Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00490/11.6BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:09/09/2011
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
SUSPENSÃO DA EFICÁCIA
TESTEMUNHAS
NOTIFICAÇÃO PARA DILIGÊNCIA DE INQUIRIÇÃO
PRINCÍPIO PRO ACTIONE
PRINCÍPIO DA AVERIGUAÇÃO OFICIOSA
PRINCÍPIO DA COLABORAÇÃO ENTRE O TRIBUNAL E AS PARTES
ARTIGO 7º, 8º E N.ºS 3 E 4 DO ARTIGO 118º DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS
ARTIGOS 20º E 268º, Nº 4 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA.
Sumário:I - A solução consagrada no n.º 4 do artigo 118º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, de que as testemunhas arroladas em providência cautelar, são a apresentar, não se mostra, em abstracto, incompatível com o princípio pro actione, consagrado no artigo 7º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, ou com o princípio da tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 2º do mesmo diploma e nos artigos 20º e 268º, n.º4, da Constituição da República Portuguesa; a exigência de apresentação das testemunhas tem como justificação, objectivamente razoável, a necessidade de imprimir maior simplicidade e menor formalismo, a um processo urgente como é o caso das providências cautelares.
II - No caso concreto, porém, em que o requerente invocou que não tinha qualquer relação pessoal ou de outra natureza com as testemunhas cuja notificação para comparecimento em tribunal solicitou - pelo que não as podia apresentar - e que o seu depoimento era imprescindível para a descoberta da verdade - pois tinha servido de base para a decisão administrativa -, não existindo qualquer elemento que permitisse duvidar da seriedade desta alegação, devia ter deferido o pedido com vista à averiguação da verdade material; não o tendo feito, o tribunal a quo violou o disposto nos artigos 8º e 118º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Data de Entrada:07/07/2011
Recorrente:Município do Porto
Recorrido 1:M...
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Conceder provimento ao recurso
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO
Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
O Município do Porto interpôs, a fl. 109 e seguintes, RECURSO JURISDICONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 06 de Maio de 2011, pela qual foi julgada procedente a providência cautelar de deduzida por M…, para suspensão de eficácia do acto da Vereadora do Pelouro da Habitação e Recursos Humanos da Câmara Municipal do Porto datado de 29 de Outubro de 2010, pelo qual foi decidida a cessação do direito de utilização pela Requerente do fogo correspondente à casa 11, entrada 20, bloco 26, do Bairro….
Invocou para tanto que o Tribunal a quo em erro na análise dos pressupostos da suspensão do acto, previstos no artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
A fls. 78 e seguintes tinha já a edilidade interposto recurso jurisdicional do despacho de fls. 67, de 12 de Abril de 2011, pelo qual, implicitamente, se indeferiu o pedido de produção de prova testemunhal, com 4 testemunhas a notificar, requerido pelo ora Recorrente.
Não foram apresentadas contra-alegações em qualquer dos recursos.
O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência,desde logo, do recurso em que se alega ter sido omitidaprodução de prova requerida.
*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*
São estas as conclusões das alegações do recurso jurisdicional a fls. 79 e seguintes e que definem respectivo objecto:
1ª- Quando as partes, como a fez o requerido, aleguem fundamentadamente a necessidade de notificação das mesmas, quer pelo facto de não lograr apresentá-las em juízo (dada a ausência de qualquer relacionamento pessoal ou outro), quer pelo facto de a depoimento das mesmas se poder vir a revelar essencial au crucial para a decisão da causa, viola o princípio pro actione previsto no artigo 7º do CPTA e, ainda, a princípio da tutela judicial efectiva previsto no artigo 2º do mesmo Código e os artigos 20º e 268º, nº 4 da CRP, a interpretação vertida na decisão judicial segundo a qual as testemunhas serão sempre a apresentar pelas partes qualquer que seja a motivo ou fundamento invocado por estas para se proceder àquela notificação.
2ª -A mesma decisão é contrária à Lei Fundamental porque introduz uma restrição desproporcional no direito à produção de prova e do direito ao contraditório que o mesmo é dizer a garantia constitucional do processo equitativo vertido no artigo 20º da CRP.
3º -Viola, para além do mais, aquela decisão, o dever de colaboração (artigo 8º do CPTA) que o tribunal tem para com as partes, pois que se a parte invoca uma dificuldade de cumprir o ónus da apresentação das mesmas, a tribunal deveria ter deferido aquele pedido de notificação.
4º - Deve consequentemente ser revogado a despacho recorrido e ser substituído por outro no qual se ordene a notificação das 4 testemunhas cuja notificação aí se requereu e que não compareceram em juízo.
*
Factos com relevo:
. O ora recorrente apresentou prova testemunhal, com a oposição ao presente pedido cautelar, requerendo a notificação de quatro das sete testemunhas arroladas “considerando terem sido as pessoas indicadas no processo administrativo em que a requerida se baseou para decidir pela cessação da ocupação em causa, e, portanto, porque o seu depoimento em audiência final é essencial para a descoberta da verdade material, e uma vez que não sendo sujeitos com que a requerida tenha alguma relação pessoal ou outros, não pode apresenta-las em juízo” – ver fls. 46.
. Com a data de 12 de Abril de 2011 foi proferido o despacho ora recorrido, a fls. 67, com o seguinte teor:
“Subsistindo matéria controvertida nos presentes autos, designa-se o próximo dia 2 de Maio de 2011, às 10 horas, para inquirição das testemunhas arroladas, devendo as mesmas ser apresentadas pelas partes, nos termos e com os efeitos estabelecidos no n.º 4 do art.º 118º do CPTA.”
*
1. O recurso do despacho de 12 de Abril de 2011.
O despacho ora recorrido constitui uma decisão implícita (expressa e não tácita como refere o recorrente) de indeferimento do pedido de notificação de quatro das testemunhas arroladas, para comparecerem na diligência de inquirição.
Na verdade, tendo na sua oposição o ora recorrente pedido a notificação de quatro das testemunhas arroladas e não tendo sido ordenada a notificação dessas testemunhas, pelo contrário, tendo sido mencionado o n.º 4º do artigo 118º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos onde, literalmente, se menciona que as testemunhas são a apresentar, a decisão em apreço não pode ter outro sentido, implícito, que não seja o de indeferir nesta parte o requerido, com fundamento na literalidade do preceito invocado.
Neste contexto – que se afigura inequívoco – a questão que se suscita é tão só a de saber se do preceito mencionado na decisão recorrida resulta – ou não – a proibição legal de notificar para comparecer em julgamento testemunhas arroladas em procedimento cautelar.
Vejamos:
Determina o artigo 118.º, nº 4, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, relativamente à produção de prova testemunhal:
“As testemunhas oferecidas são apresentadas pelas partes no dia e no local designados para a inquirição, não havendo adiamento por falta das testemunhas ou dos mandatários”.
A opção do legislador no que diz respeito ao processo nos tribunais administrativos, foi diversa da opção no processo comum – artigo 386º, n.º 3, do Código de Processo Civil:
“A falta de alguma pessoa convocada e de cujo depoimento se não prescinda, bem como a necessidade de realizar qualquer diligência probatória no decurso da audiência, apenas determinam a suspensão desta na altura conveniente, designando-se logo data para a sua continuação.”
Assim como foi diversa a opção no processo tributário – artigo 119º do Código de Procedimento e Processo Tributário:
“1 - As testemunhas residentes na área de jurisdição do tribunal tributário são notificadas por carta registada, sendo as restantes a apresentar pela parte que as ofereceu, salvo se fundadamente se requerer a sua notificação.
2 - A devolução de carta de notificação de testemunha é notificada à parte que a apresentou, mas não dá lugar a nova notificação, salvo nos casos de erro do tribunal, cabendo à parte a apresentação da testemunha.
3 - O impugnante e o representante da Fazenda Pública podem requerer que o depoimento das testemunhas residentes fora da área de jurisdição do tribunal tributário seja feito nos termos do número seguinte.
4 - As testemunhas a inquirir nos termos do número anterior são apresentadas pela parte que as ofereceu e são ouvidas por teleconferência gravada a partir do tribunal tributário da área da sua residência, devendo ser identificadas perante funcionário judicial do tribunal onde o depoimento é prestado.”
Poderá falar-se de incongruência – quiçá injustificada – nestas diferentes soluções legislativas.
Mas não se nos afigura, salvo melhor opinião, que a solução encontrada para o processo nos tribunais administrativos seja, em abstracto, incompatível com o princípio pro actione, consagrado no artigo 7º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, ou com o princípio da tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 2º do mesmo diploma e nos artigos 20º e 268º, n.º4, da Constituição da República Portuguesa.
A exigência de apresentação das testemunhas tem como justificação, objectivamente razoável, a necessidade de imprimir maior simplicidade e menor formalismo, a um processo urgente como é o caso das providências cautelares.
E essa exigência não impede, em abstracto, a possibilidade de as partes produzirem prova ou a descoberta da verdade material.
Também, por outro lado, a notificação das testemunhas para comparecerem em julgamento, em vez da obrigatoriedade da apresentação pelas partes, não é, por si mesma e em abstracto, um obstáculo à prossecução da necessária celeridade processual dos meios cautelares.
Basta, desde logo, que funcione a regra do não adiamento da diligência pelo facto de as testemunhas não comparecerem.
A descoberta da verdade material e a garantia de contraditório, também como instrumento para esse fim, são, no entanto, princípios estruturantes que não podem ser prejudicados pela celeridade.
Como se diz no preâmbulo da Lei nº 33/95, de 18 de Agosto, que autorizou o governo a rever o Código de Processo Civil, (com sublinhado nosso) “Visa, deste modo, a presente revisão do Código de Processo Civil torná-lo moderno, verdadeiramente instrumental no que toca à perseguição da verdade material, em que nitidamente se aponta para uma leal e sã cooperação de todos os operadores judiciários, manifestamente simplificado nos seus incidentes, providências, intervenção de terceiros e processos especiais, não sendo, numa palavra, nem mais nem menos do que uma ferramenta posta à disposição dos seus destinatários para alcançarem a rápida, mas segura, concretização dos seus direitos.”
E, no preâmbulo do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, que procedeu à alteração do Código de Processo Civil:
“Ter-se-á de perspectivar o processo civil como um modelo de simplicidade e de concisão, apto a funcionar como um instrumento, como um meio de ser alcançada a verdade material pela aplicação do direito substantivo e não como um estereótipo autista que a si próprio se contempla e impede que seja perseguida a justiça, afinal o que os cidadãos apenas pretendem quando vão a juízo.”
Nesta perseguição da verdade material o juiz desempenha um papel crucial, cabendo-lhe, em concreto no âmbito das providências cautelares em processo dos tribunais administrativos, o poder de “ordenar as diligências de prova que considere necessárias – n.º 3 do artigo 118º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Esta prerrogativa do juiz deve ser utilizada sempre que se mostre indispensável para a descoberta da verdade, tal como no processo civil comum. É aquilo que se designa como princípio da “inquisitoriedade na averiguação da verdade material” - Abrantes Geraldes, Temas da reforma do Processo Civil, volume III, 3ª edição, Coimbra, 2004, página, 226.
E que se traduz também no cumprimento do dever de colaboração do Tribunal com as partes – artigo 8º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Como se refere nopreâmbulo da Lei nº 33/95, de 18 de Agosto (com sublinhado nosso), “Também no capítulo da produção dos meios de prova se procurou introduzir alteraçõessignificativas, com vincados apelos à concretização do princípio da cooperação, redimensionado nãosó em relação aos operadores judiciários, como às instituições e cidadãos em geral, adentro de uma filosofia de base de obtenção, em termos de celeridade, eficácia e efectivo aproveitamento dos actosprocessuais, de uma decisão de mérito, o mais possível correspondente, em termos judiciários, à verdade material subjacente.”
Importa portanto averiguar se, no caso concreto, a garantia do contraditório e, por via desta, a averiguação da verdade material, ficou ou não prejudicada.
Ora no caso concreto o requerente, ora recorrente, invocou que não tinha qualquer relação pessoal ou de outra natureza com as testemunhas cuja notificação para comparecimento em tribunal solicitou pelo que não as podia apresentar e que o seu depoimento era imprescindível para a descoberta da verdade pois tinha servido de base para a decisão administrativa.
Não existia qualquer elemento que permitisse duvidar da seriedade desta alegação pelo que o tribunal devia ter deferido o pedido com vista à averiguação da verdade material.
Não o tendo feito, violou o disposto nos artigos 8º e 118º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Termos em que, na procedência deste recurso jurisdicional, se impõe revogar o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que defira o pedido de notificação das indicadas quatro testemunhas para comparecerem na audiência de discussão e julgamento.
Isto com a necessária anulação do subsequente processado, incluindo a sentença recorrida, mas com excepção da inquirição das testemunhas ouvidas, pois este acto em nada é afectado pela decisão ora tomada e pode ser aproveitado.
2. O recurso da sentença de 06 de Maio de 2011.
Na procedência do recurso acabado de apreciar, fica prejudicado o conhecimento do recurso da sentença.
*
Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em conceder provimento ao recurso jurisdicional, pelo que:
A) Revogam o despacho de 12 de Abril de 2011, na parte em que indeferiu implicitamente o pedido de notificação de quatro das testemunhas arroladas, para comparecerem na diligência de inquirição.
B) Determinam abaixa do processo à 1ª Instância para que seja proferido despacho nos termos supra expostos, com o subsequente processado.
Não é devida tributação, por não terem sido apresentadas contra-alegações.
*
Porto, 09 de Setembro de 2011
Ass. Rogério Paulo da Costa Martins

Ass. Ana Paula Soares Leite Martins Portela

Ass. Maria do Céu Dias Rosa das Neves