos e os procedimentos relativos às situações de colaboração”, no quadro legislativo vigente que indica, necessitando, pois, de averiguação quanto ao modo em que os termos aí definidos o respeitam ou não.
II) – Se a sentença afastou a concessão da providência por inimpugnabilidade desse protocolo, por falta de operatividade imediata, e se o recurso dela interposto não provoca o reexame da questão, necessariamente ele improcede.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:A...
Recorrido 1:Instituto da Segurança Social, IP e Ministério da Educação e Ciência..
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:
A..., com os sinais nos autos, inconformado, interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo TAF DE AVEIRO, em 02.04.2014, que julgou improcedente providência cautelar por si interposta contra Instituto da Segurança Social, IP; Direcção Geral dos Estabelecimentos Escolares e Ministério da Educação e Ciência, processo em que peticionou (art.º 102º e ss. do r. i. corrigido):
(1) “(…) a suspensão do Protocolo de Colaboração que se pretende ver impugnado e de todos e quaisquer actos de execução do mesmo, a saber:
a) o acto contido no oficio S/480/2014 da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares, não notificado, nem publicado, a que aludem os ofícios mencionados na alínea seguinte, que determinou;
b) a prática dos actos contidos nos inúmeros ofícios dirigidos aos beneficiários do Subsídio de Educação Especial de teor semelhante aos juntos aos autos sob docs. n.ºs 3 e 4, umas vezes através da DGEstE, outras por intermédio dos Agrupamentos de Escolas, comunicando aos requerentes da subvenção em apreço a devolução dos respectivos processos de candidatura, que apresentaram junto da Segurança Social antes da entrada em vigor do protocolo, alegando "não poder ser considerado nem validado, em virtude de o mesmo não se encontrar abrangido pelo Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro";
c) as comunicações aos Requerentes do SEE no âmbito dos processos de candidatura oferecidos junto da Segurança Social em Setembro e Outubro do transacto ano, isto é, antes da entrada em vigor do protocolo ora em crise, no sentido de serem preenchidos novos requerimentos conforme formulários anexos ao dito Protocolo de Colaboração e realizada a entrega dos mesmos para avaliação nas Escolas ou respectivas ELI's, atribuindo portanto eficácia rectroactiva ao Protocolo que celebraram em 22 de Outubro de 2013;
d) a atribuição de competências de estudo e avaliação interdisciplinar às Equipas Locais de Intervenção (ELI), do Sistema Nacional de Intervenção Precoce na Infância (SNIPI), bem como para a emissão de declaração técnica em impresso próprio (cfr. cláusulas 12ª, 13ª e 14ª do Protocolo de Colaboração);
e) a atribuição à Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares e respectivos funcionários, que não são médicos devidamente certificados e habilitados e cuja avaliação é destituída da força probatória especial que os atestados médicos revestem, porque dotados de fé pública, de funções de diagnóstico e sinalização das reduções permanentes de caráter clínico;
f) ainda que por omissão, a decisão de não conhecimento de quaisquer processos de candidatura, nem mesmo os apresentados antes da celebração do Protocolo. (…)” e,
(2)“(…)dever-se-á regular, ainda que provisoriamente, a situação jurídica desses beneficiários, devendo ordenar-se que, até que seja proferida decisão que conheça de mérito, todos os processos de candidatura, pretéritos e a oferecer, respeitem os trâmites, instrução e procedimentos que vinham sendo adoptados até o início da execução do Protocolo de Colaboração, em conformidade com a disciplina que resulta do Decreto-Lei n.º 133-B/97, de 30 de Maio e dos Decretos Regulamentares n.ºs 14/81, de 7 de Abril (com as alterações introduzidas pelo Decreto Regulamentar n.º 19/98, de 14 de Agosto) e 22-A/97, de 30 de Maio (no que respeita ao regime jurídico das prestações por encargos familiares), actualmente vigente. Mais se impõe seja a Administração condenada a conhecer tais processos de candidatura no prazo geral legalmente previsto para a decisão e, no mesmo prazo, realizar os pagamentos das subvenções devidas, reportando-as ao início do ano lectivo ou oferecimento do requerimento, (…)” e,
(3) “(…) mais se condenando os Requeridos, por forma a assegurar a efectividade da tutela, nos termos do art.º 3, n.º 2 do CPT A, em sanção pecuniária compulsória caso se verifique incumprimento do prazo fixado. (…)”.
A recorrente conclui:
1ª – Vem o presente recurso interposto da, aliás, douta sentença de fls. …, que indeferiu as providências cautelares requeridas, decidindo pelo não deferimento das providências pela “manifesta ilegalidade” e julgando procedente a alegada excepção de inimpugnabilidade do Protocolo de Colaboração em apreço.
2ª– Não poderá, pois, colher o argumento plasmado na decisão ora em crise acerca da “patente complexidade das questões fáctico-jurídicas e técnicas em apreço nesta lide” para arredar o deferimento da providência requerida pela “manifesta ilegalidade”, sendo certo que todas as partes estão de acordo no que respeita ao quadro legislativo vigente, aceitando e confessando mesmo as requeridas o seu propósito de implementar novas regras face à falta de “tempo útil para implementar novo quadro legislativo”.
3ª – Decide-se, ainda, na decisão recorrida pela inimpugnabilidade do protocolo sub judice, porquanto, o mesmo não ostenta as características do acto administrativo, na medida em que não visa produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta, nem mesmo de acto administrativo geral, destinando-se outrossim a um conjunto indeterminado de casos e de pessoas.
4ª – Ora, o dito protocolo, que cria dois novos impressos/formulários, substituindo os existentes, institui um novo procedimento de candidatura e instrução do processo, determinando os seus trâmites, requisitos, critérios e agentes de decisão, que até vem sendo aplicado retroactivamente pela administração ao arrepio do próprio protocolo, assume natureza de regulamento conjunto e, como tal, materialmente normativo, pelo que estamos perante um acto normativo/regulamentar a ser disseminado por casos concretos, enformando procedimentos formais e critérios materiais de decisão.
5ª – Como resulta mesmo das declarações confessórias das entidades Requeridas, transpostas parcialmente para o probatório, o protocolo visa instituir um regime de tramitação do procedimento de atribuição do subsídio de educação especial, regulado pelo Decreto-Lei n.º 133-B/97, de 30 de Maio e pelo Decreto Regulamentar nº 14/81, de 7 de Abril, derrogando-o parcialmente, face a impossibilidade de em tempo útil efectivar da forma legalmente prevista o novo quadro legislativo e regulamentar.
6ª – Assente que está a legitimidade da actuação da Requerente, com base no artigo 9º n.º 2 do CPTA, assiste-lhe tanto a legitimidade para impugnar actos, como para impugnar normas, desde que feridos de vício, como é aqui o caso, sendo certo que o meio de que lançou mão é o próprio e que o equívoco enquadramento jurídico do protocolo em causa (como acto e não como norma) em nada obstariam à obtenção de uma decisão de mérito por parte do Tribunal (ex vi art.º 7º CPTA).
7ª – Sendo certo que a doutrina vem aceitando a impugnação de “normas administrativas contidas em actos legislativos”, não cremos que o legislador tenha deixado de fora a impugnabilidade de actos regulamentares contidos em actos informais da administração.
8ª – As Requeridas criaram, pois, um regulamento com eficácia externa (aplicável a todos os procedimentos iniciados por particulares antes e depois da sua vigência), sem o suporte formal adequado (usou-se, no dizer do tribunal, um meio informal), sem que a sua elaboração tivesse percorrido o catálogo previsto na parte IV do Código do Procedimento Administrativo e sem invocar (por inexistente) qualquer norma habilitante para o efeito, procedimento manifestamente ilegal.
9ª – Em suma: o apelidado “Protocolo de Colaboração” está ferido de inconstitucionalidade por violação do disposto no artigo 112º n.º 8 da Constituição da República Portuguesa.
10º – Tal regulamento, para além dos apontados vícios formais, contrariando o disposto nos artigos 114º e ss. do Código de Procedimento Administrativo, contém disciplina materialmente ilegal, por violação da disciplina contida no Decreto-Lei n.º 133-B/97, de 30 de Maio, que ressalva expressamente no n.º 2 do referido art.º 75º a vigência do Decreto Regulamentar n.º 14/81, de 7 de Abril, mais concretamente, afrontando as disposições contidas nos artigos 2º, 3º, 12º e 13º do Regulamento, na redacção vigente.
Os recorridos apresentaram contra-alegações, pugnando pela improcedência.
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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Com dispensa de vistos prévios (art.º 36º, nº 2, do CPTA), cumpre decidir.
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A factualidade, tida em prova indiciária pela 1ª instância e agora também ponderada:

A). Em 16.08.2010, foi constituída a associação “A...”, cuja escritura da constituição e respectivos estatutos aqui se dão por integralmente reproduzidos. - cfr. fls. 29 a 42 dos autos;
B). Em 22.10.2013, pelo o Instituto de Segurança Social e a Direcção-Geral de Estabelecimentos Escolares, assinaram um “protocolo de colaboração”, cujo teor e dos respectivos anexos, aqui se dá por reproduzido integralmente. – cfr. fls. 43 a 54 dos autos;
C). Com data de 15.01.2014, o Agrupamento de Escolas de O... emitiu ofício, cujo teor aqui se dá por reproduzido integralmente e, do qual consta, além do mais, o seguinte:
“De acordo com o ofício S/480/2014 da Direcção-Geral dos Estabelecimento Escolares vimos informar que o processo de candidatura ao Subsídio de Educação Especial, previsto nos Decretos Regulamentares nº 14/81, de 7 de Abril, e nº 19/98, de 14 de Agosto, relativo ao seu Educando [campo truncado] foi devolvido por não poder ser considerado nem validade, em virtude de o mesmo não se encontrar abrangido pelo Decreto-Lei nº 3/2008, de 7 de Janeiro.
Mais se acrescenta que poderá levantar o processo nos Serviços Administrativos do Agrupamento. (…).” - cfr. fls. 55 dos autos;
D). Em data não concretizada, pelo Agrupamento de Escolas de E... foi emitido ofício, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e, do qual consta, além do mais, o seguinte:
Serviços de Psicologia e Orientação
Assunto: Subsídio de Educação Especial
Na observância do constante do ofício S/329/2014 – Depart: EMAP Setor: Educação Especial, rececionado a 6 de janeiro de 2014 (…), informa-se sobre o seguinte:
Na sequência do Protocolo estabelecido entre o Instituto da Segurança Social e a Direcção-Geral de Estabelecimentos Escolares, em 22 de Outubro, foram devolvidos os processos de candidatura ao subsídio de Educação Especial, previstos nos Decretos Regulamentares nº 14/81, de 7 de Abril, e nº 19/98, de 14 de Agosto, relativos aos alunos abaixo referenciados, os quais não podem ser considerados nem validades, em virtude de os mesmos não se encontrarem abrangidos pelo Decreto-Lei nº 3/2008, de 7 de Janeiro.
(…) [campo truncado]”. – cfr. fls. 56 e 57 dos autos;
E). Em 1999, foi celebrado “protocolo” entre o Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo e a Direcção Regional de Educação de Lisboa, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.- cfr. fls. 229 a 240 dos autos;
F). O requerimento inicial da presente lide foi apresentado em juízo, via «SITAF», no dia 24.01.2014. – fls. 2 dos autos;
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O Direito:
Efectivando a delimitação do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, acima elencadas, nos termos dos artºs., 608.º, n.º 2, 635.º, ns. 3 a 5, e 639.º, todos do Código de Processo Civil - Lei 41/2013, de 26/6 (art.º 5.º, n.º 1), “ex vi” arts.1.º e 140.º, do CPTA.
Donde ressalta o seguinte: solicitando a requerente, entre as providências requeridas, regulação provisória ao abrigo do art.º 132º do CPTA, e tendo o tribunal decidido da sua improcedência…
… (I) «por não verificação de “aparência de bom direito”» (art.º 132º, nº 2, c), do CPTA), bem assim por …
…. (II) desembocar em tutela antecipatória que afinal de contas regularia de modo definitivo o litígio (excedendo o carácter sumário, instrumental e provisório característico da tutela cautelar), quanto a este segmento, não vertendo o recurso, na delimitação objectiva das conclusões, ataque quanto a este segundo fundamento (pois quanto à primeira das razões pode dizer-se que a impugnação feita em recurso a comporta, enquanto sustentação que a recorrente faz de procedência por critério de evidência), incólume deixa a decisão.
Depois desta constatação, vejamos o mais.
Uma primeira ordem de razões vem sob as conclusões 1ª e 2ª.
Insurge-se a recorrente que o tribunal tenha concluído pelo não provimento das providências solicitadas ao tribunal ao abrigo do critério estabelecido no art.º 120º, nº 1, a), do CPTA.
“A doutrina e a jurisprudência tendem a caracterizar as situações que podem justificar o enquadramento na alínea a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA como sendo de natureza excepcional” – Ac. do TCAS, de 06-12-2014, proc. nº 10620/13.
Temos, também, como não evidente a procedência de pretensão almejada pela autora.
“As situações a enquadrar no art. 120º, nº 1, alínea a), do CPTA, designadamente no conceito de acto “manifestamente ilegal” não devem oferecer quaisquer dúvidas quanto a essa ilegalidade que, assim, deve poder ser facilmente detectada, face aos elementos constantes do processo e pela simples leitura e interpretação elementar da lei aplicável, sem necessidade de outras averiguações ou ponderações” – Ac. do STA, de 20-03-2014, proc. nº 0148/14.
Esse juízo de evidência soçobra caso exista margem de discussão.
Tal evidência «deve ser palmar, sem necessidade de quaisquer demonstrações (M. Aroso de Almeida/C. A. Fernandes Cadilha, Comentário ao CPTA, Almedina, 2005, pág. 603)».
A requerente sustenta que se não verificará a «patente complexidade das questões fáctico-jurídicas e técnicas em apreço nesta lide» apontada na sentença, conquanto todas as partes estarão de acordo quanto ao quadro legislativo vigente, antes aceitando e confessando seu propósito de implementar novas regras face à falta de “tempo útil para implementar novo quadro legislativo”.
Não é propriamente assim.
Sobre o quadro legislativo, efectivamente, não há desacordo; o bloco legal que rege é conhecido de todas as partes.
O próprio “Protocolo” dele faz invocação.
Que tal protocolo implemente novas regras, antecipando por via regulamentar um futuro novo regime, nisso já o consenso falha. Ao invés, é precisamente por não existir novo quadro legislativo que, perante “constrangimentos identificados no actual”, justifica o requerido Ministério da Educação e Ciência a celebração do “Protocolo” (art.º 41º da Oposição). É também com referência ao actual quadro legislativo que o mesmo instrumento se identifica, tendo “como objectivo definir os circuitos e os procedimentos relativos às situações de colaboração entre as instituições outorgantes, no âmbito da atribuição do SEE (…)” [Cláusula Primeira] [No Relatório Técnico sobre as “Políticas Públicas de Educação Especial”, de Junho de 2014, do Conselho Nacional de Educação, cita-se Bairrão, quanto a uma “colaboração estreita entre serviços de saúde, segurança social e de educação”. ].
A procedência ou improcedência da pretensão necessita, pois, de indagação, com vista a saber em que medida surte ilegalidade, que “de visu” não se aparenta.
Assim, não dá o art.º 120º, nº 1, a), do CPTA, guarida de êxito à presente tutela cautelar.
Afastada a solução do caso segundo critério de evidência do art.º 120º, nº 1, a), do CPTA, enfrentou a sentença análise sob batuta do art.º 120º, nº 1, b), do CPTA.
Afirmou a procedência da excepção de inimpugnabilidade.
Sob as conclusões 3ª a 7ª, sustenta a autora a natureza do “Protocolo” como regulamento conjunto, com eficácia externa, daí assentando que o tribunal “a quo” não deveria ter concluído por uma impugnabilidade “do acto” administrativo (e antes prosseguido em conhecimento de mérito).
Acontece que não foi exactamente esse o juízo do tribunal.
O que é pressuposto como razão de discordância da recorrente para com o decidido não esteve aí presente, votando ao insucesso a impugnação junto do tribunal superior.
O tribunal recorrido concluiu pela inimpugnabilidade, sim. Mas também assim o fez afastando que estivesse confrontado com qualquer acto administrativo. Antes opinou que se lhe deparava instrumento contratual. Mas também não se ficou por aí, ou só por aí.
Como ficou exarado (sic):
No caso sub iudice, a Requerente pretende a anulação e a declaração de nulidade do “protocolo de colaboração” e dos “actos de execução” que identifica nas alíneas a) a f) do artigo 102º do requerimento inicial.
Do “protocolo de colaboração” ressalta, desde logo, que este constitui, efectivamente, um acordo de vontades entre dois órgãos tendente a uniformizar circuitos e procedimentos de situações de colaboração no âmbito de atribuição do subsídio de educação especial.
E, sendo assim, inclui-se no âmbito da chamada actuação informal da Administração Pública que não visa produzir directamente efeitos jurídicos, mas antes pressupõe a prática posterior de avaliações e competentes decisões concretas - actos administrativos - em cada um dos processos individuais apresentados pelos potenciais beneficiários do subsídio de educação especial.
É, com efeito, como alega o Requerido Instituto de Segurança Social um contrato entre dois órgãos administrativos, no qual, mesmo que se definam critérios gerais quanto à atribuição do subsídio de educação especial, ainda assim, não corporiza um acto administrativo tal como este é definido, quer pelo artigo 120º do CPA, quer pela jurisprudência e doutrina.
Recapitulando, o acto administrativo é uma estatuição autoritária relativa a um caso concreto, emanada por uma entidade administrativa, no exercício da função administrativa e que se destina a produzir efeitos jurídicos externos, positivos ou negativos.
Ou seja, comparativamente às demais formas de actuação da Administração, o acto administrativo caracteriza-se por ser individual (aplica-se a uma pessoa ou um conjunto determinado de pessoas) e concreto (aplica-se a um caso ou a um conjunto determinado casos), enquanto a norma será geral (aplica-se a um número indeterminado de pessoas) e abstracta (aplica-se a um número indeterminado de pessoas) e, por sua vez, o acto administrativo é unilateral, imposto ao destinatário, enquanto o contrato, porque resulta de uma negociação, tem natureza bilateral.
Conclui-se, por isso, que o “protocolo de colaboração” em apreço, não ostenta as enunciadas características do acto administrativo porque (i) não visa produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta, nem mesmo de acto administrativo geral, (ii) se destina a um conjunto indeterminado de casos e de pessoas, não se sabendo de antemão quais as crianças e jovens que têm o infortúnio de padecer ou de vir a padecer de deficiência permanente, nem em que fase da sua vida ocorreram as circunstâncias escolares e/ou familiares que justifiquem a apresentação de requerimento do subsídio de educação especial.
Em suma, note-se, o aludido “protocolo de colaboração” não produz, por si só, qualquer efeito lesivo na esfera jurídica da Requerente ou dos seus associados.
É que, para produzir efeitos jurídicos externos e lesivos o mesmo carece de uma aplicação concreta, consubstanciada na prática de actos administrativos de deferimento ou indeferimento (ou similares, de não apreciação, de devolução...)
dos concretos requerimentos que sejam submetidos aos entes competentes para efeitos de atribuição do subsídio de educação especial, ou outros, no âmbito de um específico procedimento administrativo e de acordo com a situação individualizada em causa.
Donde se conclui que, também os actos que a Requerente enuncia nas alíneas a) a f) do artigo 102º do seu requerimento inicial, carecem de “impugnabilidade”.
A verdade é que, não sendo impugnável o “protocolo de colaboração” e pretendendo a Requerente impugnar/ suspender os actos individuais e concretos que, em execução do mesmo, hajam sido praticados pela Administração, incumbia-lhe, mesmo nesta sede cautelar – para o que, aliás, foi convidada em sede de convite ao aperfeiçoamento do requerimento inicial a fls. 63 e 64 dos autos - “juntar o documento comprovativo da prática do acto … impugnado” relativo a uma situação individual e concreta, conforme disposto no artigo 79º n.2 do CPTA. É que, não se basta o Tribunal, obviamente, com uma cópia truncada desses documentos, do qual não constam sequer os destinatários, no caso dos actos da alínea b) do artigo 102º do requerimento inicial e, nem apresentando qualquer cópia dos documentos / actos elencados nas alíneas a), c) e f) do artigo 102º do requerimento inicial (sendo que, neste último caso, seria o requerimento de atribuição de subsídio, que não obteve resposta).
E, assim sendo, não pode o Tribunal, nem mesmo nesta sede sumária e perfunctória como é a cautelar, aferir da legalidade dos mesmos em face das circunstâncias específicas e individuais de cada caso concreto. Acresce ainda que, mesmo apresentando-os, a Requerente teria de sustentar a sua legitimidade e interesse em agir, nesse caso, ao abrigo do disposto no artigo 9º n.1 do CPTA, actuando na lide em representação do associado destinatário daquele concreto acto – o que também não fez.
Com efeito, não pode o Tribunal, como pretende a Requerente suspender todo um universo de actos – não identificados ou identificáveis – ou, sequer, determinar, regulando provisoriamente como também peticiona a Requerente, a adopção de outros critérios de apreciação que não os do citado “protocolo” e, ainda, o pagamento dos sobreditos subsídios de educação especial a um universo indeterminado e indeterminável de administrados, já que, além de tal (a requerida “suspensão indeterminada”), potencialmente, paralisar toda a actuação dos Requeridos, por outro lado, a determinação dos critérios de decisão, caso fosse deferida nos termos em que vem peticionada, seria ilegal, por consubstanciar uma violação do princípio da separação de poderes e da discricionariedade que detém a Administração Pública.
Por último, no que se refere aos “actos” identificados sob as alíneas d) e e) do mencionado artigo 102º do requerimento inicial, os mesmos mais não constituem do que actuações informais da Administração Pública que não visam produzir directamente efeitos jurídicos, assim se verificando, com fundamento nas razões já aduzidas quanto ao citado protocolo de execução, actos inimpugnáveis.
Destarte, ante o que se deixou expendido importa, referir que quanto ao pedido (1) de suspensão do Protocolo de Colaboração e de todos e quaisquer actos de execução do mesmo, o Tribunal conclui pela procedência da alegada inimpugnabilidade do “protocolo” e dos actos de execução identificados.
Poderá até recorrente ter razão na aproximação que faz ao poder regulamentar; porventura justificando-se essa visão das coisas, mais por atenção à função que pelo suporte formal.
[E, ao contrário do sustentado pelo recorrido Instituto, aqui não identificamos questão nova; o que a recorrente sustenta é tão só diferente perspectiva de direito da que a sentença convocou]
Mas também por aqui se fica a discordância da recorrida.
Sem por em causa a constatação que o tribunal recorrido fez, por outras palavras e mesmo que tenha encarado outra qualificativa: sem que haja imediata operatividade, resulta a inimpugnabilidade; e bem assim os apelidados actos de execução identificados pelo requerido, ou não são reconhecíveis como actos administrativos de aplicação ou se tratam de actos informais.
O cerne de fundamento que presidiu à sentença recorrida.
Que o recurso não ataca, deixando de fora reexame.
Assim infrutiferamente avançando a recorrente nas conclusões 8ª a 10ª, onde aponta o que entende ser de ilegalidade.
*
Termos em que, em conferência, acordam os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
*
Sem custas, por isenção.
Porto, 27 de Junho de 2014.
Ass.: Luís Migueis Garcia
Ass.: Isabel Soeiro
Ass.: Fernanda Brandão