Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 02517/15.3BEBRG |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
Data do Acordão: | 06/03/2016 |
Tribunal: | TAF de Braga |
Relator: | Esperança Mealha |
Descritores: | CAUTELAR; JUÍZO DE PONDERAÇÃO |
Sumário: | I – O conflito que importa resolver através do juízo de ponderação previsto no artigo 120.º/2 do CPTA/2004 não é um conflito entre princípios ou sequer entre “interesses” (não é, nomeadamente, um conflito entre o interesse público e o interesse privado, abstratamente considerados), mas sim um conflito entre prejuízos reais e efetivos (públicos e/ou privados), concretamente alegados e indiciariamente demonstrados, que num juízo de prognose (relativo ao tempo previsível de duração da medida e tendo em conta as circunstâncias do caso concreto) se prevê poderem decorrer, por um lado, da concessão da providência e, por outro, da sua recusa. II – A ponderação que é pedida ao juiz equivale a uma avaliação da “superioridade” de uns prejuízos relativamente aos outros, no sentido de decidir (decretando ou não decretando a providência) segundo critérios de “proporcionalidade e adequação” (de “equilíbrio”), de modo a evitar o “dano maior” que previsivelmente decorrerá de uma ou outra alternativa. III – À luz de um tal juízo de ponderação, deve ser recusada a suspensão da eficácia de ato administrativo que restringiu o horário de um estabelecimento, quando é seguro que, caso a providência fosse decretada, seria impossível reconstituir, no plano dos factos, a posição jurídica dos habitantes vizinhos, que entretanto teriam sofrido prejuízos irreversíveis nos seus direitos ao sono e ao repouso; mas o mesmo não se pode afirmar, com idêntica segurança, quanto aos prejuízos patrimoniais que, num juízo de prognose, se antevê poderem decorrer para a requerente cautelar em consequência do não decretamento da providência; e quando é certo que aqueles danos imateriais não podem deixar de ser colocados num plano qualitativamente superior por comparação com os prejuízos meramente patrimoniais que podem decorrer do não decretamento da providência. * * Sumário elaborado pelo Relator. |
Recorrente: | BR..., LDA |
Recorrido 1: | MUNICÍPIO DE VILA NOVA DE FAMALICÃO |
Votação: | Unanimidade |
Meio Processual: | Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: | Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso. |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte 1. Relatório BR..., LDA. interpõe recurso jurisdicional da sentença do TAF de Braga, de 18.03.2016, que julgou improcedente a providência cautelar intentada pela Recorrente contra o MUNICÍPIO DE VILA NOVA DE FAMALICÃO, com vista à suspensão de eficácia da deliberação da Câmara Municipal de restrição do horário de funcionamento do estabelecimento “M... Café”. A Recorrente apresentou alegações, concluindo nos seguintes termos que delimitam o objeto do recurso: A) A Requerente, aqui Apelante não se conforma com a Sentença recorrida, pois com todo o devido e mui e merecido respeito, o Tribunal "a quo" incorreu em erro e efetuou uma incorreta decisão de direito. Do erro quanto à decisão de facto: B) Decidiu erradamente, com o devido respeito, ao considerar como provado o ponto 6., dos factos provados da Sentença recorrida, quando, da prova produzida, em concreto da prova testemunhal e da prova documental, deveria ter sido dado como provado que mais de vinte residentes, de habitações vizinhas daquele estabelecimento, apresentaram reclamação, datada de 30 de Setembro de 2014, com entrada registada no dia 03 de Outubro de 2014, junto da Entidade Requerida, acerca do ruído provocado pelo funcionamento noturno, não apenas do "M... Café" mas também dos outros estabelecimentos de bebidas e/ou restauração que naquele local funcionam. C) Prova produzida que impõe a alteração do ponto 6., dos factos provados, nos termos apontados, o que se peticiona. Do erro quanto à decisão de Direito: a) - Da inexistência da produção de ruído pelo estabelecimento "M... Café": D) Sem prejuízo da alteração da matéria de facto peticionada, o Tribunal "a quo" errou na decisão de Direito proferida, uma vez que, face aos factos provados, impunha-se decisão no sentido da verificação dos requisitos legais ínsitos no artigo 120.º, nº1, alínea b), e nº2, do CPTA, com o consequente decretamento da providência cautelar de suspensão provisória do acto de restrição de horário de funcionamento do estabelecimento de bebidas da Apelante. E) Não resulta da factualidade provada, quaisquer elementos suficientes no sentido de que o estabelecimento "M... Café", produz ruído e provoca o desassossego dos moradores vizinhos. Antes pelo contrário: F) Inexiste nos autos qualquer elemento objectivo, designadamente um relatório de avaliação acústica ou o resultado de testes efectuados no sentido de aferir da produção e do nível de ruído proveniente do estabelecimento da Apelante, M... Café, que sustente que este exerce a sua atividade em violação de qualquer norma legal e/ou regulamentar, mormente o Regulamento Geral do Ruído - Decreto-Lei nº 9/2007, de 17/01 -, e aos limites por esta impostos; G) Por outro lado, resultou provado que "em 2012, a requerente efetuou obras de insonorização no "M... Café", tendo implementado uma antecâmera de acesso ao estabelecimento, dotado o mesmo de isolamento acústico com lã de rocha de 4cm de espessura, colocado portas em MDF Iso Framo 8cm de espessura, com lã de rocha" - vide ponto 4, dos Factos Provados, da Sentença recorrida -, e que "em Outubro de 2014, o "M... Café estava encerrado para realização de obras" - vide ponto 7, dos Factos Provados, da Sentença recorrida; H) E assim, resultou provado que, desde o inicio da exploração do estabelecimento de bebidas "M... Café", 01 de Março de 2012 - vide ponto 1., dos factos provados -, e assim, tendo por referência a data das reclamações dos moradores a 3 de Outubro de 2014, num período de dois anos e meio, a Apelante efetuou obras e todas versando e cuidando pela insonorização do estabelecimento. I) Na verdade, o que resulta dos presentes autos é, tão somente, que os moradores apresentaram reclamações, não respeitando estas apenas ao "M... Café", mas antes ao ruído produzido na indicada Alameda, o qual provém dos estabelecimentos de bebidas e de restauração que no local existem, mas sobretudo das pessoas que ali se aglomeram, na parte exterior, no período noturno. J) Não se pode olvidar que, o estabelecimento de bebidas "M... Café", assim como os demais estabelecimentos ali existentes, "vem funcionando, há mais de vinte anos, com o seguinte horário: das 10h00 às 24h00, de domingo a quinta feira, e das 10h00 às 02h00 às sextas-feiras, sábados e vésperas de feriado" - vide ponto 5., dos factos provados -, sem que os moradores vizinhos tenham tomado providências, mormente judiciais, para que se procedesse a medições e avaliações acústicas, com vista à resolução do apontado problema. K) Logo, porque o problema do ruído era um problema antigo e conhecido, a Apelante, quando em 2012 passou a explorar o "M... Café", tomou providências no sentido de fazer cessar o ruído que, até então vinha prejudicando e perturbando o sossego dos moradores vizinhos - como resultou provado nos pontos 4., 7., 31., 32., dos factos provados da sentença recorrida -, fazendo grande investimento em obras de insonorização, logrando conseguir um isolamento do som que é produzido no seu interior, de forma a que o mesmo não seja audível no exterior. L) De facto, o som que é produzido na Alameda LM não provém do estabelecimento "M... Café", onde se investiu e realizou obras de insonorização, mas antes dos restantes estabelecimentos ali existentes, mais de seis, que funcionam, de Verão e de Inverno, com as portas abertas e com esplanada no corredor do prédio, mesmo por baixo das habitações, com a música alta e com os clientes na parte exterior e, necessariamente, a falar alto, a que se somam as demais pessoas que permanecem naquele espaço, onde se sentam nos bancos ali existentes, a conversar, sem estarem afectos a qualquer bar ou estabelecimento e que, por vezes, até trazem bebidas que consomem naquele local. M) Não sendo o facto de existirem os autos de contraordenação, a que aludem os pareceres das autoridades policiais juntos aos autos, que comprova a prática de tal comportamento pela Requerente, inexistindo qualquer menção a qualquer condenação pela prática de qualquer contraordenação por violação da legislação respeitante à produção de ruído. Ademais, N) Como resultou provado, em concreto, no já referenciado ponto 7., dos factos provados, aquando a apresentação das reclamações juntas aos autos, o estabelecimento "M... Café" estava encerrado para a realização de obras que efetivamente foram executadas, as quais, além do mais, se trataram de obras para reforço da insonorização - vide ponto 32., dos factos provados da Sentença recorrida. O) Logo, se há data em que foram apresentadas as reclamações dos moradores das habitações vizinhas, queixando-se da produção de ruído e da perturbação do seu sossego e descanso, o "M... Café" estava encerrado para obras, é passível de se questionar a que ruído é que se reportavam aqueles moradores; se, além das obras que se foram realizando, também naquela data de 03 de Outubro foram realizadas obras, investindo a Requerente, novamente, na insonorização do estabelecimento, como se pode considerar que este estabelecimento produz ruído que perturbe o descanso e o sossego dos moradores? P) Note-se que, em momento nenhum, e nem mesmo após as obras de Outubro de 2014, foi realizada qualquer medição ou avaliação do ruído produzido no estabelecimento da Apelante, castigando-se, com restrição de horário que inviabilizará a sua atividade, a Apelante que investe e executa obras de insonorização e que faz com que o seu estabelecimento de bebidas não produza ruído audível no seu exterior e, em consequência, não produza ruído que perturbe o sossego e o direito ao descanso de quem quer que seja, e premiando-se aqueles que no local continuam a laborar, sem fazer qualquer investimento em obras de insonorização, com as portas abertas e potenciando a permanência de pessoas na parte exterior dos estabelecimentos, em séria e grave violação do direito de igualdade, constitucionalmente consagrado no artigo 13.º, da Lei Fundamental. Q) Sendo certo que, a execução do ato de restrição de horário de funcionamento, proferido pela Entidade Requerida, não fará com que o ruído existente na Alameda LM, quer o provindo dos estabelecimentos que nunca fizeram obras de insonorização (como fez a Requerente), e que mantêm horário de funcionamento além das 24horas, quer das pessoas que ali se juntam no exterior dos estabelecimentos e mesmo das habitações, cesse, e, em consequência, não é com a restrição do horário de funcionamento do único estabelecimento que não produz ruído, o "M... Café", que haverá sossego e descanso dos moradores vizinhos. R) Na verdade, inexiste qualquer facto, objectivo e concreto, que sustente que o estabelecimento de bebidas "M... Café", propriedade da Apelante, produz ruído que afecte o direito ao sono e ao descanso dos moradores das habitações vizinhas, mas antes que, a Apelante sempre cuidou por preservar e por respeitar os direitos dos moradores vizinhos ao seu sossego e descanso, investindo significativamente e realizando obras, nos poucos anos em que explora o estabelecimento (2012 a 2016), para insonorização do estabelecimento. S) O que resultará provado na ação principal instaurada pela Apelante, a que alude o ponto 34., dos factos provados da sentença recorrida, do mesmo modo que resultará provado na acção principal que não é com a restrição de horário do estabelecimento da Apelante e de mais um dos bares/estabelecimento de bebidas ali existente na Alameda, onde funcionam vários outros, pelo menos, e segundo as testemunhas, mais seis estabelecimentos, e permitindo-se a abertura e licenciando-se novos estabelecimentos, com horário de funcionamento além das 24horas, em clara e grave violação do principio da igualdade, que o ruído que naquele local é produzido cessará. T) Pelo que, com o devido respeito, que é muito, uma vez que não resultou provado que o estabelecimento "M... Café" produz ruído que perturbe o sossego e o descanso dos moradores, com investimento elevado em obras de insonorização não antes vistas naquele estabelecimento e inexistente nos outros estabelecimentos que ali funcionam, deveria concluir-se pela suspensão de execução do ato administrativo, com a consequente decretamento da providencia cautelar requerida, sob pena de violação do principio fundamental da igualdade, com consagração no artigo 13.º, da Constituição da Republica Portuguesa e no artigo 6.º, do Código de Procedimento Administrativo, o que se peticiona a este Venerando Tribunal. Ademais, e sempre sem prescindir, b) - Do errado juízo na ponderação de interesses: U) Com a certeza de que não é com a restrição do horário de funcionamento do estabelecimento da Apelante, "M... Café", das 02horas para as 24horas, que cessarão as queixas dos moradores vizinhos, quanto ao ruído, na medida em que o ruído de que se queixam não é, nem pode ser, provindo daquele; V) A Meritíssima Juiz "a quo" errou gravemente e em violação de princípios fundamentais, constitucionalmente consagrados, no juízo de ponderação dos interesses em conflito, ao considerar que, no caso concreto, devia prevalecer o direito ao sossego e ao descanso dos moradores que não é afectado, por forma nenhuma, pela atividade do estabelecimento "M... Café". Senão vejamos: W) Ainda que naqueles autos de ação principal resulte provado que o ruído de que reclamam os moradores vizinhos não é produzido pelo estabelecimento "M... Café", o efeito útil de tal decisão, a não ser decretada a suspensão da eficácia do ato em causa, será absolutamente nulo, pois, como muito bem é referido na decisão recorrida "(...) ao ser executado o ato suspendendo, a Requerente terá graves prejuízos, ficando prejudicado o desenvolvimento normal da sua atividade comercial no "M... Café", havendo risco de um eventual encerramento" (negrito e sublinhado nosso). X) Existindo, como resulta da Sentença proferida, um fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que a Requerente visa assegurar no processo principal. Y) Como resultou provado, "o estabelecimento "M... Café", até às 24:00horas, não tem mais de vinte clientes", sendo que "até às 24:00horas, às sextas-feiras e sábados, o estabelecimento "M... Café" factura em média €50,00 (cinquenta euros)" - vide pontos 18. e 21., dos factos provados da Sentença recorrida. Z) Mais resultando provado que o estabelecimento em causa "começa a encher a partir da 01:00hora, sobretudo às sextas-feiras e sábados, sendo que, a partir dessa hora, às sextas-feiras e sábados, o "Matiz Café" tem uma média de duzentos e cinquenta clientes por noite" - vide pontos 18. e 21., dos factos provados da Sentença recorrida. AA) A que se soma o facto, também dado como provado, de que 90% do valor facturado pelo estabelecimento "M... Café" corresponde ao consumo que é feito no estabelecimento após as 24:00horas - vide ponto 24., dos factos provados da Sentença recorrida. BB) Ao passo que, nada resulta, de forma concreta e objectiva, e ainda que indiciariamente, quanto à produção de ruído pelo estabelecimento "M... Café"; que é devido ao ruído (alegadamente) produzido pelo estabelecimento da Apelante que os moradores se sentem lesados no seu direito ao sossego e descanso e que, é por via disso, que existe perturbação da ordem pública; nada resulta provado quanto a quaisquer danos eventualmente sofridos pelos moradores das habitações vizinhas ao estabelecimento "M... Café", e, reitere-se, que os mesmo ocorrem em consequência direta e necessária da conduta da Apelante, mormente do eventual ruído produzido no estabelecimento "M... Café"; não há absolutamente nada nos autos, a não ser meras reclamações e pareceres das autoridades policiais, sustentados naquelas queixas e na alegada existência do levantamento de autos de contraordenação, sem qualquer objectividade; resultando inequivocamente que, não é restringindo o horário de funcionamento do "M... Café" que o ruído cessará, porque não é este que o produz. CC) Não se pode olvidar que o que está em causa, no seu essencial, são duas horas por noite, às sextas-feiras, sábados e vésperas de feriado, que fazem toda a diferença para a atividade da Apelante, pois a restrição é das 02horas para as 24horas dos referenciados dias. DD) Não estamos perante um estabelecimento de bebidas que funcione diariamente com o horário de funcionamento até às 02horas, mas apenas às sextas-feiras, sábados e vésperas de feriado, sendo nestes dias, e a partir das 24horas que o estabelecimento tem verdadeiramente clientes e consegue facturar, correspondendo 90% da sua faturação à atividade que exerce neste período. EE) Consequentemente, como ficou reconhecido na Sentença recorrida, a execução da restrição de horário de funcionamento das 02horas para as 24horas determinará o encerramento deste estabelecimento de bebidas e a insolvência da Requerente, com graves e irremediáveis prejuízos para a Apelante, de impossível reparação, podendo tornar-se absolutamente inútil a decisão a proferir na ação principal. FF) Na verdade, mal andou o Tribunal "a quo" ao decidir que "terá de prevalecer o interesse de prevenir a violação do direito ao sossego e tranquilidade dos residentes na Alameda LM, em Vila Nova de Famalicão e, deste modo, não decretar a providência requerida", porque com a execução do ato suspendendo, não se prosseguirá o interesse de prevenir a violação do direito ao sossego e tranquilidade dos residentes na Alameda LM, já que, como se disse, o ruído não é produzido pelo "M... Café" mas sim pelos demais estabelecimentos de bebidas e/ou de restauração ali existentes e às pessoas que ali se juntam na parte exterior daqueles e em relação aos quais a Requerente nada pode fazer, por se tratar de espaço público. GG) Ou seja, a decisão proferida faz prevalecer um interesse que não ficará acautelado e/ou protegido com a execução do ato de restrição do horário de funcionamento, em detrimento de um interesse, também constitucionalmente consagrado, que é o direito ao livre exercício de da iniciativa económica da Apelante, que ficará irremediavelmente prejudicado, assim ditando o seu encerramento. HH) De facto, verificados os requisitos previstos na alínea b), do nº1, do artigo 120.º, do CPTA, considerando-se, nesta parte de forma absolutamente correta e conforme ao Direito, a existência de fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que a Apelante pretende acautelar no processo principal - periculum in mora -, e não sendo manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada - fumus boni iuris; II) Incompreensivelmente e sem qualquer sustentação nos factos provados, entendeu a Meritíssima Juiz "a quo", pela não verificação do requisito ínsito no nº2, do mesmo normativo legal, considerando que, ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos resultantes da concessão se afiguravam inferiores aos que resultam da recusa, não obstante entender que a execução do ato suspendendo poderá determinar o encerramento do estabelecimento!!!! JJ) Ora, como ficou provado, ao ser executada a deliberação da Entidade Requerida, a Apelante terá graves prejuízos, havendo risco de um eventual encerramento e, como tal, não se trata apenas de uma limitação do respectivo período de funcionamento, quando é certo que, reitere-se, com a execução do ato administrativo em questão em nada se acautela o direito ao sossego e descanso dos moradores. KK) De modo que, a decisão devia ser no sentido da prevalência do direito da Apelante, por, no caso concreto, ser mais forte do que o direito ao repouso, à saúde e ao bem estar dos residentes na área, e assim, em conformidade com a doutrina qualificada e as várias decisões judiciais, em especial do Supremo Tribunal de Justiça, numa correta interpretação do disposto no artigo 335.º, do Código Civil. LL) A existirem factos reveladores de uma atividade ruidosa provinda do "M... Café" - o que não resulta por qualquer forma justificadamente demonstrado, nem provado -, tal situação não importa necessariamente uma opção pelo direito ao sossego e descanso, como corolário do direito à integridade física e a um ambiente sadio, em detrimento do direito à propriedade e à iniciativa económica privada. MM) Antes, estatui o artigo 335.º, nº 1, do Código Civil, que "havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os direitos ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes". NN) Sendo que, nos termos do disposto no artigo 1346.º, do Código Civil, o lesado pode opor-se à emissão de ruídos se verificada uma de duas situações: a) que a emissão de ruído importe um prejuízo substancial para o uso do imóvel vizinho, ou b) que não resultem da utilização normal do prédio que emanam. OO) No caso concreto, não se verifica nenhuma das situações apontadas. PP) Se por um lado, inexiste um uso anormal do estabelecimento em causa, por outro lado, não resultou provado, objectivamente, como se impõe, a existência de um prejuízo substancial para o uso dos imóveis vizinhos, mormente dos moradores reclamantes. QQ) Não está, de modo nenhum, provado que o "M... Café" produz ruído em violação dos limites legais impostos, e muito menos que da sua atividade resultem ruídos que sejam insuportáveis e agressivos para quem habite as fracções vizinhas e tem de descansar, para justificar limitações ao direito de propriedade e de livre iniciativa privada como a Câmara Municipal quer impor ao restringir o horário de funcionamento. RR) Tratando-se, indubitavelmente, de uma medida ilegal, injustificada, excessiva e desproporcionada, também violadora dos dispositivos legais do Código Civil enunciados. SS) Aliás, reitere-se, a executar-se a restrição deliberada a atividade da Apelante ficará irremediavelmente comprometida, ao passo que irá persistir a violação do direito ao repouso, saúde e bem estar dos moradores vizinhos, porque o barulho que é produzido, insista-se, porque não produzido pelo estabelecimento da Requerente, persistirá. TT) Pelo que, no confronto dos interesses em jogo, a decisão que se impunha, e impõe, seria no sentido do direito ao descanso e sossego dos moradores, no que ao "M... Café" respeita, ceder face ao direito da Apelante ao livre exercício da iniciativa económica privada. UU) Em suma, porque a deliberação de restrição do horário de funcionamento da Apelante consubstancia um ato administrativo proferido em violação do disposto nos artigos 13.º, 61.º, nº1 e 62.º, todos da Constituição da República Portuguesa, do artigo 70.º, 335.º, nº1, 1346.º, todos do Código Civil, e dos artigos 3.º, 4.º, 6.º, 7º, 8º, 115.º e 125.º, estes do Código de Procedimento Administrativo, do que também se fará prova na ação principal, trata-se de um ato administrativo proferido em violação da Lei Fundamental e, como tal, é inconstitucional. VV) Ato administrativo inconstitucional que, a não ser suspenso na sua execução, afectará irremediavelmente a atividade do estabelecimento "M... Café" e a atividade a que se dedica a Apelante, não se acautelando, com a sua execução, o alegado interesse ao descanso, sossego, saúde e bem estar dos moradores vizinhos, porque o ruído noturno continuará. WW) Não sendo justo determinar a execução da deliberação da Entidade Requerida quando a mesma não acautelará o interesse de prevenir a violação do direito ao sossego e tranquilidade dos moradores vizinhos. XX) De modo que, ao decidir como decidiu, fazendo prevalecer um interesse que não ficará acautelado com a execução do ato administrativo, em grave e irremediável prejuízo do interesse da Requerente, sem qualquer sustentação na matéria de facto dada como indiciariamente provada e sem qualquer equidade na ponderação feita, o Tribunal "a quo" proferiu decisão errada, desconforme ao Direito, em séria e grave violação do principio da igualdade e em violação do disposto nos artigos 13.º, 61.º, nº1 e 62.º, todos da Constituição da República Portuguesa, do artigo 70.º, 335.º, nº1, 1346.º, todos do Código Civil, e dos artigos 3.º, 4.º, 6.º, 7º, 8º, 115.º, e 125.º, estes do Código de Procedimento Administrativo e do disposto no artigo 120.º, nº1, alínea b) e nº2, do CPTA. YY) Impondo-se a revogação da decisão proferida e a sua substituição por outra que determine a verificação dos requisitos cumulativos previstos no artigo 120.º, nº1, alínea b) e nº2, CPTA, com o consequente decretamento da providencia cautelar requerida, ordenando-se a suspensão da eficácia da deliberação da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão, de restrição de horário de funcionamento do estabelecimento de bebidas "M... café", por ser de Justiça e o que se peticiona. * O Recorrido contra-alegou, concluindo o seguinte: 1ª A questão vertida nas conclusões B) e C) da minuta recursiva da recorrente é irrelevante para a decisão de Direito, pois não oferece qualquer contributo para a alteração dessa decisão tal como por ela é pretendida. 2ª A recorrente admite expressamente que as reclamações dos moradores vizinhos do seu estabelecimento (“M... Café”) foram apresentadas também por causa do ruído provocado pelo funcionamento noturno deste estabelecimento, e não apenas dos outros estabelecimentos que funcionam no mesmo local. 3ª O que está em causa nesta providência cautelar é tão só a suspensão da deliberação camarária que reduziu o horário de funcionamento do “M... Café”, e não de quaisquer outros estabelecimentos, nomeadamente dos que, pelas mesmas razões, também foram abrangidos por igual medida e pelas mesmas razões. 4ª Tendo especificado a prova testemunhal, que foi gravada, como um dos concretos meios de prova que, na sua tese, impunham uma decisão da matéria de facto diversa da que consta no ponto 6 do elenco dos “Factos Provados”, a recorrente não indicou, com exatidão, as passagens da gravação em que se funda o seu recurso. 5ª Entre os documentos convocados nesse ponto 6 para fundamentar a decisão nele assumida - documentos cujo teor foi dado por integralmente reproduzido -, figuram três reclamações (de fls. 169 a 171), também com entrada registada no dia 03 de Outubro de 2014, que visam especificamente o “M... Café”. 6ª Dada a natureza do procedimento cautelar em causa, bastava um mero juízo de verosimilhança, sem exigência de um juízo técnico/científico, para dar como provado que o “M... Café” produz ruído e provoca o desassossego dos moradores vizinhos. 7ª A ilicitude de um comportamento ruidoso, que prejudique o repouso, a tranquilidade e o sono de terceiros, como aspetos do direito à integridade pessoal, dispensa a aferição do nível do ruído por padrões legais estabelecidos. 8ª Não resultou demonstrado nos autos que as obras de insonorização efetuadas pela recorrente no “M... Café”, em 2012, lograram conseguir um isolamento do som produzido no interior desse estabelecimento, de modo a que não seja audível do exterior. 9ª Também não resultou demonstrado que as obras por ela efetuadas no mesmo estabelecimento, em 2014, visaram a insonorização do local, nem o teor dos documentos de fls. 100 a 109 indiciam sequer que as despesas a que se reportam se destinaram a esse fim. 10ª Não se provou que o ruído de que os moradores vizinhos se queixaram não provém do “M... Café”, mas apenas de outros estabelecimentos de bebidas e/ou de restauração situados na mesma zona. 11ª No confronto entre o direito da recorrente ao livre exercício da iniciativa económica e o direito ao sono, ao sossego e à tranquilidade dos moradores vizinhos do seu estabelecimento, a sentença recorrida fez prevalecer, com acerto, este último. 12ª Os prejuízos que, com a adoção da suspensão da eficácia da deliberação, se pretenderiam evitar que fossem causados à esfera jurídica da recorrente não se sobrepõem, num juízo de ponderação de interesses e de proporcionalidade, aos danos que dessa suspensão iriam resultar para os interesses daqueles moradores. 13ª O direito ao repouso, à tranquilidade e ao sono insere-se no direito à integridade física e a um ambiente de vida humana sadia e ecologicamente equilibrada, que são direitos fundamentais à saúde e à qualidade de vida, direitos de natureza não patrimonial, inquantificáveis e imateriais. 14ª Estes direitos seriam, no caso dos autos, irremediavelmente lesados e os respetivos danos irreparáveis pela persistência, durante mais alguns meses, senão anos, de uma insuportável situação intrusiva de ruído, com as consequências daí resultantes ao nível da recuperação física e psíquica dos atingidos, quer da vida pessoal e familiar, quer da vida profissional. 15ª Esses danos não podem ser evitados ou atenuados pela adoção de outra qualquer providência, como nem sequer são integralmente reparáveis mediante indemnização pecuniária. 16ª A proteção contra o ruído excessivo deve ser tratada como uma questão de interesse público e não, simplesmente, como estando circunscrita a um conflito entre particulares. 17ª O interesse público é sempre gravemente lesado, quando se suspende a eficácia de um ato administrativo que visa pôr cobro a uma situação de ilegalidade, traduzida, no caso dos autos, numa ostensiva violação de direitos, liberdades e garantias pessoais daqueles munícipes. 18ª A tutela da integridade pessoal (física e moral) está umbilicalmente ligada à consagração constitucional absoluta da dignidade da pessoa humana, especialmente revelada no art. 25º da Constituição da República Portuguesa (CRP) pela declaração da sua inviolabilidade. 19ª O sono, o repouso e a tranquilidade física e psíquica da pessoa são essenciais à vida, não só na vertente da saúde, mas também da própria existência física. 20ª A Constituição da República (arts. 64º a 66º) reconhece também a todos os cidadãos o direito à proteção da saúde e o dever de a defender e promover, como também o direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender. 21ª A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral, podendo a pessoa ameaçada ou ofendida, independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida (art. 70º do Código Civil). 22ª A Declaração Universal dos Direitos do Homem prescreve que toda a pessoa tem direito ao repouso (art. 24º) preceituando o art. 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem que qualquer pessoa tem o direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência, estando a integridade física e moral coberta pela proteção da vida privada. 23ª Ainda que se admita que o direito à integridade pessoal não é, em absoluto, um direito imune a eventuais limitações, não pode, sem mais ou em abstrato, afirmar-se que o direito ao sono, ao repouso e à tranquilidade que o integra esteja, como que por natureza, excluído do respetivo núcleo essencial. 24ª Em caso de colisão do direito ao sono, ao repouso e à tranquilidade com o direito de propriedade e o direito ao exercício de atividade privada, prevalece aquele primeiro direito. 25ª O direito de exercer livremente a iniciativa económica privada, reconhecido no art. 61º, nº1, da Constituição da República, não é negado pela deliberação camarária suspendenda, pois a redução de horário por ela aprovado não impede a prossecução da atividade económica da recorrente, mas apenas limita no tempo o respetivo período de funcionamento. 26ª A iniciativa económica privada exerce-se livremente nos quadros definidos pela Constituição e pela lei, tendo em conta o interesse geral, tal como está expressamente definida no preceito constitucional que a prevê (nº 1 do art. 61º). 27ª Se o legislador entendeu que, de acordo com o interesse geral, devia ser concedida às câmaras municipais a possibilidade de, em casos devidamente justificados e que se prendam com razões de segurança ou de proteção da qualidade de vida dos cidadãos, restringir os períodos de funcionamento de um estabelecimento de restauração ou de bebidas, então a liberdade de exercício da iniciativa económica privada tem de adequar-se de maneira a respeitar o quadro legal assim definido no interesse público. 28ª O direito de propriedade não é um direito constitucionalmente garantido em termos absolutos, estando sujeito a limites, condicionamentos e enquadramentos. * O Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso. *** 2. Factos Sem prejuízo da posterior apreciação do recurso, na parte em que vem impugnada a matéria de facto, faz-se desde já constar que a decisão recorrida deu como indiciariamente provados os seguintes factos: *** 3. Erros de julgamento A sentença recorrida julgou improcedente a providência cautelar de suspensão de eficácia do ato que restringiu o horário do estabelecimento da recorrente, tendo para o efeito considerado que estavam verificados os pressupostos do fumus boni iuris e do periculum in mora, exigidos na alínea b) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA/2014, mas tendo entendido que a providência tinha que ser recusada por força do juízo de ponderação previsto no n.º 2 do artigo 120.º do CPTA. Importa apreciar os erros de julgamento que a Recorrente imputa ao assim decidido e que constituem o objeto do presente recurso. * 3.1. Quanto à decisão de facto A Recorrente alega que deve ser alterado o ponto 6. dos factos provados, porquanto da prova produzida, “em concreto da prova testemunhal e da prova documental”, resulta provado que mais de vinte residentes, de habitações vizinhas daquele estabelecimento, apresentaram reclamação, datada de 30.09.2014, acerca do ruído provocado pelo funcionamento noturno, não apenas do “M... Café”, mas também de outros estabelecimentos de bebidas e/ou restauração. Como tem sido reiteradamente salientado (cfr., entre muitos outros, os Acórdãos do TCAN, de 22.05.2015, P. 1224/06.2BEPRT, e de 22.10.2015, P. 1369/04.3BEPRT), as competências dos Tribunais Centrais Administrativos em sede de intervenção na decisão da matéria de facto encontram-se reguladas, por força da remissão do artigo 140.º do CPTA, nos artigos 640.º e 662.º do CPC/2013, que acolheram um regime que, de um lado, assume a alteração da matéria de facto como função normal da 2.ª instância e, do outro, não permite recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, mas apenas admite a possibilidade de revisão de “concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente” (v. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra, 2014, 130). Neste contexto, recai sobre o recorrente, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, o ónus de especificar, por um lado, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e, por outro, os concretos meios probatórios que, no seu entender, impunham decisão diversa da recorrida, quanto a cada um dos factos que entende que deviam ter sido dados como provados ou não provados, incluindo a indicação exata das passagens da gravação, no caso de depoimentos gravados (artigo 640.º do CPC). No caso em apreço, a Recorrente não cumpre adequadamente este ónus de impugnação da matéria de facto, desde logo porque não especifica os concretos meios probatórios (documentos e depoimentos) dos quais retira as conclusões avançadas quanto ao facto que considera que devia ser alterado, nem indica os depoimentos – e respetivas passagens da gravação – a que se refere. Antes se limita a afirmar, de forma genérica e imprecisa, que o mesmo resulta provado do conjunto da prova testemunhal e documental que foi produzida. Sem prejuízo, sempre se dirá que o alegado pela Recorrente encontra apoio nos documentos juntos aos autos e mencionados no ponto 6. dos factos provados. Concretamente, os documentos de fls. 163 a 174 dos autos correspondem a queixas apresentadas ao Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão sobre o ruído, distúrbios e estragos nos prédios dos queixosos, alegadamente causados pelos “cafés e bares” existentes na zona e não apenas sobre o estabelecimento “M... Café” de que é proprietária a Recorrente. Da mesma forma, o documento de fls. 72 e s., que contém a deliberação da Câmara Municipal, de 28.05.2015, diz respeito à restrição do horário de funcionamento do estabelecimento “M... Café” e também dos estabelecimentos “Brother´s Café” e MCafé. Assim, ainda que seja eventualmente escassa a relevância deste elemento para a decisão, importa, em abono da verdade e com base nos documentos citados, alterar o facto provado no ponto 6) da matéria de facto, para nele fazer constar o seguinte: “6. Mais de vinte residentes, de habitações vizinhas daquele estabelecimento, apresentaram reclamação, datada de 30 de Setembro de 2014, com entrada registada no dia 03 de Outubro de 2014, junto da Entidade Requerida, acerca do ruído provocado pelo funcionamento noturno do estabelecimento “M... Café” e de outros estabelecimentos existentes na zona – cfr. doc. a fls. 163 a 174 e 72 a 90 dos autos.” *** 3.2. Quanto à inexistência de produção de ruído A Recorrente alega que não ficou provado que o seu estabelecimento (M... Café) produza ruído que afete o direito ao sono e ao descanso dos moradores das habitações vizinhas e que sempre teve o cuidado de respeitar os direitos destes, tendo realizado avultadas obras para insonorização do estabelecimento desde 2012, data em que iniciou a exploração do estabelecimento. Mais conclui que, assim sendo, a providência de suspensão do ato administrativo devia ser decretada. Esta alegação da Recorrente incorre em evidente erro quanto ao objeto do litígio de onde emerge o presente recurso. Note-se que esta alegação da Recorrente (segundo a qual inexiste a produção de ruído que terá fundamentado a decisão de restringir o horário de funcionamento do seu estabelecimento) consubstancia a invocação de um erro sobre os pressupostos de facto que, a verificar-se, poderá constituir causa de invalidade desse ato administrativo, que é objeto do pedido de suspensão de eficácia. Acontece que (atenta a natureza sumária e provisória do processo cautelar e a sua função instrumental relativamente à ação principal cujo efeito útil visa acautelar) não cabe no âmbito do processo cautelar decidir sobre a (in)validade do ato suspendendo, questão que só poderá ser julgada na ação administrativa especial (que, no caso, foi entretanto intentada pela Recorrente). Em sede cautelar, apenas importará verificar a “aparência do bom direito”, enquanto pressuposto para o decretamento da providência cautelar. Pelo que a alegação do Recorrente – centrada, como foi, na invalidade do ato –, remete para questão que só pode ser decidida na ação principal e que, como tal, é insuscetível de fundamentar a decisão de decretamento da providência cautelar que o presente recurso visa obter. Mas mesmo que se entendesse que a alegação do Recorrente tem na base o entendimento de que o ato suspendendo é manifestamente ilegal e que, como tal, a providência devia ter sido decretada à luz do critério de evidência vertido na alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA/2004, sempre soçobraria o recurso. Pois, como concluiu a sentença recorrida, as invalidades que o Requerente/Recorrente imputa ao ato suspendendo (incluindo o aludido erro sobre os pressupostos de facto) não se apresentam manifestas, ou seja, a solução a dar a tais questão “não é líquida”, “não salta á vista”, mas antes “oferece dúvida” e exige um esforço exegético e melhor indagação (cfr. Acórdão do STA de 22.10.2008, P. 0396/08). Como já escrevemos no Acórdão do TCAN de 17.04.2015, P. 01299/14.0BEPRT, “[P]ara que a suspensão de eficácia do ato administrativo possa ser decretada com base no critério de evidência vertido no artigo 120.º/1-a) do CPTA, mostra-se necessário que esteja demonstrada nos autos cautelares uma dupla evidência: por um lado, uma evidência de facto, no sentido de se verificarem as circunstâncias que consubstanciam o(s) vício(s) em causa; e, por outro, uma evidência de direito, por não ser questionado ou não o ser, em termos minimamente atendíveis, o direito aplicável àqueles factos.” O que aqui não se verifica. Relembre-se que a Recorrente imputa ao ato os vícios de omissão de diligências probatórias (por não se terem ouvido as testemunhas arroladas em sede de audição prévia); de não observância dos requisitos legais para a restrição do horário de funcionamento do “M... Café”, por não haver prova de que a música e o demais ruído produzido naquele estabelecimento é excessivo; de erro por ter sido considerado que o facto de terem sido levantados à Requerente autos de contraordenação por funcionamento além do horário permitido não é fundamento para a aplicação desta medida de limitação do horário de funcionamento do estabelecimento; de violação do princípio fundamental da igualdade, por não ser apontado qualquer critério justificativo da aplicação do procedimento de restrição de horário de funcionamento aos demais estabelecimentos de restauração e/ou bebidas em igualdade de circunstâncias. Ora, não apenas o Requerido/Recorrido apresenta argumentação consistente para afastar os invocados vícios, que colocam dúvidas sobre a respetiva procedência que, como referido, exigem melhor indagação; como há elementos na matéria de facto indiciariamente provada que contrariam os factos em que se sustenta a alegação da Recorrente, nomeadamente, no que respeita ao ruído produzido pelo estabelecimento, que é referenciado, nomeadamente, nas queixas dos vizinhos e nos relatórios policiais em que se fundou a informação camarária que suportou o ato objeto do pedido de suspensão. Em resumo, o recurso improcede quanto a esta questão, devendo confirmar-se a decisão recorrida na parte em que, por um lado, considerou não verificado o critério de evidência vertido no artigo 120.º/1-a) do CPTA/2004; e, por outro, deu como demonstrado o fumus boni iuris na sua versão menos intensa, ou seja, de “não ser manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada”, tal como previsto no artigo 120.º/1-b) do CPTA/2004. * 4.3. Quanto ao juízo de ponderação (120.º/2 CPTA) Tendo dado como verificados os requisitos do periculum in mora e do fumus boni iuris, previstos no artigo 120.º/1-b) do CPTA/2004, a sentença recorrida passou depois ao juízo de ponderação exigido no artigo 120.º/2 do mesmo Código, tendo concluído que o resultado do mesmo impunha que a providência fosse recusada, pelas seguintes razões, no essencial: “(...) considerando que a execução da deliberação Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão de restrição do horário de funcionamento do estabelecimento “M... Café”, não impede a prossecução da atividade da Requerente, apenas limitando no tempo o respectivo período de funcionamento e, considerando que a suspensão da execução da deliberação pode fazer persistir a situação de ruído noturno, resultante de música interior e da persistência de clientes na via pública junto ao estabelecimento, conforme o reclamado pelos vizinhos e confirmado pela Polícia de Segurança Pública e pela Polícia Municipal de Vila Nova de Famalicão, afigura-se que terá de prevalecer o interesse de prevenir a violação do direito ao sossego e tranquilidade dos residentes na Alameda LM, em Vila Nova de Famalicão e, deste modo, não decretar a providência requerida.” A Recorrente contesta o assim decidido, salientando os prejuízos patrimoniais de difícil reparação que irá sofrer em consequência do não decretamento da providência (uma vez que 90% do valor faturado pelo estabelecimento corresponde ao consumo que nele é feito após as 24:00 horas, podendo a não suspensão do ato conduzir mesmo ao encerramento do estabelecimento), com a consequente inutilidade da ação principal; e alegando que o interesse em prevenir a violação do direito ao sossego e tranquilidade dos residentes na zona não será obtido pelo indeferimento desta providência, visto que o ruído em causa não é produzido pelo estabelecimento da Recorrente, mas sim pelos demais estabelecimentos de bebidas e restauração ali existentes. Sem razão, porém. A conclusão a que chegou o tribunal recorrido deve ser mantida, ainda que com fundamentação não inteiramente coincidente com a aí adoptada. O juízo de ponderação, que cabe ao juiz efetuar nos termos do n.º 2 do artigo 120.º do CPTA, implica um juízo de prognose sobre os resultados de cada uma das alternativas (concessão ou recusa da providência), estabelecendo a lei que a providência “será recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa”. Como salienta Vieira de Andrade (A Justiça Administrativa, Lições, 2015, 299), o que aqui está em causa não é ponderar “valores” ou “interesses” entre si, mas antes comparar “danos” ou “prejuízos”. No mesmo sentido, conclui o Acórdão do STA de 18.06.2015, P. 0469/15: “[A]inda que estejam verificados os requisitos exigidos pelo art. 120.º, n.º 1, al. b) do CPTA, o tribunal não deve decretar a providência, quando feita a ponderação prevista no art. 120.º, n.º 2 do mesmo diploma, entender que os danos que resultariam para o interesse da concessão da medida cautelar se mostram superiores aos danos que podem resultar para o requerente da recusa da providência.” Assim sendo, mostra-se desnecessário – mas também desadequado – efetuar um tal juízo de ponderação com base na metódica referida na decisão recorrida, que se apoiou na teoria de Ronald Dworkin em Taking Rights Seriously e no caso Riggs vs. Palmer, aí referido. A sentença recorrida parece olvidar que este caso judicial é usado por Dworkin para, em resumo muito simplista, contrariar a teoria do “legal positivism” (especialmente na versão que lhe foi dada por Hart) e para demonstrar que o Direito não pode ser visto como fruto de uma “legalidade estrita” (“statutes” ou “existing law”), mas é também formado por princípios jurídicos (“legal principles”), igualmente vinculantes da atividade judicial. Ou seja, trata-se de uma metódica adoptada para situações com escassa similitude com o juízo de ponderação previsto no artigo 120.º/2 do CPTA, pois neste caso é a própria lei positiva que nos fornece o critério de ponderação que deve ser adoptado (guiado por princípios de proporcionalidade e adequação). Acresce que o conflito que importa resolver através do juízo de ponderação previsto no artigo 120.º/2 do CPTA/2004 não é um conflito entre princípios ou sequer entre “interesses” (não é, nomeadamente, um conflito entre o interesse público e o interesse privado, abstratamente considerados), mas sim um conflito entre prejuízos reais e efetivos (públicos e/ou privados), concretamente alegados e indiciariamente demonstrados, que num juízo de prognose (relativo ao tempo previsível de duração da medida e tendo em conta as circunstâncias do caso concreto) se prevê poderem decorrer, por um lado, da concessão da providência e, por outro, da sua recusa. A ponderação que é pedida ao juiz equivale a uma avaliação da “superioridade” de uns prejuízos relativamente aos outros, no sentido de decidir (decretando ou não decretando a providência) segundo critérios de “proporcionalidade e adequação” (de “equilíbrio”), de modo a evitar o “dano maior” que previsivelmente decorrerá de uma ou outra alternativa. Para efetuar um tal juízo de ponderação mostra-se, por isso, fundamental determinar quais os prejuízos reais e concretos que no caso vertente foram demonstrados. A decisão recorrida considerou – e nesta parte não se mostra impugnada – que o não decretamento da providência (de suspensão do ato que determinou a restrição de horário do estabelecimento) acarretará para a Requerente/Recorrente prejuízos de difícil reparação, consubstanciados na perturbação do “desenvolvimento normal da sua atividade comercial no “M... Café”, havendo o risco de um eventual encerramento”, uma vez que “regista uma maior afluência de clientela depois das 24:00 horas”, de tal forma que “a restrição de horário de funcionamento conduzirá a uma perda drástica de 90% da faturação total do estabelecimento ´M... Café´”. Por outro lado, considerou a sentença recorrida que o decretamento da providência irá interferir com o “direito ao repouso, à saúde e ao bem-estar dos residentes na área”, pois “o seu descanso será perturbado ou impossibilitado com a manutenção do horário até às 02:00 horas às sextas feiras, sábados e vésperas de feriado, quando respeitado esse horário”. A Recorrente insiste que o ruído em causa não provém do seu estabelecimento, mas sim de outros estabelecimentos do mesmo tipo que existe na área. Mas sem razão. Primeiro, porque os factos indiciariamente provados – e quanto a este ponto não impugnados – revelam que os estabelecimentos de restauração e bebidas que funcionam na Alameda LM e na Rua LB, em Vila Nova de Famalicão, entre os quais se inclui o estabelecimento da Recorrente, têm sido alvo de frequentes reclamações por parte dos residentes na vizinhança por causa do ruído proveniente dos mesmos, quer o ruído da música alta e clientela no seu interior, quer o provocado pelos clientes que se aglomeram no exterior junto à porta dos mesmos, o que, nomeadamente, tem dado azo a participações e contraordenações elaboradas pela PSP, bem como queixas junto da edilidade (cfr., nomeadamente, os pontos 10 a 15 da matéria de facto). Ou seja, está indiciariamente provado que há ruído proveniente de tais estabelecimentos – incluindo o da aqui Recorrente – que tem motivado queixas dos vizinhos e atuações policiais. Segundo, porque não se afigura minimamente plausível que um estabelecimento com as caraterísticas do “M... Café” não contribua (ainda que conjuntamente com outros) para o ruído que motivou as queixas dos habitantes da zona. Note-se que as obras de insonorização que se provou que a Recorrente realizou em 2012 (ponto 4 dos factos) são insuficientes para contrariar esta conclusão, pois é sabido, e resulta das regras da experiência comum, que o barulho e perturbação do sossego noturno originado por estas situações não provém apenas do ruído produzido no interior dos estabelecimentos, mas também do que se gera na rua, à porta dos mesmos, não havendo insonorização possível quanto a este. E relembre-se o que se concluiu no Acórdão deste TCAN de 18.12.2015, P. 02517/15.3BEBRG-A, proferido por este coletivo, embora com diferente relator, que negou provimento ao recurso interposto contra o despacho que, nos presentes autos, havia indeferido prova pericial: “(...) assumiu o ato suspendendo em pressuposto que “O Decreto-Lei n.º 48/96, de 15 de maio, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 10/2015, de 16 de janeiro, não faz depender a decisão de restrição da realização de estudo ou medições acústicas, mas, antes, em razões de segurança ou de proteção da qualidade de vida dos cidadãos, as quais encontram-se presentes” [Artigo 3.º - “As câmaras municipais, ouvidos os sindicatos, as forças de segurança, as associações de empregadores, as associações de consumidores e a junta de freguesia onde o estabelecimento se situe, podem restringir os períodos de funcionamento, a vigorar em todas as épocas do ano ou apenas em épocas determinadas, em casos devidamente justificados e que se prendam com razões de segurança ou de proteção da qualidade de vida dos cidadãos”], nessa medida se tendo bastado com o rol de considerandos convocados em justificativo da decisão, sem estudo ou medições acústicas, dispensando aferição do nível de ruído pelos padrões legais estabelecidos (Regulamento Geral do Ruído).// À luz da sumariedade que caracteriza os processos cautelares – a tal luz - não se pode reputar como inadequada restrição a realização da solicitada perícia.// Pelo contrário.// O juízo de verosimilhança da summaria cognitio que ao caso cabe não clama um qualquer juízo técnico/científico, a que, ademais, o ato suspendendo também não recorreu e antes até deu como desnecessário.// As realidades afirmadas, que o ato projetou como suficientes à conclusão a que chegou, não clamam alicerce em qualquer juízo técnico/científico.// Não se atêm ao cumprimento ou não “dos limites de ruído regulamentares” com que a requerente pretende contraditar.” Tem-se, assim, por verificado, em confirmação do decidido, que o decretamento da providência acarretará prejuízos para o repouso, tranquilidade e sono dos habitantes da zona circundante. Perante estes dados, o tribunal recorrido concluiu que “a proteção contra o ruído excessivo deve ser tratada como uma questão de interesse público e que o direito ao repouso, à tranquilidade e ao sono, inseridos no direito à integridade física e a um ambiente de vida humana sadia e ecologicamente equilibrada justifica a compressão do direito de propriedade de estabelecimento e o direito ao livre exercício da iniciativa económica”. E concluiu bem. A superioridade dos prejuízos que decorrerão do decretamento da providência em relação àqueles que podem resultar da não suspensão do ato que restringiu o horário de funcionamento do estabelecimento da Recorrente, manifesta-se, pelo menos, em dois planos: por um lado, os danos imateriais que seriam causados ao direito ao sono, ao repouso e à tranquilidade dos residentes naquela zona não podem deixar de ser enquadrados num plano qualitativamente superior por comparação com os prejuízos meramente patrimoniais que podem decorrer do não decretamento da providência. Por outro lado, é seguro que caso a providência fosse decretada seria impossível reconstituir, no plano dos factos, a posição jurídica dos habitantes vizinhos, que entretanto teriam sofrido prejuízos irreversíveis para os seus direitos ao sono e ao repouso (com o consequente prejuízo irreversível do interesse público que lhes está subjacente); mas já o mesmo não se pode afirmar com idêntica segurança quanto aos prejuízos que, num juízo de prognose, se antevê poderem decorrer para a Recorrente em consequência do não decretamento da providência. Pois, se é certo que a restrição de horário perturba o “desenvolvimento normal da sua atividade comercial no “M... Café” e pode provocar perda de clientela, não é inevitável que essa perturbação seja de modo a provocar o encerramento do estabelecimento ou a causar uma perda de clientela irreversível ou, pelo menos, não compensável por via indemnizatória, caso a Recorrente venha a obter ganho de causa na ação principal. Assim, tal como decidido pela sentença recorrida, a providência deve ser recusada à luz do juízo de ponderação estabelecido no n.º 2 do artigo 120.º do CPTA. *** 4. Decisão Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida com os presentes fundamentos. Custas pela Recorrente. Porto, 03.06.2016 |