Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01327/08.9BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/27/2011
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Carlos Luís Medeiros de Carvalho
Descritores:SIADAP
RECURSO HIERÁRQUICO
FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I. Inexistindo vínculo hierárquico entre os órgãos autárquicos e o Estado [sem prejuízo da chamada tutela de legalidade] não poderá ser configurado no âmbito da avaliação de desempenho dos funcionários das autarquias locais [disciplinada pela Lei n.º 10/2004, DR n.º 19-A/2004 e DR n.º 06/2006] o recurso hierárquico necessário para o membro do Governo competente [arts. 13.º al. h) da Lei n.º 10/2004, 22.º al. g) e 29.º do DR n.º 19-A/2004, 235.º, 237.º e 242.º da CRP].
II. No SIADAP 2004 adaptado às autarquias locais pelo DR n.º 06/2006 deixou de estar previsto o antigo recurso hierárquico impróprio necessário para o órgão colegial que o autor da homologação integrava [arts. 176.º, n.º 2 do CPA, 39.º do DR n.º 44-B/83 e 06.º, n.º1 do DR n.º 45/88].
III. Não havendo lugar, no âmbito da avaliação de desempenho dos funcionários autárquicos disciplinada pelo referido quadro normativo, a recurso hierárquico do acto que decidiu a reclamação do acto de homologação da avaliação de desempenho para o membro do Governo competente temos que a rejeição do recurso hierárquico assim fundada nos termos do art. 173.º, al. b) do CPA não se mostra como ilegal.
IV. A fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo concreto de cada acto e das circunstâncias concretas em que é praticado, cabendo ao tribunal em face de cada caso ajuizar da sua suficiência, mediante a adopção de um critério prático que consiste na indagação sobre se um destinatário normal, face ao itinerário cognoscitivo e valorativo constante do acto em causa, fica em condições de saber o motivo porque se decidiu num sentido e não noutro.
V. A fundamentação só é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões de facto e de direito por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação.
VI. Enferma de falta de fundamentação o acto impugnado [indeferimento de reclamação quanto a acto de homologação de avaliação de desempenho relativa ao ano de 2006] quando resulta demonstrado, pelos termos do procedimento administrativo, que o mesmo se louvou acriticamente em informação dos serviços seguida de parecer do «CCA» estribados em simples alegações e considerações de circunstância, desenvolvidas com uso e recurso a meras conclusões e lugares comuns que em nada rebatem as motivações aduzidas em sede de reclamação, quando esta inclusive havia sido seguida de parecer positivo ao seu deferimento produzido pelo avaliador.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:Município do Porto
Recorrido 1:J...
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Concedido parcial provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
MUNICÍPIO DO PORTO, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF do Porto, datada de 26.04.2010, que julgou procedente a acção administrativa especial contra si deduzida por J…, e que anulou o acto proferido pelo Vereador do Pelouro do Urbanismo e Mobilidade em 21.06.2007 que decidiu a reclamação quanto à notação de serviço apresentada e, bem assim, o acto que rejeitou o recurso hierárquico interposto, condenando-o a proferir “novos actos expurgados dos vícios invalidantes de que padecem”.
Formula o R., aqui recorrente jurisdicional, nas respectivas alegações (cfr. fls. 223 e segs. - paginação processo em suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário), as seguintes conclusões que se reproduzem:
...
1. O acórdão recorrido anulou o acto que decidiu a reclamação apresentada pelo ora Recorrido, por padecer de falta de fundamentação, bem como o acto que rejeitou ao recurso hierárquico, por violação de lei, condenando o ora Recorrente «a proferir novos actos, expurgados dos vícios invalidantes de que padecem».
2. O acórdão do tribunal a quo enferma dos vícios de errónea interpretação e aplicação das normas jurídicas e de erro de julgamento.
3. O acórdão recorrido decidiu anular o acto que indeferiu a reclamação apresentada pela ora Recorrida, por padecer do vício de falta de fundamentação, mas tal argumento não poderá proceder.
4. A informação do Director Municipal do Urbanismo de 21/06/2007, remete expressamente para a avaliação realizada em sede de SIADAP e esta encontra-se devidamente fundamentada, com todos os campos preenchidos, tendo sido cumpridos escrupulosamente todos os objectivos prosseguidos pela avaliação de desempenho.
5. Tal resulta aliás da ficha de avaliação junta aos autos, onde se fundamenta a avaliação global de desempenho de 3,6 (Bom).
6. Não faria qualquer sentido que se procedesse a um mera repetição literal de argumentos no acto que indeferiu a reclamação, porquanto os fundamentos da avaliação não se alteraram, tendo sido assim observadas as exigências dos artigos 124.º e 125.º do CPA.
7. Ao contrário do acórdão a quo, que incorreu em erro de julgamento, perfilhamos a opinião de que um destinatário normal compreende clara e inequivocamente a fundamentação do despacho sub judice, porquanto a ficha de avaliação, para que o despacho remete, percorre todos os pontos relevantes para a avaliação de desempenho do Recorrido.
8. O despacho em apreço é assim fundamentado, não padecendo assim de nenhum vício que o possa invalidar.
9. Considera ainda o acórdão a quo que o despacho de rejeição liminar do recurso hierárquico padece do vício de violação de lei, mas tal argumento não deverá proceder.
10. É a própria Direcção-Geral das Autarquias Locais (DGAL) que, no seu sítio na internet, refere que «a decisão de avaliação de desempenho não é susceptível de recurso hierárquico. É, contudo, susceptível de reclamação para o dirigente máximo de serviço (…)».
11. Como a reclamação já tinha sido decidida, só haveria lugar à via contenciosa, não sendo possível o recurso hierárquico. Daí ter sido, e bem a nosso ver, liminarmente rejeitado.
12. O invocado Decreto Regulamentar n.º 6/2006, de 20 de Junho, adapta o Sistema Integrado de Avaliação de Desempenho da Administração Pública (doravante SIADAP) à Administração Local.
13. E se é um facto que o artigo 29.º do Decreto Regulamentar n.º 19-A/04, de 14 de Maio determina que «da decisão final sobre a reclamação cabe recurso hierárquico para o membro do Governo competente, a interpor no prazo de cinco dias úteis contado do seu conhecimento», é igualmente certo que o aludido Decreto Regulamentar n.º 6/2006, de 20 de Junho, nada diz quanto à equivalência desta matéria para as autarquias locais.
14. É claramente abusiva a interpretação jurídica que é realizada pelo tribunal a quo quanto à aplicação do recurso hierárquico à avaliação de desempenho na Administração Local.
15. Não poderá assim ser anulado o despacho de rejeição liminar do recurso hierárquico, porquanto tal acto obedeceu a todas as normas jurídicas aplicáveis, maxime do disposto no Decreto Regulamentar n.º 6/2006, de 20 de Junho.
16. Por todo o exposto, deverá o tribunal ad quem revogar o acórdão recorrido, por tal estar ferido de errónea interpretação e aplicação das normas jurídicas, bem como de erro de julgamento, repondo por conseguinte a validade dos dois actos em apreço …”.
O A., aqui recorrido, notificado não veio produzir quaisquer contra-alegações (cfr. fls. 240 e segs.).
O Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA não emitiu qualquer pronúncia (cfr. fls. 249 e segs.).
Colhidos os vistos legais juntos dos Exmos. Juízes-Adjuntos foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo certo que se, pese embora por um lado, o objecto do recurso se ache delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 685.º-A, n.º 1 todos do Código de Processo Civil (CPC) (na redacção introduzida pelo DL n.º 303/07, de 24/08 - cfr. arts. 11.º e 12.º daquele DL -, tal como todas as demais referências de seguida feitas relativas a normativos do CPC) “ex vi” arts. 01.º e 140.º do CPTA, temos, todavia, que, por outro lado, nos termos do art. 149.º do CPTA, o tribunal “ad quem” em sede de recurso de apelação não se limita a cassar a decisão judicial recorrida porquanto ainda que a declare nula decide “o objecto da causa, conhecendo de facto e de direito” reunidos que se mostrem no caso os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.
As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida que julgou procedente a pretensão anulatória na qual se funda a presente acção administrativa enferma de erro de julgamento traduzido na incorrecta e ilegal aplicação do disposto nos arts. 124.º, 125.º do CPA e 29.º do Decreto Regulamentar (abreviadamente «DR») n.º 19-A/2004, de 14.05 [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].
3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Resulta da decisão recorrida como assente a seguinte factualidade:
I) O A. é funcionário da Câmara Municipal do Porto («CMP»), com a categoria de Técnico Superior da carreira de engenharia civil, com a categoria de assessor - ver doc. n.º 01 junto com a p.i..
II) O A. foi avaliado no período compreendido entre 1 de Janeiro e 31 de Dezembro de 2006, no âmbito do Sistema Integrado de Avaliação do Desempenho da Administração Pública - doc. n.º 01 junto com a p.i..
III) Relativamente a esse período, o avaliador designado propôs atribuir a classificação de final de 4,5 valores - doc. n.º 01 junto com a p.i..
IV) Por despacho de 30.03.2007 do Vereador do Pelouro do Urbanismo e Mobilidade foi atribuída ao A. a avaliação global de desempenho de 3,6 (Bom) - doc. n.º 01, junto com a petição inicial.
V) Em 11.04.2007 o A. tomou conhecimento do referido acto de homologação da avaliação de desempenho relativa ao ano de 2006 - cfr. fls. 15 do PA.
VI) O A. por requerimento de 16.04.2007 apresentou reclamação do despacho de homologação da referida avaliação para o Presidente da «CMP» - cfr. fls. 45 a 51 dos autos e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
VII) O parecer do avaliador, quanto à reclamação do ora A, foi a seguinte: “1.º - O Sr. Eng. J… teve ao longo destes anos um desempenho notável destacando-se pela rapidez na execução e qualidade no que executa. 2.º - No ano de 2006 foi-lhe atribuída pelo signatário (como coordenador) a melhor classificação (Muito Bom) entre todos os técnicos superiores que prestavam Serviço na Ex-DRU e, com a classificação final que lhe foi dada é neste momento a pior entre estes técnicos. 3.º - Dado que a nota final dada a este técnico, não foi a que o signatário atribuiu, é para mim impossível justificá-la. 4.º - Quanto à classificação final que foi atribuída a este técnico julgo que a mesma é injusta dado que o signatário confirmou que dois dos objectivos foram claramente superados o que origina uma pontuação de 4,4 significando por isso que a classificação correcta seria de «Muito Bom» - doc. n.º 03 junto com a p.i..
VIII) Sobre a reclamação apresentada, o Director Municipal do Urbanismo prestou informação em 21.06.2007 - cfr. fls. 46 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
IX) Em reunião de 21.06.2007 do Conselho Coordenador de Avaliação da Direcção Municipal do Urbanismo foi analisada a reclamação do ora A., tendo sido decidido “… com base nos factos constantes da informação prestada pelo Senhor Arq.º José Carapeto datada de 2007.06.21, o CCA decidiu concordar com o proposto. Assim mantém-se a notação atribuída … - cfr. fls. 88 dos autos.
X) Por despacho de 21.06.2007 do Vereador do Pelouro do Urbanismo e Mobilidade da CMP, com base no parecer do CCA, foi indeferida a reclamação - cfr. doc. de fls. 90 dos autos.
XI) Esse mesmo indeferimento foi notificado ao A. por documento datado de 23.11.2007 - cfr. fls. 42-44 dos autos.
XII) O A. em 03.12.2007 recorreu hierarquicamente para o Presidente da Câmara Municipal do Porto, recurso que veio a ser rejeitado por despacho da Directora do Departamento Municipal Jurídico e de Contencioso com fundamento nas informações datadas de 28.01.2008 e de 26.02.2008 e notificado ao ora A. por notificação sem data, recebida em 19.03.2008 - cfr. PA apenso.
XIII) A presente acção deu entrada em juízo em 16.06.2008 e nela vem formulado o seguinte pedido: “a) Considere anulável a decisão de rejeição liminar foi preferida pela Senhora Directora de Departamento Municipal Jurídico e de Contencioso a 12.03.2008 (cfr. doc. anexo n.º 07), notificada ao autor em 18.03.2008 (Cfr. Doc. anexo n.º 02), pelos motivos alegados na presente peça, por vício de violação de lei (e descrito no art. 43.º da presente), com todas as suas consequências legais; b) Que o R seja condenado a dar provimento ao recurso hierárquico do Autor, e que seja no sentido de revogar o Despacho do Exmo. Senhor Vereador, que indeferiu a reclamação da homologação da avaliação de desempenho relativa ao ano de 2006, por verificação de erros grosseiros na avaliação de desempenho, com todas as suas consequências legais; c) E em consequência, que seja atribuída a avaliação de Excelente, pelos motivos supra expostos, como é de justiça; d) Com o direito inerente à promoção automática na carreira, pois preenche os requisitos legais, nos termos do estatuído no art. 15.º, nº 3, al. b) da Lei 10/2004, de 22 de Março, conforme supra descrito; Sem nunca prescindir e) Caso se prove apenas que deverá ser avaliado com Multo Bom, e que se admite por hipótese meramente académica, e que aqui peticiona subsidiariamente, o A. deverá ser admitido ao concurso de provimento para a categoria de Técnico Superior de Engenharia Civil Assessor Principal, supra descrito, direito que pretenda ver efectivado e que a entidade recorrida deverá de Igual modo ser condenada, bem como na reconstituição da sua carreira, com todas as consequências legais. e) Caso se considere que, in casu, não havia lugar a recurso hierárquico, o que se coloca por hipótese meramente académica, que seja então anulada a decisão proferida pelo Exmo. Senhor Vereador que indeferiu a reclamação da avaliação de desempenho relativa ao ano de 2006, por verificação de erros grosseiros na avaliação de desempenho …”.
«»
3.2. DE DIREITO
Considerada a factualidade supra fixada que, aliás, não foi objecto de qualquer impugnação importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do recurso jurisdicional “sub judice”.
π
3.2.1. DA DECISÃO JUDICIAL RECORRIDA
O TAF do Porto em apreciação da pretensão formulada pelo aqui recorrido veio a considerar ilegais os actos proferidos pelo Vereador do Pelouro do Urbanismo e Mobilidade em 21.06.2007 [que decidiu a reclamação quanto à notação de serviço apresentada pelo A.] e pela Directora do Departamento Municipal Jurídico e do Contencioso da «CMP» em 12.03.2008 [que decidiu rejeitar o recurso hierárquico interposto também pelo A. quanto àquela decisão da reclamação e que foi dirigido ao Presidente da «CMP»], condenando o R. a proferir “novos actos expurgados dos vícios invalidantes de que padecem”.
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3.2.2. DA TESE DO RECORRENTE
Contra tal julgamento se insurge o R. sustentando que, no caso, o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento traduzido na ilegal interpretação e aplicação do disposto nos arts. 124.º e 125.º do CPA e 29.º do DR n.º 19-A/2004 conjugado com o DR n.º 06/2006, de 20.06, já que o acto proferido por aquele Vereador sobre a reclamação apresentada pelo A. não padece da ilegalidade formal que lhe foi assacada [falta de fundamentação] e o acto proferido pela Directora do Departamento Jurídico e do Contencioso da «CMP» igualmente não se mostra ferido de ilegalidade porquanto, no caso, alegadamente inexistiria lugar a qualquer recurso hierárquico para o órgão executivo da decisão que conheceu da reclamação interposta do acto de notação/classificação de serviço do funcionário A., aqui recorrido.
π
3.2.3. DO MÉRITO DO RECURSO
3.2.3.1. DA VIOLAÇÃO ART. 29.º DR n.º 19-A/2004
I. Delimitando previamente o quadro legal a considerar na apreciação da questão objecto de análise temos que, desde logo, no art. 13.º da Lei n.º 10/04, de 22.03 (vigente e aplicável à data a que se reportam os factos em apreciação - cfr. Lei n.º 66-B/2007, de 28.12), se prevê que o “... procedimento de avaliação dos recursos humanos compreende as seguintes fases: a) Definição de objectivos e resultados a atingir; b) Auto-avaliação; c) Avaliação prévia; d) Harmonização das avaliações; e) Entrevista com o avaliado; f) Homologação; g) Reclamação; h) Recurso hierárquico …” e do normativo seguinte daquele diploma estipula-se que “… prazo para apresentação de reclamação do acto de homologação é de 5 dias úteis, a contar da data do seu conhecimento, devendo a respectiva decisão ser proferida no prazo máximo de 15 dias úteis …” (n.º 1), que o “… prazo para interposição de recurso hierárquico é de cinco dias úteis a contar da data do conhecimento da decisão da reclamação …” (n.º 2), sendo que a “… decisão do recurso deverá ser proferida no prazo de 10 dias úteis contados da data da sua interposição …” (n.º 3).
Resulta, por outro lado, do art. 27.º do DR em referência (vigente e aplicável igualmente à data a que se reportam os factos em apreciação - cfr. Lei n.º 66-B/2007, de 28.12) que as “… avaliações de desempenho ordinárias devem ser homologadas até 15 de Março …”, sendo que do artigo seguinte, relativo à «reclamação» decorre que após “… tomar conhecimento da homologação da sua avaliação, o avaliado pode apresentar reclamação por escrito, no prazo de cinco dias úteis, para o dirigente máximo do serviço …” (n.º 1) e que a “… decisão sobre a reclamação será proferida no prazo máximo de 15 dias úteis, dependendo de parecer prévio do conselho de coordenação da avaliação …” (n.º 2), sendo que o “… conselho de coordenação da avaliação pode solicitar, por escrito, a avaliadores e avaliados, os elementos que julgar convenientes …” (n.º 3).
Deriva, ainda, do normativo em epígrafe, sob a epígrafe de «recurso», que da “… decisão final sobre a reclamação cabe recurso hierárquico para o membro do Governo competente, a interpor no prazo de cinco dias úteis contado do seu conhecimento …” (n.º 1), que a “… decisão deverá ser proferida no prazo de 10 dias úteis contados da data de interposição de recurso, devendo o processo de avaliação encerrar-se a 30 de Abril …” (n.º 2), sendo que o “… recurso não pode fundamentar-se na comparação entre resultados de avaliações …” (n.º 3).
Por fim, estipula-se no art. 01.º do DR n.º 06/2006 (também em vigor e aplicável à data a que se reportam os factos em apreciação - cfr. DR n.º 18/2009, de 04.09 e Lei n.º 66-B/2007, de 28.12) que a “… Lei n.º 10/2004, de 22 de Março, aplica-se com as adaptações constantes do presente decreto regulamentar aos funcionários, agentes e demais trabalhadores dos municípios e respectivos serviços municipalizados, das freguesias e das entidades intermunicipais a que se referem as Leis n.ºs 10/2003 e 11/2003, ambas de 13 de Maio, bem como ao seu pessoal dirigente de nível intermédio, quando exista …” (n.º 1) e que o “… disposto no Decreto Regulamentar n.º 19-A/2004, de 14 de Maio, é também aplicável aos trabalhadores das entidades referidas no número anterior, com as adaptações constantes do presente decreto regulamentar …” (n.º 2), sendo que nos termos previstos no art. 07.º do mesmo diploma as “… referências feitas ao dirigente máximo do serviço ou organismo na Lei n.º 10/2004, …, bem como no Decreto Regulamentar n.º 19-A/2004, …, consideram-se feitas, para efeitos de aplicação do presente decreto regulamentar: a) Ao presidente da câmara municipal, nos municípios …”.

II. Sustenta o R. que do quadro normativo acabado de enunciar não resulta a existência dum recurso hierárquico necessário da decisão que haja sido proferida em sede de reclamação interposta do acto de homologação da avaliação de serviço de funcionário autárquico.

III. Ora tal tese e posicionamento tem-se como procedente, não podendo acolher-se a apreciação e juízo feito nesse âmbito na decisão judicial recorrida.
Explicitemos o nosso entendimento.
Este TCAN pronunciando-se sobre a questão do carácter necessário ou não da reclamação prevista no art. 28.º do DR n.º 19-A/2004 considerou no acórdão de 02.07.2009 (Proc. n.º 00708/07.0BECBR in: «www.dgsi.pt/jtcn») que a mesma revestia de carácter necessário, fundamentando-se para tanto na seguinte linha argumentativa que se transcreve “… o período de avaliação de desempenho aqui em causa, é aplicável ao presente caso o SIADAP [Sistema Integrado de Avaliação do Desempenho da Administração Pública] consagrado na Lei n.º 10/2004 de 22.03 e no Decreto Regulamentar n.º 19-A/2004 de 14.05, adaptado às especificidades da administração local pelo Decreto Regulamentar n.º 6/2006 de 20.06 [...].
Decorre dos artigos 13.º e 14.º daquela Lei n.º 10/2004, dos artigos 22.º, 28.º e 29.º do Decreto Regulamentar n.º 19-A/2004, e dos artigos 1.º e 7.º do Decreto Regulamentar n.º 6/2006, que do acto de homologação da avaliação de trabalhador autárquico cabe reclamação necessária a interpor para o presidente da câmara municipal respectiva […].
Esta conclusão jurídica, que não é, aliás, posta em causa pelas teses em confronto, pelo menos de uma forma expressa, cremos ser a que se impõe no caso de avaliação de desempenho em análise, e isto não obstante a mudança de paradigma de impugnabilidade que emerge do CPTA.
Efectivamente, não esquecemos que o legislador do CPTA quis assegurar a tutela jurisdicional efectiva, afastando obstáculos que à realização prática deste princípio ainda vinham sendo colocados pelo anterior contencioso administrativo, não obstante o afã actualista da jurisprudência que, baseando-se na Lei Fundamental [artigo 268.º n.º 4 CRP], passou a sobrepor o critério da lesividade ao da tripla definitividade que, elaborado pela doutrina, tinha obtido acolhimento no artigo 25.º da LPTA. Assim, mediante o artigo 51.º, n.º 1 do CPTA o legislador, em 2004, afastou os pressupostos da definitividade e da lesividade como condições de acesso à justiça administrativa, admitindo [explicitamente] a impugnação de todos os actos dotados de eficácia externa, mesmo anteriores a decisão final e mesmo não lesivos [segundo o artigo 51.º, n.º 1 CPTA ainda que inseridos num procedimento administrativo, são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos]. O acto administrativo contenciosamente impugnável passou, pois, a ser o dotado de eficácia externa, tendo a lesividade [subjectiva] sido remetida para mero critério, talvez o mais importante, de aferição dessa impugnabilidade […].
Apesar desta mudança de paradigma de impugnabilidade, cremos que não foi afastada, pelo menos de forma total, a possibilidade de ocorrerem situações de impugnação graciosa necessária, sejam eles reclamações, recursos hierárquicos ou recursos tutelares. Questão é que essa imposição de esgotamento dos meios graciosos, para se poder aceder à impugnação contenciosa, resulte expressamente da lei. Assim foi entendido num muito recente aresto do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, onde se sumaria que o artigo 51.º, n.º1 do CPTA, introduzindo um novo paradigma de impugnação contenciosa de actos administrativos lesivos, convive com a existência de impugnações administrativas necessárias, não só quando a própria lei o disser expressamente, como também em todos os casos, anteriores à vigência do CPTA, que contemplavam impugnações administrativas, previstas na lei, comummente tidas como necessárias [AC STA/Pleno de 04.06.2009, Rº0377/08 …].
Resulta, pois, que a existência de reclamações ou impugnações graciosas de natureza necessária dependerá, fundamentalmente, de lei posterior ao CPTA [01.2004], que abrindo excepções à regra geral do seu artigo 51.º, n.º 1, afaste a possibilidade de impugnação contenciosa imediata.
Comungamos da fundamentação que obteve vencimento neste aresto [note-se que o mesmo teve 4 votos de vencido], para a qual remetemos, com a devida vénia. Acrescentamos, porém, com decisiva relevância para o nosso caso concreto, que temos para nós não ser necessário a lei dizer, formalmente, que a reclamação ou a impugnação graciosa tem natureza necessária, para que esta se imponha ao intérprete, antes bastando, para tal, que essa natureza necessária resulte indelével da interpretação da lei [artigo 9.º do CC]. E é isso mesmo que cremos ocorrer no presente caso, tendo em conta o sentido e alcance do texto legal, imposto pela presunção de um legislador que consagrou as soluções mais acertadas e exprimiu o seu pensamento em termos adequados.
Como é sabido, o poder de reclamar de um acto administrativo é a regra geral [artigo 161.º, n.º1 do CPA], motivo pelo qual se estranharia que o legislador do SIADAP [artigos 13.º g) Lei n.º 10/2004, 22.º f) DR n.º 19-A/2004, e 1.º DR 6/06] viesse permitir algo que já era permitido. Isso faria pouco sentido, e seria pouco compatível com a figura de legislador que a lei impõe. Para além disso, a interpretação da reclamação em referência como necessária é a que melhor se compatibiliza com o texto legal, o qual não prescreve que o procedimento de avaliação pode compreender mas sim que o procedimento de avaliação compreende as seguintes fases [ver corpo do artigo 13.º da Lei n.º 10/2004 e do artigo 22.º do DR n.º 19-A/2004]. E é neste exacto sentido que se tem vindo a pronunciar alguma jurisprudência do STA: […] quando a lei prevê, em termos expressos, uma reclamação graciosa, inserida em determinado trâmite a seguir no respectivo processo, impõe-se considerá-la, na falta de outra explicação adequada resultante da lei, como reclamação necessária, constituindo pressuposto do uso de ulterior meio de impugnação contenciosa [ver AC STA de 02.12.99, Rº45243; AC STA de 17.01.2001, Rº40567; AC STA/Pleno de 25.05.05, Rº1652/02; e AC STA de 19.12.2006, Rº825/06].
Impõe-se ao intérprete, portanto, concluir que a reclamação do despacho de homologação prevista no SIADAP de 2004, publicado e entrado em vigor em pleno domínio do CPTA, configura reclamação necessária, a qual culmina o procedimento de avaliação dos recursos humanos no âmbito da administração autárquica [ver, neste sentido, AC TCAN de 07.02.2008, Rº366/06.9BEPRT, …].
… Assente, pois, que a reclamação do despacho de homologação da avaliação de desempenho efectuada ao trabalhador autárquico representado pelo … recorrente ... tem natureza necessária, retiremos daí as devidas conclusões.
Em primeiro lugar, importa retirar que não poderá ser aplicável ao presente caso, contrariamente ao que entendeu o tribunal a quo, o preceituado no n.º 4 e no n.º 5 do artigo 59.º do CPTA […]. Na verdade, estas regras de suspensão apenas têm sentido quanto aos meios de impugnação graciosa facultativos, porquanto, tratando-se de reclamações ou de recursos necessários, o respectivo acto ainda não é passível de impugnação contenciosa, não estando qualquer prazo a decorrer para esse efeito [ver, a este respeito, Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, volume I, Almedina, 2004, página 391; e AC STA de 22.03.2007, Rº848/06].
Em segundo lugar, importa retirar que o despacho impugnável em tribunal, porque dotado de eficácia externa, lesiva do trabalhador avaliado, é o despacho que decidiu a reclamação, na medida em que a interposição necessária desta acarretou a suspensão dos efeitos daquele [ver artigo 163.º, n.º 1 do CPA]. Mas, sublinhe-se, dizer isto não significa estabelecer uma separação rígida entre os dois actos, pois que, ou a reclamação é atendida, e assim substituída a primitiva avaliação pela actual, ou a reclamação é desatendida, mantendo-se a homologação reclamada, que é absorvida por este acto final e nele encontra a sua eficácia externa.
De qualquer modo, sempre a decisão da reclamação constituirá uma decisão de avaliação final, que poderá ser autónoma, se revoga e substitui a homologada, ou de mera manutenção desta última. Em caso de manutenção, a avaliação homologada será objecto mediato da impugnação contenciosa da decisão de reclamação, sendo que a esta poderão ser imputados, também, vícios que lhe sejam próprios.
Assim, no SIADAP 2004, o acto de homologação da avaliação de desempenho apenas constituirá acto final do procedimento no caso do trabalhador avaliado se conformar com a avaliação homologada. Se dela reclamar, o acto de homologação assumirá um papel de acto procedimental, passando a ser acto final do respectivo procedimento de avaliação, com eficácia externa, contenciosamente impugnável, a decisão da reclamação” (sublinhados nossos) (cfr., no mesmo sentido ainda, nomeadamente, o acórdão deste TCAN de 29.10.2009 - Proc. n.º 01093/08.8BEVIS in: «www.dgsi.pt/jtcn»).

IV. Atente-se, aliás, que este mesmo entendimento quanto à natureza necessária da reclamação veio a ser sustentado pelo STA no seu acórdão de 11.03.2010 - Proc. n.º 0701/09 (in: «www.dgsi.pt/jsta»), quando ali, cotejando o quadro normativo supra transcrito, se afirmou e passa-se a reproduzir que é “… perfeitamente claro que as transcritas disposições prevêem a existência de reclamação no procedimento ora em causa, à qual se seguiria recurso hierárquico, como também não se pode duvidar de que elas são posteriores à entrada em vigor do CPTA. O que parece evidenciar que o legislador quis que, numa primeira fase, a resolução do litígio pudesse ser feita ou, pelo menos, tentada no seio da Administração e que só perante o insucesso desta tentativa se podia recorrer a Tribunal.
Todavia, e apesar disso, as instâncias consideraram que aquela reclamação era facultativa e que, por isso, era contra o acto reclamado que o Autor devia ter dirigido a sua impugnação judicial, entendimento esse que fundaram nos termos em que as transcritas normas estavam redigidas, os quais, segundo afirmaram, inculcavam a ideia de que tal reclamação não era necessária.
E a verdade é que o art. 28.º/1 do Dec. Regulamentar 19-A/2004 refere que o avaliado, após tomar conhecimento da homologação da sua avaliação, pode apresentar reclamação (…) o que causa algum embaraço visto tal redacção poder fazer crer que a esta reclamação é meramente facultativa e que, sendo assim, a homologação era o acto judicialmente impugnável e que a via contenciosa de impugnação se abria logo que o mesmo fosse proferido.
Mas esta objecção não procede por duas ordens de razões.
A primeira, porque este decreto regulamenta a Lei 10/2004 e nesta não se diz que o interessado pode apresentar reclamação mas apenas que à fase de homologação se segue a fase de reclamação e, se assim é, e se o decreto regulamentador não pode conter mais nem dispor coisa diferente do que lei regulamentada, o pode referido no citado art. 28.º/1 não pode ter o alcance que o Acórdão recorrido nele vislumbrou.
A segunda, porque o referenciado Acórdão do Pleno foi claro ao afirmar que o novo paradigma de impugnação contenciosa dos actos administrativos lesivos introduzido pelo art. 51.º/1 do CPTA não determinou a revogação das normas existentes em diplomas avulsos que previssem, em termos expressos, a existência reclamações graciosas inseridas num determinado procedimento. E que, por ser assim, e, salvo disposição em contrário, tais reclamações continuaram a ser necessárias para a abertura da via contenciosa. Ora, in casu, essa norma revogatória não existe.
Nesta conformidade, é forçoso concluir que a reclamação prevista nos transcritos normativos é necessária e que, por isso, a mesma constitui pressuposto processual do uso de ulterior meio judicial de impugnação …”.

V. Mas a jurisprudência deste TCAN, supra citada e reproduzida, acabou ainda por se pronunciar sobre a existência ou não no processo de avaliação de desempenho dos funcionários autárquicos (regime legal de 2004/2006 acima referido) dum recurso hierárquico relativamente à decisão da reclamação do acto de homologação daquela avaliação.
E fê-lo em sentido negativo referindo-se a este propósito que “… convém sublinhar que por inexistência de vínculo hierárquico entre os órgãos autárquicos e o Estado [sem prejuízo da chamada tutela de legalidade], não poderá ser configurado, no âmbito da avaliação de desempenho em causa, o recurso hierárquico necessário para o membro do Governo competente [artigos 13.º alínea h) da Lei n.º 10/2004, 22.º alínea g) e 29.º do Decreto Regulamentar n.º 19-A/2004, 235.º, 237.º e 242.º da CRP], sendo certo que deixou de ser previsto neste SIADAP 2004 o antigo recurso hierárquico impróprio necessário para o órgão colegial que o autor da homologação integrava [artigo 176.º, n.º2 do CPA], e ainda que o recurso tutelar só existe, de acordo com o artigo 177.º, n.º 2 CPA, nos casos expressamente previstos pela lei [artigo 39.º do Regulamento da Classificação de Serviço na Função Pública, constante do Decreto Regulamentar n.º 44-B/83 de 01.06, e artigo 6.º, n.º1 do Decreto Regulamentar n.º 45/88 de 16.12, que adaptou aquele primeiro à administração autárquica. Note-se que o DR n.º 44-B/83 foi revogado pela Lei n.º 10/2004, e o n.º 45/88 foi revogado pelo Decreto Regulamentar n.º 6/2006] …”.
Atente-se que neste particular [quanto à previsão e regime dum recurso hierárquico ainda que impróprio] o quadro normativo em presença pelo qual se rege a situação sob juízo se mostra claramente diverso daquele que vigorou no âmbito do DR n.º 44-B/83 e DR n.º 45/88 e que motivou que o STA no seu acórdão de 06.05.2010 (Proc. n.º 01255/09 in: «www.dgsi.pt/jsta») tenha sustentado a existência e manutenção dum recurso hierárquico necessário ao abrigo do art. 06.º do DR n.º 45/88.

VI. Acolhendo-se e reiterando aqui o posicionamento deste TCAN firmado nos acórdãos atrás citados e parcialmente transcritos temos que se mostra despiciendo e inútil o tecer de quaisquer outros considerandos fundamentadores do juízo de inequívoca e clara procedência da tese propugnada pelo R. nos autos, mormente, em sede de recurso jurisdicional.
Na verdade, dúvidas não temos de que à luz do quadro legal invocado a reclamação do acto de homologação da avaliação do serviço do funcionário autárquico é necessária e de que em caso de improcedência daquela a abertura da via contenciosa não depende, no quadro legal à data vigente, da interposição de prévio recurso hierárquico necessário que aliás não está previsto e não foi considerado na adaptação operada pelo DR n.º 06/2006, termos em que da decisão daquela reclamação caberia impugnação contenciosa.
Daí que não havendo no caso e no âmbito da avaliação de desempenho dos funcionários autárquicos [disciplinada pelo DR n.º 19-A/2004 em articulação com o DR n.º 06/2006] lugar a recurso hierárquico do acto que decidiu a reclamação do acto de homologação da avaliação de desempenho do A. temos que a rejeição do recurso hierárquico por aquele interposto nos termos do art. 173.º, al. b) do CPA não se mostra como ilegal, inexistindo, pois, fundamento na pretensão invalidatória que assim se estriba e que é assacada ao acto proferido em 12.03.2008 pela Directora do Departamento Municipal Jurídico e de Contencioso da «CMP».
Procede, por conseguinte, este fundamento de recurso, impondo-se nesse segmento revogar a decisão judicial recorrida [conclusões 09.ª) a 16.ª)].
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3.2.3.2. DA VIOLAÇÃO DOS ARTS. 124.º e 125.º CPA
Reportando-nos, agora, ao outro fundamento do recurso jurisdicional “sub judice” importa então apreciar do juízo feito quanto à assacada ilegalidade de natureza formal da falta de fundamentação relativa ao acto do Vereador da «CMP» que indeferiu a reclamação apresentada pelo aqui recorrido quanto ao acto que havia homologado a avaliação desempenho referente ao ano de 2006.

I. Nos termos do disposto no art. 124.º do CPA “… devem ser fundamentados os actos administrativos que, total ou parcialmente: a) Neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções; b) Decidam reclamação ou recurso; c) Decidam em contrário de pretensão ou oposição formulada por interessado, ou de parecer, informação ou proposta oficial; d) Decidam de modo diferente da prática habitualmente seguida na resolução de casos semelhantes, ou na interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou preceitos legais; e) Impliquem revogação, modificação ou suspensão de acto administrativo anterior …” (n.º 1), sendo que salvo “… disposição da lei em contrário, não carecem de ser fundamentados os actos de homologação de deliberações tomadas por júris, bem como as ordens dadas pelos superiores hierárquicos aos seus subalternos em matéria de serviço e com a forma legal ..." (n.º 2).
E do artigo seguinte decorre, ainda, que a “… fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto ...” (n.º 1), sendo que equivale “… à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto …” (n.º 2).

II. Os normativos ora em parte reproduzidos correspondem ao cumprimento de directiva constitucional decorrente do actual art. 268.º, n.º 3 da CRP no qual se consagra o dever de fundamentação e correspondente direito subjectivo do administrado à fundamentação, sendo que com a enunciação de tal dever se visa harmonizar o direito fundamental dos cidadãos a conhecerem os fundamentos factuais e as razões legais que permitem a uma autoridade administrativa conformar-lhes negativamente a sua esfera jurídica com as exigências que a lei impõe à Administração de actuar, na realização do interesse público, com presteza, eficácia e racionalidade.
Do cotejo dos normativos citados temos que fundamentar é enunciar explicitamente as razões ou motivos que conduziram o órgão administrativo à prática de determinado acto, acto este que deverá conter expressamente os fundamentos de facto e de direito em que assenta a decisão sem que a exposição dos fundamentos de facto e de direito tenha de ser prolixa.
O que importa é que, de forma sucinta, se conheçam as premissas do acto e que se refiram todos os motivos determinantes do conteúdo resolutório, sendo que na menção ou citação das regras jurídicas aplicáveis não devem aceitar-se como válidas as referências de tal modo genéricas que não habilitem o particular a entender e aperceber-se das razões de direito que terão motivado o acto em questão, na certeza de que se impõe que a decisão contenha os preceitos legais aplicados e que conduziram a tal decisão.
A fundamentação da decisão administrativa consiste, portanto, na enunciação de forma expressa das premissas fácticas e jurídicas em que a mesma assenta, visando, desta feita, impor à Administração que pondere antes de decidir e, assim, contribuir para uma mais esclarecida formação de vontade por parte de quem tem essa responsabilidade, para além de permitir ao administrado seguir o processo intelectual que a ela conduziu.

III. Conforme tem sido jurisprudência uniforme e constante a fundamentação assume-se como um conceito relativo que varia em função do tipo concreto de cada acto e das circunstâncias concretas em que é praticado, cabendo ao tribunal, em face de cada caso, ajuizar da sua suficiência mediante a adopção de um critério prático que consiste na indagação sobre se um destinatário normal, face ao itinerário cognoscitivo e valorativo constante do acto em causa, fica em condições de saber o motivo porque se decidiu num sentido e não noutro.Com tal dever de fundamentação visa-se captar a transparência da actividade administrativa, sendo que tal dever, nos casos em que é exigido, constitui um importante sustentáculo da legalidade administrativa e um instrumento fundamental da respectiva garantia contenciosa, para além de um elemento fulcral para a interpretação do acto administrativo.
Para se atingir aquele objectivo basta uma fundamentação sucinta, mas a mesma importa que seja clara, concreta, congruente e de se mostrar contextual.
A fundamentação do acto administrativo é suficiente se, no contexto em que foi praticado e atentas as razões de facto e de direito nele expressamente enunciadas, forem capazes ou aptas e bastantes para permitir que um destinatário normal apreenda o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão.
É contextual quando se integra no próprio acto e dela é contemporânea e será, por sua vez, clara quando tais razões permitem compreender sem incertezas ou perplexidades qual foi o referido iter cognoscitivo-valorativo da decisão. Por último, é congruente quando a decisão surge como a conclusão lógica e necessária de tais razões.

IV. Revertendo ao caso em presença temos, para nós, que, considerando a factualidade apurada, o que resulta da documentação junta aos autos e bem assim da análise do PA apenso, o acto administrativo ora em causa e que constitui também objecto de impugnação na presente acção administrativa especial se não tem como dotado da fundamentação legalmente imposta, não enfermando a decisão judicial recorrida neste segmento de erro de julgamento.
Com efeito, afirma-se naquela decisão judicial, com pleno acerto, que no “… caso em apreço … após ter sido apresentada reclamação do acto de homologação da classificação atribuída, foi emitido parecer pelo avaliador designado que havia atribuído a classificação de 4,5, concluindo que a classificação que lhe foi atribuída - 3,6 - é injusta dado que confirmou que dois dos objectivos foram claramente superados o que origina uma pontuação de 4,4 significando por isso que a classificação correcta seria de «Muito Bom».
Todavia, atenta a informação do Director Municipal do Urbanismo de 21/6/2007, o CCA decidiu manter a notação atribuída, o que por sua vez determinou o despacho de 21/6/2007 do Vereador do Pelouro do Urbanismo e Mobilidade da CMP, pelo qual foi indeferida a reclamação.
Este último despacho, fundou-se pois na informação DMU que é a seguinte: «Nas avaliações realizadas na DMU em sede de SIADAP houve a preocupação de que as mesmas traduzissem de forma clara e inequívoca, critérios rigorosos de justiça relativa, hierarquizando-se a avaliação de cada colaborador. Face ao universo dos avaliados na Direcção Municipal, e em total observância dos objectivos gerais prosseguidos pelo SIADAP. Assim, proponho que seja mantida a classificação atribuída ao reclamante pese embora a informação prestada pelo superior hierárquico».
Em face desta factualidade, temos para nós que o acto de indeferimento da reclamação revela padecer de fundamentação insuficiente, porquanto um destinatário normal colocado na posição do ora A. não compreenderia as razões de facto e de direito que levaram a atribuir uma classificação diferente ao trabalho desempenhado pelo A. no período sob avaliação, nomeadamente quais os pontos de discordância de classificação em relação à classificação do avaliador directo do A., ficando este último impossibilitado de, forma esclarecida, rebater ponto por ponto os hipotéticos pontos de discordância …”.
É que, na verdade, do acto em causa e suas remissões não resulta a motivação do mesmo.
Desde logo, a “informação” veiculada pelo «DMU», datada de 21.06.2007 [que se reproduziu supra e que se mostra inserta na decisão judicial recorrida], na qual se louvou a deliberação da mesma data do «CCA» para propor o indeferimento da reclamação apresentada pelo A. [deliberação tomada em reunião concluída pelas 21.00 horas - cfr. acta n.º 03 inserta a fls. 72/73 PA apenso] e em que, por sua vez, se “motiva” o despacho do Vereador da «CMP» ainda do mesmo dia [21.06.2007] que indefere aquela reclamação, tem-se claramente como abstracta, conclusiva, genérica, não permitindo captar minimamente em que medida e por que motivação os fundamentos aduzidos na reclamação formulada pelo A. não procedem ou não seriam de atender.
Da mesma nada se extrai além de simples alegações e considerações de circunstância, desenvolvidas com uso e recurso a meras conclusões e lugares comuns, quando é certo, inclusive, que tal reclamação havia sido seguida de parecer positivo ao deferimento da mesma produzido pelo avaliador [cfr. n.ºs VI), VII), VIII), IX) e X) dos factos provados].
Daí que sendo aquele o teor integral da informação do «DMU», sufragado acriticamente pela deliberação do «CCA» e bem assim pelo despacho do Vereador da «CMP» objecto de impugnação, não se divisa onde está a justificação para a não procedência da reclamação apresentada pelo A., quais as motivações fácticas e jurídicas que fundam em concreto tal juízo de improcedência.
Assim, presente esta factualidade e os considerandos de enquadramento supra tecidos temos que, efectivamente, terá de considerar-se que a decisão administrativa objecto de impugnação nos autos não se mostrava fundamentada à luz das exigências que, em concreto, a lei prevê nos normativos em referência, pelo que à luz dos mesmos normativos terá de se considerar que a decisão judicial recorrida que assim julgou não enferma de qualquer erro de julgamento.
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Sumariando, nos termos do n.º 7 do art. 713.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:
I. Inexistindo vínculo hierárquico entre os órgãos autárquicos e o Estado [sem prejuízo da chamada tutela de legalidade] não poderá ser configurado no âmbito da avaliação de desempenho dos funcionários das autarquias locais [disciplinada pela Lei n.º 10/2004, DR n.º 19-A/2004 e DR n.º 06/2006] o recurso hierárquico necessário para o membro do Governo competente [arts. 13.º al. h) da Lei n.º 10/2004, 22.º al. g) e 29.º do DR n.º 19-A/2004, 235.º, 237.º e 242.º da CRP].
II. No SIADAP 2004 adaptado às autarquias locais pelo DR n.º 06/2006 deixou de estar previsto o antigo recurso hierárquico impróprio necessário para o órgão colegial que o autor da homologação integrava [arts. 176.º, n.º 2 do CPA, 39.º do DR n.º 44-B/83 e 06.º, n.º1 do DR n.º 45/88].
III. Não havendo lugar, no âmbito da avaliação de desempenho dos funcionários autárquicos disciplinada pelo referido quadro normativo, a recurso hierárquico do acto que decidiu a reclamação do acto de homologação da avaliação de desempenho para o membro do Governo competente temos que a rejeição do recurso hierárquico assim fundada nos termos do art. 173.º, al. b) do CPA não se mostra como ilegal.
IV. A fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo concreto de cada acto e das circunstâncias concretas em que é praticado, cabendo ao tribunal em face de cada caso ajuizar da sua suficiência, mediante a adopção de um critério prático que consiste na indagação sobre se um destinatário normal, face ao itinerário cognoscitivo e valorativo constante do acto em causa, fica em condições de saber o motivo porque se decidiu num sentido e não noutro.
V. A fundamentação só é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões de facto e de direito por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação.
VI. Enferma de falta de fundamentação o acto impugnado [indeferimento de reclamação quanto a acto de homologação de avaliação de desempenho relativa ao ano de 2006] quando resulta demonstrado, pelos termos do procedimento administrativo, que o mesmo se louvou acriticamente em informação dos serviços seguida de parecer do «CCA» estribados em simples alegações e considerações de circunstância, desenvolvidas com uso e recurso a meras conclusões e lugares comuns que em nada rebatem as motivações aduzidas em sede de reclamação, quando esta inclusive havia sido seguida de parecer positivo ao seu deferimento produzido pelo avaliador.
4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em:
A) Conceder parcial provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo R. e, em consequência, pelos fundamentos antecedentes, revogar a decisão judicial recorrida no segmento em que anulou o acto impugnado proferido em 12.03.2008 pela Directora do Departamento Municipal Jurídico e de Contencioso da «CMP» que havia rejeitado o recurso hierárquico interposto pelo A., absolvendo-se nesse âmbito o R. do pedido;
B) Manter, pela motivação atrás exposta, o juízo e condenação efectuado na decisão judicial recorrida quanto ao outro acto administrativo objecto de impugnação.
Custas nesta instância a cargo do R./recorrente, sendo que na mesma a taxa de justiça é reduzida a metade [arts. 73.º-A, n.º 1, 73.º-E, n.º 1, al. a), 18.º, n.º 2 todos do CCJ, 446.º do CPC e 189.º do CPTA].
Notifique-se. D.N..
Restituam-se, oportunamente, os suportes informáticos que hajam sido gentilmente disponibilizados.
Processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pelo relator (cfr. art. 138.º, n.º 5 do CPC “ex vi” arts. 01.º e 140.º do CPTA).
Porto, 27 de Maio de 2011
Ass. Carlos Luís Medeiros de Carvalho
Ass. Maria do Céu Dias Rosa das Neves
Ass. Ana Paula Soares Leite Martins Portela