Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00167/15.3BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/09/2017
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:SUBSÍDIO DE EDUCAÇÃO ESPECIAL; ACOMPANHAMENTO INDIVIDUAL POR PSICÓLOGO.
Sumário:Padece de erro nos pressupostos de direito o acto de recusa da concessão de subsídio de educação especial, por afastar da previsão n.º 1 do artigo 2.º do Decreto Regulamentar n.º 14/81, de 7 de Abril, alterado pelo Decreto-Regulamentar n.º 19/98, de 14 de Agosto, a necessidade de acompanhamento individual por psicólogo.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:MHBAV
Recorrido 1:Instituto de Segurança Social, I.P.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

MHBAV veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, de 14.03.2016, pela qual foi julgada (totalmente) improcedente a acção administrativa especial interposta pela ora Recorrente contra o Instituto de Segurança Social, I.P. para condenação do Réu, ora Recorrido, à prática do acto devido, o deferimento do requerimento formulado pela Autora para concessão de subsídio de educação especial.

Invocou para tanto, em síntese, que a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento e na aplicação do Direito, afrontando a disciplina contida no Decreto-Lei n.º 133-B/97, de 30 de Maio, que ressalva expressamente no n.º 2 do artigo 75º a vigência do Decreto Regulamentar n.º 14/81, de 7 de Abril, mais concretamente, afrontando as disposições contidas nos artigos 2º, 3º, 12º e 13º do Regulamento, na redacção vigente e, bem assim, as normas contidas nos artigos 13º, 43º, 63º, 64º e 71º da Constituição da República Portuguesa.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Publico neste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

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Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1ª – Vem o presente recurso interposto da, aliás, douta sentença que julgou improcedente a presente acção administrativa especial e, em consequência, decide absolver o Réu dos pedidos formulados.

2ª – É, pois, profunda a discordância do Recorrente face à decisão ora em crise, fundando-se tal dissentimento desde logo nos aspectos e considerações jurídicas que lhe serviram de fundamento, não podendo aceitar que “O requerido subsídio não abarca aqueles que, como o menor VACS, necessitam do aludido apoio por psicólogo, na medida em que tratando-se de profissional ou técnico especializado não é professor especializado.”

3ª – O conceito de professor especializado não pode ser interpretado restritivamente, pois que as finalidades do SEE só se cumprirão na medida que sejam respeitadas as terapias propostas pelo médico especialista na perspectiva do tratamento, quer no plano social quer no plano pedagógico, da criança ou jovem.

4ª – Não existindo professor especializado que reúna em si a valência de psicologia clínica em simultâneo, atestada a falta de recursos pela Escola frequentada pela criança ou jovem, a prestação desse apoio, tal como é prescrito e como se extraí do espírito da Lei, deve ser prestado por profissional especializado.

5ª – Aliás, ao arredar-se da sua prática, a administração violou o princípio da boa-fé e da confiança, pois que sempre deferiu e emanou inúmeras directivas e orientações técnicas aos beneficiários e aos prestadores de serviços, defendendo o SEE quando o apoio individualizado o é por profissionais não docentes, a saber, psicólogos, terapeutas da fala, terapeutas ocupacionais, etc.

6ª – É que, como referiu na petição inicial, sem qualquer oposição por banda do Recorrido, no ano lectivo de 2012/2013, o Recorrente havia apresentado também junto do Réu requerimento idêntico, instruindo com os mesmos documentos, merecendo despacho de deferimento por parte da administração, sendo certo que nenhuma das circunstâncias e pressupostos de que depende o seu conhecimento, todos do cabal conhecimento do Réu, se alterou entretanto.

7ª – Precisamente porque tal realidade não deixou de constranger o legislador, confrangido com as interpretações abusivas, ilegais e constitucionais, ciente de que o regime legal vigente, nos moldes em que foi pensado e aprovado, apesar da bondade que lhe foi concedida durante décadas, não está imune a interpretações perniciosas, que existem já diversos processos legislativos em curso e mesmo um projecto de resolução (Projecto de Resolução Nº 163/XIII/1.ª), sob a epígrafe “Reposição da Legalidade na Atribuição do Subsídio de Educação Especial”.

8ª – No essencial recomenda-se, com carácter interpretativo e que imponha a reavaliação dos processos afectados pelo Protocolo de colaboração, cuja revogação se impõe, em causa que se fixe a diferenciação e o deferimento da atribuição do Subsídio de Educação Especial, por apoio individualizado por profissional especializado, concretamente nas situações de apoio terapêutico individualizado nas valências de psicologia, terapia da fala, terapia ocupacional e psicomotricidade.

9ª – A decisão recorrida ao interpretar que, como foi prescrito ao menor apoio em psicologia, quando havia sido requerido a concessão do subsídio com a invocação da necessidade do mesmo ser acompanhado por psicólogo, sendo que tal situação não se subsumiria ao disposto no n.º 2, do artigo 2º do Decreto Regulamentar n.º 14/81, de 7 de Abril, na redacção introduzida pelo Decreto Regulamentar n.º 19/98, de 14 de Agosto, advogando que tal disposição pressupõe que esteja em causa “apoio individual por professor especializado” e não apoio por profissional ou técnico especializado mas não professor especializado, está ferida de inconstitucionalidade, por violação das normas contidas nos artigos 13º, 43º, 63º, 64º e 71º da Constituição da República Portuguesa.

10ª – Ao assim decidir incorreu a decisão recorrida em erro de julgamento e na aplicação do Direito, afrontando a disciplina contida no Decreto-Lei n.º 133-B/97, de 30 de Maio, que ressalva expressamente no n.º 2 do referido art.º 75º a vigência do Decreto Regulamentar n.º 14/81, de 7 de Abril, mais concretamente, afrontando as disposições contidas nos artigos 2º, 3º, 12º e 13º do Regulamento, na redacção vigente e, bem assim, as normas contidas nos artigos 13º, 43º, 63º, 64º e 71º da Constituição da República Portuguesa, pelo que não pode manter-se.
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II – Matéria de facto.

O Tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:
A) VACS é menor e filho do Autora (facto não controvertido – artigo 1º da petição inicial e artigo 5º da contestação).

B) O menor VACS, no ano lectivo 2013/2014, esteve matriculado no Agrupamento de Escolas de Estarreja (cfr. fls. 16 e 17 dos autos – processo físico e fls. 10/verso e 11 do processo administrativo).

C) Em 23.09.2013, foi requerido ao Centro Distrital de Aveiro, do Instituto da Segurança Social, I.P. a concessão de subsídio por frequência de estabelecimento de educação especial ao menor VACS (cfr. doc. n.º 1 junto com a petição inicial - fls. 10 a 14 dos autos – processo físico e fls. 1 a 8 do processo administrativo).

D) No item “CERTIFICADO MÉDICO” do requerimento de subsídio por frequência de estabelecimento de educação especial acima referido – preenchido pelo Pedopsiquiatra FG consta que o menor VACS é “portador de deficiência motivada por redução permanente de capacidade intelectual ”, que lhe produz “Hipercinésia e Défice de Atenção. Implicações escolares e relacionais”, carecendo de consulta individual por psicólogo (cfr. fls. 14 dos autos – processo físico e fls. 3 do processo administrativo).

E) Para instruir o requerimento de subsídio por frequência de estabelecimento de educação especial acima referido, em 28.10.2013, foi junto formulário, tendo por anexo o modelo RP 5020-A/2008-DGSS, subscrito pelo Agrupamento de Escolas de Estarreja, constando no item 2 que “[N]ão está referenciado(a) como aluno(a) com necessidades especiais educativas de carácter permanente, nem está abrangido(a) pelas medidas educativas do Decreto-Lei nº 3/2008 de 7 de Janeiro, alterado pela Lei 21/2008 de 12 de Maio”, e no item 3 que “Aluno com comportamento desadaptativo, défice de tenção socialização. Necessita de apoio psicológico” (cfr. documento n.º 2 junto com a petição inicial
- fls. 15 a 17 dos autos – processo físico e fls. 9 a 13 do processo administrativo).

F) No formulário acabado de referir, no item 4 consta que os Serviços de Apoio ao Agrupamento de Escolas de Estarreja não possuem, no ano lectivo 2013/2014, os recursos para a implementação das medidas específicas necessárias (cfr. fls. 16 dos autos – processo físico e fls. 10/verso do processo administrativo).

G) Em 05.02.2014, a Delegada Regional de Educação do Centro, no âmbito do protocolo de colaboração ISS e a DGEste, prestou informação, de acordo com a qual, o menor VACS não se encontra abrangido pelo Decreto-Lei .º 3/2008, de 07 de Janeiro (cfr. fls. 14 e 15 do processo administrativo).

H) Em 26.06.2014, relativamente ao requerimento acima referido, foi prestada “INFORMAÇÃO PARA DESPACHO DE INDEFERIMENTO” pelos Serviços do Réu, a qual tem o seguinte conteúdo:

“Propõe-se o indeferimento do requerimento, com base nos seguintes fundamentos: “A criança/jovem supra identificada não possui comprovada redução de capacidade física, motora, orgânica, sensorial ou intelectual, que necessite de meio específico de apoio educativo habilitativo com vista a uma integração social e educacional, não exigindo a deficiência identificada, no plano social e pedagógico, o recurso a apoio individual por professor especializado (n.º 1 do artigo 2.º do Decreto Regulamentar n.º 14/81, de 7 de abril, alterado pelo Decreto Regulamentar n.º 19/98, de 14 de agosto). Mais se propõe que se proceda à:

. audiência do interessado nos termos do artigo 100.º e seguintes do CPA, notificando-o de que na falta de resposta no prazo de 10 dias úteis a contar da data da notificação, o requerimento é indeferido, considerando-se a data de indeferimento o 1.º dia útil seguinte ao do termo do referido prazo;

. comunicação dos respectivos prazos de reclamação e recurso.”
(cfr. fls. 25 do processo administrativo).

I) Sobre a informação acabada de referir, em 26.06.2014, a Directora do Núcleo de Prestações Familiares e de Solidariedade, do Centro Distrital de Aveiro, do Instituto da Segurança Social, I.P. proferiu despacho, o qual tem o seguinte teor:
Concordo” (cfr. fls. 25 do processo administrativo).

J) Por ofício do Réu, datado de 26.06.2014, a Autora foi informada do projecto de decisão de indeferimento do requerimento de subsídio por frequência de estabelecimento de educação especial ao menor VACS, e para, no prazo de 10 dias úteis, querendo, se pronunciar sobre o mesmo (cfr. fls. 26 do processo administrativo).

K) A Autora pronunciou-se sobre a intenção de indeferimento do requerimento de subsídio por frequência de estabelecimento de educação especial ao menor VACS, nos termos constantes de fls. 27 a 29 do processo administrativo, tendo pugnado pelo deferimento do requerimento em causa, defendendo estarem preenchidos os pressupostos legais de concessão (cfr. fls. 27 a 29 do processo administrativo).

L) Por despacho da Directora do Núcleo de Prestações Familiares e de Solidariedade, do Centro Distrital de Aveiro, do Instituto da Segurança Social, I.P., proferido em 14.11.2014, foi indeferido o requerimento de subsídio por frequência de estabelecimento de educação especial ao menor VACS, constando do mesmo o seguinte:

A beneficiária supra indicada formulou, em 23.09.2013, pedido de atribuição de Subsídio de Educação Especial (SEE), prestação mensal prevista no Decreto-Lei n.º 133-B/97, de 30 de Maio.

Decorre do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 2.º do Decreto Regulamentar n.º 14/81 , de 7 de abril, alterado pelo Decreto Regulamentar n.º 19/98, de 14 de agosto, que o reconhecimento do direito a esta prestação depende de apresentação de declaração passada pelo estabelecimento de ensino que a criança/jovem frequenta, atestando que não dispõe de recursos, facto que impõe a prévia avaliação, nos termos definidos pelo Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de janeiro, alterado pela Lei n.º 21/2008, de 12 de maio.

Em 26.06.2014 foi a requerente notificada da intenção de não atribuição do SEE com fundamento no n.º 19/98, de 14 de agosto informando-se também, os prazos legais definidos em CPA.

Em sede de audiência prévia veio a requerente apresentar as suas alegações, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, fazendo parte do presente despacho.

Apreciadas as alegações oferecidas não é alterado o sentido da decisão indeferindo -se a atribuição de Subsídio de Educação Especial por se verificar que criança / jovem supra identificado não possui comprovada redução permanente de capacidade física, motora, orgânica, sensorial ou intelectual, que necessite de meio específico de apoio educativo habilitativo com vista a uma integração social e educacional, não exigindo a deficiência identificada, no plano social e pedagógico, a recurso a apoio individua l por professor especializado (n.º 1 do artigo 2.º do Decreto Regulamentar n.º 14/81, de 7 de abril, alterado pelo Decreto Regulamentar n.º 19/98, de 14 de agosto).

Notifique-se nos termos do CPA.

(cfr. fls. 32 do processo administrativo).

M) Por ofício do Réu, datado de 21.11.2014, foi enviado à Autora o teor do despacho de indeferimento do requerimento de subsídio por frequência de estabelecimento de educação especial ao menor VACS, acabado de referir (cfr. fls. 33 e 34 do processo administrativo).


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III - Enquadramento jurídico.

1. O n.º 1 do artigo 2.º do Decreto Regulamentar n.º 14/81, de 7 de Abril, alterado pelo Decreto-Regulamentar n.º 19/98, de 14 de Agosto.

A questão essencial aqui colocada pela Recorrente tem sido decidida por este Tribunal de maneira uniforme que lhe é favorável.

Numa situação idêntica, pronunciou-se o acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 13.01.2017, processo 131/15.2 AVR:

”(…)

Antes de mais enquadremos normativamente a controvertida situação.

Desde logo, o Decreto-Lei n.º 170/80, de 29 de Maio instituiu o Subsídio de Educação Especial, referindo no seu artigo 1º, sob a epígrafe “Âmbito quanto às prestações”, que “A proteção à infância e juventude e à família concretiza-se, nomeadamente, pela concessão, entre outras, das seguintes prestações pecuniárias: abono de família, abono complementar a crianças e jovens deficientes, subsídio mensal vitalício e subsídios de nascimento, de aleitação, por frequência de estabelecimentos de educação especial, de casamento e de funeral.”

Refere-se, por outro lado, no ponto 5 do preâmbulo do referido diploma, que se aproveita “a ocasião para institucionalizar o subsídio pela frequência de estabelecimentos de educação especial. Embora com este título, o seu conteúdo é ainda mais amplo, visto que não corresponde apenas à situação típica do deficiente que frequenta ou está em condições de frequentar estabelecimentos de reeducação pedagógica, mas a situações atípicas de apoio pedagógico e terapêutico, domiciliário.”

Refere ainda o artigo 5º do mesmo Decreto-Lei que “O abono complementar a crianças e jovens deficientes é concedido até aos 24 anos aos descendentes ou equiparados do trabalhador ou do cônjuge que, por razões de lesão, deformidade ou doença, congénita ou adquirida, estejam em alguma das situações seguintes:

a) Necessitem de atendimento individualizado específico de natureza pedagógica ou terapêutica;

b) Frequentem, estejam internados ou em condições de frequência ou de internamento em estabelecimentos de educação especial;

c) Possuam uma redução permanente de capacidade física, motora, orgânica, sensorial ou intelectual que os impossibilite de prover normalmente à sua subsistência ao atingirem a idade de exercício de atividade profissional”.

Também se refere no artigo 9º do mesmo diploma, ao instituir o Subsídio pela frequência de estabelecimento de educação especial, que “A compensação de encargos com a frequência, pelos descendentes ou equiparados, de estabelecimentos de educação especial que impliquem pagamento de mensalidades é realizada mediante a concessão de subsídios em regime de comparticipação de despesas, nos montantes e condições a fixar em regulamento próprio”, mais se referindo no n.º 3 que “É equivalente à frequência de estabelecimento de educação especial, em condições e nos valores de comparticipação a definir igualmente em regulamento, o apoio domiciliário de natureza docente e terapêutica prestado mediante prescrição médica a crianças e jovens cuja deficiência imponha ou aconselhe esse tipo de orientação”.

Correspondentemente veio a ser publicado o Decreto Regulamentar 14/81 alterado pelo Decreto Regulamentar 19/98, em vigor até pouco tempo, o qual referia no seu artigo 2º que “Conferem direito ao subsídio as crianças e jovens de idade não superior a 24 anos que possuam comprovada redução permanente de capacidade física, motora, orgânica, sensorial ou intelectual, e que a seguir se designam apenas por deficientes, desde que por motivo dessa deficiência se encontrem em qualquer das seguintes situações:

a) Frequentem estabelecimentos de educação especial que impliquem o pagamento de mensalidade;

b) Careçam de ingressar em estabelecimento particular de ensino regular, após a frequência de ensino especial, por não poderem ou deverem transitar para estabelecimentos oficiais ou, tendo transitado, necessitem de apoio individual por professor especializado;

c) Sejam portadores de deficiência que, embora não exigindo, por si, ensino especial, requeiram apoio individual por professor especializado;

d) Frequentem creche ou jardim-de-infância normal como meio específico necessário de superar a deficiência e obter mais rapidamente a integração social.”

Nos termos do artigo 3º do referido Regulamento, a redução permanente da capacidade física, motora, orgânica, sensorial ou intelectual será determinada por declaração de médico especialista comprovativa desse estado, devendo tal declaração indicar fundamentadamente o atendimento necessário ao deficiente.

Como resulta dos artigos 12º e 13º do Regulamento citado, o requerimento para atribuição de tal subsídio seria instruído com a referida declaração médica, sendo a emergente subvenção paga aos encarregados de educação do deficiente ou diretamente ao estabelecimento.

Com a revogação do Decreto-Lei n.º 170/80, de 29 de Maio foi, no entanto, ressalvado expressamente que o Decreto Regulamentar n.º 14/81, de 7 de Abril se manteria em vigor.

Posteriormente, veio a ser publicado o Decreto-Lei nº 176/2003, de 2 de Agosto, que derrogou parcialmente o Decreto-Lei n.º 133-B/97 e o Decreto-Lei n.º 160/80, designadamente no que concerne às prestações de “abono de família para crianças e jovens”.

Mais recentemente veio a ser publicada a Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro, que aprovou as bases gerais do sistema de segurança social, a qual relativamente ao subsistema de proteção familiar, tendia a assegurar a compensação de encargos familiares acrescidos resultantes dos “encargos no domínio da deficiência” (art.º 46.º al. b)), enunciando que esta se concretiza “através da concessão de prestações pecuniárias” (art. 48.º n.º 1) e que “é suscetível de ser alargada, de modo a dar resposta a novas necessidades sociais (…) bem como às que relevem, especificamente, dos domínios da deficiência (…)” (art. 48.º n.º 2).

Finalmente, o Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro, veio atualizar a disciplina prevista no revogado Decreto-Lei nº 319/91, de 23 de Agosto, relativo aos apoios especializados a prestar na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário dos sectores público, particular e cooperativo.

A sucessão normativa, com derrogações parciais de diplomas e manutenção em vigor de normas de precedentes diplomas, evidência alguma inconstância legislativa, dificultando a interpretação do regime vigente em cada momento.

Em qualquer caso, importa encontrar um fio condutor do pensamento legislativo vigente, por forma a decidir a questão aqui controvertida.

Desde logo e em concreto, o indeferimento da pretensão requerida, resultou simplisticamente do facto de se ter entendido que "A criança/jovem supra referenciada não possui comprovada redução permanente de capacidade física, motora, orgânica, sensorial ou intelectual que necessite de meio específico de apoio educativo habilitativo com vista a uma integração social e educacional, não exigindo a deficiência identificada, no plano social e pedagógico, o recurso a apoio individual por professor especializado (n.º 2 do artigo 2.º do decreto regulamentar n. 14/81, de 7 de Abril, alterado pelo decreto regulamentar n.' 19/98, de 14 de Agosto".

Como resulta obrigatório, a aqui Recorrente juntou ao seu processo tudo quanto era suposto, designadamente certificação médica de Neurologista Pediátrico, atestando ser o menor em causa portador de Défice Cognitivo, Dificuldades de Aprendizagem, Défice de Atenção/Hiperatividade/Impulsividade e Dificuldades de Relacionamento Social.

Paradigmático, sintomático e incontornável, são as declarações constantes do “Certificado Médico” (Facto Provado d)) onde se refere que o menor Emanuel é “portador de deficiência motivada por redução permanente de capacidade intelectual”, que lhe produz “Défice cognitivo Dificuldade de aprendizagem, Défice de Atenção/Hiperatividade/Impulsividade, Dificuldade de relacionamento social”.

No mesmo sentido, aponta o Parecer do Agrupamento de Escolas de Ovar (Facto Provado e)), no qual se refere no item 1.2 que o “aluno deve continuar a beneficiar de intervenção psicoterapêutica já iniciada, no sentido de promover no aluno competências pessoais, sociais e relacionais”.

Como resulta sumariado no Acórdão do 0224/04, de 19-10-2004, “I - Para efeitos do Decreto Regulamentar n.º 14/81, de 7 de Abril, a determinação da natureza da deficiência e do atendimento necessário da criança ou jovem é realizada por declaração de médico especialista (artigo 3.º);

II - No caso de a criança ou jovem frequentar estabelecimento de ensino regular a concessão de "subsídio de educação especial" depende de declaração passada pelo respetivo estabelecimento de ensino comprovativa de que o apoio individual necessário ao mesmo não lhe é garantido pela escola (artigo 2.º, n.º 2, red. DR n.º 19/98, de 14.8.);

III - O estabelecimento de ensino, deve, pois, em função da natureza da deficiência e do apoio necessário indicados pelo médico especialista passar aquela declaração se não estiver em condições de garantir o apoio exigido;”

Na situação em apreciação, mostram-se preenchidos os requisitos/pressupostos referidos no precedentemente citado acórdão do STA.

Tal como suscitado pelo Ministério Público, não deixa de ser extraordinário que a Segurança Social, afirmando expressamente não pôr em causa o diagnóstico efetuado pelo Especialista que observou o menor, tenha afirmado conclusivamente, sem qualquer fundamentação acrescida ou tecnicamente assente em parecer clínico, não se mostrar comprovada a invocada redução permanente de capacidade do mesmo, o que parece ter resultado de pressupostos meramente economicistas.

Estamos pois manifestamente perante um de vício de erro nos pressupostos de facto e de violação de lei.

O erro nos pressupostos de facto constitui uma das causas de invalidade do ato administrativo, consubstanciando um vício de violação de lei que configura uma ilegalidade de natureza material, pois "neste caso, é a própria substância do ato administrativo, é a decisão em que o ato consiste, que contraria a lei. A ofensa não se verifica aqui nem na competência do órgão, nem nas formalidades ou na forma que o ato reveste, nem no fim tido em vista, mas no próprio conteúdo ou no objeto do ato" — Freitas do Amaral, "Curso de Direito Administrativo", 4ª Reimpressão, Vol. II, pag. 390.

Tal vício consiste, por conseguinte, na divergência entre os pressupostos de que o autor do ato partiu para emanar a decisão administrativa final e a sua efetiva verificação na situação em concreto, resultando do facto de se terem considerado na decisão administrativa factos não provados ou desconformes com a realidade, isto é os fundamentos da motivação do ato em causa não existiam ou não tinham a dimensão que foi por ele suposta — cfr. acórdãos do STA de 10-05-2000, Proc.° n.° 44191, de 18-01-2001, Proc.° n.° 45271.

Mais se refere no identificado Acórdão que: "Em termos gerais, sem preocupações de integração categorial na teoria dos vícios, o erro nos pressupostos de facto é o vício do ato administrativo que consiste na (ou resulta da) representação errónea de elementos materiais relevantes para a decisão, ou seja, o que resulta da consideração pela Administração de factos materialmente inexistentes ou erroneamente apreciados. A sua procedência exige a demonstração de desconformidade entre a realidade e a ideia que sobre ela a Administração formou para decidir o que decidiu".

Já quanto ao conceito de "professor especializado" suscitado pela aqui Recorrida/ISS, importa igualmente referir o seguinte:

O artigo 2.° n.° 1 do Decreto Regulamentar n.° 14/81, de 7 de Abril, com as alterações preconizadas pelo Decreto Regulamentar n.º 19/98 contemplava dentro dos pressupostos definidos, a necessidade de recurso ao "apoio individual por professor especializado", determinante potencialmente da atribuição de Subsídio de Educação Especial.

Tendo a Escola em causa reconhecido a sua incapacidade em termos de recursos para o acompanhamento do jovem em questão, é manifesto que o necessário e legalmente imposto acompanhamento deveria ser assegurado por técnico habilitado para o efeito, que no caso, por se tratar de psicólogo, não deixará de se integrar no conceito de “Professor especializado”

O mesmo se dirá relativamente a outras valências clínica, como sejam os terapeutas da fala, terapeutas ocupacionais, etc., não fazendo sentido restringir o conceito de “Professor especializado” aos professores enquanto conceito restritivamente entendido.

O que está em causa é o acompanhamento dos jovens com deficiência através de técnicos especializados, habilitados em cada uma das valências necessárias, pois que o contrário não resulta do espírito da lei.

Refira-se, aliás, que o Decreto-regulamentar nº 14/81, só veio a ser revogado pelo recente Decreto-Regulamentar nº 3/2016, de 23 de Agosto, o qual veio expressamente a substituir no Artº 2º nº 1 alínea c) a figura do “Professor especializado”, por “técnico especializado”, indo exatamente ao encontro do entendimento aqui preconizado, por forma a acabar com a potencial proliferação de decisões pouco condizentes com o espírito da lei.

Com efeito, lapidarmente se refere no preâmbulo do novel Decreto-regulamentar que “Neste sentido, para que se protejam, de forma mais eficaz, as situações de deficiência que requerem apoio especial, evidenciando maior rigor na atribuição da prestação, torna-se necessário proceder à atualização de alguns conceitos e clarificar aspetos da certificação, dos efeitos da deficiência e do apoio necessário a prestar à criança ou jovem com deficiência, integrados na declaração médica. Com este objetivo introduz-se o conceito de

« técnico especializado »,

entendendo-se ser este conceito menos restritivo do que o de

« professor especializado » (Realce a sublinhado nosso).

Em face do teor do parcialmente transcrito preâmbulo do novo Decreto-regulamentar nº 3/2016 e do seu Artº 2, nº 1 alínea c), atenta a sua expressa intenção de “atualização” e “clarificação”, sem prejuízo do precedentemente expendido, mostra-se que o mesmo evidência clara intenção interpretativa, relativamente à pretérita figura do “professor especializado”, que deverá ser entendido como “técnico especializado”.

No que respeita já ao procedimento adotado, tendo a Autora em anos precedentes àquele que aqui está em causa, adotado idênticas diligências, designadamente no ano letivo de 2012/2013, tendo o então requerido merecido decisão favorável, mais se exigiria que perante a inflexão decisória por parte do ISS IP, tal se mostrasse acrescidamente justificado, que não através de uma decisão meramente conclusiva, desacompanhada de qualquer parecer clínico que contrariasse aquele que foi apresentado pela aqui Recorrente.


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Pelas conclusões a que se chegou já, mostra-se inútil e prejudicada a análise dos restantes vícios invocados no Recurso Jurisdicional apresentado, designadamente no que concerne à invocada inconstitucionalidade, nos termos do nº 1 do Artº 95º do CPTA, o qual refere explicitamente que “Sem prejuízo do disposto no número seguinte, o tribunal deve decidir, na sentença ou acórdão, todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras. (…)”

Posição que foi uniformemente mantida nos acórdãos deste Tribunal central Administrativo Norte de 13.01.2017, processo 111.15.8 AVR, de 27.01.2017, processo 123/15.1 AVR, de 27.01.2017, processo 127/15.4 AVR, de 27.01.2017, processo 128/15.2 AVR, e de 24.02.2017, processo 00110/15.0 AVR.

Não vemos razão para nos afastarmos deste entendimento uniforme, pelo contrário, dado o subscrevermos integralmente.

No caso concreto a ora Recorrente juntou ao processo tudo o que é exigido, em particular o certificado médico em que se atesta que o seu filho, VACS, é “portador de deficiência motivada por redução permanente de capacidade intelectual ”, que lhe produz “Hipercinésia e Défice de Atenção. Implicações escolares e relacionais”, carecendo de consulta individual por psicólogo – facto provado sob a alínea D).

Por outro lado, o estabelecimento de ensino frequentado pelo filha da ora Recorrente não possuem, no ano lectivo 2013/2014, os recursos para a implementação das medidas específicas necessárias – factos provados sob as alíneas E e F).

Padece por isso o acto impugnado de erro nos pressupostos de facto ao afirmar (por remissão para a informação que o antecedeu), sem qualquer suporte técnico e, pelo contrário, contrariando o parecer médico junto pela ora Recorrente, onde se refere que (facto provado sob a alínea E)):

“Aluno com comportamento desadaptativo, défice de tenção socialização. Necessita de apoio psicológico”.

Assim como padece, nos termos da jurisprudência citada, de erro nos pressupostos de direito, ao afastar a necessidade de apoio de técnico na área da “psicologia”, da previsão n.º 1 do artigo 2.º do Decreto Regulamentar n.º 14/81, de 7 de Abril, alterado pelo Decreto-Regulamentar n.º 19/98, de 14 de Agosto), quando medicamente dicou comprovada a necessidade de “apoio psicológico” para suprir a Hipercinésia e Défice de Atenção.

Tal como a decisão recorrida errou ao entender ser necessário produzir prova dos pressupostos em análise quando é certo que estão nos autos documentos que os comprovam e, de resto, deram-se como provados.

Precisamente os que constam das alíneas D) E) e F)).

Termos em que se impõe, concedendo provimento ao recurso jurisdicional, revogar a sentença recorrida e julgar a acção procedente, condenando o Réu no pedido.


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2. Restantes questões suscitadas.

Procedendo logo por aqui o recurso, fica prejudicado o conhecimento das demais questões, em particular da constitucionalidade da interpretação dada pelo acto impugnado à norma em apreço.


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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que revogam a decisão recorrida e julgam a acção procedente.

Custas pelo Recorrido.


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Porto, 09.06.2017.
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Luís Garcia
Ass.: Joaquim Cruzeiro, em substituição