Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02115/14.9BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/19/2015
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:COMPETÊNCIA. RESPONSABILIDADE CIVIL
DE CONCESSIONÁRIA.
Sumário:I) - A jurisdição administrativa é competente para conhecer de uma acção intentada, em sub-rogação, contra concessionária de auto-estrada, por responsabilidade civil decorrente de acidente de viação ocorrido nessa via, alegadamente provocado por omissão de dever que lhe incumbe por força da concessão.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:L... Seguros, SA
Recorrido 1:A... Norte – Auto-Estradas do Norte, SA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:L... Seguros, SA (Avª…), interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Braga, que, «ex officio», se julgou incompetente em acção administrativa comum por si intentada contra A... Norte – Auto-Estradas do Norte, SA (R….).

A recorrente termina com as seguintes conclusões:
1. Nos termos do disposto no artigo 40º da Lei n.° 62/2013, de 26 de Agosto "Os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.", ou seja, a competência material dos tribunais comuns é residual, cabendo-lhe apreciar as causas que não sejam atribuídas a outra jurisdicional.
2. Por outro lado, o artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, define quais os casos em que os Tribunais Administrativos são materialmente competentes, estabelecendo a alínea i) que "Responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime especifico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público.
3. para se determinar se a um sujeito de direito privado é aplicável o regime da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público é necessário determinar se esse sujeito de direito privado é responsável num litígio emergente de uma relação administrativa.
4. Relação administrativa é definida como "aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à administração perante particulares, ou aquela que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a administração.”
5. A competência dos tribunais administrativos e fiscais abrangerá as questões atinentes à responsabilidade civil extracontratual de sujeitos privados desde que a eles deve ser aplicado o regime próprio da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público.
6. Existem duas situações em que sujeitos privados são sujeitos numa relação administrativa. A primeira situação é quanto desempenham prerrogativas de poder público. E a segunda é quando a sua actividade é regulada por disposições ou princípios de direito administrativo.
7. A actividade da Recorrida é regulada por disposições de direito administrativo, na medida em que a Recorrida, enquanto concessionário da A11 está contratualmente obrigada a, continuamente, proceder a uma vigilância, manutenção e conservação da A11, por forma a que esta satisfaça cabalmente e permanente o fim a que se destina, sendo certo que, sendo a A11 uma auto-estrada o fim desta é permitir a rápida circulação de bens e pessoas, por meio de veículos motorizados, com determinadas características definidas expressamente no Código Estrada.
8. O supra referidos deveres apesar de serem assegurados por uma entidade com capitais privados são deveres de origem pública.
9. Em face do supra exposto ás concessionárias é aplicável o regime da responsabilidade do Estado, pelo que a competência para conhecer de litígios que envolvam estas entidades pertencem à jurisdição administrativa.
10. Em face do supra exposto, a ora Recorrente não aceita a Douta decisão ora recorrida, não se conformando com as conclusões ai produzidas, por reflectir uma incorrecta interpretação da Lei e da Jurisprudência aplicável a situações semelhantes, devendo esta ser alterada, considerando-se o Tribunal a quo materialmente competente.

Sem contra-alegações.
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O Exmº Procurador-Geral Adjunto, notificado para efeitos do art.º 146º do CPTA, alinhou pelo entendimento prolatado na sentença recorrida.
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Dispensando vistos, cumpre decidir.
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A única questão sobre a qual versa o recurso é quanto à determinação do tribunal com competência material para dirimir o litígio.
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Como incidências processuais, que interessa ter aqui em consideração, temos:
1. A qui recorrente intentou a acção como vem em p. i., termos que aqui se têm presentes.
2. O tribunal “a quo” julgou-se “incompetente em razão da matéria para decidir o actual litígio e competentes os tribunais judiciais e, em consequência, absolvo o réu da instância”, decisão constante dos autos para onde se remete e infra parcialmente transcrita.
*
Do Direito
O tribunal “a quo” teve o seguinte discurso fundamentador:
L... Seguros, S.A., vem propor a presente acção administrativa comum, contra A... Norte - Auto-Estradas do Norte, S.A., pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de 2.706,19 Euros, pela reparação do veículo, acrescida dos respectivos juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.
Alega, para tanto, que em 09/07/2011, pelas 22h10m, ao Km 8,225 da A11, na freguesia de G..., B..., o veículo JQ, conduzido por JPSP, embateu num canídeo que se encontrava a caminhar na faixa de rodagem por onde o veículo circulava. E que tal embate provocou danos na parte frontal do veículo.
Estriba a responsabilidade da R. na ausência de vigilância das vias que se encontram a seu cargo, o que determinou o aumento do perigo na circulação rodoviária. Por conseguinte, de acordo com o regime consagrado na Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, entende o A. que a R. é responsável pelos danos ocorridos no veículo mencionado, devendo, em consequência, indemnizá-lo.
De acordo com o disposto no art. 590º nº 1 do CPC, sob a epígrafe “Gestão processual”, o juiz, caso lhe seja apresentada a petição inicial a despacho liminar, deve indeferir esta se verificar ocorrerem excepções dilatórias insupríveis e de conhecimento oficioso.
Assim, cumpre analisar a petição inicial, sendo certo que a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública, precedendo o seu conhecimento o de qualquer outra matéria (art.º 13º do CPTA).
O Autor funda o seu pedido de indemnização de danos patrimoniais no instituto da responsabilidade civil extracontratual.
A indagação da competência material deste Tribunal tem que ser feita de acordo com a específica causa de pedir e pedido formulados nesta acção.
A competência material deste tribunal depende da natureza jurídica que assume a R. e, principalmente, qual a natureza da actuação que se discute, no sentido de apurar da eventual presença de uma relação jurídico-administrativa.
Compulsado o acervo legislativo que enforma a actuação da R., e para a problemática que interessa agora deslindar, verifica-se que o Decreto-Lei n.º Decreto-Lei n.º 248-A/99, (entretanto alterado pelo Decreto-Lei n.º 44-B/2010, de 5 de Maio), procedeu à aprovação do contrato de concessão da denominada Concessão da A7.
Com efeito, e nos termos do art.º 1º do diploma citado, intentou o legislador aprovar as bases da concepção, projecto, construção, financiamento, exploração e conservação de lanços de auto-estrada e conjuntos viários
associados designada por A7, atribuindo a mencionada concessão ao então Consórcio An... – Auto Estradas do Norte, S.A. – Concessões Rodoviárias de Portugal, S.A..
Tal contrato de concessão- cujas bases foram aprovadas, como já se disse, pelo Decreto-Lei n.º 87-A/2000, de 13 de Maio, entretanto alterado pelo Decreto-Lei n.º 44-A/2010, de 5 de Maio- estipula que a concessão é de obra pública e é estabelecida em regime exclusivo (base III), estando a R. obrigada a desempenhar as actividades concessionadas de acordo com as exigências de um serviço regular, contínuo e eficiente funcionamento do serviço público e a adoptar os melhores padrões de qualidade disponíveis em cada momento (base IV), sendo ainda que, quanto aos bens que integram a concessão-descritos nas bases VI e VII-, a R. está obrigada a mantê-los, a expensas suas, em bom estado de funcionamento, conservação e segurança, efectuando em devido tempo as reparações, renovações e adaptações, tudo de acordo com o
regulado no contrato de concessão (base VIII).
Acrescidamente, consigna o diploma em análise, concretamente na base XI do contrato de concessão em discussão, que a concessionária- a agora R.- terá como objecto social exclusivo, ao longo de todo o período de duração da Concessão, o exercício das actividades que (…) se consideram integradas na Concessão, devendo manter ao longo do mesmo período a sua sede em Portugal e a forma de sociedade anónima, regulada pela lei portuguesa.
Sendo que, nas bases XII, XIII, XIV e XV, estão plasmadas normas referentes à estrutura accionista da empresa concessionária, limitações quanto à oneração das acções, capital social, estatutos e acordo parassocial, etc..
De realçar é também a intervenção da EP-Estradas de Portugal, S.A. na execução do contrato de concessão, nomeadamente, no que concerne ao exercício de poderes de autoridade, fiscalização e direcção, como sejam o que se refere às expropriações- que são da inteira responsabilidade desta entidade e não da Concessionária ora R.-, os relativos ao acompanhamento da concepção, projecto e construção da via concessionada e exploração e conservação da mesma (bases XXI a XXIV, XXV, XXVII, XXVIII, XXIX a XXXIII, XXXVIII, L, LVIII a LXI, LXVI e LXX a LXXII, etc.).
Adicionalmente, a base XLV estipula, nos seus n.ºs 1 e 2, que a concessionária tem o dever de manter a auto-estrada em bom estado de conservação e perfeitas condições de utilização, devendo para tal realizar os trabalhos necessários, sucedendo que, em tal tarefa, a concessionário assume a obrigação de respeitar os padrões de qualidade, abrangendo tal, exemplificativamente, a regularidade e aderência do pavimento, a conservação da sinalização e equipamento de segurança e apoio aos utentes (n.º 4 da mesma base).
A base LIII submete a circulação rodoviária a realizar na via concessionada ao regime descrito no Código da Estrada e demais legislação aplicável, acentuando, nesta sede, a obrigação que impende sobre a concessionária de monitorizar o tráfego, as condições climatéricas adversas à circulação, a detecção de acidentes e a consequente e sistemática informação de alerta ao utente. A base LIV impõe também à concessionária a prestação de assistência aos utentes da auto-estrada, incluindo a vigilância das condições
de circulação, nomeadamente, no que toca à fiscalização e prevenção de acidentes.
Por outro lado, dentre as cláusulas que se destinam a proteger direitos de terceiros, designadamente derivados da ocorrência de danos derivados, de algum modo, da actividade que substancia o contrato de concessão agora em exame, importa realçar o que dispõe a base XXXVII, n.º 2: A Concessionária responderá perante o Concedente e perante terceiros, nos termos gerais da lei, por quaisquer danos emergentes ou lucros cessantes resultantes de deficiências ou omissões na concepção, no projecto ou na execução das obras de construção e na conservação da Auto-estrada, devendo esta responsabilidade ser coberta por seguro nos termos da base LXIX.
Concomitantemente, a base LXXIII do sobredito contrato de concessão plasma também que a concessionária responderá, nos termos da lei geral, por quaisquer prejuízos causados no exercício das actividades que constituem o objecto da concessão, pela culpa ou pelo risco, não sendo assumido pelo concedente qualquer tipo de responsabilidade neste âmbito.
Ora, examinando clausulado no contrato de concessão, com destaque para as bases vindas de se citar, emerge com evidência bastante que o legislador pretendeu impor a aplicação do direito privado a toda a actuação da concessionária, pois que teve o cuidado de explicitar contratualmente as vinculações de direito pública a que a mesma se encontra submetida no desenvolvimento da actividade objecto da concessão.
Com efeito, tomando em consideração o acabado de expor, facilmente se conclui que o contrato de concessão nomeado não lhe atribui prerrogativas de autoridade, antes as estabelecendo para o concedente e em matérias fulcrais para a concretização da concessão. O que significa que, no caso da agora R., toda a actuação deve decorrer, em regra, sob a égide do direito privado.
Nesta senda, impera concluir que, no domínio da responsabilidade civil, as referências à lei geral contidas nas bases XXXVII, n.º 2 e LXXIII, remetem para a lei geral civil em termos de regime substantivo, devendo tal remissão, também por isso, ser encarada como caracterizadora da natureza da actuação.
De resto, só assim se torna coerente todo o regime legal a que a R. se encontra submetida, mormente, no que concerne à sua natureza jurídica, indiscutivelmente de direito privado, atenta a organização societária- sob a forma de sociedade anónima- e repartição do capital conformemente o imposto pelo contrato de concessão, que, de resto, remete para a legislação portuguesa nesta matéria.
Por conseguinte, não sendo a R. uma entidade pública administrativa ou equiparada, importa indagar se, em face do que preceitua o art.º 212º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa e o art.º 4º do ETAF, o litígio que agora se discute se integra na competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
A publicação do novo Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF)- Lei N.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, alterada pela Lei N.º 4-A/2003, de 19 de Fevereiro- e do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA)- Lei N.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, alterado pela Lei N.º 4-A/2003, de 19 de Fevereiro, veio redesenhar a amplitude desta Jurisdição.
Com efeito, o legislador consagrou inovações no que concerne à responsabilidade extracontratual nas alíneas g), h) e i) do nº 1 do art.º 4º do ETAF.
A alínea g) circunscreve-se à responsabilidade derivada de actos praticados no exercício das funções jurisdicional e legislativa, o que, manifestamente, nada tem a ver com a questão que ora se aprecia, visto que esta, quando muito, se reporta a responsabilidade derivada do exercício da função administrativa. Assim defende VIEIRA DE ANDRADE (A Justiça Administrativa (Lições), 5ª ed., Almedina, pp. 123 a 125).
A alínea h) refere-se à responsabilidade imputada a entidades de natureza pública, designadamente, os titulares de órgãos, funcionários, agentes e demais servidores públicos.
Quer isto dizer que o âmbito de abrangência desta alínea toca apenas aos entes públicos.
Confirmando, cita-se a Exposição de Motivos do ETAF:
“ (...) dando resposta a reivindicações antigas, optou-se por ampliar o âmbito da jurisdição dos tribunais administrativos em domínios nos quais, tradicionalmente, se colocavam maiores dificuldades no traçar da fronteira com o âmbito da jurisdição dos tribunais comuns.
A jurisdição administrativa passa, assim, a ser competente para a apreciação de todas as questões de responsabilidade civil que envolvam pessoas colectivas de direito público, independentemente da questão de saber se tais questões se regem por um regime de direito público ou por um regime
de direito privado (...) “.
A mesma asserção é oferecida pelo Conselheiro RUI PINHEIRO (Intervenção, in Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado, Trabalhos Preparatórios da Reforma, Ministério da Justiça, Coimbra Editora, 2002, pp. 67 a 78) e FREITAS DO AMARAL (idem, ibidem, pp. 44 a 51).
No mesmo sentido se pronuncia MÁRIO AROSO DE ALMEIDA (O Novo Regime do Processo Nos Tribunais Administrativos, 3ª ed. Revista e ampliada, Almedina, 2004, pp. 94 a 98). Veja- se também o que diz RUI
MEDEIROS (Brevíssimos Tópicos Para Uma Reforma do Contencioso da Responsabilidade, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 16, 1999, pp. 33 a 40 e Apreciação Geral dos Projectos, idem, n.º 40, 2003, pp. 8 a 17), LUÍS GUILHERME CATARINO (Contencioso da Responsabilidade- Uma Hidra de lerna?, idem, n.º 41, 2003, pp. 3 a 13), CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA (Regime Geral da Responsabilidade Civil da Administração Pública, idem, n.º 40, 2003, pp. 18 a 31) e VASCO PEREIRA DA SILVA (“ Era uma vez... “ o Contencioso da Responsabilidade Civil Pública, idem, ibidem, pp. 60 a 69).
Do exposto, decorre, por conseguinte, que o thema decidendum não se subsume nesta alínea, uma vez que a R. não tem natureza jurídico-pública.
Antes se consubstancia num particular, concessionário, que presta um serviço público. Realmente, e como se explicitou antecedentemente, a agora R. constituiu-se com adopção de uma das formas das sociedades comerciais, previstas na legislação comercial, não se registando, nem no contrato de concessão, nem no diploma que aprova as respectivas bases, qualquer equiparação a entidade administrativa, mesmo que apenas para determinadas circunstâncias. O que permite afirmar peremptoriamente que a R. não tem natureza jurídico-pública, nem é legalmente equiparada a tal para qualquer efeito.
Desta feita, releva explorar a possibilidade do conflito em causa nestes autos se integrar na competência dos tribunais administrativos por via da alínea i) do art.º 4º, n.º 1 do ETAF.
A referenciada norma dispõe que compete à jurisdição administrativa apreciar litígios que tenham por objecto a responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público.
Sendo assim, pode-se afirmar que os tribunais administrativos são competentes para apreciar litígios referentes a responsabilidade civil extracontratual assacada a sujeitos privados. Todavia, tal assim sucede
somente desde que seja aplicável o regime específico da responsabilidade dos entes públicos.
Na tarefa hermenêutica imprescindível para indagar do sentido e alcance de tal preceito, concorre, uma vez mais, o pensamento legislativo plasmado na Exposição de Motivos do ETAF, que se cita: “(...) já em relação às pessoas colectivas de direito privado, ainda que detidas pelo Estado ou por outras entidades públicas, como a sua actividade se rege fundamentalmente pelo direito privado, entendeu-se dever manter a dicotomia tradicional e apenas submeter à jurisdição administrativa os litígios aos quais, de acordo com a lei substantiva, seja aplicável o regime da responsabilidade das pessoas colectivas de direito público, pelo exercício da função administrativa.“
Pensamento idêntico exprime MÁRIO AROSO DE ALMEIDA (ob. cit., p. 96) e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA (ob. cit.), que realça o vector de que, no caso de sujeitos privados, a jurisdição administrativa só é competente para decidir questões de responsabilidade extracontratual quando o pedido é suportado na invocação de acções ou omissões adoptadas no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo.
Continua este Autor, destacando a importância que, neste sede, ainda permanece para o conceito de acto de gestão pública, o que implica que de fora do âmbito da responsabilidade administrativa fica toda a actividade material de pessoas privadas que, embora funcionalmente ligadas a um fim de interesse económico geral, não envolva a aplicação de um regime específico de direito público e não seja, por isso, susceptível de ser qualificada como de gestão pública.
No caso que ora se decide, estamos, como se patenteou supra, perante a actuação de um sujeito de direito privado, embora prestador de um serviço público. Logo, é possível que a jurisdição competente para decidir deste litígio seja esta, se a actuação em causa não se tiver desenvolvido com a aplicação do direito privado.
Todavia, atendendo ao que se afirmou anteriormente, é cristalino, para nós, que a situação que origina o pedido indemnizatório não envolve o exercício de nenhuma prerrogativa de direito público, nem se enxerta no incumprimento contratual, visto que a A. constitui até um terceiro face à relação contratual da concessão e não invoca sequer a violação de qualquer das bases desta. Sendo assim, a actuação agora em discussão rege-se pelo direito privado.
Em concomitância, acrescente-se que PEDRO GONÇALVES (A Concessão de Serviços Públicos, Almedina, 1999, pp. 321 a 325) defende tese idêntica.
De resto, o Autor afirma peremptoriamente que (...) quem, como nós, concebe a concessão como um acto que privatiza a gestão do serviço público, mediante a transferência do direito de o gerir para uma entidade de direito privado, que actua no seu próprio nome, fora de um nexo que a ligue organicamente ao concedente, tenderá a defender o princípio da responsabilidade própria do concessionário, nos termos da responsabilidade por actos de gestão privada.
Portanto, em regra, o concessionário, e só ele, deve responder pelos prejuízos decorrentes da sua actividade (responsabilidade própria exclusiva); além disso, deve responder nos termos gerais da responsabilidade civil por actos de gestão privada, uma vez que existe neste caso uma “ gestão privada do serviço público “ (...).
De todo o exposto decorre que, no caso vertente, a R. actuou como concessionária, não investida ou ao abrigo de prerrogativas de autoridade.
Destarte, a actuação, ou omissão, ora em questão apenas pode ser imputada à R. a título de responsabilidade por actos de gestão privada que, como tal, estão excluídos da jurisdição administrativa, por força da interpretação a contrario do disposto no art.º 4º, n.º 1, al. i) do ETAF.
De resto, é importante referenciar que a Jurisprudência já se debruçou sobre questão similar à agora tratada.
Realmente, tem sido ponto fora de controvérsia que a competência para apreciar a responsabilidade civil, emergente de acidentes de viação, da Brisa-Auto Estradas de Portugal, S.A. não pertence à Jurisdição Administrativa e Fiscal, visto que as actuações donde poderá derivar essa responsabilidade ocorrem no domínio da gestão privada da citada empresa.
A este propósito, cita-se o Aresto proferido em 09/07/1998, no processo 041935 (sumário em www.dgsi.pt) pelo Supremo Tribunal Administrativo, em que se afirma que, de acordo com a base LIII aprovada pelo Dec.Lei 315/91, de 20/9, só a Brisa, como concessionária da auto- estrada do Norte, poderá ser demandada com fundamento em responsabilidade civil extracontratual por danos resultantes em veículo que sofreu acidente quando circulava naquela auto- estrada, imputados a falta de segurança na via.
Contudo- continua o referido Aresto-, tratando- se, porém, de pessoa colectiva de direito público, embora actuando ao abrigo de uma concessão, o pedido indemnizatório fundar-se-á em normas de direito privado (arts. 483º e segs. Do Cód. Civ.), sendo a respectiva acção de competência dos tribunais comuns.
Finalmente, conclui que os Tribunais Administrativos são materialmente incompetentes para conhecer de acção intentada contra a Brisa, com pedido de indemnização fundado em acidente ocorrido por falta de vigilância da Brisa, permitindo que um cão atravessasse a via com o qual colidiu a viatura da autora.
É de salientar também que, em Jurisprudência mais recente (Acórdão proferido em 04/11/2009, no processo 06/09), o Tribunal de Conflitos afirmou o que se segue (em sumário):
I - A competência (ou jurisdição) de um tribunal determina-se pela forma como o autor configura a acção, definida pelo pedido e pela causa de pedir, isto é, pelos objectivos com ela prosseguidos.
II - Cabe aos Tribunais Judiciais julgar todas as causas que não sejam especialmente atribuídas a outras espécies de Tribunais, cumprindo aos Tribunais Administrativos dirimir os litígios emergentes das relações
jurídicas administrativas.
III - À luz da alínea i) do n.º 1 do art.º 4 do ETAF a competência dos tribunais administrativos para apreciar acções emergentes de responsabilidade civil extracontratual de entidades privadas depende da existência de lei especial que determine ser-lhes aplicável "o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público".
IV - Sempre que um dos sujeitos da relação jurídica é uma entidade pública dotada de poderes de autoridade que, ao abrigo de normas de direito administrativo, pratica o facto gerador do alegado dano está-se perante uma relação jurídica administrativa, pelo que a resolução desse litígio compete à jurisdição administrativa.
V - A B... é uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, exterior à Administração, que se rege pela lei comercial e pelos seus estatutos a quem se aplica, em tudo quanto for omisso nos seus estatutos, o regime das sociedades anónimas. Deste modo, como pessoa colectiva de direito privado, está sujeita ao regime de responsabilidade civil extracontratual regulado no Código Civil.
VI - E, porque assim, a competência para conhecer da acção emergente de responsabilidade civil extracontratual em que vem peticionado o ressarcimento dos danos provocados pelas obras de construção de uma Estação do metro do Porto em que ela é demandada cabe aos tribunais comuns e não à jurisdição administrativa. (negro e sublinhado nossos).
Acresce que o recente Acórdão, datado de 18 de Dezembro de 2013, proferido pelo Tribunal de Conflitos, relativo a uma situação idêntica à destes autos, determina que “…quando os actos ilícitos pela qual a entidade concessionária privada é demandada se insira nos actos correntes da sua actividade, estamos no âmbito do direito privado…”.
Em suma, e do que fica dito, propendemos que, no caso agora em discussão, a solução não poderá deixar de ser equivalente à que a Jurisprudência oferece para o caso daqueloutra concessionária, dada a similitude fáctica e jurídica das situações.
Adicionalmente, impera afirmar que o preceituado no art.º 1º, n.º 5 da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, não colide com a tese por nós defendida.
Em primeiro lugar, porque aquela lei visa estabelecer um regime substantivo e não traduzir a atribuição de inovadoras competências na Jurisdição Administrativa e Fiscal.
Em segundo lugar, porque de qualquer dos modos, tal norma nunca poderá prevalecer sobre a reserva material da Jurisdição Administrativa estipulada no art.º 212º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa.
E, finalmente, porque o disposto na norma em causa se limita a verter o entendimento que tem sido defendido na interpretação do art.º 4º, n.º 1, al. i) do ETAF.
O que significa que, como não poderia deixar de ser, que o disposto no art.º 1º, n.º 5 da Lei n.º 67/2007, na parte que se refere às entidades privadas, nada acrescenta ao regime que anteriormente se encontrava em vigor, mantendo-se, por isso, a relevância da distinção entre actos de gestão pública e actos de gestão privada no caso da actuação de entidades privadas, para efeitos de determinação da Jurisdição competente e do regime substantivo aplicável.
Nesta senda, aliás, se pronuncia FERNANDES CADILHA (Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, Anotado, Coimbra Editora, 2008, pp. 35, 36, 48 a 57) e CARLA AMADO GOMES (A Responsabilidade Civil Extracontratual da Administração por Facto Ilícito, in Três Textos sobre o Novo Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, AAFDL, Lisboa, 2008, pp. 27 e 28).
Desta feita, considerando todo o conjunto argumentativo esgrimido, é nosso entendimento que este Tribunal é incompetente em razão da matéria para apreciar e decidir da questão subjuditio. Sendo a incompetência material uma incompetência absoluta do Tribunal (cfr. art.º 101º do CPC), traduz uma excepção dilatória (art.º 494º, al. a) do CPC) conducente à absolvição da R. da instância (art.º 288º, n.º 1, al. a) e art.º 493º, n.º 2 do CPC).
Pelo que, julgo este Tribunal incompetente em razão da matéria para decidir o actual litígio e competentes os tribunais judiciais e, em consequência, absolvo a R. da instância.

Se bem que a posição reflectida na fundamentação da decisão recorrida tenha algum respaldo em jurisprudência do Tribunal de Conflitos, não é essa a posição que esmagadoramente e em tempo mais recente tem singrado.
Assim, e p. ex. – e precisamente perante mesma ordem de razões e relativamente a causa como os mesmos essenciais traços, e concessão (veja-se, tb.: Ac. Trib. Confl., de 27-03-2014, proc. nº 046/13):
Cfr. Ac. do Trib. Confl., de 07-05-2015, proc. nº 5/2015:
I – Nos termos da alínea i) do número 1 do art.º 4º do ETAF são da competência dos tribunais administrativos os litígios sobre a responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados, aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público;
II – Decorre do artigo 1º, número 5, da Lei 67/2007 de 31 de Dezembro, que «as disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas colectivas de direito público, (...), por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas colectivas de direito privado e respectivos trabalhadores, (...), por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam regulados por disposições ou princípios de direito administrativo».
III – A jurisdição administrativa é competente para conhecer de uma acção sumaríssima onde se pede a condenação de uma sociedade de capitais privados, concessionária de uma auto-estrada, em determinada quantia indemnizatória, por danos materiais resultantes de um acidente de viação ocorrido nessa via, provocado pela entrada e circulação na mesma de um animal, derivada da omissão de cumprimento de deveres que incumbiam à concessionária nos termos do contrato de concessão.

Como aí se escreve:
1 - Resulta do artigo 211.º, n.º 1, da Constituição da República (CRP), que os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais e decorre do artigo 212.º, n.º 3, daquele diploma que compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os «litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais».
Na determinação do conteúdo do conceito de relação jurídico administrativa ou fiscal, tal como referem J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, deve ter-se presente que «esta qualificação transporta duas dimensões caracterizadoras: (1) as acções e recursos incidem sobre relações jurídicas em que, pelo menos um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um órgão de poder público (especialmente da administração); (2) as relações jurídicas controvertidas são reguladas, sob o ponto de vista material, pelo direito administrativo ou fiscal. Em termos negativos, isto significa que não estão aqui em causa litígios de natureza «privada» ou «jurídico civil». Em termos positivos, um litígio emergente de relações jurídico administrativas e fiscais será uma controvérsia sobre relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo e/ou fiscal» (Constituição da República Portuguesa, Volume II, Coimbra Editora, 2010, p. p. 566 e 567.).
A competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais veio a ser concretizada nos artigos 1.º, n.º 1 e 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002 de 17 de Fevereiro (Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, com as alterações decorrentes da Lei n.º 20/2012, de 14/05; da Lei nº 55-A/2010, de 31/12; do DL n.º 166/2009, de 31/07; da Lei 59/2008, de 11/09; da Lei n.º 52/2008, de 28/08; da Lei n.º 26/2008, de 27/06; da Lei n.º 2/2008, de 14/01; da Lei n.º 1/2008, de 14/01; da Lei n.º 107-D/2003, de 31/12; da Lei n.º 4-A/2003, de 19/02 e objecto da Rectificação n.º 18/2002, de 12/04 e da Rectificação n.º 14/2002, de 20/03.).

A aparente diversidade de critérios relativos à atribuição da competência da jurisdição administrativa que emerge destas duas normas deve resolver-se na base do princípio de que «pertence ao âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de todos os litígios que versem sobre matéria jurídica administrativa e fiscal e cuja apreciação não seja expressamente atribuída, por norma especial, à competência dos tribunais judiciais, assim como aqueles que, embora não versem sobre matéria jurídica administrativa e fiscal, são expressamente atribuídos, por norma especial, à competência desta jurisdição – sendo que encontramos no artigo 4.º do ETAF algumas disposições especiais com este alcance».(MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, 2013, Almedina, p. 157.)

2 – Resulta do disposto no artigo 4.º, n.º 1, als. a), g) e i) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais que «1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto: a) Tutela de direitos fundamentais, bem como dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares directamente fundados em normas de direito administrativo ou fiscal ou decorrentes de actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal»; «g) Questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo a resultante do exercício da função jurisdicional e da função legislativa»; «i) Responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público».

Por sua vez decorre do n.º 5 do artigo 1.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, que consagrou o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, que «as disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas colectivas de direito público, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas colectivas de direito privado e respectivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo».

3 – Refere MÁRIO AROSO DE ALMEIDA que o artigo 4.º, n.º 1, al. i) do ETAF «ainda prevê a competência da jurisdição administrativa para apreciar as questões de responsabilidade civil extracontratual de entidades privadas (...), nos casos em que o n.º 5 do artigo 1.º do RRCEE as veio submeter à aplicação desse regime, ou seja, quando a respectiva responsabilidade resulte de acções ou omissões adoptadas no exercício de prerrogativas de poder público ou reguladas por disposições ou princípios de direito Administrativo» (Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2013, p.170.), pelo que, segundo aquele autor, «ao contrário do que hoje sucede com as pessoas colectivas de direito público, a distinção entre actuação de gestão pública e actuação de gestão [privada] continua a ter relevância, (...), mas também no plano processual, no que respeita à actuação de entidades privadas a que a lei confere a titularidade de prerrogativas de poder público ou cuja actividade é parcialmente regulada por normas de Direito Administrativo» (Ibidem.).

Continua o mesmo autor afirmando que «com efeito, em relação a estas entidades, só a responsabilidade civil extra-contratual emergente de actuações de gestão pública – isto é das actuações que exprimem o exercício de prerrogativas de poder público, ou se regem por normas de direito público – se rege pelo RJRCEE e é, por isso, atribuída à competência dos tribunais administrativos» (Ibidem.).

Como refere CARLOS A. F. CADILHA, «a submissão de entidades privadas ao regime de responsabilidade civil da Administração (com a consequente sujeição ao contencioso administrativo) terá, portanto de ser definida casuisticamente em função da natureza jurídica dos poderes que tais entidades tenham exercitado em cada situação concreta. Por outro lado, tal como de resto sucede em relação a órgãos e serviços que integram a Administração Pública, o regime de responsabilidade administrativa é apenas aplicado no que se refere às acções ou omissões em que essas entidades tenham intervindo investidas de poderes de autoridade ou segundo um regime de direito administrativo, ficando excluídos todos os actos de gestão privada e, assim, todas as situações em que tenham agido no âmbito do seu estrito estatuto de pessoas colectivas de direito privado» (Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, 2ª Edição, Coimbra Editora, p.55.).

Em síntese, pode afirmar-se que o artigo 4.º, n.º 1 alínea i) do ETAF previa a atribuição à jurisdição administrativa da competência para conhecer das acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil extracontratual de entidades de direito privado, nos casos em que a lei viesse submeter essas entidades ao regime de Responsabilidade Civil dos Entes públicos, o que se veio a concretizar com o n.º 5 do artigo 1.º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas», aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 3 1 Dezembro.

Deste modo, é atribuída a jurisdição administrativa a competência para conhecer de acções para efectivação de responsabilidade civil de entidades privadas que exerçam poderes públicos nos casos em que a responsabilidade civil decorra de «acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo».

Assim, nesses casos é preciso previamente averiguar se os factos de que decorre a responsabilidade civil em causa, foram praticados no exercício da gestão pública, ou seja, se se materializam em acções ou omissões «que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo», ou se decorrem fora desse ambiente e se podem considerar de gestão privada.

No primeiro caso, a competência é atribuída à jurisdição administrativa e no segundo é atribuída aos tribunais judiciais.

Cumpre, pois, averiguar se os factos que são invocados na causa de pedir pelo Autor, se podem considerar como de gestão pública, ou não.

4 - Na decisão proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, depois de se aderir à orientação consagrada no acórdão deste Tribunal dos Conflitos, de 18 de Dezembro de 2013, proferido no processo n.° 028/13, afirmou-se que «assim, estribando-se a presente acção na responsabilidade civil extracontratual na falta de segurança num troço da A-11, nomeadamente, onde se situa o local do acidente, km 43,150, cuja gestão se encontra concessionada à Ré, que é pessoa colectiva de direito privado, conduz-nos para o universo da responsabilidade civil extracontratual de entidades privadas por actos de gestão privada, pelo que forçoso será de concluir que a jurisdição administrativa é incompetente, em razão da matéria, para conhecer do presente litigio».

Naquele acórdão deste Tribunal invocado por esta decisão cita-se doutrina de PEDRO GONÇALVES (A Concessão de Serviços Públicos, Almedina, 1999, pp. 321 e ss.), em abono da posição sustentada, tendo-se concluído a citação daquele autor com a afirmação «é o que se passa no caso vertente; pela forma como a Autora configura a relação jurídica, a Ré incorre em responsabilidade civil por negligência na vigilância de um troço de Auto-Estrada cuja gestão lhe estava concessionada, dando azo a que um canídeo surgisse na mesma provocando um acidente, com prejuízos para um veículo da Autora».

Vejamos a inserção das citações na obra de que derivam e o contexto em que as mesmas ali se inserem.

Refere aquele autor, a propósito da “responsabilidade do concessionário perante terceiros” que «o tema da responsabilidade dos concessionários de serviços públicos perante terceiros é porventura aquele em que se projectam de modo mais manifesto as consequências da concepção adoptada quanto à causa-função do acto concessório: os que sustentam a concepção orgânica (“o concessionário é um órgão em sentido próprio da Administração concedente”) tenderão a imputar a responsabilidade dos actos praticados pelo concessionário a uma pessoa colectiva pública, nos termos da responsabilidade civil da Administração por actos de gestão pública ou, quando o não façam, terão de encontrar um fundamento para explicar a responsabilidade própria do concessionário» (Ibidem, p.321 e 322.) e prossegue referindo que «pelo contrário, quem como nós, concebe a concessão como um acto(organizatório mas) que privatiza a gestão do serviço público, mediante a transferência do direito de o gerir para uma entidade de direito privado, que actua no seu próprio nome, fora de um nexo que a ligue organicamente ao concedente, tenderá a defender o princípio da responsabilidade própria do concessionário, nos termos da responsabilidade por actos de gestão privada» e «portanto, em regra, o concessionário, e só ele, deve responder pelos prejuízos decorrentes da sua actividade (responsabilidade própria exclusiva); além disso, deve responder nos termos da responsabilidade civil por actos de gestão privada, uma vez que existe neste caso uma “gestão privada do serviço público”:

(…).

Ainda segundo o mesmo autor «a regra acabada de descrever comporta, contudo, algumas excepções. Por um lado, deve entender-se que é de natureza administrativa ou pública a responsabilidade do concessionário sempre que os prejuízos que lhe são imputados decorram do exercício de poderes de direito público em que esteja investido (...). Na verdade, está aí em causa uma responsabilidade derivada de actos de gestão pública, razão porque as acções destinadas a efectiva-la devem ser propostas nos tribunais administrativos» (Ibidem p.323.).

Há, desde modo, que distinguir os diferentes planos de abordagem: por um lado, a responsabilidade do concessionário perante terceiros, havendo aí que saber se o mesmo tem uma responsabilidade própria, ou se os actos que lhe sejam imputados acarretam igualmente a responsabilidade do concedente, e, caso afirmativo, em que termos ocorre essa responsabilização; por outro lado, nas situações em que se defenda a autonomia do concessionário face ao concedente, com a sujeição daquele a um regime de direito privado, há que separar os casos em que a responsabilidade do concessionário pelos actos de gestão levados a cabo ocorre no contexto do seu enquadramento como actos de gestão privada, das situações em que o concessionário, mesmo sendo um ente de direito privado, pratica actos enformados pelo direito administrativo, que para este efeito são actos de gestão pública, o que acarreta a sua inserção na competência da jurisdição administrativa.

A natureza privada do concessionário e a regra de que a sua actuação ocorre nos quadros da gestão privada, não acarreta a natureza privada de todos os actos que lhe sejam imputáveis praticados no âmbito da concessão. Essa actividade, ao lado de actos de natureza privada, comporta actos enformados pelo direito administrativo decorrentes do uso dos poderes de natureza pública que sejam exercidos.

São estes últimos os actos que a alínea i) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF veio a integrar na jurisdição administrativa, dispositivo que só assumiu a sua plenitude com a publicação da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, nomeadamente com o n.º 5 do seu artigo 1.º acima referido.

5 - Invocou-se igualmente naquela decisão do TAF de Braga como fundamento do decidido o acórdão deste Tribunal de Conflitos de 5 de Março de 2013, proferido no processo n.° 09/12, do qual foi extraído o seguinte sumário:

«I – A resolução dos litígios sobre a execução dos contratos apenas é da competência dos Tribunais Administrativos quando se verifique alguma das seguintes condições: (i) contratos a respeito dos quais exista lei especial que os submeta ou admita a sua sujeição a um regime pré-contratual de direito público. (ii) O objecto do contrato possa ser objecto de acto administrativo. (iii) o regime substantivo das relações entre as partes seja total ou parcialmente regulado por normas de direito público. (iv) em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que actue no âmbito da concessão e que as partes o tenham expressamente submetido a um regime de direito público.
II – Os Tribunais Administrativos são competentes para julgar as acções para efectivar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas de direito privado quando lhes for aplicável o regime específico da responsabilidade civil do Estado e demais entes públicos (art. 4º, 1) do ETAF).
III – O Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas (aprovado pela Lei 67/2007, de 31 de Dezembro) é aplicável às pessoas colectivas de direito privado “... por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que estejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo” (art. 5º, n.º 1 da referida Lei 67/2007, de 31 de Dezembro).»

Neste caso era invocada como fundamento de responsabilidade civil a resolução de um contrato de prestação de serviços de um advogado, vindo o Tribunal a decidir que a acção em causa devia ser da competência dos tribunais judiciais.
Referiu-se naquele aresto como fundamento do decidido que «no presente caso, a rescisão do contrato de prestação de serviços não foi feita ao abrigo de qualquer prerrogativa de autoridade, nem sob a invocação de normas ou princípios de direito administrativo, e, portanto, não aplicável o regime jurídico da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas» pelo que «sendo assim, a jurisdição para decidir a pretensão em causa, como vimos no ponto anterior e por falta de atribuição aos Tribunais Administrativos, cabe aos Tribunais Judiciais».

6 – O contrato de concessão definido no artigo 407.º do Código dos Contratos Públicos, nos seguintes termos:


«Artigo 407.º

Noção


1 - Entende-se por concessão de obras públicas o contrato pelo qual o co-contratante se obriga à execução ou à concepção e execução de obras públicas, adquirindo em contrapartida o direito de proceder, durante um determinado período, à respectiva exploração, e, se assim estipulado, o direito ao pagamento de um preço.

2 - Entende-se por concessão de serviços públicos o contrato pelo qual o co-contratante se obriga a gerir, em nome próprio e sob sua responsabilidade, uma actividade de serviço público, durante um determinado período, sendo remunerado pelos resultados financeiros dessa gestão ou, directamente, pelo contraente público.

3 - São partes nos contratos referidos nos números anteriores o concedente e o concessionário.»

No presente processo está em causa a concessão de obras públicas, decorrendo do n.º 2 deste artigo que enquanto o concessionário «se obriga à conceção e execução de obras públicas», o concedente lhe garante o direito à exploração da obra durante um determinado período de tempo.

É essencial ao contrato de concessão de obras públicas que a Administração reconheça a um particular o direito de construir uma obra pública e, depois de construída, de a manter ao serviço do público durante um período de tempo, auferindo, como contrapartida, o valor das portagens que os utentes pagam pela respectiva utilização, ou outra compensação que seja acordada.

Nas palavras do artigo do CCP acima citado, «o co-contratante obriga[-se] à execução ou à concepção e execução de obras públicas, adquirindo em contrapartida o direito de proceder, durante um determinado período, à respectiva exploração, e, se assim estipulado, o direito ao pagamento de um preço», sendo-lhe reconhecido o complexo de direitos discriminados no artigo 415.º do mesmo Código, do seguinte teor:


«Artigo 415.º

Direitos do concessionário


Constituem direitos do concessionário:
a) Explorar, em regime de exclusivo, a obra pública ou o serviço público concedidos;
b) Receber a retribuição prevista no contrato;
c) Utilizar, nos termos da lei e do contrato, os bens do domínio público necessários ao desenvolvimento das actividades concedidas;
d) Quaisquer outros previstos na lei ou no contrato.»

A manutenção da obra ao serviço do público implica para o contratante privado um complexo de deveres, entre os quais se destaca o de garantir a segurança e normalidade de fluência do trânsito.
É neste contexto que o n.º 2 do artigo 409.º do Código dos Contratos Públicos, prevê que «mediante estipulação contratual, o concessionário pode exercer os seguintes poderes e prerrogativas de autoridade: b) Utilização, protecção e gestão das infra- estruturas afectas ao serviço público».
É no incumprimento destes poderes-deveres que permitem a realização dos objectivos que estão subjacentes à concessão, concretamente a disponibilização e utilização pelo público de uma obra, que o Autor, tal como decorre da petição inicial, fundamenta o seu direito à indemnização.

7 - No caso dos autos, o contrato de concessão integrou as Bases aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 248-A/89, de 6 de Julho, que no seu artigo 1.º refere que são aprovadas as bases da «concessão, projecto, construção, financiamento, exploração e conservação de lanços de auto-estrada», dando uma visão global da multiplicidade de matérias que integram o contrato.
Assim, resulta do n.º 1 da Base XLIV que «a concessionária deverá manter as Auto-Estradas em bom estado de conservação e perfeitas condições de utilização, realizando todos os trabalhos necessários para que as mesmas satisfaçam cabal e permanentemente o fim a que se destinam».
Do mesmo modo, resulta do n.º 2 da Base LVII que a «concessionária será obrigada, salvo caso de força maior devidamente verificado, a assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e comodidade a circulação na Auto-Estrada».
Por outro lado, decorre do n.º 1 da Base LVIII que «a concessionária é obrigada a assegurar a assistência aos utentes das Auto-Estradas, nela se incluindo a vigilância das condições de circulação, nomeadamente no que respeita à sua fiscalização e à prevenção do acidente».
Finalmente, decorre da Base LXXIII que a concessionária responderá, nos termos da lei geral, por quaisquer prejuízos causados a terceiros no exercício das actividades que constituem objecto da concessão, pela culpa ou pelo risco, não sendo assumido pelo concedente qualquer tipo de responsabilidade neste âmbito».

É o incumprimento destes deveres que oneram a concessionária nos termos do contrato de concessão que constitui o fundamento do pedido de indemnização formulado pelo Autor nesta acção, tal como vimos.
Trata-se de deveres que emergem de um contrato público e que enquadram o exercício das actividades da concessionária no que se refere à conservação e exploração da Auto-estrada, poderes estes que a concessionária recebeu da autoridade pública e que são, na sua essência, poderes públicos.
Na verdade, a manutenção e a conservação das auto-estradas, bem como a garantia da segurança dos utentes das mesmas fazem parte do complexo de matérias que nas nossas sociedades são essenciais à vida colectiva e que, por tal motivo, são enquadradas pelo Estado de forma a garantir a realização daqueles valores colectivos. Deste modo, as actividades prosseguidas pela Ré relativas à garantia da segurança da Auto-estrada são enquadradas por normas e princípios de direito administrativo e devem considerar-se como actividades de gestão pública.

Incumbe, pois, à jurisdição administrativa o conhecimento dos litígios decorrentes das mesmas actividades, nos termos das disposições conjugadas do artigo 4.º, alínea i) do ETAF e n.º 5 do artigo 1.º do Regime da Responsabilidade Civil, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro.
Na mesma linha:

Ac. do Trib. Confl., de 07-05-2015, proc. nº 010/15:

I - A jurisdição administrativa é competente para conhecer de um pedido de condenação de uma sociedade de capitais privados, concessionária de uma autoestrada, em determinada quantia indemnizatória, por danos materiais decorrentes de um acidente de viação ocorrido nessa via, alegadamente provocado por ter havido omissão de alguns deveres que lhe incumbiam, decorrentes do contrato de concessão nos termos da al. i) do art. 4º do ETAF.
II - Esta entidade privada concessionária de uma auto-estrada é chamada a colaborar com a Administração na execução de tarefas administrativas através de um contrato administrativo quando lhe é outorgada a construção de uma autoestrada, a sua exploração, manutenção, vigilância e segurança, nomeadamente do tráfego, por se tratarem de tarefas próprias da administração do Estado.

Ac. do Trib. Confl., de 25-03-2015, proc. nº 053/14:

I – A concessão de serviços públicos a uma entidade privada não significa que as respectivas actividades percam a sua natureza pública administrativa e por essa circunstância adquiram intrinsecamente natureza de actos privados a serem regulados pelo direito privado.
II – Apesar de ser uma sociedade anónima, a lei atribuiu à Concessionária, no contrato de concessão aprovado pelo DL nº 86/2008, de 28/5, poderes, prerrogativas e deveres de autoridade típicos dos atribuídos ao Estado, que representa.
III – Assim, a sua eventual responsabilização por actos ou omissões dessa sua actividade insere-se no quadro de aplicação da norma do art. 1º, nº 5 da Lei nº 67/2007, e, consequentemente, serão os tribunais administrativos os competentes, em razão da matéria, para conhecer do litígio, nos termos do disposto no art. 4º, nº 1, alínea i) do ETAF.

Ac. do Trib. Confl., de 27-02-2014, proc. nº 048/13:

I - Uma Concessionária de uma autoestrada executa tarefas próprias do Estado, que este lhe endossou pela via dum contrato de concessão, como é o caso das funções relacionadas com o segurança do tráfego, onde se compreende nomeadamente o acionamento de sinalização de perigo ou de presença de obstáculos a alertar os condutores que circulem nessa autoestrada, tarefas essas de natureza essencialmente pública administrativa, susceptíveis de configurarem acções ou omissões que exprimem o exercício de prerrogativas de poder público e, como tais, enquadráveis no âmbito de aplicação do art. 1º nº 5 da Lei nº 67/2007 de 31/12 (Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas).
II - No que toca à definição da competência dos tribunais administrativos há que actualmente ter presente o estatuído na al. i) do art. 4° do ETAF, segundo o qual os tribunais administrativos são competentes para apreciação de litígios respeitantes à responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados, “aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público” e também ao estatuído no citado art. 1º n° 5 da Lei 67/2007 de 31/12, que preceitua “as disposições que na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas colectivas de direito público, por danos decorrentes do exercício da função administrativa são também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas colectivas de direito privado e respectivos trabalhadores .. por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo”.
III - Uma acção sumaríssima, onde se pede a condenação de uma concessionária de uma autoestrada, sociedade de capitais privados, no pagamento de uma determinada quantia a título indemnizatório, na sequência de um acidente de viação nela ocorrido em 12.10.2010 e, segundo o A provocado pela Ré, concessionária, por esta não ter tomado as providências necessárias ao nível da segurança rodoviária, nomeadamente ao nível do acionamento da sinalização de perigo e de presença de obstáculos (presença de animal na via) por forma a alertar os condutores que circulavam na autoestrada, configura uma acção que se insere no âmbito da responsabilidade civil extracontratual traduzida na alegada violação de obrigações decorrentes desse contrato de concessão e, como tal, enquadra-se no âmbito de aplicação da previsão do art. 1º n°5 da citada Lei 67/2007 de 31/12, o que determina a competência dos tribunais administrativos em razão da matéria para julgar o litígio nos termos do citado art. 4º al. i) do ETAF.

Ac. do Trib. Confl., de 30-05-2013, proc. nº 017/13:

I — A jurisdição administrativa é competente para conhecer de uma ação sumaríssima onde se pede a condenação de uma sociedade de capitais privados, concessionária de uma autoestrada, em determinada quantia indemnizatória, por danos materiais decorrentes de um acidente de viação ocorrido nessa via, alegadamente provocado por ter havido omissão de alguns deveres que lhe incumbiam, decorrentes do contrato de concessão.
II - A al. i) do art.° 4º do ETAF indica que são da competência dos tribunais administrativos os litígios sobre a “responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados, aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas coletivas de direito público” e o art.° 1.º, n.° 5, da Lei 67/2007 de 31/12 (diploma que aprovou o regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas) dispõe que “as disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas coletivas de direito público, (...), por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas coletivas de direito privado e respetivos trabalhadores, (...), por ações ou omissões que adotem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam regulados por disposições ou princípios de direito administrativo”.
III - As entidades privadas concessionárias que são chamadas a colaborar com a Administração na execução de tarefas administrativas através de um contrato administrativo (que poderá ser de concessão de obras públicas ou de serviço público), têm a sua atividade regulada e sujeita a disposições e princípios de direito administrativo.

IV - Na verdade, a construção de uma autoestrada, a sua exploração, manutenção, vigilância e segurança, nomeadamente do tráfego, são tarefas próprias da administração do Estado. A outorga dessas tarefas, por determinado período, a terceiro da esfera privada, a quem se permite obter lucros económicos (através, nomeadamente, das portagens, regulamentadas também pelo Estado), é regulada e fiscalizada ao abrigo de normas jurídicas de natureza administrativa que ficam inscritas no contrato de concessão.

Tem este TCAN orientado a sua jurisprudência em igual leitura de lei (cfr., p. ex., Ac. de 06-05-2010, proc. n.º 01566/08.2BEBRG).
Revendo todos estes assinalados contributos, que se alinham em termos que contraditam o armamentário da decisão recorrida, e perfilhando do mesmo entendimento, cumpre reconhecer sustento ao recurso.
*
Pelo exposto, acordam em conferência os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em, concedendo provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida, julgando o tribunal “a quo” competente em razão da matéria.
Sem custas.

Porto, 19 de Junho de 2015.
Ass.: Luís Migueis Garcia
Ass.: Frederico Branco
Ass.: Joaquim Cruzeiro