Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00174/14.3BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/10/2015
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Mário Rebelo
Descritores:DERROGAÇÃO DE SIGILO BANCÁRIO
INDÍCIOS E FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:1. Depois das alterações na redacção do art. 63-B da LGT introduzidas pela Lei n.º 94/2009, de 1 de Setembro, deixou de se fazer referência à necessidade de audição prévia em todas as situações referidas no n.º 1, em que está em causa o acesso a documentação bancária do sujeito passivo.
2. Tal exigência apenas se mantém para o acesso a documentos referentes a familiares ou terceiros que se encontrem numa situação especial com o contribuinte.
3. Respeitadas as exigência legais, a AT não está impedida de usar na fundamentação factos indiciários, desde que assegurados os princípios norteadores da fundamentação traduzidos em discurso claro, congruente e suficiente.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:H...
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

Síntese do processado mais relevante.
Através das participações obrigatórias das instituições financeiras, a AT verificou que o sujeito passivo auferiu no ano de 2010 a quantia de e 12.942,05 a título de rendimentos de juros de depósitos e no ano de 2011 auferiu sob o mesmo título a quantia de € 76.295,34, manifestando assim um incremento de € 63.353,29.

Aplicando uma taxa de juro implícita de 4% concluiu que o capital investido em 2011 pelo sujeito passivo equivalia a € 1.583.832,25

Como no ano de 2011 o sujeito passivo declarara o rendimento colectável de € 91.108,51 a AT considerou verificado um acréscimo patrimonial não justificado no montante de € 1.401.615,23 correspondente à diferença entre tal incremento de capital no referido montante de € 1,583.832,25 e o dobro do mencionado rendimento colectável no montante de €182.217,02.

E assim,

Notificou o sujeito passivo de que se encontram reunidas as condições legais para, de acordo com referido o n° 5 do artigo 89°-A da LGT, se proceder á fixação do rendimento tributável no montante de € 1.492.723,74, considerando-se o valor que excede os rendimentos declarados, de acordo com o n° 3 do artigo 9° do Código do IRS, como rendimentos da categoria G.

Mais o informou de que
Nos termos do n° 3 do artigo 89°-A da LGT, verificadas as situações previstas no n° 1 deste artigo, bem como na alínea f) do n° 1 do artigo 87°, cabe ao sujeito passivo a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património ou da despesa efectuada.

Por fim, advertiu o contribuinte de que No âmbito do procedimento e, na eventualidade de tal se mostrar necessário, solicita-se ainda que, em declaração escrita, manifeste, expressamente, se autoriza ou não a Administração Tributária, nos termos da alínea b) do n° 2 do artigo 63°-B da LGT, a aceder a informações e documentos bancários.

Seguiu-se uma troca de correspondência entre o contribuinte e a AT, tendo aquele em suma, dito não ter tido rendimentos com taxas de juro de 4% em 2010 e 2011, nem teve qualquer incremento de capital investido em 2011 de € 1.583.832,25. Adiantou também não se encontrar nas condições previstas nos arts. 89-A, 87º; e 60º da Lei Geral Tributária, não podendo as Finanças presumir valores de capital através de juros, para depois presumirem rendimentos.

Em respostas da AT a requerimentos do sujeito passivo, adiantou-se a necessidade de comprovar a realidade dos rendimentos declarados e que outra é a fonte das manifestações de fortuna, caso contrário seremos forçados a solicitar ao director geral da AT o procedimento de investigação das contas bancárias.

A este ofício seguiu-se ainda outra resposta do sujeito passivo, solicitando mais esclarecimentos, alegando ainda que os juros em si mesmo nada revelam ou indiciam quanto ao capital.

Foi então (de novo) notificado para autorizar o acesso às contas bancárias de que é titular.

O que recusou.

Por despacho do Diretor-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, datado de 18/12/2013 foi autorizada a derrogação do sigilo bancário referente a 2011.

Interposto recurso para o TAF de Coimbra, foi concedido provimento com fundamento por não existir qualquer divergência entre o declarado e a realidade invocada pela Administração Tributária, não se verificando assim, um dos requisitos previstos no art. 87º/1,f) da LGT

Inconformado com a sentença, dela recorreu a AT concluindo:
a. No Capítulo III da sentença recorrida são transcritos os factos considerados provados pelo tribunal a quo aí se referindo que: “A convicção do Tribunal assentou nos documentos juntos pelas partes aos autos e que não foram objecto de qualquer forma de impugnação. Não ficaram demonstrados com interesse para a decisão a proferir, os demais factos alegados pelas partes nos respectivos articulados juntos ao presente processo”.
b. Os factos provados permitem concluir pela verificação dos indícios da existência de acréscimos de património não justificados, e existem factos alegados na Oposição da ora Recorrente que deveriam ter sido considerados como provados, por tal resultar directamente do Processo Administrativo junto aos autos, e do Doc. 1 junto à PI.
c. Os factos alegados pelo Recorrente na Oposição, que resultam directa e imediatamente dos meios probatórios constantes do processo, nomeadamente do Processo Administrativo, e que como tal, impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto, nos termos do disposto no artigo 640º do CPC, aplicável ex vi artigo 2º, al. e) do CPPT, são os seguintes:
 Das declarações Modelo 3 de IRS apresentadas pelo Recorrente em 2010 e 2011, resulta, respectivamente, um rendimento global de €100.420,94 e € 91.108,55 e da análise das declarações Modelo 39, foi possível apurar que naqueles exercícios o Recorrente auferiu, a título de rendimentos de aplicação de capitais, as quantias de €12.942,05 e €76.295,34, em 2010 e 2011, respectivamente (Cfr. artigo 130º da Oposição)
 Os rendimentos de capitais auferidos correspondiam a mais de metade dos rendimentos declarados pelo Recorrente, sendo que quando comparados com os juros obtidos no ano de 2010, os mesmos sofreram um acréscimo de mais de 500% (Cfr. artigo 131º da Oposição)
 Atendendo à informação disponível na AT, em concreto as Declarações Modelo 39 relativas aos rendimentos provenientes de juros recebidos nos exercícios de 2010 e 2011, apurou-se que o Recorrente obteve um acréscimo de juros recebidos de diversas instituições financeiras no valor de € 63.353,29 [€ 76.295,34 (juros de 2011) - € 12.942,05 (juros de 2010)], que o mesmo não logrou justificar (Cfr. artigo 44º da Oposição);
 Conjugado com a informação constante nas declarações de modelo 3 de IRS observa-se uma desproporção entre o rendimento global apurado no valor de 91.108,55€ e o acréscimo estimado de capital aplicado (que se estima cifrar-se no valor de € 1.583.832,25), estimado por recurso a uma taxa de juro implícita de 4% (Cfr. artigos 45º e 139º da Oposição);
 Não tendo o Recorrente fornecido os exactos elementos de prova solicitados pelos serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Coimbra, não foi possível verificar a proveniência dos acréscimos patrimoniais (Cfr. artigo 40º da Oposição);
 O Recorrente não apresentou qualquer documento bancário que comprove a inexistência de um incremento do capital investido, não esclarecendo de forma inequívoca a origem dos seus rendimentos, nem mesmo a obtenção dos próprios rendimentos nas diversas instituições bancárias (Cfr. artigo 42º da Oposição);
 O ora Recorrido não justificou na totalidade, nem de forma inequívoca o acréscimo de rendimentos de capitais no ano de 2011, nem justificado a origem dos mesmos e/ou que os rendimentos declarados correspondem à realidade e que é outra a fonte do acréscimo (cfr. artigo 46º da Oposição).
d. Pelo que, considerando que a não inserção dos ditos factos no probatório constitui um erro de julgamento nos termos do disposto no artigo 640º, nº 1 do CPC, e considerando a relevância para a decisão final dos factos ora transcritos, que, como se disse, se inferem directamente do Processo Administrativo, devem os mesmos ser aditados aos factos provados, o que desde já se requer nos termos do disposto no artigo 662º, nº 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 2º, al. e) do CPPT.
e. Além disso não corresponde inteiramente à verdade que a ora Recorrente não tenha impugnado os documentos juntos pelo sujeito passivo, como resulta do artigo 158º da Oposição da ora Recorrente, pois, não obstante não terem sido formalmente impugnados quanto à sua falsidade, nos termos do previstos no Código Civil, os documentos apresentados pelo ora Recorrido foram impugnados no sentido de que os mesmos não eram susceptíveis de fazer vingar a tese preconizada pelo sujeito passivo, pelo que o seu conteúdo não deveria constar dos factos considerados como provados (Pontos A e B dos factos dados como provados), desde logo porque os documentos não são factos, mas um meio de prova dos factos alegados pelas partes e que, no seu conjunto, compõem o litígio (Acórdão STJ de 19.05.2005, Processo 05B1056)
f. Mesmo considerando-se provado o teor de tais documentos, sempre deveria sobre os mesmos ter incidido juízo crítico no sentido de determinar se o seu conteúdo permitia ou não comprovar o pretendido pelo Recorrido, o que igualmente não sucedeu, ficando sem se saber quais os factos concretos que se pretendeu dar como provados com a transcrição de tais documentos (Acórdão TCAN de 30.04.2013, Processo 00944/04.0BEPRT).
g. Nem se diga que tal é feito no Capítulo IV, Ponto III da sentença recorrida, porquanto nesse ponto apenas é feita uma longa transcrição de um Acórdão, dizendo-se que “na presente situação vale mutatis mutandis, a doutrina expendida no aludido Acórdão”, desconhecendo o ora Recorrente (nem a tal é obrigado) se ao processo que aí é julgado foram juntos os mesmos ou outros documentos do Banco de Portugal (Acórdão TRGMR de 02.07.2013, Processo nº 132585/10.1YIPRT.G).
h. Considerando que os factos que os ditos documentos pretendiam provar foram alvo de impugnação, entende o Recorrente que devem ser eliminados dos factos provados os pontos A. e B, o que desde já se requer nos termos do disposto no artigo 662º, nº 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 2º, al. e) do CPPT, ou, caso assim não se entenda, devem os factos considerados provados nos Pontos A e B ser objecto de rectificação, nomeadamente através da indicação dos factos concretos que os mesmos são aptos a demonstrar, sem o que a sentença fica viciada de falta de fundamentação, por não respeitar o disposto no artigo 607º, nºs 3 e 4 do CPC.
i. No que se refere à matéria de direito, importa verificar se se encontram preenchidos os requisitos de derrogação do sigilo bancário, nos termos do disposto no artigo 63.º-B, nº 1, al. c) da LGT, e se, desde logo, nos ativermos à letra da lei, podemos facilmente concluir que, caso o legislador pretendesse ver, em sede de pressupostos para a derrogação do sigilo bancário, preenchidos os requisitos do artigo 87º, nº 1, al. f) da LGT, bastar-lhe-ia escrever que: “A administração tributária tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos quando se verifique a existência de acréscimos de património não justificados, nos termos da alínea f) do nº 1 do artigo 87º”.
j. Porém, o legislador inseriu intencionalmente em tal norma (tal como nas alíneas a) e b) do mesmo nº1) a palavra indícios, e indícios não são mais do que meras indicações, sinais, vestígios, que nos permitem concluir pela possibilidade de ocorrência de um determinado facto, sendo que no caso concreto se apurou através do cruzamento das Declarações Modelo 39 que os valores de juros percepcionados haviam sofrido um acréscimo de mais de 500% de um ano para o outro, o que é indício sólido de um correspondente acréscimo do capital investido pelo Recorrido.
k. O conceito de “facto manifestado” a que se faz referência na douta sentença, é desde logo alheio à letra e inserção sistemática do artigo 63º-B da LGT, ocorrendo um manifesto equívoco entre o que se exige no artigo 63.º-B, nº 1, al. c) e no artigo 87º, nº 1, al. f) da LGT.
l. É certo que só se procede a avaliação indirecta de forma subsidiária, e quando preenchidos os pressupostos do artigo 87º da LGT, porém - é aqui que cremos residir o equívoco -, o procedimento de derrogação do sigilo bancário não pode confundir-se com a realização de avaliação indirecta por via da existência de manifestações de fortuna, pois estamos num momento prévio à sobredita avaliação indirecta, num momento em que procuramos indagar se se encontram preenchidos os requisitos para proceder a uma tal avaliação, sendo que tal mecanismo é necessariamente despoletado pela existência de indícios, seja de crime, da falta de veracidade do declarado, da possibilidade de existência de manifestações de fortuna não declaradas, ou por qualquer outro motivo tipificado na lei.
m. Os Serviços de Inspecção Tributária apuraram que no ano de 2011, ocorreu um acréscimo de juros recebidos no montante de € 63.353,29 (€ 12.942,05 em 2010 e € 76.295,34), o que, em termos percentuais representa um acréscimo superior a 500%, claramente indiciador de um incremento de capital investido, o que, conjugado com a informação constante nas declarações de modelo 3 de IRS demonstra uma desproporção entre o rendimento global apurado no valor de 91.108,55€ e o acréscimo estimado de capital aplicado (que se estima cifrar-se no valor de € 1.583.832,25), por recurso a uma taxa de juro implícita de 4%.
n. Nas palavras da sentença recorrida, os juros são realmente os factos manifestados. No entanto, o que a lei efectivamente exige é que existam indícios da existência de acréscimos de património não justificados, e não que entre os indícios exista uma desproporção superior a € 100.000,00.
o. E tal resulta desde logo da exposição de motivos da Proposta de Lei nº 275/X/4.ª que deu origem à Lei 94/2009, a qual veio introduzir a actual redacção da alínea c) do nº 1 do artigo 63.º-B da LGT:
“Neste enquadramento, alargam-se os poderes da administração tributária, porém, de forma criteriosa e proporcionada aos objectivos enunciados. Assim, perante a existência de indícios de irregularidade fiscal, o dirigente máximo da administração tributária pode, no âmbito de um poder vinculado, decidir pelo acesso directo à informação do sujeito passivo em causa”.
p. O que se pretende com o instituto das manifestações de fortuna, é essencialmente tributar rendimentos que não foram declarados pelos sujeitos passivos, e, os juros não só são objecto de declaração pelas instituições bancárias (Modelo 39), como foram eles próprios já objecto de tributação, nomeadamente através de retenção na fonte, pelo que, o “acréscimo de património ou despesa efectuada, incluindo liberalidades, de valor superior a € 100.000,00” não poderia ser relativo a juros (a menos que este de alguma forma tivessem “escapado” a sua normal tributação) como se pretende na sentença recorrida, mas sim, no caso deste tipo de investimentos, ao capital aplicado.
q. Se o legislador optou por tratar os acréscimos patrimoniais injustificados como manifestações de fortuna, por algum motivo não determinou, que para efeitos de derrogação do sigilo bancário, se verificassem mais do que meros indícios, que naturalmente serão mais tarde (ou não) convertidos em novos factos manifestados susceptíveis de aplicação de uma avaliação indirecta.
r. É irrelevante, para efeitos de cruzamento de dados com a Declaração de Rendimentos do Recorrido, que a declaração Modelo 39 provenha de um terceiro, e a verdade é que existe efectivamente uma divergência: no ano de 2010, o Recorrido declarou rendimentos no valor de € 100.420,94 e auferiu € 12.942,05 de juros; e no ano de 2011 declarou rendimentos de € 91.108,55 e auferiu € 76.295,34 de juros. Ora, para um rendimento declarado em 2011 inferior ao de 201o, temos um acréscimo de juros no valor de € 63.353,29.
s. Atento tal acréscimo, e através da aplicação de uma taxa de juro de 4%, para estimativa do capital aplicado, concluiu-se que para tais valores de juros percepcionados, teria de ter ocorrido um acréscimo de capital investido na ordem dos 1.583.832,25. Donde se retira estar preenchido o requisito da existência de indícios de acréscimo patrimonial injustificado, que posteriormente, e em virtude da falta de colaboração do sujeito passivo com vista ao apuramento da sua situação tributária, e por análise dos documentos bancários do mesmo, seriam ou não efectivamente comprovados.
t. Na parte final da sentença recorrida verifica-se a existência de falta de fundamentação, porquanto se recorre a um conceito indeterminado (“quando soarem os alarmes”), não se demonstrando em concreto, por que motivo o acréscimo de juros comprovado pela AT não faz “soar alarmes” no que toca ao aumento de capital investido pelo Recorrido.
u. Sendo certo que, a exigência de comprovação de uma divergência concreta superior a € 100.000,00 para efeitos de derrogação do sigilo bancário, poderia permitir o recurso ao mecanismo da derrogação do sigilo bancário em situações em que tal seria absolutamente redundante, podendo, em contrapartida, ocorrer situações como a dos presentes autos, em que há um facto comprovado claramente indiciador da existência de um possível aumento do capital investido superior a € 100.000,00 (que o Recorrido nunca comprovou não ter ocorrido), que ficaria por tributar por não ser concedido o acesso à informação bancária essencial à determinação da aplicabilidade ou não de métodos indirectos de avaliação.
v. E, no que se refere à taxa de 4% utilizada para efeitos de determinação do capital aplicado, que a douta sentença recorrida apelida de “mero juízo especulativo”, importa relembrar que a taxa em causa serviu meramente para estimar o valor de acréscimo de capital face ao acréscimo de juros recebidos pelo Recorrente no montante de € 63.353,29, claramente dissonantes com os rendimentos por si declarados em sede de IRS, e, considerando que a taxa máxima da Euribor nunca ultrapassou os 2,2% entre 2010 e 2011, a taxa aplicada pela AT no procedimento em causa é desde logo mais favorável, pois, caso se tivesse aplicado esta taxa para estimar os capitais aplicados, os valores obtidos seriam substancialmente superiores, bem como os respectivos acréscimos.
w. Encontrando-se num momento prévio à hipotética aplicação de avaliação indirecta, em que se visa o apuramento de factos ainda desconhecidos, por não estar a AT habilitada de todos os elementos de que necessita para determinar se se encontram preenchidos os requisitos para proceder a tal avaliação, sempre será necessário “o recurso a raciocínios lógicos, a juízos hipotéticos ou a regras da experiência para enquadrar ou circunscrever (tipificar) situações de cujos exatos contornos a administração tributária não teve nem podia ter conhecimento. Essa margem de indeterminação será ainda maior num procedimento de natureza preparatória e instrumental (como é o procedimento de derrogação do dever do sigilo bancário), visto que a sua finalidade é precisamente o apuramento de factos desconhecidos e a sua necessidade é aferida numa fase recuada do procedimento de que depende, quando a administração tributária ainda não está na posse de todos os dados concretos de que necessita” – Acórdão TCAN de 27.03.2014, Processo nº 00493/13.6BEVIS, a respeito da análise da fundamentação em sentido formal, da decisão de derrogação do sigilo bancário.
x. Desta forma, atenta a incorrecta interpretação que a douta sentença recorrida faz do artigo 63.º-B, nº 1, al. c) da LGT, deverá a mesma ser substituída por uma nova decisão em que se confirme a validade e legalidade da decisão do Senhor Director-Geral da AT no que se refere à derrogação do sigilo bancário, aplicando-se a respectiva norma com o sentido supra proposto nestas alegações, e nos pontos h. a v. das Conclusões.
y. Para além de tudo quanto já demonstrou acerca do conceito de “indícios”, cumpre ainda referir que, o artigo 63.º-B, nº 1, al. c) seria manifestamente inconstitucional, caso viesse a ser admitida a sua interpretação no sentido que lhe é atribuído pela douta sentença recorrida, pois ao exigir-se (extrapolando a letra da lei) que os “indícios” sejam na verdade os concretos factos subsumíveis na previsão da alínea f) do artigo 87º da LGT, estar-se-ia a limitar, se não mesmo a impedir a realização do princípio da prossecução do interesse público, previsto nos artigos 266º e 269º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e nos artigos 55º e 58º da LGT (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 442/2007, de 14.08.2007).
z. Tendo o instituto da derrogação do sigilo bancário como objectivo legislativo assumido, o combate à fraude e evasão fiscal, certo é que não legitima o acesso da AT aos documentos bancários em todas as situações, mas apenas nas expressamente previstas, e, ao impedir-se a possibilidade de recurso ao mecanismo da derrogação do sigilo bancário, nas situações em que há indícios demonstrados de que poderá vir a aplicar-se a previsão do artigo 87º, alínea f) da LGT, mas em que ainda não está absolutamente quantificada a eventual manifestação de fortuna, e em que o sujeito passivo não colabora com a Administração Fiscal no sentido de esclarecer a sua concreta situação tributária, está a limitar-se a um número muito reduzido, as situações em que a Administração Fiscal poderá levar a cabo as suas atribuições no âmbito do princípio constitucionalmente consagrado da prossecução do interesse público, nomeadamente a justa e atempada arrecadação de receitas fiscais, o dever fundamental de pagar impostos, o princípio da capacidade contributiva e o princípio da igualdade fiscal, o combate ao ilícito e a identificação e punição dos seus agentes.
aa. Devendo a norma constante do artigo 63.º-B, nº 1, al. c) da LGT ser considerada inconstitucional quando interpretada no sentido de que “a possibilidade de derrogação do sigilo bancário só ocorrerá quando soares os alarmes de situações concreta e directamente subsumíveis na alínea f) do n.º 1 do art.º 87.º da LGT, tanto assim é eu o legislador refere que a dita derrogação poderá acontecer “…nos termos da alínea f) do n.º 1 do art.º 87.º da LGT”. Em termos práticos tal significa que o indício potencialmente justificador teria que ser um ou mais facto(s) concreto(s) sujeito(s) a melhor e ulterior prova e não um mero juízo especulativo, ou seja, teria que ser algo semelhante a um libelo acusatório factualmente completo sujeito a posterior contraditório”, em virtude de a mesma violar o disposto nos artigos 266º e 269º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa.
bb. Em suma, o acto de derrogação do sigilo bancário do Recorrido não enferma de qualquer vício de violação de lei, nomeadamente não estando em falta os pressupostos justificativos da derrogação do sigilo bancário.
cc. O procedimento tributário cumpre integralmente o disposto na aliena c) do n.º 1 e n.º 4 do art.º 63.º-B da LGT, designadamente quanto à indicação dos motivos concretos e dos factos que justificam e fundamentam o acesso à informação bancária.
dd. Pelo que a douta sentença recorrida deverá ser substituída por uma nova decisão em que se confirme a validade e legalidade da decisão do Senhor Director-Geral da AT no que se refere à derrogação do sigilo bancário.
Nestes termos e nos demais de Direito, doutamente supridos por V. Exa., deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida nos termos supra propostos quanto à sua fundamentação de facto e de direito, confirmando-se a validade da decisão do Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, de 18.12.2013, que determinou o acesso à informação bancária do ora Recorrido, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 63.º-B da LGT,
Com o que V. Exas. farão a Douta e Costumada Justiça!


CONTRA ALEGAÇÕES.
O recorrido contra alegou e concluiu do seguinte modo:
1. O recurso interposto pela AT no presente processo deverá ser rejeitado por falta de qualquer efeito útil, pois não é susceptível de conduzir à anulação da decisão Recorrida.
2. O Tribunal a quo andou bem ao não aditar ao probatório os factos que a AT invoca que deveriam ter sido dados como provados porquanto os mesmos não se tratam de factos, mas de meros juízos conclusivos.
3. Os documentos n.º 2 a 5, juntos pelo Recorrido na PI, não foram impugnados pela AT, como aliás a mesma assume.
4. Andou bem a decisão recorrida ao atender a tais documentos porquanto tratam de documentos que apresentam dados oficiais, possíveis até de consultar no site do Banco de Portugal, não se tratam de opiniões. São dados estatísticos oficiais, com o cunho de validade da entidade máxima nessa matéria em Portugal.
5. Tais documentos assumem particular importância no âmbito da questão que esteve sub judice no Tribunal a quo, pelo que, com vista à descoberta da verdade material andou bem a decisão recorrida ao aceitá-los como elementos de prova.
6. Igualmente de forma correcta andou a decisão recorrida ao decidir que a aplicação da al. c) do n.º 1 do art. 63.º-B da LGT encontrava-se dependente da verificação de todos os requisitos constantes da al. f) do n.º 1 do art. 87.º da LGT, pelo que a mesma não é censurável.
7. A AT faz uma leitura enviesada do art. 63.º-B n.º 1 al. c) da LGT, interpretando a mencionada norma no sentido que bastam-lhe meros indícios de manifestações de fortuna para que ocorra derrogação do sigilo bancário.
8. Ora, o raciocino da AT padece de dois graves erros: (1) não compreende que os indícios se reportem à ausência de justificação ao invés de se reportarem às manifestações de fortuna; (2) escamoteia que o art. 63.º-B n.º 1 al. c) da LGT remete de facto para o art. 87.º n.º 1 al. f) da LGT
9. Ao invés do invocado pela AT a Sentença recorrida fez uma leitura acertada das mencionadas normas legais não permitindo que vingasse a tese da AT que pretendia que fosse suprimido do art. 63.º-B n.º 1 al. c) a referência ao art. 87.º n.º 1 al. f) da LGT.
10. Também andou bem a decisão recorrida ao decidir que a AT teria que ter apresentado provas da manifestação de fortuna do recorrido, não podendo vingar a posição da AT que critica a Sentença recorrida, invocando que o próprio conceito de indícios é contrário à necessidade de apresentação de provas, já que os indícios são meros vestígios ou sinais.
11. Tal posição defendida pela AT mais não é do que uma falácia porquanto indícios não são fumaça. E muito menos são juízos pessoais arbitrários e insindicáveis
12. No caso vertente a AT não prova a existência de qualquer acréscimo de património e menos ainda apresenta indícios de não justificação para o mesmo.
13. Um aumento dos juros bancários recebidos não significa desde logo, à partida um aumento do capital investido.
14. Um aumento dos juros recebidos pode ter várias causas: aumento das taxas de juro; diferente período de maturidade do depósito; alteração do depósito contratado; pagamento de juros postecipados; etc.
15. A variação do valor absoluto de juros pagos não permite a conclusão, firme, segura e sólida de que houve aumento do capital investido.
16. Se apenas se conhece o valor dos juros anuais, para se chegar ao capital investido é necessário atender a vários factores, tais como: taxa de juro, condições de determinação da taxa de juro (fixa, crescente, etc.), período de depósito do capital, momento da maturidade do depósito; condições do pagamento de juros (ex. postecipados, periódico, capitalizados, etc.); cumprimento do prazo e condições de depósito, para ter direito ao pagamento do valor de juro acordado juros; tipo de produto associado ao depósito bancário (cross selling, etc).
17. Se apenas forem conhecidos os valores de juros anuais, a tentativa de determinar capital investido será meramente especulativa.
18. O entendimento da AT elimina a referência ao art. 87.º n.º 1 al. f) da LGT do texto do art. 63.º-B n.º 1 al. c) da LGT. Porém, é a referida disposição legal que a
chama o art. 87.º n.º 1 al. f) da LGT para balizar a sua aplicação.
19. Da leitura conjugada da al. c) do n.º 1 do art. 63.º-B e da al. f) do n.º 1 do art. 87.º, ambos da LGT, resulta que o Director Geral da AT apenas poderá determinar a derrogação do sigilo bancário dos contribuintes quando, cumulativamente: a) Se verificar a existência acréscimo de património; b) O acréscimo de património seja de valor superior a 100.000,00 €; c) Se verificar a existência de indícios da ausência de justificação para o mencionado acréscimo de património.
20. A AT não prova: a existência de acréscimo de património superior a 100.000,00 €, ou a verificação de indícios de ausência de justificação para o acréscimo de património verificado.
21. Quanto ao capital investido a AT não prova a existência de qualquer acréscimo de
património em 2011.
22. A AT pode apresentar juízos hipotéticos ou probabilísticos na fundamentação dos respectivos actos. Contudo, a base da fundamentação não pode bastar-se com exercícios de probabilidades e de pretensa exegese intelectual. A fundamentação do acto, mas tem que ser lógica, racional, realista e justa.
23. O presumir que um qualquer aumento de juros tem como causa óbvia um aumento de capital investido é intelectualmente desonesto.
24. A aplicação da taxa de juros de 4% é meramente especulativa, sem sequer ser apresentado porque a mesma permite com elevado grau de fiabilidade presumir o capital.
25. O Banco de Portugal atesta, que as taxas de juro mais que duplicaram de 2010 para 2011,
26. O Recorrido provou que me 2010 teve taxas de juro de 1% e em 2011, de cerca de 5%.
27. A AT destrói a respectiva argumentação, ao admitir que mesmo em situações em que haja acréscimo de juros de valor superior a 100.000,00 €, tal pode ficar a dever-se a situações diversas do aumento do capital investido.
28. A AT invoca que tem indícios de que o capital investido aumentou em 2011.
Porém o indício que apresenta é o cálculo hipotético e desgarrado do mesmo com base na taxa de juro de 4%, invocando que a Euribor até esteve abaixo dos 2,2% em 2010 e 2011.
29. A taxa de 4% não tem base lógica, foi avançada, como poderia ter sido outra qualquer, já que ficou acima dos 2,2%. Por outro lado a base foi a Euribor e não os valores das taxas de juros médias praticadas em Portugal naquele período que variaram para mais do dobro de 2010, para 2011.
30. Se a lógica for passar cheques em branco à AT para fazer o que bem entender então há inconstitucionalidade na interpretação da Sentença recorrida acerca dos requisitos de aplicação do art. 63.ºB n.º 1 al. c) da LGT. Se pelo contrário for de exigir à AT que cumpra a lei e tenha que apresentar argumentos válidos, racionais e lógicos para a respectiva actuação, então a tese da AT não pode proceder.
31. A Sentença recorrida padece porém de erro de julgamento ao não julgar inconstitucional a decisão de levantamento do sigilo bancário. Porque houve elementos que apenas foram apresentados na decisão, não permitindo ao Recorrido pronunciar-se previamente sobre os mesmos.
32. Ocorreu igualmente erro de julgamento ao não assumir que houve violação do princípio do inquisitório por ausência de procura pela AT das taxas médias reais dos depósitos em 2010 e em 2011
33. A Sentença recorrido ocorreu em erro de julgamento ao não aceitar que a decisão de levantamento do sigilo bancário foi ilegal por vício de fundamentação , ao não explicar a aplicação da taxa de 4% para apurar o capital investido
TERMOS EM QUE DEVE SER RECUSADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELA FAZENDA PÚBLICA OU, CASO POR ABSURDO ASSIM NÃO SE ENTENDER,
AINDA ASSIM DEVE SER ALTERADA A DECISÃO RECORRIDO E ANULADA A DECISÃO RECORRIDA POR INCONSTITCUCIONALIDADE, VIOLAÇÃO DO DIREITO DE AUDIÇÃO PRÉVIA, VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO INQUISTÓRIO E VÍCIO DE FUNDAMENTAÇÃO

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
A Exma. PGA junto deste TCAN emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

DISPENSA DE VISTOS.
Com dispensa de vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr. artigo 657º/4 CPC e artigo 278º/5 do CPPT), o mesmo é submetido à Secção do Contencioso Tributário deste TCAN para julgamento do recurso.

II QUESTÕES A APRECIAR.
Depois do decidido no douto acórdão do Pleno da Secção do CT do STA, as questões que importa apreciar são as suscitadas em ampliação do recurso (Conclusões 31 a 33):
ilegalidade e inconstitucionalidade da decisão recorrida por violação do direito de audição do recorrente,
erro de julgamento ao não julgar procedente o recurso por violação do princípio do inquisitório e
falta de fundamentação ao não explicar a aplicação da taxa de 4% para apurar o capital investido.

III FUNDAMENTOS DE FACTO.

A sentença fixou os seguintes factos provados:
A – Dá-se por integralmente reproduzido o resumo do boletim estatístico do Banco de Portugal relativo às “[… ] Taxas de juro sobre novas operações de depósitos com prazo acordado de particulares residentes na área do euro em outras instituições financeiras monetárias residentes em Portugal – Até 1 ano [… ]” (cf. doc. a fls. 82 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
B – Em 18.10.2011, foram emitidos pelo Banco de Portugal os Avisos n.º7/2011 e n.º 8/2011 (cf. docs. a fls. 83 a 84 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
C – O Requerente recebeu um ofício dos serviços da Recorrida, datado de 26.06.2013, nos termos dos quais aquele ficava “[… ] notificado, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea f) do nº 1 do artigo 87º e nº 5 do artigo 89º-A, ambos da Lei Geral Tributária (LGT) que se encontram em aberto os pressupostos para uma decisão de aplicação de métodos indirectos para determinação do rendimento sujeito a IRS, com referência ao ano de 2011, nos termos seguintes:
a) De acordo com o disposto na alínea f) nº 1 do artigo 89º-A da LGT, há lugar à avaliação indireta da matéria colectável quando existam acréscimos de património ou despesa efectuada, incluindo liberalidades, de valor superior a 100.000,00 €, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados.
b) De acordo com as participações obrigatórias das instituições financeiras feitas ao abrigo do disposto no artigo 119º do Código do IRS verificou-se que V. Ex.ª auferiu no ano de 2010 da quantia de € 12.942,05 a título de rendimentos de juros de depósitos a prazo ou similares ao passo que no ano de 2011 tal quantia ascendeu ao montante de € 76.295,34.
c ) O incremento do rendimento auferido a esse título no montante de € 63.353,29 pressupõe, considerando uma taxa de juro anual de 4% um incremento do capital investido em 2011 no montante de € 1.583.832,25.
d) Como no mencionado ano de 2011, de acordo com a liquidação de IRS constante do cadastro informático da AT, o rendimento colectável por si declarado ascendeu ao montante de apenas € 91.108,51, verifica-se um acréscimo patrimonial não justificado no montante de € 1.401.615,23 correspondente à diferença entre tal incremento de capital no referido montante de € 1.583.832,25 e o dobro do mencionado rendimento colectável no montante de € 182.217,02.
e) Pelo que, se encontram reunidas as condições legais para, de acordo com referido o nº 5 do artigo 89º-A da LGT, se proceder à fixação do rendimento tributável no montante de € 1.492.723,74, considerando-se o valor que excede os rendimentos declarados, de acordo com o nº 3 do artigo 9º do Código do IRS, como rendimentos da categoria G.
[… ]
5. No âmbito do procedimento e, na eventualidade de tal se mostrar necessário, solicita-se ainda que, em declaração escrita, manifeste, expressamente, se autoriza ou não a Administração Tributária, nos termos da alínea b) do nº 2 do artigo 63º-B da LGT, a aceder a informações e documentos bancários.
[… ]” (cf. doc. a fls. 12 a 14 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
D – Em resposta ao ofício referido na alínea anterior, o Requerente enviou um exposição escrita dirigida aos serviços da Recorrida para cujo conteúdo aqui se remete (cf. doc. a fls. 15 a 16 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
E – Em ofício dos serviços da Recorrida, datado de 18.07.2013, recebido pelo Recorrente, em resposta à exposição escrita referida na alínea anterior retira-se que: “[… ] Resulta das participações obrigatórias das instituições financeiras feitas ao abrigo do disposto no art igo 119º do Código do IRS, como se refere no mencionado ofício, que auferiu no ano de 2010 da quantia de € 12.942,05 a título de rendimentos de juros de depósitos a prazo ou similares ao passo que no ano de 2011 tal quantia ascendeu ao montante de € 76.295,34, pelo que tal informação a não ser correcta, como refere, implica uma erro por parte dessas instituições e não da parte dos serviços da administração tributária.
Tal diferença, faz presumir um incremento de capitais investidos em montante que excede em mais de € 100.000,00 o dobro do rendimento colectável declarado pelo que, consequentemente, tal situação, ao contrário do que refere, é integrável na norma da alínea f) do nº 1, do artigo 87º da LGT [… ]” (cf. doc. a fls. 17 a 18 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
F – Em resposta ao ofício referido na alínea anterior, o Requerente enviou um exposição escrita dirigida aos serviços da Recorrida, datada de 02.08.2013, para cujo conteúdo aqui se remete (cf. doc. a fls. 15 a 16 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
G – Os serviços da Recorrida enviaram ao Requerente o ofício de 08.08.2013, com um anexo contendo “[… ] o mapa dos rendimentos provenientes de juros (Código 03) e dividendos (Código 01) tributados pelo método de aplicação das taxas liberatórias [… ]” relativos aos anos de 2010 e 2011 (cf. docs. a fls. 21 a 22 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
H – Em resposta ao ofício referido na alínea anterior, o Requerente enviou um exposição escrita dirigida aos serviços da Recorrida, datada de 19.08.2013, para cujo conteúdo aqui se remete acompanhada de uma declaração emitida pelo Banco Espírito Santo, S.A. (cf. docs. a fls. 23 a 25 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
I – Os serviços da Recorrida enviaram ao Requerente o ofício de 17.09.2013, do qual se retira que: “[… ] Com efeito, é indicado pelo Banco Espírito Santo que aí existiam em 2010 aplicações financeiras cuja taxa de rendimento anual era de 0,3235% e que em 2011 existiam aplicação que atribuíam um rendimento à taxa anual de 6,7500% mas não é indicado qual o saldo médio dessas aplicações nos anos em causa e nem sequer é indicado se os valores aplicados na conta BES Poupança 360 de 2010 estão ou não incluídos na conta DP 100245481194 de 2011.
Por outro lado, uma vez que os juros do ano de 2010 são na sua maior parte provenientes de aplicações feitas junto do banco Montepio Geral necessário também se torna a indicação, por parte dessa instituição do valor do saldo médio aí aplicado nesse ano, só assim se podendo comparar os capitais aplicados num e noutro ano e que geraram os rendimentos participados na relação modelo 30 em cumprimento do disposto no artigo 110º do Código do IRS.
Afigura-se que a indicação dos saldos médios a fornecer pelas entidades depositárias dos valores em causa não proporcionam elementos particularizados reveladores de aspectos da vida pessoal e familiar que V. Ex.ª pretende preservar e são o único meio idóneo capaz de elidir a presunção de que o incremento dos juros de um ano para o subsequente não implicam um aumento dos capitais investidos em montante superior em € 100.000,00 aos rendimentos declarados [… ]” (cf. doc. a fls. 26 a 27 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
J – Em resposta ao ofício referido na alínea anterior, o Requerente enviou um exposição escrita dirigida aos serviços da Recorrida, para cujo conteúdo aqui se remete acompanhada de uma declaração emitida pelo Montepio (cf. docs. a fls. 28 a 31 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
K – O Requerente recebeu um ofício dos serviços da Recorrida, datado de 06.11.2013 onde aquela se solicitava autorização para “[… ] aceder às contas bancárias de que é titular, quer no Banco Espírito Santo, SA., quer na Caixa Económica Montepio Geral, instituições nas quais foram auferidos os montantes mais relevantes dos juros em causa no procedimento [… ]” (cf. docs. a fls. 32 a 34 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
L – Em resposta ao ofício referido na alínea anterior, o Requerente enviou um exposição escrita dirigida aos serviços da Recorrida, datada de 22.11.2013, para cujo conteúdo aqui se remete (cf. docs. a fls. 28 a 31 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
M – Em parecer dos serviços da Recorrida, datado de 29.11.2013, retira-se que:
“[… ]
I. NECESSIDADE DE ACEDER A DOCUMENTOS BANCÁRIOS
No âmbito da ação inspetiva em curso, credenciada pela Ordem de Serviço n.º OI201300653, de âmbito parcial (IR) cuja extensão abrange o período de tributação de 2011, aberta em nome do contribuinte H… NIF 2…, conclui-se que, para apuramento da situação tributária do sujeito passivo, necessário se torna o acesso a informações e documentos protegidos pelo sigilo bancário, pelos motivos que se apresentam nos pontos seguintes.
II. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS QUE JUSTIFICAM A NECESSIDADE
DE ACESSO A DOCUMENTOS BANCÁRIOS
II. 1 Motivo da ação inspetiva
[… ]
Do cruzamento de informação contida na referida declaração modelo 39, dos anos de 2010 e 2011, conclui-se, no que respeita ao sujeito passivo em análise, pela existência um acréscimo de juros recebidos de diversas instituições financeiras, no montante de € 63.353,29 (€ 76.295,34 - € 12.942,05), como se demonstra no quadro a seguir:
[… ]
Tal acréscimo de juros auferido de 2010 para 2011, indicia um correspondente aumento de capital investido, pressupondo um acréscimo de património.
Afim de esclarecer o acréscimo de valores, foi o sujeito passivo notificado nos termo da Lei Geral Tributária, através do ofício nº 6.045 de 2013.06.26, para no prazo de 15 dias a contar da data do registo, prestar os esclarecimento que entendessem convenientes, sobre a proveniência do acréscimo de juros, seguindo-se ainda outros ofícios abaixo indicados. Decorridos os diversos prazos constantes dos ofícios, não logrou o mesmo justificar o referido incremento patrimonial, conforme descrito no ponto seguinte.
Para cálculo do acréscimo do património, seguindo a metodologia recomendada pela Direcção de Serviços de Planeamento e Coordenação da Inspecção Tributária (DSPCIT), estimou-se uma taxa de juro implícita de 4%, podendo assim determinar o capital investido e confirmar se, de um ano para o outro, houve acréscimos de património não justificados. No acréscimo patrimonial indiciado, foi tido em conta a capacidade normal de poupança do agregado considerando que não poderá ser superior ao dobro do seu rendimento global, para identificar indícios de falta de veracidade do declarado.
Pelos dados recolhidos, e considerando a taxa de juro implícita de 4%, bem como o acréscimo dos juros recebidos (€ 63.353,29 = € 76.295,34 - € 12.942,05), estimou-se o incremento patrimonial para o ano de 2011, no montante de € 1.583.832,25 (€ 63.353,29/4%).
II. 2 Caracterização fiscal do SP
O contribuinte é economista e gestor de empresas.
De acordo com a declaração de rendimento mod. 3 de IRS do ano de 2010, o sujeito passivo participou, rendimentos da categoria A e F, apurando-se o rendimento global de € 100.420,94, que originou o valor a pagar de € 35.814,33.
Também para o ano de 2011, são declarados rendimentos das categorias A, F e G, a que corresponde o rendimento global de € 91.108,55, apurando-se o valor a pagar de € 32.890,08.
II 3. Descrição das análises efectuadas no âmbito do procedimento inspetivo
[… ]
III. CONCLUSÕES e PROPOSTAS
Tendo em consideração o referido no art.º 63º-B da Lei Geral Tributária (LGT), “a administração tributária tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos, quando se verifiquem indícios da existência de acréscimos de património não justificados, nos termos da al. f) do nº 1 do artigo 87º”.
Assim, tendo em conta os elementos descritos nos pontos anteriores e o disposto no artigo acima citado, solicita-se a derrogação do sigilo bancário de eventuais contas tituladas pelos sujeito passivo H…, no sentido de verificar se nas referidas contas bancárias, existem valores depositados/levantados que justifiquem o aumento de património nos termos da mencionada al. f) do nº 1 do artigo 87º da LGT [… ]” (cf. docs. a fls. 3 a 37 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
N – Em 18.12.2013, o Sr. Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, emitiu decisão baseada na informação, parecer e despacho exarados no documento referido na alínea anterior da qual se retira que: “[… ] verificando-se os condicionalismos previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 63.º-B da Lei Geral Tributária, ao abrigo da competência que me é atribuída pelo n.º 4 do citado normativo, autorizo que funcionários da Inspecção Tributária, devidamente credenciados, possam aceder directamente a todas as contas e documentos bancários existentes nas instituições bancárias, em sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas, de que seja titular o sujeito passivo H…, com o NIF 2…, relativamente ao ano de 2011 [… ]” (cf. docs. a fls. 3 a 37 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
O – O Recorrente teve conhecimento da decisão referida na alínea anterior e dos documentos que acompanhavam em 19.02.2014 (cf. docs. a fls. 42 a 79 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
P - A petição inicial da presente acção foi remetida para este Tribunal via SITAF em
03.03.2014 (cf. fls. 2 a 86 dos autos).

Quanto à motivação da decisão de facto, consta da sentença:
A convicção do Tribunal assentou nos documentos juntos pelas partes aos autos e que não foram objecto de qualquer forma de impugnação.

No que respeita aos factos não provados, ma sentença diz o seguinte:
Não ficaram demonstrados com interesse para a decisão a proferir, os demais factos alegados pelas partes nos respectivos articulados juntos ao presente processo.


IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Neste TCA foi proferido douto acórdão (fls. 312 a 333) no qual se apreciaram as questões suscitadas no recurso interposto pela AT concluindo-se pela sua improcedência e confirmação da sentença recorrida.
As questões suscitadas pelo Recorrido, em pedido de ampliação do recurso não foram, por isso, apreciadas.
Mas uma vez revogado o acórdão deste TCA, por acórdão do Pleno da secção do CT do STA (fls. 504 a 530), há que apreciar tais questões, ao abrigo do disposto no art. 636º do CPC, «ex vi» do art. 2º/e) do CPPT.

O Recorrido requer o aditamento da seguinte matéria de facto:

a. Em 11/7/2011, o Jornal Expresso noticiou que, de acordo com o Banco de Portugal, a Taxa de juros nos depósitos a prazo entre Maio de 2010 e Maio de 2011 mais que duplica (in http://expresso.sapo.pt/taxa-de-juro-nosdepositos-a-prazo-mais-que-duplica=f660967) (doc. n.º 2, junto com a PI.

b. Na notícia de 11/7/2011, o Jornal Expresso noticiou ainda que o Banco de Portugal informou que a médias das taxas de juros bancárias para novos depósitos a prazo, para particulares, em Maio de 2010 situava-se em 1,26 %, em Abril de 2011 situava-se em 3,33% em Maio de 2011 em 3,54% (in http://expresso.sapo.pt/taxa-de-juro-nos-depositos-a-prazo-mais-queduplica= f660967) (cfr. doc. n.º 2 junto com a PI).
c. Segundo as estatísticas online do Banco de Portugal, em 31/5/2010, a média das taxas de juro para novos depósitos de particulares, a prazo até um ano, oferecidas pelos Bancos nacionais a residentes situava-se em 1,13 % ao passo que em 31/10/2011 ascendeu a 4,57% (in http://www.bportugal.pt/EstatisticasWeb/) (doc. n.º 3, junto com a PI).

d. Em Outubro de 2011 o Banco de Portugal emitiu os avisos n.º 7/2011 e n.º 8/2011, com regras que penalizam os capitais próprios dos bancos sempre que estes ofereçam depósitos que tenham uma taxa de juro considerada elevada, devido à escalada dos juros no referido ano (docs. n.º 4 e 5, juntos com a PI);

e. A AT nunca respondeu ao questionado pelo Recorrente quanto ao seguinte:
(i) porque motivo a AT pode conjecturar taxas de juros e não pode conjecturar aplicações plurianuais; (ii) porque motivo foi utilizada uma taxa de juro de 4% e não qualquer outra; (iii) porque motivo foi utilizada uma taxa de juro de 4% em 2010 e em 2011; (iv) base legal para a utilização da taxa de juro de 4%; se a AT pretende aferir de ganhos não declarados de que serve conhecer saldos médios das aplicações financeiras dos contribuintes (v) (inexistência na correspondência trocada com o Recorrido, constante do processo administrativo, de resposta às questões diversas vezes solicitadas pelo Recorrido conforme consta dos anexos 1 a 10 ao doc. n.º 1 junto com a PI).

O aditamento requerido não tem qualquer pertinência para a decisão da causa.
As notícias provenientes de jornais não podem servir para imputar qualquer vício à decisão da AT na derrogação do sigilo bancário. A questão das respostas da AT ao contribuinte consta de diversos factos provados na douta sentença (vg. alíneas C) a L), não se justificando qualquer outro aditamento.

E no que se toca às estatísticas «on line» elas dizem respeito aos «novos depósitos». Por outro lado, referem-se a taxas médias, e estas não são as taxas aplicadas ao contribuinte, que não vê os seus depósitos remunerados por uma taxa média, mas por uma taxa nominal, concreta e específica.

A questão, portanto, não tem qualquer relevância para a decisão.

Quanto ao erro de julgamento por não se ter admitido a ilegalidade da decisão administrava por violação do direito de audição (conclusão 31).

Este vício foi alegado na petição inicial pelo recorrente que invocou a preterição do direito de audição, a sua ilegalidade e inconstitucionalidade.

Na sentença o MMº juiz «a quo» pronunciou-se sobre a questão e decidiu não ter havido preterição do direito de audição: «Porém, nos presentes autos, o Recorrente foi notificado para informar se dava a sua autorização para se proceder à verificação de dados bancários, preanunciando-se a intenção de se socorrer à derrogação do sigilo bancário. Intenção esta que o Recorrente sucessiva e paulatinamente se opôs nas sucessivas missivas que dirigiu aos serviços da Recorrida nelas expressamente se referindo à ilegalidade e/ou desnecessidade de recurso à derrogação do sigilo bancário (refira-se, a titulo de exemplo, as exposições escritas referidas nas alíneas «F» e «3» da matéria de facto assente). Deste modo, no caso concreto, o Recorrente tomou posição prévia sob o sentido decisório que veio a ser tomado no acto ora recorrido. Assim, viu assegurado o seu direito de audição prévia, não tendo a decisão tomada se afastado dos factos que inicialmente lhe foram aventados. Aliás, o Recorrente trouxe ao procedimento não só os seus argumentos, como documentos que foram tidos em linha de conta, sendo uns e outros objecto de sucessivas pronúncias que subjazem ao acto recorrido e que no parecer que o sustenta são reproduzidos.»

Depois das alterações na redacção do art. 63-B da LGT introduzidas pela Lei n.º 94/2009, de 1 de Setembro, deixou de se fazer referência à necessidade de audição prévia em todas as situações referidas no n.º 1, em que está em causa o acesso a documentação bancária do sujeito passivo. Tal exigência apenas se mantém para o acesso a documentos referentes a familiares ou terceiros que se encontrem numa situação especial com o contribuinte.

Alguns autores duvidam da constitucionalidade desta eliminação, (assim, Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, "Lei Geral Tributária", 2012, pp. 573) pois ele é garantido pelo art. 267º/5 da CRP e está assegurado, em geral, pelo art. 100º do CPA e 60º da LGT. Por outro lado, em regra não existirão razões de celeridade ou de conveniência que possam justificar uma eliminação generalizada de tal direito.
No ac. do TCAS n.º 07606/14 de 10-07-2014 (Relator: CATARINA ALMEIDA E SOUSA) decidiu-se que «… o artigo 63-B da LGT não afasta o direito de audição nas situações em que, como no caso sub judice, a AT pretende aceder a documentos bancários do próprio sujeito passivo, nem a sua dispensa está contemplada no artigo 60º da LGT (de resto, importa realçar que, no procedimento em causa, nem a AT ensaiou qualquer tentativa de justificar a dispensa do direito de audição).

Mas esta doutrina foi contrariada pelo ac. n.º 07945/14 de 16-10-2014 (Relator: ANABELA RUSSO): IV – A inexigibilidade da audição prévia do contribuinte nos termos formalmente consagrados no artigo 60.º da LGT foi um dos grandes objectivos prosseguidos com a reforma introduzida pela Lei n.º 94/2009, como inequivocamente o revelam, por um lado, o facto de o legislador ter eliminado do preceito a referência expressa a essa audição e a ter mantido para os familiares ou terceiros que tenham com ele uma relação especial e, por outro, o espírito da norma e as razões históricas subjacentes à alteração do procedimento nos termos que podem ser acolhidas na exposição de motivos constante da Proposta de Lei que antecedeu a Lei nº 94/2009, de 1 de Setembro.

O ac. do Pleno da Secção do CT 0262/15 de 14-05-2015 Relator: FRANCISCO ROTHES pôs termo à divergência e firmou doutrina com o seguinte teor Sumário: III - O art. 267.º, n.º 5, da CRP, que assegura o direito de participação efectiva dos cidadãos na formação das decisões administrativas que lhes respeitem, não impõe que essa participação seja efectuada exclusivamente através de uma audiência prévia, tal como prevista e regulada pelo art. 60.º da LGT.
IV - Após a entrada em vigor da Lei n.º 94/2009, de 1 de Setembro, o art. 63.º-B da LGT, que em todas as suas redacções anteriores impunha à AT a audiência prévia do sujeito passivo antes de proferir a decisão da acesso directo a documentação bancária, deixou fazer essa exigência relativamente ao acesso a informações e documentos bancários do próprio sujeito passivo, mantendo-a apenas para as situações em que o acesso se reporta a contas de que são titulares familiares daquele ou terceiros que com ele estejam numa relação especial.
V - Assim, tem de se concluir que, após a entrada em vigor do preceito em referência com aquela nova redacção, deixou de ser exigível que o contribuinte seja ouvido nos termos já mencionados e definidos pelo art. 60.º da LGT (projecto de decisão contendo os fundamentos do sentido da decisão).
VI - A inexigibilidade da audição prévia do contribuinte nos termos formalmente consagrados no art. 60.º da LGT foi um dos grandes objectivos prosseguidos com a reforma introduzida pela Lei n.º 94/2009, como inequivocamente o revelam, por um lado, o facto de o legislador ter eliminado do preceito a referência expressa a essa audição e a ter mantido para os familiares ou terceiros que tenham com ele uma relação especial e, por outro, o espírito da norma e as razões históricas subjacentes à alteração do procedimento nos termos da exposição de motivos constante da Proposta de Lei 275/X, que antecedeu a Lei nº 94/2009, de 1 de Setembro.

Mas no caso sob recurso a questão nem se coloca, pois o direito à participação do contribuinte na formação da decisão de derrogação do sigilo bancário não foi, de modo algum, preterido.

O contribuinte foi ouvido desde a primeira notificação operada pelo ofício n.º 6045 de 26/6/2013 a respeito dos objectivos e procedimentos visados pela AT, dignando-se até responder e argumentar por várias ocasiões, para além de oferecer alguma documentação, que foi alvo de pronúncia por parte da AT.

É certo que não lhe foi explicitada a razão (os motivos) da aplicação da taxa de 4%, mas o próprio não teve dúvidas em entender que se tratava de uma taxa presumida e que não foi declarada por qualquer entidade (fls. 61 dos autos, carta datada de 2 de Agosto de 2013, fls. 66, 71 etc.).

Ora, dada a diversidade das taxas de juro pagas a cada um dos depositantes existentes no mercado bancário, a taxa de juro média não pode deixar de ser uma taxa presumida, que tem sido aceite pelos nossos tribunais superiores (cfr. ac. do do PLENO DA SECÇÃO DO CT n.º 0642/14 de 12-11-2014 Relator: ASCENSÃO LOPES Sumário: III - A indicação pela Autoridade Tributária de uma taxa de juro “a título meramente exemplificativo” suportada em conhecimento comum e próxima da taxa de juro média praticada pelas Instituições Bancárias para a generalidade dos aforradores integra a fundamentação formal e substancial necessária e suficiente à prolação do despacho de derrogação do sigilo bancário).

Manifestamente, o recorrido viu assegurado o seu direito de intervenção no processo de formação da decisão, sendo certo que tal participação não se esgota no exercício formal do direito de audição (cfr. ac. do TCAS n.º 07945/14 de 16-10-2014 Relator: ANABELA RUSSO Sumário: I - O princípio da participação consagrado no artigo 267.º n.º 5 da Constituição da República Portuguesa exige que seja assegurado ao cidadão uma participação efectiva na formação das decisões que lhe respeitem, mas não que essa participação seja realizada através de uma audiência prévia nos termos em que a mesma se mostra instituída e regulamentada no artigo 60.º da Lei Geral Tributária).

Assim, bem andou a sentença ao julgar improcedente este vício.

Quanto ao erro de julgamento por não se ter admitido a violação do princípio do inquisitório (conclusão 32).

Na tese do recorrido, a sentença errou também ao não julgar procedente a provado o recurso por violação do princípio do inquisitório previsto no art. 58º da LGT

Isto porque a AT omitiu o dever de esclarecer:
a. porque motivo a AT pode conjecturar taxas de juros e não pode conjecturar aplicações plurianuais;
b. porque motivo foi utilizada uma taxa de juro de 4% e não qualquer outra;
c. porque motivo foi utilizada uma taxa de juro de 4% em 2010 e em 2011
d. base legal para a utilização da taxa de juro de 4%;
e. se a AT pretende aferir de ganhos não declarados de que serve conhecer saldos médios das aplicações financeiras dos contribuintes.


O princípio do inquisitório no procedimento tributário com a dimensão que a lei lhe confere no art. 58º LGT impõe a cargo da AT o dever de realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido.

A violação do princípio do inquisitório colocar-se-ia com propriedade se a AT dispusesse de meios para verificar a taxa de juro efectiva, ou o capital investido, sem recurso à derrogação do sigilo bancário e não os utilizasse.
Mas não é esse o caso, evidentemente.

E não parece terem sido negadas quaisquer diligências necessárias à descoberta da verdade material ou satisfação do interesse público. Pelo contrário, deve antes concluir-se que a derrogação do sigilo bancário constituiu a diligência necessária para a efectiva realização daqueles princípios.

No essencial, verifica-se que o assunto que o recorrido pretendia ver esclarecido era a razão de porquê se «conjecturar» uma taxa implícita de 4% para verificar a existência de indícios relevantes para derrogar o sigilo bancário.

Contudo, esta não é uma «questão» no sentido que lhe é atribuído pela jurisprudência, - tudo aquilo que é susceptível de caraterizar um vício ou uma ilegalidade do acto tributário (cfr. Ac. do TCAN n.º 267/06.0BECBR), - mas um argumento destinado a descredibilizar os indícios carreados para derrogação do sigilo bancário.

Com efeito, sabendo já o sujeito passivo que a taxa de 4% é meramente presumida e que não foi declarada por qualquer entidade, qualquer outra taxa que se aplicasse seria sempre presumida, uma vez que o sujeito passivo não as indicou (na totalidade e especificadamente) e a AT não tinha maneira de as conhecer sem a colaboração (total) do mesmo.
Ou então pela via da derrogação do sigilo bancário.

Se vingasse a tese do sujeito passivo, a AT estaria manietada na sua ação fiscalizadora: Não podia derrogar o sigilo com base em rendimentos indiciados por uma taxa presumida, e também não os poderia conhecer porque o contribuinte não colaborava, ou não colaborava totalmente.

Por conseguinte, o MMº juiz «a quo» andou bem ao julgar improcedente este vício.

Quanto ao vício de falta de fundamentação (conclusão 33).

Para o recorrido a sentença errou também ao não aceitar que a decisão de revogação do sigilo bancário foi ilegal por vício da falta de fundamentação ao não explicar a taxa de 4% para apurar o capital investido.

O MMº juiz «a quo» julgou improcedente o vício de falta de fundamentação do despacho louvando-se na doutrina do ac. deste TCAN n.º 00943/13.6BEVIS, de 27/3/2014 em moldes que merecem, nesta parte, a nossa total adesão.

Com efeito, o recurso fundamentador (expresso ou por remissão: cfr. art. 77º/1 LGT) a um raciocínio hipotético não está legalmente vedado à AT, desde logo porque num procedimento de natureza preparatória a AT apenas se depara com meros indícios que não preenchem a norma de incidência.
Tais indícios, pela sua natureza falíveis, têm de ser comprovados (ou infirmados) em fase ulterior do procedimento, quando todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade estiverem realizadas. Até lá, os raciocínios abstractos, estimados ou indiciários, são perfeitamente admissíveis, e necessários mesmo, desde que sejam usados como tal e segundo critérios de razoabilidade, justiça, imparcialidade e com respeito pelas garantias dos contribuintes (art. 55 da LGT), sindicáveis judicialmente.

Por conseguinte, respeitadas as exigência legais, a AT não está impedida de usar na fundamentação factos indiciários, desde que assegurados os princípios norteadores da fundamentação traduzidos num discurso claro, congruente e suficiente – cfr. art. 125º do CPA), permitindo que um «… bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual (ac. do STA n.º 01690/13 de 23-04-2014 (Relator: ASCENSÃO LOPES).

E note-se, a propósito, que embora o discurso fundamentador formal deva ter coerência intrínseca – para além dos outros requisitos- a validade substancial dos fundamentos reconduz-se, em última análise, a uma questão de violação de lei (cfr. do STA n.º 0494/11 de 28-09-2011 Relator: DULCE NETO).

Ora nesta fase preliminar do procedimento, não pode aferir-se com inteiro rigor a validade substancial (final) do discurso fundamentador, designadamente porque não são conhecidas as taxas de juro efectivas e o capital investido. O que se sabe é que a fundamentação invocada é clara congruente e suficiente, pelo que também nesta parte andou bem o MMº juiz «a quo» em julgar improcedente este vício.

Quanto ao vício não analisado.
No início das douta alegações, o Recorrido «alerta» para o facto que de «ainda que o recurso da AT fosse julgado procedente o que, conforme seguidamente se demonstrará não sucede, o presente processo teria que descer novamente ao RAF para a apreciação do vício não analisado.

O vício alegadamente não analisado é a violação do ónus da prova da existência dos indícios «de acréscimo de património ou despesa efectuada, incluindo liberalidades, de valor superior a (euro) 100 000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados»

Mas na conclusão 10º o recorrido louvou a sentença por ter decidido que a AT não apresentou provas da manifestação de fortuna: «Também andou bem a decisão recorrida ao decidir que a AT teria que ter apresentado provas da manifestação de fortuna do recorrido, não podendo vingar a posição da AT que critica a Sentença recorrida, invocando que o próprio conceito de indícios é contrário à necessidade de apresentação de provas, já que os indícios são meros vestígios ou sinais.»

Esta posição jurídica não vingou conforme decidiu o ac. do Pleno da secção do CT do STA que além do mais julgou verificados os indícios de acréscimo patrimonial (relevante): « No caso, não se questiona a verificação de outros requisitos senão o respeitante aos indícios da existência de acréscimo patrimonial de valor superior a € 100.000,00.
A questão é, pois, a de saber se pode considerar-se indiciado um acréscimo patrimonial (aumento dos montantes aplicados em depósitos bancários) superior a € 100.000,00, no ano de 2011, em face do aumento (de € 63.353,29) dos juros percebidos relativamente ao ano anterior (juros do montante de € 12.942,05 no ano de 2010 e juros de € 76.295,34 no ano de 2011) e utilizando uma taxa de juros remuneratória estimada de 4% para o rendimento dos capitais aplicados. Se sim, e porque os rendimentos declarados pelo sujeito passivo relativamente ao ano de 2011 foram de € 91.108,51, estará legitimada a derrogação administrativa do sigilo bancário ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 1 do art. 63.º-B, da LGT.» (fls. 24 do douto acórdão), concluindo mais à frente que «Em suma, a variação positiva dos rendimentos de capitais (+ € 63.353,29) do ano de 2010 (em que os juros percepcionados foram de € 12.942,05) para o ano de 2011 (em que os juros percebidos foram de € 76.295,34), indicia um aumento do montante do capital investido superior a € 100.000,00 que, em face divergência com os rendimentos declarados e da não justificação da sua origem pelo sujeito passivo, justifica a derrogação do sigilo bancário pela AT ao abrigo do art. 63.º-B, n.º 1, alínea c), da LGT» (fls. 26).

Assim, não podemos dizer que a questão não foi apreciada e que os autos devam ser remetidos à 1ª instância para se pronunciar sobre a questão.

A questão foi apreciada e decidida, não se justificando mais considerações sobre o assunto.

DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente o recurso da decisão administrativa.
Custas pelo recorrido.
Porto, 10 de Dezembro de 2015
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Travassos Bento
Ass. Paula Moura Teixeira