Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00002/12.4BCPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/04/2016
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:LEI N.º 41/2004, DE 18/08; PROTEÇÃO DE DADOS; PRAZO DE CONSERVAÇÃO DE DADOS;
DEFERIMENTO TÁCITO
Sumário:1 – Nos termos do CPA, mesmo na anterior versão, o Artº 109º nº 1, apontava no sentido do regime regra, perante o silêncio da Administração, ser a do indeferimento tácito, sem prejuízo da possibilidade de recurso aos mecanismos constantes do CPTA de modo a contrariar a omissão decisória da entidade administrativa (Vg. prática de ato devido).
2 – Uma vez que a Lei n° 41/2004, de 18.08, que transpôs para a ordem jurídica nacional a Diretiva 2002/58/CE, de 12 de julho do Conselho, relativa ao tratamento de dados pessoais e à proteção da privacidade no setor das comunicações eletrónicas, viabilizar a gravação de chamadas, não prevendo, no entanto, a fixação de qualquer prazo para a sua conservação, deverá o mesmo ser fixado pela entidade competente, no caso a Comissão Nacional de Proteção de Dados – CNPD.
Perante a ausência de prazo legal para o efeito, mostra-se legitimo que a CNPD atento o artigo 5° n°1, alínea e), da Lei n° 67/98, de 26.10, que estabelece que os dados em questão serão apenas conservados durante o período necessário para a prossecução das finalidades da recolha e do tratamento posterior, tenha concretizado o correspondente prazo, no âmbito da sua discricionariedade, em 7 anos, em paralelo com o prazo estabelecido para a conservação das gravações, no Artº 14º nº 2 da Lei n° 25/2008 (lei do combate ao branqueamento de capitais e do financiamento ao terrorismo).
Com efeito, se para efeitos do combate ao branqueamento de capitais e do financiamento ao terrorismo, o prazo estabelecido para a conservação de quaisquer suportes duradouros e dos registos das operações, não deverá ultrapassar os 7 anos, e tendo a CNPD que estabelecer um prazo para efeitos de manutenção de gravações dos contactos telefónicos com os clientes dos Bancos, mostra-se adequado, proporcional e não censurável, estabelecer para o efeito um prazo não superior àquele.*
*Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:BCP, SA
Recorrido 1:Comissão Nacional de Proteção de Dados
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I Relatório
O BCP, SA, com sede na Praça …, veio junto deste tribunal, em 22 de fevereiro de 2012, intentar “Ação Administrativa Especial de impugnação de ato administrativo e de condenação à prática de ato legalmente devido”, contra a Comissão Nacional de Proteção de Dados, na qual, a final, se peticionou que se deverá:

“a) anular o ato administrativo sub judice (autorização nº 10847/2011), por qualquer uma das três razões expostas; e

b) Se a anulação resultar da primeira supra exposta, deve V. Exª ainda, cumulativamente à anulação, declarar expressamente a plena validade e eficácia, na ordem jurídica, do ato tácito (constitutivo de direitos) de autorização; mas,

c) se a anulação resultar da segunda ou da terceira razão supra exposta, deve então V. Exª ainda, cumulativamente a anulação, condenar a Ré a praticar, em substituição do ato anulado, outro de teor igual à autorização nº 10847/2011, mas com a diferença de o prazo de conservação dos dados (gravação de contactos telefónicos com a finalidade de prova das transações comerciais e quaisquer outras comunicações respeitantes a relação contratual) ser de 10 e não e não apenas de 7 anos.”

Em 27 de março de 2012 veio a Comissão Nacional de Proteção de Dados apresentar a sua Contestação, na qual, a final, se pronuncia no sentido da “ação dever ser julgada improcedente e não provada, mantendo-se na integra o teor da autorização nº 1087/2011, de 3 de outubro de 2011, da CNPD, com a condenação da A. em custas legais” (Cfr. fls. 65 a 73 Procº físico).

II Pressupostos Processuais
Após vicissitudes várias de ordem processual e procedimental, em 1 de julho de 2016 foi proferido o Despacho Saneador, nos termos infra transcritos (Cfr. fls. 159 Procº físico):
“O tribunal é competente (Artº 23º nº 3 da Lei nº 67/98).
O Processo é o próprio e não enferma de nulidade.
Autor, e Entidade Demandada, têm personalidade e capacidade judiciárias e, ainda, legitimidade.
Não existem nulidades ou questões prévias que cumpra apreciar nesta fase e que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
Nos presentes autos, as peças das partes e o Processo Instrutor fornecem já todos os elementos necessários, mostrando-se a prova documental oferecida suficiente, sendo pois desnecessárias quaisquer outras diligências de prova (Artº 90º CPTA).
Importa agora viabilizar a melhor sistematização dos factos relevantes e incluir na decisão a proferir e sintetização das posições em confronto com vista à tomada de uma decisão célere.
Assim, não tendo as partes renunciado à sua apresentação, notifique o Autor para a apresentação de sucintas Alegações Escritas, formulando conclusões (Artº 91º nº 5 CPTA), pelo prazo de 20 dias, e depois a Entidade Demandada, para em igual prazo, querendo, as apresentar (Artº 91º nº 4, CPTA), acompanhadas de ficheiro informático, em formato “Word” nos termos e para os efeitos do Artº 148º nº 6 do CPC, ex vi Artº 1º CPTA.”

O Autor/BCP veio a apresentar as suas alegações escritas em 22 de julho de 2016 (Cfr, fls. 162 a 180 Procº físico) as quais, no essencial, retomam a argumentação expendida na PI, concluindo:
“1.ª Por relevarem para a boa decisão da causa e atentos quer os documentos juntos com a petição inicial, quer o teor do próprio processo administrativo, devem ser julgados provados os factos expostos no ponto 1º das presentes alegações.
2.ª Tendo a decisão final sido proferida mais de 5 anos após a apresentação do requerimento inicial e estando em causa uma “autorização”, formou-se, ao abrigo do artigo 108.º do CPA, ato tácito de deferimento, pelo que deve ser anulada, com fundamento na violação do artigo 140.º, n.º 1, alínea b), do CPA (ou do artigo 141.º desse mesmo CPA), a autorização n.º 10847/2011, que revoga implicitamente esse mesmo ato tácito (através da anulação da autorização n.º 10847/2011, que assume a natureza de ato revogatório, repristina-se o ato tacitamente deferido e volta a aplicar-se o prazo requerido de conservação dos dados, de 10 anos).
Os contra-argumentos da Ré são refutados supra, no corpo do capítulo II.1 e para onde se remete.
3.ª Atendendo à própria natureza e finalidade da Lei n.º 25/2008, o seu artigo 14.º, n.º 2, manifestamente não prevê um período máximo, mas sim um período mínimo de conservação dos registos e, por um lado, inexistindo qualquer outra norma jurídica da qual resulte só poder a Ré deferir a conservação dos dados por apenas 7 anos, mas, por outro lado, prevendo o artigo 40.º do Código Comercial a obrigação de arquivamento pelo período de 10 anos de correspondência emitida e recebida, de escrituração mercantil e de documentos a ela relativos, é este prazo de 10 anos que necessariamente se aplica, pelo que a decisão da Ré, de só admitir a conservação das gravações em causa por 7 anos, viola o referido artigo 40.º do Código Comercial, sendo, por isso, ilegal, pelo que deve a autorização n.º 10847/2011 ser revogada e a Ré condenada praticar outro ato em sua substituição, de teor igual à dita autorização n.º 10847/2011, mas com a diferença de o prazo de conservação dos dados ser de 10 e não apenas de 7 anos.
Os contra-argumentos da Ré são refutados supra, no corpo do capítulo II.2 e para onde se remete.
4.ª A autorização n.º 10847/2011, ao rejeitar o prazo de conservação de dados requerido, de 10 anos (prazo esse que é pertinente, adequado e não é excessivo, sendo aliás aquele que melhor defende os interesses dos titulares dos próprios dados, sem que tenha impacto minimamente relevante ao nível do interesse público), e ao fixar um prazo de apenas 7 anos, viola o princípio da proporcionalidade, que tem a sua base legal no artigo 5.º, n.º 2, do CPA, pelo que é ilegal e deve ser revogada, devendo ainda a Ré ser condenada praticar outro ato em sua substituição, de teor igual à dita autorização n.º 10847/2011, mas com a diferença de o prazo de conservação dos dados ser de 10 e não apenas de 7 anos.
Os contra-argumentos da Ré são refutados supra, no corpo do capítulo II.3 e para onde se remete.
Nestes termos, deve esse Alto Tribunal:
a) anular o ato administrativo sub judice (autorização n.º 10847/2011), por qualquer uma das razões supra expostas; e
b) se a anulação resultar da primeira razão supra exposta, deve esse Alto Tribunal ainda, cumulativamente à anulação, declarar expressamente a plena validade e eficácia, na ordem jurídica, do ato tácito (constitutivo de direitos) de autorização; mas,
c) se a anulação resultar da segunda ou da terceira razão supra exposta, deve então esse Alto Tribunal ainda, cumulativamente à anulação, condenar a Ré a praticar, em substituição do ato anulado, outro de teor igual à autorização n.º 10847/2011, mas com a diferença de o prazo de conservação dos dados (gravação de contactos telefónicos com a finalidade de prova das transações comerciais e quaisquer outras comunicações respeitantes a relação contratual) ser de 10 e não apenas de 7 anos.”

Em 19 de setembro de 2016, foram apresentadas as contra-alegações da Entidade Demandada/CNPD, que igualmente retomam os argumentos anteriormente explanados, concluindo (Cfr. fls. 184 a 186 Procº físico):
“a) A regra consagrada no Código do Procedimento Administrativo aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de novembro, é a do indeferimento tácito estabelecida pelo respetivo artigo 109.° n.º 1;
b) O tratamento de dados pessoais decorrente da gravação de chamadas no âmbito de uma relação contratual carece de autorização (expressa) da Comissão Nacional de Proteção de Dados, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 28.° da Lei n.º 67/98, de 26 de outubro, alterada pela Lei n.º 103/2015, de 24 de agosto (Lei de Proteção de Dados Pessoais - LPDP), uma vez que tais dados se enquadram no conceito de vida privada previsto no n.º 1 do artigo 7.° da mesma Lei e estão sujeitos ao princípio da confidencialidade das comunicações (cf. Deliberação n.º 629/20101);
c) Estando em causa a defesa do respeito pela vida privada do titular dos dados, constitucionalmente consagrada, o pedido para a realização do tratamento de dados de terceiro, de natureza sensível, nunca poderia estar sujeito a deferimento tácito;
d) O prazo de conservação dos dados recolhidos na gravação é fixado pela Comissão Nacional de Proteção de Dados no uso da competência que o artigo 23.° n.º 1, alínea f), da LPDP lhe confere;
e) Não estando fixado por lei, o prazo de conservação de dados é fixado em obediência ao princípio consagrado no artigo 5.° n.º 1, alínea e), do citado diploma, segundo o qual os dados pessoais apenas podem ser conservados durante o período necessário para a prossecução das finalidades ou do tratamento posterior;
f) A gravação do dado pessoal "voz" não é equiparável ao arquivo de correspondência comercial, pelo que o prazo máximo para a sua conservação não pode ser encontrado por recurso ao artigo 40.° da Código Comercial, mas sim aos princípios e normas de proteção de dados pessoais;
g) A Autorização n.º 10847/2011 considerou adequado o prazo de conservação de 7 anos, tendo em conta que foi esse o prazo que o legislador entendeu impor às entidades sujeitas à aplicação da Lei n.º 25/2008, de 5 de junho.
Termos em que, não se mostrando afetada dos vícios que o A. lhe imputa, a Autorização n.º 10847/2011 deverá ser inteiramente mantida.”

III Factos provados:
Tendo em consideração os documentos juntos aos autos, os constantes do Processo Administrativo, e o consenso neste aspeto obtido entre as partes, considera-se provada a seguinte matéria de facto, com relevância para o mérito da decisão:
a) A Autora apresentou à Ré, em 14 de julho de 2006, um requerimento através do qual a notificou, ao abrigo dos artigos 23.º e 27.º da Lei n.º 67/98 de 26 de outubro (lei da proteção dos dados pessoais, a seguir «LPDP»), que iria proceder à gravação dos contactos telefónicos com os seus clientes, que para isso dessem a sua autorização, no contexto da subscrição de produtos financeiros;
b) A Autora indicou, aí, que o tempo de conservação dos dados seria de 10 anos;
c) A Autora, não tendo recebido qualquer resposta por parte da Ré, e uma vez que esta estabelecera entretanto os princípios aplicáveis ao tratamento de dados de gravação de chamadas (deliberação n.º 922/2009), optou por apresentar novo pedido em 10 de maio de 2010;
d) A Autora indicou, aí, uma vez mais, que o tempo de conservação dos dados seria de 10 anos, tendo explicado no corpo do requerimento por que motivo existia na sua opinião uma efetiva necessidade para que fosse esse, e não outro, o prazo a considerar na autorização;
e) Foi a Ré que fixara o mencionado prazo em autorização anterior (autorização n.º 60/95 de 24 de outubro);
f) A Autora continuou sem receber resposta e, por isso, bem como pelo facto de terem sido alterados os princípios aplicáveis ao tratamento de dados de gravação de chamadas (deliberação n.º 629/2010), decidiu apresentar novo requerimento;
g) Retomou aí a linha argumentativa já antes exposta, pela qual o tempo de conservação dos dados deveria ser de 10 anos;
h) A Ré proferiu decisão em 3 de outubro de 2011, no âmbito do processo n.º 2320/2006, tendo concedido a autorização n.º 10847/2011 de 3 de outubro;
i) A referida decisão foi notificada à Autora em 10 de outubro de 2011, por correio eletrónico;
j) Nessa decisão, foi fixado como prazo de conservação dos dados, 7 anos;
k) A Autora reclamou desta decisão em 31 de outubro de 2011;
l) A Ré não proferiu decisão que recaísse sobre a mencionada reclamação.
m) A presente Ação deu entrada neste Tribunal Central Administrativo Norte em 22 de fevereiro de 2012 (Cfr. fls. 2 Procº físico).

Nenhum outro facto relevante foi considerado provado.

III - DIREITO APLICÁVEL
Atentos os factos dados como provados importa agora aplicar-lhes correspondentemente o direito, em função do peticionado.

Desde logo, e de modo a enquadrar aquilo que vai ficar dito, importa infra transcrever alguns dos normativos aqui em questão, para permitir uma mais eficaz visualização daquilo que se mostra legalmente estabelecido.

Refere-se no Artº 4 da Lei n.º 41/2004, de 18/08 (Proteção de dados pessoais e privacidade nas telecomunicações):
“Artigo 4.º
Inviolabilidade das comunicações eletrónicas
1 - As empresas que oferecem redes e ou serviços de comunicações eletrónicas devem garantir a inviolabilidade das comunicações e respetivos dados de tráfego realizadas através de redes públicas de comunicações e de serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público.
2 - É proibida a escuta, a instalação de dispositivos de escuta, o armazenamento ou outros meios de interceção ou vigilância de comunicações e dos respetivos dados de tráfego por terceiros sem o consentimento prévio e expresso dos utilizadores, com exceção dos casos previstos na lei.
3 - O disposto no presente artigo não impede as gravações legalmente autorizadas de comunicações e dos respetivos dados de tráfego, quando realizadas no âmbito de práticas comerciais lícitas, para o efeito de prova de uma transação comercial nem de qualquer outra comunicação feita no âmbito de uma relação contratual, desde que o titular dos dados tenha sido disso informado e dado o seu consentimento.
4 - São autorizadas as gravações de comunicações de e para serviços públicos destinados a prover situações de emergência de qualquer natureza.

Por outro lado, refere-se no Artº 14º da Lei n.º 25/2008, de 5 de junho (lei do combate ao branqueamento de capitais e do financiamento ao terrorismo):
“Dever de conservação
1 - As cópias ou referências aos documentos comprovativos do cumprimento do dever de identificação e de diligência devem ser conservadas por um período de sete anos após o momento em que a identificação se processou ou, no caso das relações de negócio, após o termo das mesmas.
2 - Os originais, cópias, referências ou quaisquer suportes duradouros, com idêntica força probatória, dos documentos comprovativos e dos registos das operações devem ser sempre conservados, de molde a permitir a reconstituição da operação, durante um período de sete anos a contar da sua execução, ainda que, no caso de se inserir numa relação de negócio, esta última já tenha terminado (Realce nosso).

Finalmente, afirma-se no Artº 40º do Código Comercial, na redação introduzida pelo DL n.º 76-A/2006, de 29 de Março:
“Obrigação de arquivar a correspondência, a escrituração mercantil e os documentos
1 - Todo o comerciante é obrigado a arquivar a correspondência emitida e recebida, a sua escrituração mercantil e os documentos a ela relativos, devendo conservar tudo pelo período de 10 anos. (Realce nosso)
2 - Os documentos referidos no número anterior podem ser arquivados com recurso a meios eletrónicos.

Aqui chegados, e em função do peticionado, importa verificar se o pedido formulado pelo aqui Autor, que deu origem ao Processo n.º 2320/2006, foi tacitamente deferido por força da aplicação do disposto no artigo 108.º do Código do Procedimento Administrativo aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de novembro e se às gravações de voz realizadas no âmbito da previsão do artigo 4.° n.º 3 da Lei n.º 41/2004, de 18 de agosto, é aplicável o período de conservação de 10 anos, nos termos do disposto no artº 40.° do Código Comercial, ou 7 anos, nos termos do disposto no n.º 2 do Artº 14º da Lei n.º 25/2008.

Resulta do artigo 22° da Lei n° 67/98, de 26.10, que a CNPD é a autoridade nacional que tem como atribuição controlar e fiscalizar o cumprimento das disposições legais e regulamentares em matéria de proteção de dados pessoais, dispondo para tal de poderes para autorizar os tratamentos de dados pessoais, podendo emitir diretivas nos termos definidos no respetivo artigo 23° n°1 alíneas b) e f).
Em concreto, foi pela Autorização n° 10847/2011, de 3 de outubro de 2011, que foi viabilizado o tratamento de dados pessoais (dados de tráfego e de conteúdo das chamadas), em conformidade com a Deliberação n° 629/2010, tendo sido fixado o prazo de 7 anos para a conservação dos dados recolhidos nas gravações, nos termos do n°2 do artigo 14° da Lei n° 25/2008, de 5 de junho, o que suscitou a discordância do aqui Autor/BCP.

Vejamos então os vícios que são imputados ao ato objeto de impugnação:

Da violação do artigo 140º n°1, alínea b), do CPA:
Refere-se no referido normativo, na versão então em vigor:
Artigo 140.º
Revogabilidade dos atos válidos
1 - Os atos administrativos que sejam válidos são livremente revogáveis, exceto nos casos seguintes:
a) (…);
b) Quando forem constitutivos de direitos ou de interesses legalmente protegidos;
c) (…)”.

Para justificar o invocado, invoca o BCP que o pedido anteriormente formulado já se encontraria deferido tacitamente, nos termos do Artº 108° do CPA, então em vigor, pelo que a decisão proferida e aqui impugnada, se consubstanciaria numa revogação implícita de ato tácito constitutivo de direitos.

Em qualquer caso, tal conclusão mostra-se abusiva, na medida em que a regra ínsita no mesmo CPA, desta feita no Artº 109º nº 1, apontava no sentido da regra vigente, perante o silêncio da Administração, ser a do indeferimento tácito, isto para já não mencionar os mecanismos constantes do CPTA no sentido de contrariar a omissão decisória da entidade administrativa (Vg. prática de ato devido).

Assim sendo, não se mostra possível afirmar que a controvertida Autorização n° 10847/2011, de 3 de outubro de 2011, possa ter revogado qualquer ato constitutivo de direito ou interesse legalmente protegido, como defende o BCP, pois que o silêncio do CNPD, embora censurável pela sua duração, não determinou a prática de qualquer ato tácito, mormente de deferimento.

Improcede assim o vício suscitado.

Da violação do artigo 40° do Código Comercial:
Entende o Autor/BCP que a fixação, na Autorização n° 10847/2011, do prazo de 7 anos para a conservação de gravações reportadas a relações comerciais viola o disposto no supra citado artigo 40° do Código Comercial que estabelece o prazo mínimo de 10 anos.

Em qualquer caso, tal como defende a CNPD, não se vislumbra que assim seja, uma vez que a Lei n° 41/2004, de 18.08, que transpôs para a ordem jurídica nacional a Diretiva 2002/58/CE, de 12 de julho do Conselho, relativa ao tratamento de dados pessoais e à proteção da privacidade no setor das comunicações eletrónicas, viabiliza a gravação de chamadas, não prevendo, no entanto, a fixação de qualquer prazo.

Assim sendo, sempre teria a CNPD, no âmbito da sua discricionariedade técnica, e enquanto entidade competente, que fixar um qualquer prazo para o efeito, nos termos e para os efeitos do Artº 23° n°1, alínea f) da Lei n° 67/98, no qual se refere que “Compete em especial à CNPD (…) Fixar o tempo da conservação dos dados pessoais em função da finalidade, podendo emitir diretivas para determinados sectores de atividade”.

Por outro lado, refere o artigo 5° n°1, alínea e), da mesma Lei n° 67/98, que os dados devem ser conservados de forma a permitir a identificação dos seus titulares apenas durante o período necessário para a prossecução das finalidades da recolha ou do tratamento posterior.

Não é aliás despiciente sublinhar que foi o próprio BCP quem em 21.09.2011 requereu à CNPD a fixação de um prazo de conservação das gravações equivalente ao de operações idênticas realizadas em suporte de papel, entre os 5 e os 10 anos, “conforme os casos” (cf. fls.155 verso do PA).

Em face do que precede, não se vislumbra que se mostre desadequado o entendimento adotado na Autorização n° 10847/2011 por parte da CNPD, ao fixar o prazo de 7 anos para a conservação das gravações, aliás, em conformidade com o prazo constante do já citado e supra transcrito Artº 14º nº 2 da Lei n° 25/2008.

Se é certo que as controvertida gravações resultam de relações comerciais, o que é facto é que as mesmas têm subjacentes dados pessoais, enquadráveis no conceito de vida privada, constante do n°1 do artigo 7° da Lei n° 67/98, sujeito, por natureza, ao princípio da confidencialidade das comunicações (É proibido o tratamento de dados pessoais referentes a (…) vida privada (…)”

Em face do que precede, não se mostra que os dados aqui em questão se possam entender como meros registos de operações comerciais, situação em que, aí sim, seria de aplicar o prazo de conservação previsto no artigo 40° do Código Comercial (10 anos).

Por outro lado, não tendo o legislador definido em concreto qualquer prazo para o efeito, e perante a potencialidade de aplicar um de dois prazos constantes de legislação avulsa, se outras razões não houvesse, sempre se mostraria mais adequado aplicar o prazo menos intrusivo dos dados pessoais em questão, atento até o estatuído no artigo 18.° n.º 2 e 3 da CRP, no que concerne à restrição de direitos.

Atenta a discricionariedade legalmente conferida à CNPD quanto à definição em concreto do prazo para manutenção da gravação dos contactos telefónicos estabelecidos, no caso pelo BCP, e em função do precedentemente expendido, reitera-se que não se vislumbra que a Autorização n° 10847/2011 se mostre violadora do Artº 40º do Código Comercial, por aqui não aplicável.

Da violação do artigo 5° n°2 do CPA:
Entende o BCP que a fixação em 7 anos do prazo de conservação dos dados, lhe causará, e aos seus clientes, inconvenientes na medida em que ficarão para além daquele prazo, impedidos de fazer prova sobre a transação comercial, o que violaria o princípio da proporcionalidade previsto no artigo 5° n°2 do Código do Procedimento Administrativo.

Pode ler-se na invocada norma:
“Princípios da igualdade e da proporcionalidade
(…)
2 - As decisões da Administração que colidam com direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afetar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objetivos a realizar.”

Em qualquer caso, não se vislumbra em que medida o invocado poderia violar o principio da proporcionalidade, sendo que, como se viu já, a questão controvertida e no que a princípios concerne, conexiona-se antes com os princípios de proteção de dados pessoais, em função do estatuído na questionada Autorização n° 10847/2011 da CNPD.

Foi pois em função de necessidade de adotar um prazo que se mostrasse menos intrusivo para com os dados pessoais daqueles que se relacionam com o Banco, que a CNPD preconizou na autorização objeto de impugnação, um prazo mais curto para a manutenção da gravação dos contactos telefónicos estabelecidos, não se antevendo ou antecipando daí quaisquer prejuízos atendíveis, sendo que estamos a falar de um prazo de 7 anos, ao invés de 10 anos.

Acresce que a CNPD não definiu o referido prazo sem qualquer enquadramento ou fundamento, já que se socorreu do artigo 5° n°1, alínea e), da Lei n° 67/98, de 26.10, que estabelece que os dados em questão serão apenas conservados durante o período necessário para a prossecução das finalidades da recolha e do tratamento posterior, concretizando os controvertidos 7 anos para a conservação das gravações, em função do prazo estabelecido no supra transcrito Artº 14º nº 2 da Lei n° 25/2008.

Com efeito, se para efeitos do combate ao branqueamento de capitais e do financiamento ao terrorismo, o prazo estabelecido para a conservação de quaisquer suportes duradouros e dos registos das operações, não deverá ultrapassar os 7 anos, e tendo a CNPD que estabelecer um prazo para efeitos de manutenção de gravações dos contactos telefónicos com os clientes do Banco, mostra-se adequado, proporcional e não censurável, estabelecer para o efeito um prazo não superior àquele.

Em face do precedentemente expendido, não se vislumbra, igualmente, que a Autorização n° 10847/2011 se mostre violadora do Artº 5º nº 2 do CPA.

* * *
Ainda que vindo cumulado pedido de condenação da Entidade Demandada “à prática do ato legalmente devido”, tendo-se julgado improcedente a peticionada anulação do ato objeto de impugnação, mostrar-se-ia inútil analisar aquele.

IV – Decisão
Deste modo, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em julgar a presente ação improcedente.
Custas pelo Autor

Porto, 4 de novembro de 2016
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Hélder Vieira (Em substituição)