Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01140/11.6BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/22/2015
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Alexandra Alendouro
Descritores:PEDIDO DE EMISSÃO DE PARECER FAVORÁVEL
A EDIFICAÇÃO DE CASA PARA HABITAÇÃO PRÓPRIA EM RAN;
VERIFICAÇÃO DOS REQUISITOS (CUMULATIVOS) LEGALMENTE PREVISTOS; NÃO DEMONSTRAÇÃO DE EXISTÊNCIA DE ALTERNATIVA FORA DA RAN; JUNÇÃO DE DOCUMENTOS, EM FASE DE RECURSO
Sumário:I – Não se justifica a improcedência da pretensão da Recorrente, de emissão de parecer favorável com vista à edificação de casa para habitação própria e permanente do seu agregado familiar, em terreno integrado em RAN, por não verificação de um dos requisitos cumulativos previstos no artigo 22.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 73/2009, de 31/03 (o da ausência de alternativa fora da RAN) se a factualidade provada pelo tribunal a quo não permite a conclusão de que um prédio rústico da titularidade da interessada se encontra em área fora da RAN.
II – Os artigos 524.º e 693-ºB do anterior CPC aplicáveis ex vi artigo 140.º do CPTA legitimam a junção com as alegações de recurso jurisdicional de documentos ao processo quando essa junção se torne necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª instância; observa esta normação a junção com as alegações de recurso de um documento constituído por cópia de planta da RAN respeitante à inserção do prédio em causa na referida reserva, com data posterior à da prolação da decisão recorrida.*
*Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:MAFS
Recorrido 1:RESERVA AGRÍCOLA NACIONAL – ENTIDADE RN
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I – RELATÓRIO
MAFS, Autora nos autos à margem referenciados, notificada do Acórdão proferido no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que no âmbito de acção proposta contra a RESERVA AGRÍCOLA NACIONAL – ENTIDADE RN [visando anular acto de indeferimento de autorização para uso não agrícola de prédio rústico bem como a condenação na prática de acto administrativo considerado devido] julgou a mesma improcedente, vem dele interpor recurso jurisdicional.
*
A Recorrente apresentou as respectivas alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:
1. O Decreto-Lei 73/2009, de 31 de Março aprova o regime jurídico da Reserva Agrícola Nacional - RAN, considerando os solos que integram a RAN como áreas non aedificandi.
2. Contudo, o seu artigo 22º prevê um conjunto de exceções à obrigatoriedade de uso agrícola desses solos.
3. Inserindo-se a pretensão da Autora/Recorrente na al. c) desse preceito, que exige o preenchimento, entre outros, do seguinte requisito cumulativo: não existir alternativa viável fora das terras ou solos RAN.
4. A douta sentença recorrida ao ter entendido que não assistia à Autora/Recorrente o direito de emissão de parecer favorável, com vista à edificação de casa para habitação própria e permanente para si e seu agregado familiar, por ter um segundo prédio rústico situado fora da área RAN, e por isso não reunir o pressuposto cumulativo de não existir alternativa viável zona RAN (ficando, portanto, prejudicado o conhecimento da eventual verificação dos outros dois pontos que fundamentam o ato impugnado pela autora), incorreu num manifesto erro de julgamento traduzido numa errónea subsunção dos factos ao direito.
5. Da factualidade assente não resulta que a Autora/Recorrente e seu cônjuge fossem proprietários de algum prédio rústico situado fora de zona RAN, ou de qualquer prédio ou fracção destinada a fins habitacionais. Senão vejamos:
6. Da alínea E), subalínea d), e alíneas F), G), H), e I) dos factos dados como provados decorre que, a Autora/Recorrente e respetivo cônjuge, apenas são possuidores de dois prédios rústicos: o artigo matricial 3… para o qual foi pedido emissão de parecer, e o artigo matricial 18, ambos da freguesia de S... (SS), concelho de G....
7. A douta sentença recorrida entende que da certidão de teor matricial com que a Autora/Recorrente instruiu o seu requerimento atestava a existência na sua esfera jurídica e do seu cônjuge, além do prédio no qual pretende construir a sua habitação, um outro prédio não situado em zona RAN, invocando alínea E), subalínea d), ponto ii do probatório.
8. Contudo da invocada alínea E), subalínea d), ponto ii do probatório, vemos que na certidão em causa, e quanto ao segundo prédio, apenas constam os seguintes elementos: “Artigo 18.º - R, da freguesia de S... (SS), concelho de G..., com área total de 1000 m2 e com a descrição “lameiro e 200 videiras de enforcado”.
9. Pelo que, e salvo melhor entendimento, desse facto não podia o tribunal a quo ter afirmado que a certidão em causa atestava que esse terreno se situa fora de área RAN.
10. Não reflectindo, a fundamentação da decisão recorrida, o teor da matéria assente.
11. Mais, conjugando a referida alínea com a demais factualidade dada como provada, designadamente as alíneas F), G), H), I) e J), vemos que foi dado como assente que, a pedido da Recorrida, a Autora/Recorrente, pediu, junto dos serviços de finanças da PL a emissão de uma certidão que ateste que tanto esta última como o seu cônjuge não são proprietários de qualquer prédio ou fracção destinado a fins habitacionais, aquela autoridade tributária emitiu uma certidão a atestar que os únicos imóveis sua propriedade são os dois prédios rústicos.
12. Ou seja, a resposta foi negativa, pois, como é do conhecimento geral, caso fossem proprietários de mais algum imóvel, fosse ele rústico ou urbano constaria na relação que consta em anexo à certidão.
13. Por isso, não se compreende o motivo pelo qual, o tribunal a quo, defende a aplicabilidade do entendimento do aresto do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 05650/09, de 04.02.2010 (disponível em www.dgsi.pt) ao caso dos presentes autos, pois não se coaduna com fundamento da decisão de improcedência que ora se recorre.
14. E, da informação constante nessa certidão e dada como assente nas alíneas H) e I), relativamente à matriz predial do outro prédio rústico de que a Autora/Recorrente e cônjuge são titulares, não decorre que o mesmo se encontre localizado fora de zona RAN.
15. Assim, e pelo vindo a articular, em nenhuma alínea do probatório resultam factos ou elementos que permitam ao tribunal a quo afirmar que o predito terreno esteja situado fora de área RAN, e, por isso, constituir alternativa viável.
16. Nem poderia, uma vez que o artigo matricial 18-R encontra-se integrado, precisamente, em zona RAN, conforme se pode constatar pelo documento ora junto com as alegações.
17. Nem mesmo a alínea N) da matéria assente - na parte a que aqui diz respeito, permite concluir que não tenha teor impugnatório (quanto à existência efetiva na esfera jurídica da Autora/Recorrente de outro terreno com aptidão para a construção de edificado urbano).
18. Pois conjugado com as demais alíneas da factualidade assente vindas a invocar, outra conclusão não seria possível.
19. Nada mais podendo ser exigido à Autora/Recorrente, até porque, e corno se alega nos autos, a falta/insuficiente fundamentação do ato impugnado não permite que aquela faça o caminho cogniscivo percorrido pela Recorrida nesse sentido, e, portanto, refutá-lo convenientemente.
20. Sem prescindir, sempre se dirá que, tendo sido a Recorrida a invocar esse facto extintivo do direito que a Autora/Recorrente se arroga, era aquela a quem competiria o ónus da prova de que a Autora/Recorrente tem alternativa fora da RAN, o que não logrou fazer e muito menos resulta da factualidade assente.
21. O Tribunal a quo ao ter decidido como decidiu incorreu em manifesto erro de julgamento.
22. Quanto à oportunidade da junção do documento referido no ponto 16. sempre se dirá que, se justifica a aplicabilidade do artigo 693-B do Código de Processo ex vi artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
23. Destarte, a decisão proferida em 1ª Instância ao ter considerado irrelevante o pedido impugnatório na presente ação, e, ainda, tendo feito uma errada subsunção dos factos provados ao direito, incorrendo em manifesto erro de julgamento, criou a necessidade de junção desse documento, pois fundou-se em regra de direito com cuja interpretação a Autora/Recorrente não contava. TERMOS EM QUE
deve ser concedida provimento ao presente recurso, revogando-se integralmente a douta decisão recorrida com as demais consequências legais (…)”
Junta um documento ao abrigo do disposto nos artigos 524.º e 693-ºB do anterior CPC aqui aplicável ex vi artigo 140.º do CPTA,
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O Recorrido não apresentou contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para os efeitos previstos no artigo 146.º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), emitiu parecer no sentido de procedência do presente recurso com remessa dos autos à 1ª instância (cfr. fls. 179 a 180).
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Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projecto de Acórdão aos Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
III – DO OBJECTO DO RECURSO – Questões decidendas
As questões suscitadas e a decidir, delimitadas pelas conclusões das alegações do recurso extraídas a partir da respectiva motivação conforme o disposto nos artigos 5.º, 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 3, 4 e 5 e 639.º do CPC, aplicáveis ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA, respeitam a alegado erro manifesto de julgamento.

III – FUNDAMENTAÇÃO:
DE FACTO
Com interesse para a decisão do presente recurso o tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:

A) Na sequência de celebração de contrato de compra e venda datado de 13.06.2007, a autora registou o seu direito de propriedade sobre um prédio rústico, sito no lugar de Barral, freguesia de S... SS, concelho de G..., com 3 110 m2, denominado «Campo das Quintinhas e Olival das B...», inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo 3….º- R e descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de G... sob o n.º 4… (cf. doc. 1 junto com a petição inicial, a fls. 16 e 17 dos autos em suporte físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

B) O prédio rústico referido em A) insere-se na área de Reserva Agrícola Nacional (RAN) (facto admitido por acordo).

C) O agregado familiar da autora sempre residiu, a título de especial favor, na casa dos pais da demandante e juntamente com estes (facto admitido por acordo).

D) No dia 23.02.2011, a ora autora apresentou instrumento escrito junto da ora entidade demandada, no qual solicitava a emissão «[...] de parecer prévio ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 73/2009 de 31 de março, para utilização não agrícola [ ...]» do terreno referido em A), mais referindo que «[a] área de desafetação [era] 200,00 m2 para construção de uma habitação unifamiliar para a requerente e seu agregado familiar [...]» (cf. doc. 2 junto com a petição inicial, a fls. 18-33 dos autos em suporte físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

E) A autora instruiu o instrumento referido em C) com os seguintes elementos (idem):
a. Requerimento (original e cópia);
b. Cheque no valor de € 73,23;
c. Certidão do registo de propriedade (original e cópia);
d. Certidão emitida pelas Finanças (original e cópia) dos seguintes artigos matriciais de prédios rústicos detidos pela autora e pelo esposo JMCF:
i. Artigo 373.º- R, da freguesia de S... (SS), concelho de G..., com a área total de 3 011 m2 e com a descrição «terreno de cultivo»;
ii. Artigo 18.°- R, da freguesia de S... (SS), concelho de G..., com a área total de 1 000 m2 e com a descrição «lameiro e 200 videiras de enforcado»; e. Declaração da junta de freguesia a comprovar os baixos recursos económicos e a situação atual em termos de habitação dos recorrentes e do seu agregado familiar (original e cópia);
f. Plantas certificadas pelo município (original e 5 cópias);
g. Carta militar (6 exemplares);
h. Planta de implantação (original e 5 cópias);
i. Extrato de Ortofotomapa (6 exemplares).

F) No dia 01.03.2011, a entidade demandada expede instrumento escrito com a referência «401/mr» e endereçado à ora autora, pelo qual solicitou à autora, além do mais, 5 exemplares da planta de pormenor em escala 1/1000 e ainda o seguinte: «1 – Dado que a certidão de finanças enviada não corresponde ao solicitado, apenas confirma a certidão de teor, pelo que terá de enviar de novo, a qual terá de corresponder à norma que se anexa», mais constando da respectiva norma a indicação «Declaração dos Serviços de Finanças, atestando que o(s) requerente(s) e o(a) respetivo (a) cônjuge, se o(a) requerente for casado(a), não são proprietários(as) de qualquer outro edifício ou fração para fins habitacionais [ ... (cf. doc. 3 junto com a petição inicial, a fls. 34-35 dos autos em suporte físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

G) No dia 07.03.2011, a ora autora apresentou requerimento de certidão, junto do serviço de finanças do concelho de PL, «[ ... ] atestando que a Requerente e o respetivo cônjuge não são proprietários de qualquer outro prédio ou fração para fins habitacionais» (cf. fls. 19 do processo administrativo instrutor apenso aos autos).

H) No dia 9.03.2011, sobre o requerimento referido em G) é aposta a seguinte certidão: «MGC, TATA 3, do Quadro da Direção Geral dos Impostos (DGCI), a exercer funções no Serviço de Finanças da PL. I CERTIFICO, em cumprimento do despacho [exarado] no requerimento que antecede e após consulta aos diversos elementos existentes neste Serviço de Finanças, que em nome dos requerentes foi verificada a existência dos imóveis constantes da relação em "anexo". [ ... ]» (idem).

I) Juntamente com a certidão referida em H) constava um quadro com o seguinte teor (cf. fls. 21 do processo administrativo instrutor apenso aos autos):
FREG
SECÇÃO
Artigo
A/C
VP
ANOVP
SIT
DT ALT LIQ
MA
U
030862
18
€ 538,70
1997
A
2007-08-14
97
SBoR264
030862
373
€ 800,00
2003
A
2006-08-16
95
SYSMODn

J) No dia 10.03.2011, a autora remeteu à entidade demandada os documentos referidos em H) e I), bem como os 5 exemplares da planta de pormenor em escala 1/1000 (cf. doc. 4 junto com a petição inicial, a fls. 36-37 dos autos em suporte físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

K) No dia 14.03.2011, a entidade demandada expediu novo instrumento escrito, endereçado à autora, sob a designação de «Pedido de elementos (diligência complementar) _ (construção de habitação) / Matriz n.º 3…/R I Processo n.º 161/2011/RAN.) Barral _ S... S. Salvador» (cf. doc. 5 junto com a petição inicial, a fls. 38 dos autos em suporte físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

L) No dia 21.03.2011, a autora remeteu à entidade demandada os documentos solicitados no instrumento escrito referido em K) (cf. doc. 6 junto com a petição inicial, a fls. 39-45 dos autos em suporte físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

M) No dia 05.04.2011, a entidade demandada expediu instrumento escrito, endereçado à ora autora, com a referência RN401/CF, onde comunicava, além do mais, que a entidade demandada se preparava para «[...] indeferir o pedido de parecer [...] por a pretensão comportar prejuízos para a R.A.N. e para o Ordenamento do território. Por estar desinserido do aglomerado urbano. Acresce que tem alternativa fora da RAN [...]», mais informando que a ora demandante dispunha de um prazo de 10 dias úteis para exercer o direito de audiência prévia (cf. doc. 7 junto com a petição inicial, a fls. 46 dos autos em suporte físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

N) No dia 15.04.2011, a autora apresentou instrumento escrito junto dos serviços da entidade demandada, com o seguinte teor; «[ ... ] a pretensão encontra-se bem localizada, ocupando uma ínfima parte do terreno em espaço agrícola, conforme demonstro na planta de pormenor. Em toda a zona envolvente existem boas infraestruturas (luz, saneamento, água), bem como outras edificações aprovadas em reserva Agrícola. | O outro espaço referido na vossa informação encontra-se condicionado de acordo com o regime transitório, disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 26/2010 de 30 de março. | Em toda a envolvente não existem terrenos agrícolas, contudo a intenção de prejudicar a Reserva Agrícola não se equaciona neste caso, por conseguinte a atitude demonstrada carece de verdade. I Quanto ao facto de estar desinserida de aglomerado urbano, não se aplica esta situação, porque está colada, isto é, junto encontra-se já edificações (como se vê no rascunho já existente no processo). [...]» (cf. doc. 8 junto com a petição inicial, a fls. 47-48 dos autos em suporte físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

O) No dia 03.05.2011, a entidade demandada expediu instrumento escrito endereçado à ora autora, por correio registado com aviso de receção, sob a designação «Ofício BGSGLll04193» e igualmente com a referência RN401/CF, com o seguinte teor; «Dá-se conhecimento que, em reunião ocorrida em 29/04/2011, a Entidade Regional da Reserva Agrícola do Norte, deliberou, por unanimidade dos elementos presentes, em relação ao processo identificado em epígrafe, emitir o parecer que a seguir se transcreve: I "Considerando os argumentos aduzidos por V. Exa, nos termos do n.º 2 do artº 100º e do artº 101º, ambos do CPA, verifica-se que os mesmos em nada alteram a fundamentação da intenção de indeferimento, comunicada em 05-04-2011, que desta forma se torna definitiva.”» (cf. doc. 9 junto com a petição inicial, a fls. 49 dos autos em suporte físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

P) No dia 05·05·2011, a ora autora apresentou instrumento escrito, junto dos serviços da entidade demandada, endereçado ao presidente da Entidade Nacional de Reserva Agrícola, no qual exerceu o direito de recurso da decisão notificada em O) (c/ doc. 10 junto com a petição inicial, a fls, 50-52 dos autos em suporte físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

Q) Sobre o requerimento referido em P) não foi até ao momento proferida qualquer decisão (facto admitido por acordo).

R) No dia 11.01.2012, a sociedade «A2 - Análises Químicas» elaborou relatório de análises efetuadas ao solo do terreno referido em A), a requerimento da autora, onde fez consignar, além do mais, o seguinte: «Conclusão | Pelos níveis encontrados e dada a sua localização, configuração e extensão ficar entre caminhos, é fraco para aptidão agrícola» (cf. fls. 97 e 97-V. dos autos em suporte físico).

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B/DE DIREITO
DO ERRO DE JULGAMENTO
Contesta a Autora a asserção efectuada pelo Acórdão a quo no sentido de resultar da factualidade assente que a Recorrente, para além do prédio rústico inserido na RAN no qual pretende construir a sua habitação conforme pedido de autorização indeferido pelo acto impugnado, ser igualmente proprietária de um outro prédio não situado em área da RAN.
Constituindo esta asserção o fundamento base de improcedência da pretensão da ora recorrente na acção que propôs contra a RAN no tribunal a quo.

Com efeito, resulta do acórdão recorrido com reporte para a matéria de facto provada que "(…) decorre com mediana clareza que a pretensão da demandante não preenchia a totalidade dos requisitos para que pudesse beneficiar do regime que ora reclama ser aplicável. Com efeito verifica-se que a autora instruiu o seu requerimento além do mais. com certidão de teor matricial de todos os prédios rústicos e urbanos inscritos em nome de ambos os cônjuges, mais constatando que tal certidão atestava a existência na esfera jurídica da autora e seu cônjuge além do prédio rústico no qual pretende a autora construir a sua habitação de um outro prédio não situado em área RAN – cfr. alínea E, subalínea d) ponto ii do probatório.”.
Ora, compulsado o Processo administrativo e os documentos integrantes do presente processo à data da prolação da decisão recorrida, não se vislumbra nenhum elemento comprovativo da localização do outro prédio da propriedade da Recorrente “fora da área da RAN”.
Lida e relida a alínea E), subalínea d), ponto ii do probatório da qual consta que A autora instruiu o instrumento referido em C) com os seguintes elementos (idem): d) Certidão emitida pelas Finanças dos seguintes artigos matriciais de prédios rústicos detidos pela autora e pelo esposo JMCF: ii) Artigo 18 da freguesia de S... (SS), concelho de G..., com área total de 1000 m2 e com a descrição “lameiro e 200 videiras de enforcado”, nada resulta no sentido consignado pelo tribunal a quo de que a Autora/Recorrente e respectivo cônjuge são proprietários de um outro prédio rústico não situado em zona RAN. Tal certidão apenas atesta que aqueles são, também, proprietários de um outro prédio rústico com a área e descrição supra transcrita.
Igualmente da listagem anexa na declaração emitida pelos serviços de finanças referida nas alíneas H) a J) do probatório apenas constam dois prédios rústicos sem nenhuma menção directa ou indirecta a elementos que permitam concluir que o prédio rústico, artigo 18.º da freguesia de S... (SS), concelho de G... se encontrava fora de zona RAN.

Daí que inexistem nos autos elementos factuais idóneos ou aptos a fundamentar, válida e correctamente, a convicção da sentença recorrida da existência na esfera jurídica da Recorrente e do respectivo cônjuge de um outro prédio não situado em área RAN.

Neste contexto, registou-se na decisão Recorrida que “constata-se ainda que, mesmo depois de instada pela entidade demandada para instruir convenientemente o seu pedido ­designadamente porque a “(…) certidão de finanças (originariamente) enviada não correspondia ao solicitado, apenas confirmava a certidão de teor, pelo que teria de enviar de novo, a qual teria de corresponder (a) norma (…)” segundo a qual a predita declaração teria que atestar “(…) que o s requerentes (…) não são proprietários de qualquer outro edifício ou fracção para fins habitacionais (…)” -, a autora apenas juntou certidão que reiterava a existência de dois imóveis na esfera jurídica da autora e seu cônjuge – cf. Alíneas F), G), H) e I) do probatório.”.
No entanto, o discurso fundamentador da decisão Recorrida transcrito não reflecte o teor da factualidade assente naquelas alíneas.
Da alínea F) e desde logo retira-se que no dia 01-03-2011 a Recorrida enviou o ofício com ref 401/mr em que solicita à ora Recorrente o seguinte documento: “1- dado que a certidão de finanças enviada não corresponde ao solicitado, apenas confirma a certidão de teor, pelo que terá de enviar de novo, a qual terá de corresponder à norma anexa”.
Norma anexa enviada pela Recorrida que tem quanto ao documento em questão os seguintes dizeres “declaração dos Serviços de Finanças, atestando que o(a) requerente e o(a) respetivo(a) cônjuge, se o(a) requerente for casado(a), não são proprietários (as) de qualquer outro edifício ou fracção para fins habitacionais.”, e que a Autora cumpriu integralmente já que no dia 07-03-2011 apresentou requerimento nos Serviços de Finanças da PL, dirigido ao respectivo Chefe, com o teor decalcado do ínsito em tal norma consta – cfr. alínea G) do probatório. A declaração emitida por aqueles Serviços de Finanças em resposta foi a constante na alínea H) da matéria assente.
Razão porque nada mais era exigível à Autora.

Em síntese, a declaração que a Autora/Recorrente enviou, em cumprimento do solicitado no referido ofício de 01.03.2011, foi requerida de acordo com a predita norma anexa e emitida pelo serviço de finanças em conformidade. Dela não constando nem da relação de imóveis anexa que o segundo prédio de que a Recorrente e respectivo cônjuge são proprietários se situa fora da zona RAN, nem a existência de prédios urbanos ou outros destinados a fins habitacionais em nome da Recorrente e do cônjuge.

Acrescendo que, não obstante a Recorrente ter alegado, em sede de audiência prévia, que o outro prédio rústico de que é titular “(…) encontra-se condicionado de acordo com o regime transitório, disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 26/2010 de 30 de Março (...)”- cf. ponto N) dos factos provados – de tal alegação e prova não se infere, sem mais, como o fez o Acórdão recorrido, que “o antedito prédio situado fora da área RAN estava já a ser objeto de pretensão administrativa, por parte da autora e/ou do seu cônjuge com vista ao licenciamento/comunicação prévia referente a edificação urbana promovida pela demandante.”. Como já se deixou dito, de nenhuma alínea do probatório resultam factos/elementos/documentos que permitam ao tribunal a quo constatar que o outro prédio rústico propriedade da Recorrente (artigo 18.º…) se situa fora da área RAN e muito menos que já esteja a ser objecto de licenciamento/comunicação prévia referente a edificação urbana.
Aliás, e como bem alega a Recorrente, não tendo o acto impugnado se limitado a sustentar a falta de prova sobre a inexistência de alternativa viável fora da área RAN, expressamente referindo que “(…) tem alternativa fora da RAN”, invocou um facto extintivo do direito que a Recorrente se arroga pelo que de acordo com o artigo 342.º n.º 2 do CC era à Demanda ora Recorrida que lhe competia provar que a Recorrente possuí alternativa fora da RAN, o que não logrou fazer.

Termos em que a factualidade dada como provada não permitia, nem permite, a conclusão retirada pela decisão recorrida de que tal prédio rústico não se encontra em área RAN e que consubstanciou um fundamento tomado como certo e válido para justificar a improcedência da pretensão substantiva da Autora (de emissão de parecer favorável com vista à edificação de casa para habitação própria e permanente do seu agregado familiar em terreno integrado em RAN) por não verificação de um dos requisitos cumulativos verificados no artigo 22.º, n.º 1 alínea c) do Decreto-Lei n.º 73/2009, de 31/03“ (nomeadamente, o da ausência de alternativa fora da RAN)”.

Forçoso é, pois, concluir pelo erro de julgamento imputado à douta sentença recorrida.

De notar que a Recorrente juntou com as alegações de recurso, ao abrigo do disposto nos artigos 524.º e 693-ºB do anterior CPC aqui aplicáveis ex vi artigos 140.º do CPTA, um documento constituído por cópia de planta da RAN, respeitante à inserção do prédio em causa na referida reserva, e com data posterior à da prolação da decisão recorrida.

Os referidos normativos possibilitam a junção, em fase de recurso, com as alegações, de documentos ao processo quando essa junção se torne necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª instância. Ora, a decisão a quo ao ter considerado totalmente irrelevante o pedido impugnatório formulado na acção e consequentemente os vícios imputados – sem prejuízo, naturalmente, de o cerne de tal acção se consubstanciar na pretensão substantiva – e, sobretudo, errado na subsunção dos factos provados ao direito deu azo à necessidade de junção do documento em causa, a qual assim se defere.

Procedem assim as conclusões do presente recurso jurisdicional determinando-se, em consequência, a revogação do Acórdão recorrido e a consequente remessa dos autos ao Tribunal a quo para apreciação das questões respeitantes aos requisitos exigidos pelo Decreto-Lei n.º 73/2009, de 31 de Março e Portaria 162/2011, de 18 de Abril, para deferimento da pretensão da Autora/Recorrente, à luz do presente Acórdão e da factualidade já assente ou a assentar, mormente por recurso a eventuais diligências acrescidas de prova.
****
IV – DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em conceder provimento ao recurso, revogando-se o Acórdão recorrido, e determinando-se, em consequência, a remessa dos autos ao Tribunal a quo.
Sem custas.
Notifique.
DN.

Porto, 22 de Maio de 2015
Ass.: Alexandra Alendouro
Ass.: João Beato de Sousa
Ass.: Helena Ribeiro