Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00730/10.9BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/25/2012
Tribunal:TCAN
Relator:Carlos Luís Medeiros de Carvalho
Descritores:FALTA FUNDAMENTAÇÃO
VIOLAÇÃO DIREITO FUNDAMENTAL
QUESTÃO PREJUDICIAL - SUSPENSÃO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO
Sumário:I. Fundamentar é enunciar explicitamente as razões ou motivos que conduziram o órgão administrativo à prática de determinado ato, ato este que deverá conter expressamente os fundamentos de facto e de direito em que assenta a decisão sem que a exposição dos fundamentos de facto tenha de ser prolixa.
II. O invocado desconhecimento quanto ao facto do prédio estar ou não inserido em zona REN e se está próximo de linha de água com consequente ilegalidade do edificado mostra-se irrelevante para efeitos da pretensa falta de fundamentação do ato impugnado.
III. Caso a violação do direito fundamental não atinja o seu "conteúdo essencial" ou o seu "núcleo duro", a sanção adequada será a anulabilidade.
IV. Não ocorre violação do art. 133.º, n.º 2, al. d) do CPA dado nem a falta de fundamentação ser suscetível de gerar no caso o desvalor da nulidade, nem se mostra alegado a violação dum qualquer outro direito fundamental por parte do ato impugnado.
V. Questão prejudicial para efeito do disposto no art. 31.º n.º 1 do CPA tem de ser entendida como toda e qualquer questão que se suscita no procedimento e cuja resolução é da competência de outro órgão administrativo ou dos tribunais e que, sem estar decidida, prejudica ou impede seja proferida a decisão final no procedimento.
VI. Esta decisão não pode ser proferida, nomeadamente com uma determinada margem de segurança, sem se saber ou conhecer o resultado da decisão da questão prejudicial que compete a outro órgão administrativo ou aos tribunais, ou seja, a resolução final da questão colocada à apreciação do órgão administrativo tem que depender da solução a dar à questão prejudicial.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Data de Entrada:07/07/2011
Recorrente:Transportes ..., Ldª
Recorrido 1:Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Regional
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar total provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Deverá negar-se provimento ao recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
“TRANSPORTES …, LDA.”, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF de Coimbra, datada de 28.04.2011, proferida na ação administrativa especial por si instaurada contra o atualmente denominado “MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, DO MAR, DO AMBIENTE E DO ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO” (doravante «MAMAOT») (COMISSÃO DE COORDENAÇÃO E DESENVOLVIMENTO REGIONAL DO CENTRO - abreviadamente «CCDRC»), e que julgou improcedente a sua pretensão invalidatória (nulidade ou anulabilidade) da decisão do Presidente da CCDRC, datada de 15.06.2010, que lhe determinou, no prazo de 90 dias, a “… retirada do local do depósito de combustíveis e demolição ou retirada do local de edifício destinado a escritório e balneários, situados no lugar de Fontita, freguesia de Assafarge, concelho de Coimbra e reconstituir a situação anterior à prática da infração …”.
Formula a A. aqui recorrente nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem (cfr. fls. 107 e segs. e fls. 165 e segs. após convite ao seu aperfeiçoamento - paginação processo suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário):
...
1. A douta decisão recorrida deve ser revogada.
2. E, com ela, a decisão do Sr. Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDR-C), datada de 15.06.2010, proferida no âmbito do processo n.º 2009_0058_060307.
3. A decisão administrativa recorrida não identifica, com a necessária precisão, o local concreto onde terão sido executados as obras em causa, violando as exigências impostas pelo artigo 125.º, n.º 1, do CPA.
4. Assim, o ato recorrido padece de vício de fundamentação, pois que a A. não sabe que obra(s) poderá, ou não, ter de demolir, e onde.
5. Dado que a ordem de demolição tem efeitos ablativos, tal ato está sujeito a um dever de fundamentação acrescido, como postula o n.º 1, alínea b) do art. 124.º do CPA.
6. Assim, a falta de fundamentação, no caso concreto, gera a nulidade do ato, nomeadamente, nos termos e para os efeitos do art. 133.º, n.º 1, d) do CPA, face à natureza dos direitos em causa (direitos fundamentais ou análogos a estes últimos).
7. Pelo que o ato administrativo proferido em 15.06.2010 pelo Sr. Presidente da CCDR-C é nulo, nulidade que se invoca, para todos os legais efeitos.
8. Ou, quando muito, anulável, o que, «ad cautelam», e sem prescindir, igualmente se invoca.
9. A demolição de quaisquer obras - e a reposição do terreno na situação preexistente - é uma solução de «ultima ratio», que apenas tem lugar, reitera-se, quando a situação, embora «ilegal», não seja «legalizável».
10. As plantas a que se refere a CCDR-C respeitam ao modelo de ordenamento imprimido pelo PDM de Coimbra de 1994, ainda em vigor.
11. A decisão da CCDR-C «sub iudice» está, assim, e salvo melhor opinião, dependente da posição a adotar pelo Município de Coimbra no âmbito do processo de revisão do respetivo PDM, ainda não concluído.
12. Desta forma, estamos perante uma questão «prejudicial», nos termos em que a define o artigo 31.º, n.º 1 do CPA.
13. Termos em que deveria a CCDR-C ter ordenado a suspensão do procedimento em causa, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 31.º, n.º 1, do CPA, com todas as legais consequências, omissão que igualmente determina a nulidade do ato «recorrido», que se invoca …”.
Termina no sentido do provimento do recurso e revogação da decisão judicial recorrida.
O R., ora recorrido, notificado apresentou contra-alegações (cfr. fls. 126 e segs.), tendo concluído que:
… deverá o Tribunal negar provimento ao presente recurso, dado que a ordem de demolição do depósito de combustíveis e do edifício destinado a escritório e balneários, do Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDR Centro), datada de 15/06/2010, proferida no âmbito do processo n.º REF 2009_0058_060307, é válida e legal, visto que o ato administrativo praticado obedeceu a todos os trâmites legais exigidos, isto é, verificaram-se os pressupostos de facto e de direito invocados no mesmo e foi devidamente fundamentado.
Situando-se o depósito de combustíveis e o edifício para escritórios e balneários junto a esta linha de água e nos 10 m da largura das margens esta CCDR não proporá a exclusão da REN desta faixa onde se situam esses dois edifícios, pelo que a ordem de demolição dos mesmos deverá ser mantida.
Um depósito de combustíveis e escritórios e balneários não são usos compatíveis com este ecossistema da REN, como se comprova com os usos que a lei considera compatíveis com as margens dos cursos de água e que constam do anexo II ao decreto-lei 166/2008, de 22/08 …”.
O Digno Magistrado do Ministério Público (MP) junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso (cfr. fls. 150/156), pronúncia essa que objeto de contraditório não mereceu qualquer resposta (cfr. fls. 157 e segs.).
Colhidos os vistos legais juntos dos Exmos. Juízes-Adjuntos foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.



2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo certo que, pese embora por um lado, o objeto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos arts. 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do CPTA, 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 685.º-A, n.º 1 todos do Código de Processo Civil (CPC) (na redação introduzida pelo DL n.º 303/07, de 24.08 - cfr. arts. 11.º e 12.º daquele DL -, tal como todas as demais referências de seguida feitas relativas a normativos do CPC) “ex vi” arts. 01.º e 140.º do CPTA, temos, todavia, que, por outro lado, nos termos do art. 149.º do CPTA o tribunal “ad quem” em sede de recurso de apelação não se limita a cassar a decisão judicial recorrida porquanto ainda que a declare nula decide “o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito” reunidos que se mostrem no caso os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.
As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida ao julgar totalmente a pretensão deduzida pela A. incorreu ou não em erro de julgamento por enfermar de violação do disposto, nomeadamente, nos arts. 31.º, n.º 1, 124.º, 125.º e 133.º, n.º 2, al. d) (não n.º 1 como por lapso de refere nas alegações) todos do CPA [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].



3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Para a análise do litígio em discussão resultou como assente na decisão judicial recorrida o seguinte quadro factual:
I) A Câmara Municipal de Coimbra remeteu à entidade demandada informação, datada de 21.04.2008, referente a obras executadas pela A. sem prévio licenciamento administrativo (fls. 01/04 do «PA» que aqui se dá como inteiramente reproduzido).
II) Após solicitação da CCDR Centro a Câmara Municipal de Coimbra remete conjunto de fotografias e mapas referentes ao local em questão (fls. 07/30 do «PA» que aqui se dão como inteiramente reproduzidas).
III) Na sequência da ação de fiscalização realizada em 19.11.2009 às instalações da firma “Transportes … Lda.”, foi elaborada participação de fls. 31/46 do «PA» que aqui se dá como inteiramente reproduzida e informação n.º DSF 254/09 de fls. 47-64 que aqui também se dá como inteiramente reproduzida.
IV) A A. foi notificada, através do ofício n.º DSF 2682/09, de 03.02.2010, para efeitos de audiência prévia, de que: “… Sobre o assunto em epígrafe informo V. Ex.ª que na sequência da ação de fiscalização realizada em 19 de Novembro de 2009 às instalações da firma Transportes …, Ld.ª, sitas no lugar de Fontita, freguesia de Assafarge, concelho de Coimbra, foi constatado que: - procedeu no lugar de Fontita, freguesia de Assafarge, concelho de Coimbra, distrito de Coimbra, à construção de muros de vedação e modelação de terrenos com subsequente criação de plataforma que serve de parque de estacionamento, e ainda à construção de dois pavilhões, um depósito de combustíveis, e um edifício destinado a escritório e balneários, conforme fotografia e plantas anexas; - as referidas construções, de acordo com o extrato da carta da Reserva Ecológica Nacional (REN) em anexo, se situam em área classificada como REN, em «Áreas de máxima infiltração», conforme carta aprovada pela Portaria n.º 6/93, de 5 de Janeiro …. Em consequência, fica notificado nos termos e para os efeitos do n.º 1 do art. 25.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, alterada pelo DL n.º 89/2009, de 31 de Agosto, e pela Declaração de Retificação n.º 70/2009, de 25 de Setembro, para no prazo de 90 (noventa) dias, proceder a: 1. demolição dos dois pavilhões, um depósito de combustíveis, e um edifício destinado a escritório e balneários, situados nas instalações da firma Transportes … Ld.ª no lugar de Fontita, freguesia de Assafarge, concelho de Coimbra, e reconstituir a situação anterior à prática da infração; 2. apresentação nestes Serviços, devidamente preenchidas, das cópias das guias de acompanhamento dos resíduos removidos do local identificado, comprovando o seu envio para destino licenciado, (modelo 1428, da INCM, de acordo com a Portaria n.º 335/97, de 16 de Maio) …”.
V) Foi elaborado processo de contraordenação contra a A., que obteve a decisão de fls. 77/81 do «PA», que aqui se dão como inteiramente reproduzidas;
VI) A A. respondeu à audiência prévia referindo: “… Acresce que a requerente tem feito uso dos meios administrativos próprios para, junto da Câmara Municipal de Coimbra, resolver a questão em torno da identificação e classificação dos solos em que se encontram implantadas as construções. Desta forma estamos perante uma questão «prejudicial», nos termos em que a define o artigo 31.º, n.º 1 do CPA. Termos em que, com os fundamentos retro, se requer a V. Ex.ª se digne ordenar a suspensão do procedimento identificado em epígrafe, nos termos e para os efeitos do artigo 31.º, n.º 1 do CPA, com todas as legais consequências …” (fls. 83/85 do «PA» que aqui se dão como inteiramente reproduzidas);
VII) Foi remetido à A. ofício n.º DSF 998/10, de 15.06.2010 (ATO IMPUGNADO), referindo: “… Reportando-nos ao vosso fax com entrada nesta Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro em 30 de Março de 2010 informo V. Ex.ª que a planta com a delimitação da Reserva Ecológica Nacional (REN) para o concelho de Coimbra, em vigor, é a que foi aprovada pela Portaria n.º 6/93 e publicada no Diário da República n.º 178, I- Série B, de 05.01.93. Esta planta encontra-se depositada na Direção Geral do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano, bem como a respetiva memória descritiva, onde poderá ser consultada (art. 13.º do Decreto-lei n.º 166/2008, de 22 de Agosto). … Também na Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, organismo responsável pela elaboração da carta da REN, em vigor, poderá ser adquirida fotocópia da planta da REN que abranja o local. … O Plano Diretor Municipal de Coimbra (PDM), aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 24/94, publicada no Diário da República n.º 94, I-Série B, de 94.04.22, e respetiva alteração de pormenor publicada no Diário da República n.º 88, 1-Série B, de 97.04.15 mantêm-se em vigor, até à entrada em vigor da sua revisão que ocorrerá apenas com a publicação no Diário da República, da aprovação da revisão do PDM pela Assembleia Municipal. Qualquer pretensão terá sempre de respeitar, além da lei geral em razão da matéria, as restrições e servidões em vigor para o concelho, bem como as disposições dos instrumentos de gestão territorial em vigor, para a área em causa, neste caso, as disposições do Plano Diretor Municipal de Coimbra. … Deste modo, e situando-se todas as construções e a modelação de terrenos em áreas abrangidas pela Reserva Ecológica Nacional, em violação do respetivo Regime Jurídico, e simultaneamente as edificações a violarem as disposições dos arts. 7.º e do art. 9.º do PDM, não existe qualquer fundamento legal para o pedido de suspensão do procedimento. … Acresce ainda o facto do depósito de combustível e dos escritórios se situarem junto à linha de água, sem qualquer afastamento, em desrespeito da Lei 54/2005. Por outro lado, não foi enviado qualquer documento que nos comprove que da parte da Câmara Municipal, este assunto está a ser enquadrado no âmbito da revisão do PDM de Coimbra. … Assim e em conclusão mantém-se a ordem emitida pelo ofício DSF2682/09, de 3 de Fevereiro, devendo assim no prazo de 90 (noventa) dias proceder à: 1- retirada do local do depósito de combustíveis e demolição ou retirada do local do edifício destinado a escritório e balneários, situados no lugar de Fontita, freguesia de Assafarge, concelho de Coimbra, e reconstituir a situação anterior à prática da infração; 2- apresentação nestes Serviços, devidamente preenchidas, das cópias das guias de acompanhamento dos resíduos removidos do local identificado, comprovando o seu envio para destino licenciado, (modelo 1428, da INCM, de acordo com a Portaria n.º 335/97, de 16 de Maio); Relativamente aos outros edifícios (pavilhões) e face à sua localização relativamente ao ecossistema da REN em causa (áreas de máxima infiltração) e à sua proximidade ao espaço 12 da planta de ordenamento do PDM, deverá ser enviado, no prazo de 30 dias, um documento que demonstre que a Autarquia irá enquadrá-los nos estudos da revisão do PDM ou na sua ausência, deverão ser igualmente demolidos no mesmo prazo de 90 (noventa) dias …”.

«»

3.2. DE DIREITO
Considerada a factualidade supra fixada importa, então, entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.
ð
3.2.1. DA DECISÃO JUDICIAL RECORRIDA
O TAF de Coimbra em apreciação da pretensão formulada pela aqui recorrente veio a considerar não enfermar o ato impugnado das ilegalidades que lhe foram assacadas [falta de fundamentação e violação do art. 31.º, n.º 1 CPA], julgando improcedente a ação.
ð
3.2.2. DA TESE DA RECORRENTE
Contra tal julgamento e face aos termos das alegações e respetivas conclusões se insurge a A. no que tange ao juízo de improcedência efetuado sustentando que, no caso, o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento traduzido na ilegal interpretação e aplicação do disposto nos arts. 31.º, n.º 1 (quanto à existência de questão/causa prejudicial que deveria ter determinado a suspensão do procedimento administrativo em presença), 124.º e 125.º CPA (quanto à preterição do dever de fundamentação com consequente nulidade dada a infração ao art. 133.º, n.º 2, al. d) do CPA).
ð
3.2.3. DO MÉRITO DO RECURSO
Reconduz-se, pois, o objeto de recurso à apreciação do juízo de improcedência feito quanto às assacadas ilegalidades.

3.2.3.1. DO DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO [arts. 124.º, 125.º e 133.º, n.º 2 al. d) CPA]

I. Nos termos do disposto no art. 124.º do CPA “… devem ser fundamentados os atos administrativos que, total ou parcialmente: a) Neguem, extingam, restrinjam ou afetem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções; b) Decidam reclamação ou recurso; c) Decidam em contrário de pretensão ou oposição formulada por interessado, ou de parecer, informação ou proposta oficial; d) Decidam de modo diferente da prática habitualmente seguida na resolução de casos semelhantes, ou na interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou preceitos legais; e) Impliquem revogação, modificação ou suspensão de ato administrativo anterior …” (n.º 1), sendo que salvo “… disposição da lei em contrário, não carecem de ser fundamentados os atos de homologação de deliberações tomadas por júris, bem como as ordens dadas pelos superiores hierárquicos aos seus subalternos em matéria de serviço e com a forma legal ..." (n.º 2).
E do artigo seguinte decorre, ainda, que a “… fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respetivo ato ...” (n.º 1), sendo que equivale “… à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato …” (n.º 2).

II. Os normativos ora em parte reproduzidos correspondem ao cumprimento de diretiva constitucional decorrente do atual art. 268.º, n.º 3 da CRP no qual se consagra o dever de fundamentação e correspondente direito subjetivo do administrado à fundamentação, sendo que com a enunciação de tal dever se visa harmonizar o direito fundamental dos cidadãos a conhecerem os fundamentos factuais e as razões legais que permitem a uma autoridade administrativa conformar-lhes negativamente a sua esfera jurídica com as exigências que a lei impõe à Administração de atuar, na realização do interesse público, com presteza, eficácia e racionalidade.

III. Do cotejo dos normativos citados temos que fundamentar é enunciar explicitamente as razões ou motivos que conduziram o órgão administrativo à prática de determinado ato, ato este que deverá conter expressamente os fundamentos de facto e de direito em que assenta a decisão sem que a exposição dos fundamentos de facto tenha de ser prolixa já que o que importa é que, de forma sucinta, se conheçam as premissas do ato e que se refiram todos os motivos determinantes do conteúdo resolutório, sendo que na menção ou citação das regras jurídicas aplicáveis não devem aceitar-se como válidas as referências de tal modo genéricas que não habilitem o particular a entender e aperceber-se das razões de direito que terão motivado o ato em questão, pelo que importa e se impõe que a decisão contenha os preceitos legais aplicados e que conduziram a tal decisão.

IV. A fundamentação da decisão administrativa consiste, portanto, na enunciação de forma expressa das premissas fácticas e jurídicas em que a mesma assenta, visando, desta feita, impor à Administração que pondere antes de decidir e, assim, contribuir para uma mais esclarecida formação de vontade por parte de quem tem essa responsabilidade para além de permitir ao administrado seguir o processo intelectual que a ela conduziu.

V. Conforme é jurisprudência uniforme e constante a fundamentação assume-se como um conceito relativo que varia em função do tipo concreto de cada ato e das circunstâncias concretas em que é praticado, cabendo ao tribunal, em face de cada caso, ajuizar da sua suficiência mediante a adoção de um critério prático que consiste na indagação sobre se um destinatário normal, face ao itinerário cognoscitivo e valorativo constante do ato em causa, fica em condições de saber o motivo porque se decidiu num sentido e não noutro.

VI. Com tal dever de fundamentação visa-se captar a transparência da atividade administrativa, sendo que tal dever, nos casos em que é exigido, constitui um importante sustentáculo da legalidade administrativa e um instrumento fundamental da respetiva garantia contenciosa, para além de um elemento fulcral para a interpretação do ato administrativo.

VII. Para se atingir aquele objetivo basta uma fundamentação sucinta, mas a mesma importa que seja clara, concreta, congruente e de se mostrar contextual.

VIII. Assim, a fundamentação do ato administrativo é suficiente se, no contexto em que foi praticado e atentas as razões de facto e de direito nele expressamente enunciadas, forem capazes ou aptas e bastantes para permitir que um destinatário normal apreenda o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão.

IX. É contextual a fundamentação quando se integra no próprio ato e dela é contemporânea.

X. A fundamentação é, por sua vez, clara quando tais razões permitem compreender sem incertezas ou perplexidades qual foi o referido iter cognoscitivo-valorativo da decisão, sendo congruente quando a decisão surge como a conclusão lógica e necessária de tais razões.

XI. Revertendo ao caso em presença temos, para nós, que considerando a factualidade apurada e o que mais resulta da análise do «PA» apenso o ato administrativo objeto mediato da presente ação administrativa especial impugnatória se tem como dotado de fundamentação suficiente.

XII. Temos para nós que face ao teor e termos do ato objeto de impugnação na sua concatenação com os elementos insertos no «PA» para os quais remete e sobre os quais a A., aqui recorrente, emitiu pronúncia, se mostra dotado da fundamentação legalmente devida e imposta.

XIII. É que um destinatário normal como o é a A., no âmbito do concreto procedimento em presença e no qual teve sucessiva participação, pode apreender o itinerário cognoscitivo e valorativo constante do ato em causa, ficando em condições de saber o motivo pelo qual foi ordenada a demolição do edificado e, bem assim, quais as concretas construções/obras que estão em causa como se infere inclusive da própria pronúncia da A. em sede de audiência prévia quando ali refere e passa-se a citar que a “… requerente desconhece se os muros de vedação, a plataforma que serve de parque de estacionamento, os pavilhões, o depósito de combustíveis e o edifício destinado a escritório e balneário estão implantados em área classificada como REN …”.

XIV. Do ato em causa, suas remissões para os elementos insertos no procedimento e que são de inteiro e pleno conhecimento da A., resulta a motivação do mesmo e o seu concreto objeto, realidades que aquela sabe e conhece inequivocamente e isso demonstrou no próprio procedimento, irrelevando, nessa medida, a alusão à necessidade de indicação do nome do prédio, artigo matricial, suas confrontações, etc., tanto mais que a A., alvo de procedimento contraordenacional e deste procedimento administrativo tendente à reposição da legalidade administrativa e uma vez notificada das decisões neles proferidas, sempre revelou haver apreendido também qual o prédio que está em causa e no qual levou a cabo as construções ilegais.

XV. O seu desconhecimento quanto ao facto do seu prédio estar ou não inserido em zona REN e se está próximo de linha de água com consequente ilegalidade do edificado mostra-se igualmente irrelevante para efeitos da pretensa falta de fundamentação do ato impugnado.

XVI. Dúvidas não se nos colocam, portanto, quanto ao facto do ato impugnado conter fundamentação clara, concreta, congruente e contextual que permitia ao seu efetivo destinatário, a aqui recorrente, entender a sua motivação/objeto e compreender o iter cognoscitivo-valorativo que presidiu à sua prolação, na certeza de que eventuais discordâncias com procedimentos, com pressupostos fácticos e com os entendimentos jurídicos expressos não contendem com este fundamento de ilegalidade antes relevando em sede de outros fundamentos de ilegalidade [como por exemplo o erro sobre os pressupostos ou a violação de lei], pelo que tanto basta para desatender a invocada ilegalidade formal.

XVII. Atente-se, por outro lado, que quanto à previsão legal da al. d) do n.º 2 do art. 133.º do CPA a mesma é extensível à violação de direitos, liberdades e garantias do Título II da Parte I da CRP, bem como aos direitos de caráter análogo àqueles insertos no próprio texto constitucional, ou em norma de direito internacional ou comunitário ou ainda em lei ordinária (cfr. J.C. Vieira de Andrade in: "Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976", págs. 87 e segs.; J.M. Cardoso da Costa em "A hierarquia das normas constitucionais a sua função na proteção dos direitos fundamentais" in: BMJ n.º 396, pág. 93; M. Esteves de Oliveira, Pedro C. Gonçalves e J. Pacheco Amorim in: "Código do Procedimento Administrativo", 2.ª edição atualizada, revista e aumentada, pág. 646).

XVIII. Utilizando a feliz expressão de J.M. Cardoso da Costa temos que o legislador terá pretendido tutelar com o disposto no art. 133.º, n.º 2, al. d) do CPA o "núcleo duro" da CRP (cfr. citado autor in: loc. e pág. citados supra).

XIX. Defendem J.M. Santos Botelho, A. Pires Esteves e J. Cândido de Pinho em sede de interpretação da expressão "conteúdo essencial de um direito fundamental" utilizada no normativo a que vimos fazendo alusão que ali se consagra uma formulação absoluta e restrita dos direitos fundamentais, sendo "absoluta na medida em que sanção da nulidade afetará todos os atos administrativos..." e "... restrita já que não será qualquer lesão que será apta a gerar tal nulidade, mas, apenas, a que afete o conteúdo essencial" (in: "Código do Procedimento Administrativo", 5.ª edição, pág. 799, nota 36).

XX. Refira-se, ainda, que na previsão em análise estão ainda abrangidos os atos administrativos não só os que violam pelo seu conteúdo ou motivação esse direito fundamental mas também aqueles em cujo procedimento se postergam direitos dessa mesma natureza dos interessados.

XXI. Caso a violação do direito fundamental não atinja o seu "conteúdo essencial" ou o seu "núcleo duro", então a sanção adequada será a anulabilidade.

XXII. Temos para nós que também aqui não assiste razão à recorrente na argumentação expendida nesta instância quanto a pretensa violação do art. 133.º, n.º 2, al. d) do CPA, tanto mais que nem a falta de fundamentação é suscetível de gerar no caso o desvalor da nulidade, nem se mostra alegado a violação dum qualquer outro direito fundamental por parte do ato impugnado.

XXIII. Frise-se que a decisão administrativa impugnada não se configura como nula por natureza já que não lhe falta qualquer elemento essencial, nem se descortina existir qualquer normativo que defina que as ilegalidades invocadas, mormente, a violação do dever de fundamentação, sejam cominadas com o desvalor da nulidade (cfr. art. 133.º, n.º 1 e 2 do CPA).

XXIV. Na verdade, a qualificação e a consequência em termos de desvalor da ilegalidade em crise (falta de fundamentação) não comporta tal consequência na certeza de que improcedendo a mesma irreleva, por inútil, estar a discutir qual o desvalor que aquela ilegalidade comporta.

XXV. Contudo e para o caso de tal assim não se considere sempre importa referir que pese embora a imposição constitucional deste dever temos que a falta de fundamentação do ato, a ocorrer, não põe em causa a sua identificabilidade orgânica ou a sua identificabilidade material, já que se repercute, apenas, e em princípio, na sua inteligibilidade e justificação perante os interessados.

XXVI. Esta tem sido, aliás, a linha jurisprudencial dominante nas instâncias administrativas incluindo neste Tribunal (cfr., entre outros, Acs. de 09.06.2010 - Proc. n.º 00007/09.2BEMBL in: «www.dgsi.pt/jtcn», de 08.03.2012 - Proc. n.º 00838/10.0BEAVR inédito), podendo ainda fazer-se apelo da jurisprudência constitucional, nomeadamente, no acórdão do TC n.º 598/08 (Proc. n.º 1111/07) [consultável em «www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/»] donde se extrai, com pertinência, o seguinte: “… tem-se entendido que o dever de fundamentação se desonera através da enunciação contextual, expressa, dos motivos de facto e de direito com base nos quais a administração se decidiu praticar o concreto ato administrativo, nos precisos termos em que o fez. (…) Pode dizer-se que o dever de fundamentação cumpre, essencialmente, três funções: a de propiciar a melhor realização e defesa do interesse público; a de facilitar o controlo da legalidade administrativa e contenciosa do ato e a de permitir aos órgãos hierarquicamente superiores ou tutelares controlar, mais eficazmente, a atividade dos órgãos subalternos ou sujeitos a tutela. (…) A natureza deste dever de fundamentação - se direito fundamental integrante do direito fundamental do direito ao recurso contencioso, se direito autónomo análogo a direito ou garantia fundamental, se direito de natureza não fundamental ou simples imposição objetiva, dirigida imediatamente à Administração, não atributiva de um direito subjetivo - é objeto de controvérsia. A jurisprudência do Tribunal Constitucional (…) dividiu-se sobre a matéria. Assim, enquanto alguns acórdãos afirmaram a sua natureza de direito fundamental com base, essencialmente, numa irradiação necessária do direito ao recurso contencioso, postulada pelas suas exigências de efetividade e de concessão de tutela plena, ou defenderam a tese do direito de fundamentação como direito autónomo, análogo a direito ou garantia fundamental, cuja configuração como direito de origem e nível exclusivamente legal poderia ser mesmo surpreendida na legislação anterior e sujeito no seu regime, no mínimo, ao princípio, da proibição das restrições injustificadas ou desproporcionadas [Acórdãos n.ºs 109/85 e 190/85 e 78/86, publicados no DR II série, respetivamente, de 10.09.1985, 10.02.1986 e 14.06.1986], outros negaram essa natureza de direito fundamental ou de direito de natureza análoga [Acórdãos n.ºs 63/84, 86/84, 89/84, 51/85, 150/85, 32/86 e 266/87, publicados no DR II série, respetivamente, de 02.08.1984, 02.02.1985, 05.02.1985, 13.04.1985, 19.12.1985, 09.05.1986 e DR I Série, de 28.08.1987]. (…) Analisando a estrutura da norma constitucional que o prescreve, verifica-se que a fundamentação está prevista como dever objetivo, que integra o quadro de legalidade ao qual a Administração está sujeita quando pratica atos ou deliberações administrativas [ver artigo 266.º n.º 2 da CRP]. (…) Ao dispor que os atos administrativos carecem de fundamentação, o legislador constitucional está a constituir, em geral, sem necessidade de intermediação do legislador ordinário, ou seja, diretamente e com tal âmbito, o dever da Administração de, na sua atividade, fundamentar os atos administrativos quando estes afetem direitos ou interesses legalmente protegidos. (…) Mesmo assim, a norma constitucional não dispensa a conformação ou, pelo menos, a mediatização concretizadora do legislador relativamente ao alcance ou extensão da obrigatoriedade da fundamentação e não é claro que resolva as questões de externação-comunicação que lhe estão associadas e que visivelmente pretende abranger» [José Carlos Vieira de Andrade, O Dever de Fundamentação Expressa de Atos Administrativos, 1991, página 218]. (…) É que o preceito constitucional que consagra a obrigatoriedade de fundamentação tem um núcleo essencial, a que corresponde o dever de fundamentação contextual dos fundamentos, e uma garantia acessória, que a lei concretizou no dever de comunicação expressamente estabelecido - um dever que será um corolário implicado, mas não abrangido no dever de fundamentação e, por isso, sujeito a um regime jurídico diverso [ver José Carlos Vieira de Andrade, obra citada, página 62]. (…) Mas, daí, não resulta que, em correlação com o dever de fundamentação, se contraponha, no outro pólo, uma posição autónoma do interessado que tenha por conteúdo concreto o direito em si à fundamentação, desfuncionalizado relativamente a outros direitos, fundamentais ou não, que possam constituir objeto de relações jurídico-administrativas, e que tutele um bem jurídico-constitucional cuja proteção encontre a sua razão de ser determinante no princípio da dignidade da pessoa humana que constitui o radical unitário dos direitos fundamentais ou de natureza análoga [José Carlos Vieira de Andrade, obra citada, páginas 194 e seguintes]. (…) O interessado tem o direito a exigir que a Administração, na sua atividade decisória sobre quaisquer direitos, fundamentais ou não, e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, cumpra o quadro de legalidade, nele se abrangendo o dever de fundamentação, sem que possa afirmar-se, sem mais e em geral, a existência de um direito subjetivo dos interessados ao cumprimento do bloco de legalidade, por parte da Administração, donde os preceitos relativos ao dever de fundamentação serem [são] afinal aquilo que parecem ser: normas de ação que regulam o comportamento administrativo em função de um conjunto multipolar de interesses, incluindo dos administrados, que nessa medida são juridicamente protegidos [José Carlos Vieira de Andrade, obra citada, página 214]. (…) De qualquer modo, é certo que a projeção normativa dos direitos fundamentais fortalece o dever de fundamentação quando estes estejam em causa, não podendo o legislador ordinário eliminar o dever em termos de precludir o conhecimento pelo particular das razões do ato que toque os seus direitos fundamentais, nem restringi-lo nesses casos fora do quadro previsto no artigo 18.º da Constituição [José Carlos Vieira de Andrade, obra citada, página 213], ou seja, apenas fora do núcleo essencial exigido pela garantia dos direitos fundamentais dos administrados, o legislador ordinário pode optar por soluções diversas das já estabelecidas. (…) Nesta perspetiva, pode concluir-se não existir, em geral, um direito fundamental à fundamentação, ou, sequer, um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias [José Carlos Vieira de Andrade, obra citada, páginas 202 e 204], mas poder ele vir a ser permeado com as exigências dos direitos fundamentais, pelo menos, naqueles casos em que a fundamentação seja condição indispensável da realização ou garantia dos direitos fundamentais. (…) Pensa-se, todavia, como no referido Acórdão n.º 150/85, que a fundamentação dos atos administrativos não constitui pressuposto juridicamente necessário, ou condição insuprível, do exercício do direito de recurso contencioso, mas unicamente condição ou fator da uma sua maior viabilidade prática. (…) A fundamentação constitui um instrumento institucional administrativo cuja existência potencia o conhecimento dos pressupostos de facto ou de direito, com base nos quais se praticou o ato ou deliberação administrativas, com certo conteúdo ou disposição constitutiva - a motivação e a justificação do ato [Acórdão n.º 53/92] - e, consequentemente, das possíveis causas da sua invalidade. (…) Ora, o direito de ação ou de recurso contencioso tem por conteúdo a garantia da possibilidade do acesso aos tribunais para a defesa desses direitos e interesses legalmente protegidos, afetados ou violados por atos administrativos. (…) A fundamentação, apenas, propicia, na perspetiva de um eventual exercício desse direito ou garantia fundamental e da sua efetividade, a obtenção do material de facto e de direito cujo conhecimento poderá facilitar ao administrado, de modo mais ou menos determinante e decisivo, a interposição da concreta ação e o seu êxito, através da qual se pretende obter a tutela dos concretos direitos ou interesses legalmente protegidos cuja ofensa é imputada ao concreto ato e deliberação. (…) Por mor da sujeição da Administração ao princípio da legalidade administrativa e através desse instituto, o cidadão terá à mão, porventura, mais facilmente do que acontece nas relações privadas, onde lhe caberá desenvolver a atividade investigatória que tenha por pertinente, os elementos de facto e de direito com bases nos quais se pode determinar, pelo recurso aos tribunais, configurar os concretos termos da causa e apetrechar-se dos meios de prova, para a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. (…) O dever de fundamentação não tem, pois, uma relação de necessidade com o direito de acesso aos tribunais, existindo este sem aquele. (…) Nesta perspetiva, pode concluir-se que o dever de fundamentação não constitui uma condição indispensável da realização ou garantia do direito fundamental de recurso contencioso contra atos administrativos lesivos dos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados. (…) Estabelecendo, embora, o dever da fundamentação, a referida norma constitucional não fixa, todavia, as consequências do seu incumprimento. (…) Como diz José Carlos Vieira de Andrade, caberá, por isso, à lei ordinária esclarecer, por exemplo, se o vício é [ou é sempre] causa de invalidade do ato administrativo, que tipo de invalidade lhe corresponderá, bem como em que condições serão admissíveis a sanação do vício ou o aproveitamento do ato. (…) Assim sendo, bem poderá, em princípio, o legislador ordinário, na sua discricionariedade constitutiva, sancionar a falta de fundamentação, apenas, com a anulabilidade, erigida a sanção-regra [artigo 135º do CPA], e não com a nulidade, assumida, legislativamente, como sanção específica [artigo 133º do CPA], bem como subordiná-las a diferentes prazos de arguição. (…) E, dizemos em princípio, porque a violação da ordem jurídica pode ser de tal gravidade que, para se manter o essencial da força jurídica da garantia institucional constitucional do dever de fundamentação, tenha a sanção para a sua falta de constituir na nulidade. (…) Serão situações especiais em que a falta de fundamentação assume, ou uma natureza própria de elemento essencial do ato, acabando por cair debaixo do critério legislativo constante do n.º 1 do artigo 133.º do CPA, ou uma natureza paralela à de ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental [artigo 133.º n.º 2 alínea d) do CPA]. (…) Tal acontecerá sempre que, para além da imposição genérica da fundamentação, a lei prescrever, em casos determinados, uma declaração dos fundamentos da decisão em termos tais que se possa concluir que ela representa a garantia única ou essencial da salvaguarda de um valor fundamental da juricidade, ou então da realização do interesse público específico servido pelo ato fundamentando ou quando se trate de atos administrativos que toquem o núcleo da esfera normativa protegida [pelos direitos, liberdades e garantias fundamentais] e apenas quando a fundamentação possa ser considerada um meio insubstituível para assegurar uma proteção efetiva do direito liberdade e garantia [José Carlos Vieira de Andrade, obra citada, página 293] …”.

XXVII. Ora nosso caso vertente, tal como decorre do que supra se expôs, para além de não estarmos perante uma situação de ininteligibilidade do objeto do ato administrativo, temos também como certo que não estamos perante uma situação em que haja ofensa do conteúdo essencial de direito fundamental, como facilmente se conclui dos termos aludidos no aresto acabado de citar.

XXVIII. Importa ainda ter presente que a atividade edificatória, tal como sustenta André Folque, é “… relativamente proibida e só a comunicação prévia, a licença ou a autorização permitem exercer o direito ou constituí-lo …” (in: “Curso de Direito da Urbanização e da Edificação”, pág. 157).

XXIX. Daí que se tenha de considerar como clandestina toda a atividade urbanística que haja tido lugar, no seu todo ou apenas em parte, sem controlo administrativo prévio.

XXX. A medida de polícia urbanística em causa (demolição de edificado) tem como pressuposto a ilegalidade, constituindo um poder conferido à edilidade que legitima o uso da força pública para fazer cumprir as suas injunções ou intimações (arts. 149.º, n.º 2 CPA, 107.º e 108.º do RJUE).

XXXI. Atente-se, por outro lado, que o poder de ordenar a demolição se apresenta como vinculado logo que se mostre reconhecida a inidoneidade ou impossibilidade da operação de conformação do edificado com o quadro normativo vigente tido por relevante e aplicável ao caso, como ocorre na situação vertente já que não demonstrado minimamente a alteração daquele quadro ou sequer que a mesma venha a ser possível e no sentido invocado pela A., poder esse que se configura ainda como imprescritível visto do seu não exercício não cria ou confere direitos, nem pode conduzir à extinção dos respetivos poderes funcionais visto estarem em causa interesses públicos irrenunciáveis e indisponíveis (cfr. art. 29.º do CPA).

XXXII. Nessa medida, soçobram os argumentos/fundamentos nos quais a recorrente assaca o erro de julgamento quanto a uma pretensa infração do disposto nos arts. 124.º, 125.º e 133.º, n.º 2, al. d) CPA.


3.2.3.2. DA VIOLAÇÃO ART. 31.º, N.º 1 CPA

XXXIII. Deriva do preceito em epígrafe que se “… a decisão final depender da resolução de uma questão da competência de outro órgão administrativo ou dos tribunais, o procedimento deve ser suspenso até que o órgão ou tribunal competente se pronunciem, salvo se da não resolução imediata do assunto resultarem graves prejuízos …”.

XXXIV. Ora de igual modo não se vislumbra que haja qualquer erro de julgamento por parte da decisão judicial recorrida quando desatendeu a pretensa situação de suspensão do procedimento administrativo ao abrigo do n.º 1 do art. 31.º do CPA pelo facto de estar em curso processo de revisão do PDM de Coimbra e seu Regulamento.

XXXV. Questão prejudicial para efeito do disposto no art. 31.º n.º 1 do CPA tem de ser entendida como toda e qualquer questão que se suscita no procedimento e cuja resolução é da competência de outro órgão administrativo ou dos tribunais e que, sem estar decidida, prejudica ou impede seja proferida a decisão final no procedimento.

XXXVI. Esta decisão não pode ser proferida, nomeadamente com uma determinada margem de segurança, sem se saber ou conhecer o resultado da decisão da questão prejudicial que compete a outro órgão administrativo ou aos tribunais. Por outras palavras, a resolução final da questão colocada à apreciação do órgão administrativo tem que depender da solução a dar à questão prejudicial.

XXXVII. Referiu-se decisão judicial recorrida, diga-se com pleno acerto, que “… as obras em questão estão em área REN, e foram executadas sem qualquer licença, ou seja, em situação ilegal, pelo que não padece o despacho impugnado de qualquer vício de violação de lei. Ou seja, à data em que as construções foram realizadas as mesmas estavam em violação da legislação que estabelece o regime jurídico da Reserva Ecológica Nacional. A possível alteração do Regulamento do PDM de Coimbra não pode ser invocado uma vez que não se sabe se dessa revisão vem ou não resultar a alteração da definição do local em questão, nem se sabe mesmo quando se fará tal revisão. Por seu lado, como muito bem demonstra a entidade demandada, que é quem tem competência para efeitos de delimitação da área REN, o local em questão como se encontra junto a uma linha de água nunca será passível de alteração quanto ao seu estatuto. Ora, de acordo com artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 166/2008, …, que estabelece o regime jurídico da Reserva Ecológica Nacional, apenas são permitidas nesta área os usos e ações constantes do anexo II do referido normativo, com as outras exceções referidas, não constando do mesmo as obras em causa dos autos. Assim sendo, e não sendo as construções em causa compatíveis com o ecossistema da REN, nos termos do Anexo II do referido diploma, estando antes interditas, não poderia o procedimento ter sido suspenso. De notar que não estamos perante nenhuma decisão que esteja dependente doutra decisão. Estamos perante dois procedimentos autónomos …”.

XXXVIII. E assim deve ser entendido porquanto efetivamente uma decisão de suspensão do procedimento tomada no quadro do regime previsto no art. 31.º do CPA não era imposta sem mais, já que se fazia depender tal admissibilidade de suspensão do procedimento administrativo da verificação de duas condições: (a) depender a decisão final duma questão que fosse da competência de outro órgão administrativo ou dos tribunais e (b) não resultarem graves prejuízos quanto à não resolução imediata da questão.

XXXIX. No caso “sub judice” não se verificava, desde logo, a primeira destas condições porquanto nada resulta demonstrado que a decisão final a proferir no procedimento se mostraria condicionada, decisivamente, pelo procedimento relativo à alteração do RPDM de Coimbra, tanto mais que nada é comprovado que este procedimento comportasse ou pudesse vir a comportar qualquer alteração quanto ao concreto regime normativo a aplicar na e para a aferição da legalidade da conduta desenvolvida pela A. de que é alvo o procedimento administrativo em presença.

XL. Por tudo o atrás exposto terá, pois, de se manter o decidido pelo TAF de Coimbra, pelo que, na total improcedência das conclusões da alegação da recorrente e do presente recurso jurisdicional, se impõe confirmar a decisão aqui sindicada.

4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar total provimento ao recurso jurisdicional “sub judice” e, consequentemente, manter a decisão judicial recorrida com todas as legais consequências.
Custas nesta instância a cargo da A./recorrente, sendo que na fixação da taxa de justiça, não revelando os autos especial complexidade, se atenderá ao valor decorrente da secção B) da tabela I anexa ao Regulamento Custas Processuais (doravante RCP) [cfr. arts. 446.º, 447.º, 447.º-A, 447.º-D, do CPC, 04.º “a contrario”, 06.º, 12.º, n.º 2, 25.º e 26.º todos do RCP - tendo em consideração o disposto no art. 08.º da Lei n.º 07/12 e alterações introduzidas ao referido RCP -, 189.º do CPTA].
Valor para efeitos tributários: 30.000,01 € [cfr. art. 12.º, n.º 2 do RCP].
Notifique-se. D.N..



Restituam-se, oportunamente, os suportes informáticos que hajam sido gentilmente disponibilizados.


Processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pelo relator (cfr. art. 138.º, n.º 5 do CPC “ex vi” art. 01.º do CPTA).



Porto, 25 de maio de 2012
Ass. Carlos Luís Medeiros de Carvalho
Ass. Ana Paula Portela
Ass. Maria do Céu Neves