Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00006/14.2BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/06/2015
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Alexandra Alendouro
Descritores:HORÁRIO ESPECÍFICO DE TRABALHO; TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS: 40 HORAS; CONSULTA PRÉVIA DOS TRABALHADORES E OUTRAS GARANTIAS
Sumário:I – A Lei n.º 68/2013, de 29 de Agosto, aprovou o novo regime de duração do período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas, aumentando as horas diárias e semanais, o que implicou a modificação, em concreto, dos diversos horários para todos e cada um dos serviços públicos abrangidos pelo âmbito de aplicação da lei mediante os inerentes actos e regulamentos administrativos.
II – De acordo com o artigo 135.º, n.º 2, do RCTFP todas as alterações dos horários de trabalho (com excepção daquelas cuja duração não exceda uma semana) devem observar as seguintes formalidades, justificadas pelas possíveis repercussões das alterações em causa na esfera pessoal dos trabalhadores: ser fundamentadas e precedidas de consulta aos trabalhadores afectados, à comissão de trabalhadores ou, na sua falta, à comissão sindical ou intersindical ou aos delegados sindicais e ser afixadas no órgão ou serviço com antecedência de sete dias, ainda que vigore um regime de adaptabilidade.
III – As alterações efectivadas pelos serviços públicos em sede de adaptação da Lei “das 40 horas” aos respectivos trabalhadores não ficam fora do âmbito de aplicação daquele normativo.
IV – A ausência de audição dos trabalhadores representados pelo Sindicato Autor, quanto ao modo de concretizar ou de especificar, caso a caso, a alteração do “horário específico de trabalho” por causa da Lei n.º 68/2013, bem como a falta de prévia afixação no órgão ou serviço do Município demandado, com antecedência de sete dias, feriu de invalidade o acto impugnado por violação do artigo 135.º, n.º 2, do RCTFP..*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Município de E...
Recorrido 1:Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local e Regional - STAL.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM em conferência os juízes da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo do Norte:
I – RELATÓRIO
O MUNICÍPIO DE E... interpôs recurso do Acórdão proferido pelo TAF de Aveiro que julgou procedente a acção administrativa especial intentada pelo SINDICATO NACIONAL DOS TRABALHADORES DA ADMINISTRAÇÃO LOCAL E REGIONALSTAL, visando o acto praticado pela Vereadora dos Recursos Humanos da Câmara Municipal de E..., em 27.09.2013, e o nos termos do qual foi determinada a alteração do período normal do horário de trabalho dos trabalhadores do Município para as 8 horas diárias e 40 horas semanais.
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Em alegações o Recorrente formulou as seguintes conclusões:
“1- O despacho impugnado teve como objeto a definição de uma data para a aplicação da Lei n.º 68/2013 que veio introduzir uma alteração da duração do período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas.
2- Tal seria inclusivamente desnecessário pelo facto de o diploma em causa se mostrar diretamente aplicável sem intermediação administrativa.

3- Estando em causa a mera alteração do período normal de trabalho, distinto do conceito legal de horário de trabalho, a Lei 68/2013 não efetua qualquer referência para a necessidade de observar o artigo 135.º do RCTFP.

4- Destinando-se o despacho impugnado não à definição dos novos horários de trabalho concretamente aplicados, mas apenas à determinação da aplicação dos períodos normais de trabalho legalmente definidos a partir de 28/09/2013, não tinha o mesmo de observar os procedimentos previstos no n.º 2 do artigo 135.º do RCTFP pois a mudança de horário não foi o objeto do despacho objeto da Ação Administrativa Especial.

5- O Regulamento Interno de Horário de Trabalho do Município estabelece distintos horários que poderão ser observados pelos trabalhadores. Dentro dos horários praticados pela autarquia haverá posteriormente o enquadramento de cada um dos seus trabalhadores num concreto horário definido. Seria face a este ato que deveriam ser observados os procedimentos previstos no n.º 2 do artigo 135.º do RCTFP e não face ao despacho impugnado.”.

Pede o provimento do recurso, revogando-se o acórdão recorrido e julgando-se a acção improcedente.


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Contra-alegando, o Recorrido conclui:
“a) Os órgãos e entidades competentes do Recorrente estavam obrigados à aplicação da Lei 68/2013 é certo;

b) O acto da Exma Vereadora em causa, ainda que limitando-se a proceder à aplicação da dita lei fá-lo sobre o horário de trabalho a que os trabalhadores do município estavam contratualmente obrigados por força das normas dos artigos 88º, n.º 4, 95º e ss, da LVCR e 126º do RCTFP, estatuindo, por remissão para um regulamento que também aprova, a forma como o aumento da carga horária semanal e diária se passaria a concretizar;

c) Ora, os órgãos e entidades competentes do Recorrente, ainda assim, não estavam eximidos do cumprimento dos procedimentos referidos no artigo 135º do RCTFP;

d) Em primeiro lugar porque, se os trabalhadores e as estruturas sindicais na autarquia fossem ouvidos, poderiam propor horários de entrada e de saída diferentes dos que constam do regulamento, como horários de entrada e de saída diferentes às 7h e às 8h e saída uma hora mais cedo, ou seja, o respeito pelos procedimentos indicados no n.º 2 do artigo 135º do RCTFP, daria aos destinatários dos actos a possibilidade de organizarem a sua vida, de sugerirem formas menos onerosas de cumprirem o aumento da carga horária (iniciar as jornadas de trabalho mais cedo, acabá-las mais tarde, reduzir, se possível os intervalos;

e) Em suma, o facto de a lei alargar genericamente a carga horária semanal e diária, não eximia os órgãos e entidades competentes do Recorrente de respeitarem os procedimentos legais, designadamente do n.º 2 do artigo 135º do RCTFP, e não lhes concedia a faculdade de, unilateralmente, fixarem o modo como o aumento da carga horária se deveria concretizar se na forma que fez constar do regulamento que da mesma forma unilateral aprovou se como o sugerido pelos trabalhadores e estruturas sindicais;

f) Em segundo lugar, porque não deixamos de estar perante uma alteração do horário de trabalho, não discriminada pela letra do n.º 2 do artigo 135º do RCTFP (cfr. acórdão do TCAS, junto às alegações por escrito);

g) Depois, porque as formalidades são essenciais no que toca ao modo como a lei é aplicada como se demonstrou, nem que fosse considerando o que acontece ante a preterição de procedimentos idênticos no âmbito do contrato individual de trabalho, em concreto, pelo facto de poder haver lugar à aplicação de uma contra-ordenação grave como decorre das normas do artigo 217º do Código do Trabalho;

h) De onde o acto impugnado desrespeitar os comandos das normas do n.º 2 do artigo 135º RCTFP, ficando ferido da invalidade consagrada no artigo 135º do CPA;

i) Pelo que o douto acórdão recorrido não incorre em nada do que lhe é assacado devendo ser confirmado na íntegra.

Termos em que deverá o presente recurso ser julgado improcedente, confirmando-se o acórdão recorrido.”.


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O Ministério Público foi notificado nos termos e para os efeitos previstos no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA pronunciando-se no sentido de improcedência do presente recurso (cfr. fls.162 e ss).
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Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projecto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o mesmo submetido à conferência para julgamento.
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II – DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto do presente recurso jurisdicional encontra-se delimitado pelas conclusões das alegações do recurso a partir da respectiva motivação – cfr. artigos 5.º, 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 3, 4 e 5 e 639.º do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA – sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso e do disposto no artigo 149.º do CPTA.
Neste pressuposto, importa apreciar e decidir se a decisão recorrida padece do alegado erro de julgamento de direito por errada interpretação e aplicação da normação convocada.

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III - FUNDAMENTAÇÃO
DE FACTO
Com relevância para a decisão proferida e a proferir, reproduzem-se os seguintes factos tidos como assentes pela sentença recorrida:

A) Em 27.09.2013, a Vereadora dos Recursos Humanos da Câmara Municipal de E... proferiu o seguinte despacho:

“(…)
Assunto: Lei 68/2013, de 29 de agosto
Como é do conhecimento de todos os trabalhadores a Lei 68/2013 entrará em vigor já amanhã Sábado (dia 28/9) e aumenta o horário de trabalho dos funcionários públicos de sete para oito horas por dia e de 35 para 40 horas por semana.
Para o efeito publicita-se em anexo o respectivo regulamento Interno para consulta, que aqui se aprova.
Esclarece-se ainda relativamente às jornadas contínuas já autorizadas antes do dia 28:
Que passando o período normal de trabalho a ser de 8 horas diárias, a redução fixada para a jornada continua terá por referência esse período normal de trabalho devendo ser ajustada, a hora de início ou termo da prestação diária de trabalho.
As oito horas não são necessariamente o limite máximo de trabalho diário. Serão adaptadas as normas relativas aos mecanismos de adaptabilidade e de banco de horas que nalguns casos permitem esticar a jornada diária até doze horas por dia, desde que haja negociação colectiva. A aplicação destes mecanismos obriga os serviços a garantir algum tipo de compensação em número de horas livres. A lógica é a de que o horário normal seja registado em termos médios. Além disso, podem continuar a existir horas extraordinárias.
Quanto às regras das horas extraordinárias o Orçamento do Estado para 2013 estabelecia um novo corte na compensação a pagar por horas extraordinárias, que é neste momento de 12,5% na primeira hora, 18,75% nas seguintes e de 25% em dia de descanso ou feriado. No entanto, estes valores apenas se aplicavam a pessoas cujo período normal de trabalho não exceda 35 horas. Logo, este regime deixa de se aplicar. Para o trabalho extraordinário prestado além das 40 horas aplica-se um acréscimo de 25% na primeira hora, 37,5% nas seguintes e de 50% nos dias de descanso ou feriados.
Quanto aos serviços que têm atendimento ao público, os mesmos estão obrigados a aumentar o período de atendimento que deve "tendencialmente" ter a duração mínima de oito horas diárias, em vez das anteriores sete. O eventual incumprimento dos novos horários dará origem a processo disciplinar.
(cfr. doc. n.º 1 da petição inicia1- fls. 12 dos autos);

B) Na mesma data do despacho referido em A), foi elaborado o Regulamento Interno de Horário de Trabalho do Município de E..., n.º l-A, onde, entre o mais, consta o seguinte:


“Regulamento n.º 1-A
Regulamento Interno de Horário de Trabalho do Município de E...
Nota Justificativa
Nos termos do disposto no artigo 115.º do Regime de Contrato de Trabalho em Funções Públicas a entidade empregadora pode elaborar regulamentos Internos do órgão ou serviço contendo normas de organização e disciplina do trabalho;
Nos termos do disposto no artigo 132.º do Regime de Contrato de Trabalho em Funções Públicas compete à entidade empregadora pública definir os horários de trabalho dos trabalhadores ao seu serviço, dentro dos condicionalismos legais, e após consulta dos trabalhadores através das suas organizações representativas;

De acordo com o artigo 115.º n.º 2 e 3 do Regime de Contrato de Trabalho em Funções Públicas estabelece-se que a aprovação dos regulamentos internos é precedida da audição da comissão de trabalhadores ou, na sua falta, da comissão sindical ou intersindical ou dos delegados sindicais, bem como da sua divulgação e discussão pelos trabalhadores;
Após a entrada em vigor da Lei n.º 68/2013 de 29/8, verificou-se a necessidade de dispor regras adaptadas à nova legislação e às necessidades impostas pela organização e gestão dos serviços desta autarquia;
Assim, em respeito pelos dispositivos acima mencionados e numa perspectiva de melhorar o funcionamento e a operacionalidade dos serviços da Câmara Municipal de E..., clarificam-se regras referentes a horários de trabalho, de atendimento e funcionamento, com respeito pelos direitos dos trabalhadores.
CAPÍTULO I
Objecto, Âmbito e Principais Gerais
Artigo 1.º
Lei habilitante
O presente regulamento é estabelecido ao abrigo do disposto no Regime de Contrato de Trabalho em Funções Públicas (doravante RCTFP) aprovado pela Lei n.º 59/2008 de 11 de Setembro.
Artigo 2.º
Objectivo e Âmbito de Aplicação (Subjectivo e Objectivo)
1- O presente regulamento estabelece as regras e os princípios em matéria de duração do horário de trabalho na Câmara Municipal de E..., respeitando os condicionalismos legais Impostos pelo RCTFP.

2 - O presente regulamento aplica-se a todos os trabalhadores da Câmara Municipal de E... que exercem funções públicas na modalidade de contrato de trabalho, qualquer que seja a natureza das suas funções.
3 - O presente regulamento aplica-se a todos os serviços da Câmara Municipal de E....

(...)

CAPÍTULO II
Duração dos Períodos de Trabalho
Artigo 4.
Regime Geral da Duração do Trabalho
1 - A duração semanal do trabalho é de quarenta horas, distribuídas por um período normal de oito horas por dia.
2 - O trabalho a tempo completo corresponde ao período normal de trabalho e constitui o regime regra de trabalho da Câmara Municipal de E..., correspondendo-lhe as remunerações base mensais previstas.
(…)
Artigo 26.º
Norma Revogatória
1- Com a entrada em vigor do presente regulamento ficam revogados os horários que se encontrem em desacordo com o estabelecido neste regulamento.
Artigo 27.º
Entrada em Vigor
I. - O presente regulamento Interno entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
27 de Setembro de 2013. - O Presidente da Câmara Municipal”

(cfr. doc. n.º 1 da petição inicial- fls 13 a 21 dos autos);

C) A alteração do horário referida na alínea A) não foi precedida de consulta às comissões sindicais (facto não controvertido - artigo 15º da petição inicial e artigo 1.º da contestação do Réu Município de E...);

D) A alteração do horário referida na alínea A) não foi afixada nos respectivos serviços, com sete dias de antecedência relativamente ao seu início (facto não controvertido - artigo 14.º da petição inicial e artigo 3.º da contestação do Réu Município de E...);

E) Em 16.09.2013, a Divisão de Recursos Humanos da Câmara Municipal de O... elaborou uma Informação Interna, relativa à duração do período normal de trabalho para os trabalhadores do Município de O..., com o seguinte teor:

(…)
Na sequência da entrada em vigor da Lei n.º 68/2013 de 28 de agosto estabelece a duração do período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas, a divisão de recursos humanos vem informar que:
1. De acordo com o n.º 1 do artigo 2.º da Lei mencionada, o período normal de trabalho dos trabalhadores em funções pública, passa a ser de oito horas por dia e quarenta por semana, período que se encontra aumentado face às sete horas por dia e trinta e cinco horas por semana até aqui em vigor
2. Determina o n.º 2 do artigo 2.º que os horários específicos existentes na entidade sejam adaptados ao novo período normal de trabalho de oito horas por dia e quarenta por semana;
3. Alteração do artigo 123.º do RCTF que, no que concerne ao período de atendimento, este deve, tendencialmente, ter a duração mínima de oito horas diárias e abranger os períodos da manhã e da tarde, cuja afixação das horas de início de o seu termo, devem ser obrigatoriamente afixadas, de modo visível ao público, nos locais de atendimento;
4. Alteração no artigo 127-A do RCTFP, sobre a adaptabilidade individual, que determina a possibilidade de, por acordo entre a entidade empregadora pública e o trabalhador, definir o período normal de trabalho em termos médios e que, passa a poder prever um aumento de trabalho até duas horas e que a duração máxima do trabalho semanal possa atingir cinquenta horas, só não contando nestas o trabalho extraordinário prestado por força maior e que, em semana cuja duração de trabalho seja inferior a quarenta horas, a redução possa ser até duas horas diárias ou, sendo acordada, em dias ou meios-dias, sem prejuízo do direito a subsídio de refeição;
5. Salientamos a alteração ao artigo 127-D do RCTFP, que regulamenta o banco de horas individual, e que prevê que este pode ser instituído por acordo entre a entidade empregadora pública e o trabalhador, podendo, neste caso, o período normal de trabalho ser aumentado até duas horas diárias e atingir cinquenta horas semanais, tendo o acréscimo por limite cento e cinquenta horas por ano, e devendo o mesmo acordo regular as mesmas situações previstas no n.º 4 do artigo 127-C, acerca do banco de horas por instrumento de regulamentação coletiva;
6. Ocorreram alterações no que concerne à duração e organização do trabalho por recurso a instrumentos de regulamentação coletiva. No entanto, na presente informação não nos centramos na sua análise por se tratar de uma matéria cuja aplicação será mais morosa no tempo e carece de vários intervenientes;
Face ao exposto, atendendo à necessidade de implementar o novo regime de duração do período normal de trabalho, a divisão de recursos propõe que os horários de trabalho dos trabalhadores do Município sejam ajustados da seguinte forma, a partir de 28 de setembro de 2013:
1. Horário Normal de Trabalho:

Horário Rígido: 08h30-12h30 e 13h30-17h30 (Em alternativa ao horário proposto, em situações específicas e de análise casuística, pode ser definido o horário 09h00-1300 e 14h00-18h00)
2. Horários Fixos para os sectores operacionais das Divisões de Ambiente e de Projetos, Obras Municipais e Conservação:

Horários Rígidos: 08h00-13h00 e J4h30-17h30; 08h30-12h30 e 13h30-17h30; 08h30­ 12h00 e 13h00-17h30.
(…)
6. Isenção de horário-Pessoal Dirigente:
O pessoal dirigente passa a partir de 28 de setembro de 2013 a cumprir o mínimo de quarenta horas de trabalho semanal.

A presente proposta, neste momento, assegura o cumprimento das disposições constantes da Lei n.º 68/2013 de 29 de Agosto. No entanto, atendendo ao reduzido período para a sua elaboração não foi possível a articulação com diferentes serviços o que poderá obrigar a alterações que decorram da análise a efectuar por estes.

Para além dos novos horários deve atender-se aos novos mecanismos de banco de horas de adaptabilidade pois visam a redução do trabalho extraordinário ou outros regimes que impliquem custos para o Município e devem ser objecto de propostas pelos dirigentes com vista à celebração de acordos com os trabalhadores a abranger.
Após a estabilização dos horários definidos procederá a divisão de recursos humanos a nova proposta de regulamento de horários para os trabalhadores do Município de O....
Nos termos do n.º 2. do artigo 135.º da Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, que aprova o Regime de Contrato de Trabalho em Funções Públicas deve proceder-se no envio da proposta, caso aprovada pelo Senhor Presidente aos senhores dirigentes municipais para verificação e articulação com os trabalhadores afectados e aos delegados sindicais do Município.

(cfr. doc. n.º 2 da petição inicial- fls 22 a 26 dos autos);

F) (….)


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DE DIREITO

A decisão recorrida anulou o acto praticado em 27.09.2013 pela Vereadora dos Recursos Humanos da Câmara Municipal de E... que determinou a alteração do período normal do horário de trabalho dos trabalhadores do respectivo Município para as 8 horas diárias, em aplicação da Lei n.º 68/2013, de 29 de Agosto, considerando verificado o vício de violação do disposto no artigo 135.º n.º 2 do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (RCTFP) aprovado pela Lei n.º 59/2008, de 11/9, dado não ter sido precedido da consulta/auscultação dos trabalhadores e das comissões sindicais, bem como da afixação das alterações de horário no serviço respectivo, com 7 dias de antecedência relativamente ao seu início.

O Recorrente insurge-se contra a referida decisão imputando-lhe erro de julgamento de direito dado o despacho impugnado ter como objecto a definição de uma data para a aplicação da Lei n.º 68/2013 que veio alterar a duração do período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas para as 8 horas diárias e a mera alteração do período normal de trabalho legalmente definido a partir de 28/09/2013 por reporte a distintos horários que poderão ser observados pelos trabalhadores – em cumprimento automático da lei – e não a “definição dos novos horários de trabalho concretamente aplicados” ou o “enquadramento de cada um dos seus trabalhadores num concreto horário definido”, não havendo assim lugar ao cumprimento das formalidades indicadas no artigo 135º n.º 2 do RCTFP, sendo que, aliás, a lei não faz qualquer referência para a necessidade de observar tais procedimentos.

Vejamos.

A Lei n.º 68/2013, de 29 de Agosto aprovou o novo regime de duração do período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas, alterando, por via do aumento de horas diárias e semanais, o período normal de trabalho daqueles, o que implicou, em concreto, a modificação dos diversos horários de trabalho dos órgãos/serviços abrangidos pelo âmbito de aplicação da lei, e respectivo funcionamento.

Resulta assim dos artigos 2.º e 10.º da Lei n.º 68/2013, de 29 de Agosto, respectivamente, que:

“1 - O período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas é de oito horas por dia e quarenta horas por semana.

2 - Os horários específicos devem ser adaptados ao período normal de trabalho de referência referido no número anterior. (...)”.

“O disposto no artigo 2.º tem natureza imperativa e prevalece sobre quaisquer leis especiais e instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho.”.

Por sua vez estabelece o artigo 132.º da Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, que aprovou o Regime de Contrato de Trabalho em Funções Públicas, sobre a epígrafe “Definição do horário de trabalho” o seguinte: “(...)

2 - As comissões de trabalhadores ou, na sua falta, as comissões intersindicais, as comissões sindicais ou os delegados sindicais devem ser consultados previamente sobre a definição e a organização dos horários de trabalho.

Determinando o artigo 135.º (Alteração do horário de trabalho) o seguinte:

“1 – Não podem ser unilateralmente alterados os horários individualmente acordados.

2 – Todas as alterações dos horários de trabalho devem ser fundamentadas e precedidas de consulta aos trabalhadores afectados, à comissão de trabalhadores ou, na sua falta, à comissão sindical ou intersindical ou aos delegados sindicais e ser afixadas no órgão ou serviço com antecedência de sete dias, ainda que vigore um regime de adaptabilidade.

3 – Exceptua-se do disposto no n.º 2 a alteração do horário de trabalho cuja duração não exceda uma semana, não podendo a entidade empregadora pública recorrer a este regime mais de três vezes por ano, desde que seja registada em livro próprio com a menção de que foi previamente informada e consultada a comissão de trabalhadores ou, na sua falta, a comissão sindical ou intersindical ou os delegados sindicais.

4 – As alterações que impliquem acréscimo de despesas para os trabalhadores conferem o direito a compensação económica.” (itálico e sublinhado nosso).

Ora, da interpretação conjugada dos normativos supra transcritos retira-se, com relevo para o presente processo, que todas as alterações dos horários de trabalho devem ser fundamentadas e precedidas de consulta aos trabalhadores afectados, à comissão de trabalhadores ou, na sua falta, à comissão sindical ou intersindical ou aos delegados sindicais e ser afixadas no órgão ou serviço com antecedência de sete dias, ainda que vigore um regime de adaptabilidade, excepcionando-se apenas de tal regime as alterações cuja duração não exceda uma semana.

Prevê tal normação um conjunto de formalidades prévias, de cumprimento obrigatório (e não meramente disciplinador), para efeitos de legalidade das alterações de horários de trabalho, justificadas, desde logo, pelo facto do horário de trabalho definir e determinar a fronteira entre o tempo em que o trabalhador se encontra na disponibilidade da entidade empregadora e aquele em que o mesmo pode dispor de tempo para si e para a sua família, usando-o em prol da sua realização pessoal, nas vertentes do lazer, cultura, actividade associativa, e outras, e de, assim, tais alterações de horário terem (ou poderem ter), repercussões significativas na esfera pessoal dos trabalhadores (basta pensar que estão em causa designadamente, as horas de entrada e saída em cada período de trabalho, os períodos de descanso, o período de duração da hora do almoço, as plataformas, os horários flexíveis, etc.).

Pelo que importa assegurar que a entidade empregadora, ora Recorrente, não altere os horários dos seus trabalhadores de modo unilateral, realizando a prévia concertação de vontades e interesses, garantindo assim, para além da invocação das razões de facto e de direito que considera fundamentarem a pretendida alteração de horários, a consulta prévia dos trabalhadores afectados ou envolvidos, da comissão de trabalhadores ou, na sua falta, da comissão sindical ou intersindical ou aos delegados sindicais, bem como a afixação da referida alteração no órgão ou serviço respectivo com a antecedência de sete dias.

Sendo que, perante o enquadramento fáctico e jurídico que se deixa traçado, a imperatividade da Lei n.º 68/2013 e a sua prevalência sobre quaisquer leis especiais e instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, por referência ao disposto no artigo 2.º da mesma lei que estabelece o novo período normal de trabalho diário e semanal, não pode obstar à aplicabilidade do regime previsto no artigo 135.º em causa, já que aquelas características não chocam com o cumprimento do referido preceito (também ele dotado de imperatividade).

Com efeito, e sem prejuízo da alteração da Lei n.º 68/2013 ter sido precedida de audiência prévia da estrutura representativa dos trabalhadores, a normação ínsita no artigo 135.º não ressalva do seu regime, nem expressa nem tacitamente, a situação em causa, mas apenas as alterações de horários cuja duração não exceda uma semana, tendo a Lei n.º 68/2013 imposto o período de atendimento e a duração do período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas, diário e semanal, e não os concretos horários, nas modalidades dos respectivos períodos de trabalho, para todos e cada um dos serviços públicos.

Assim, a referida lei não retirou espaço à mediação administrativa das entidades empregadoras para realizarem os ajustamentos das novas regras à realidade concreta dos respectivos serviços. O que, no caso, significa a obrigação de, entre o demais, cumprirem os procedimentos previstos no artigo 135.º do RCTFP de forma a garantirem o prévio conhecimento pelos trabalhadores visados das repercussões das novas alterações de horários nas respectivas vidas, dando-lhes a possibilidade de serem consultados, per si ou mediante as respectivas estruturas representativas, sobre um conjunto de situações passíveis de concertação e de ajustamentos, em prol da conciliação dos novos horários de trabalho com a sua vida familiar e de cidadania.

Sintetizando: da interpretação do disposto no referenciado artigo 135.º, literal, racional e conforme à unidade do sistema jurídico, ressalta a exigibilidade de cumprimento pelos serviços públicos empregadores, prévio a qualquer alteração de horário de trabalho, de formalidades consideradas essenciais face às possíveis repercussões na esfera pessoal dos trabalhadores.

Em sentido coincidente, veja-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo, de 20.02.2014, proferido no processo n.º 10816/14, bem como o Acórdão do mesmo Tribunal, de 06.03.2014, proferido no processo n.º 10828/14, disponível in www.dgsi.pt/jtca.nsf, do qual se transcreve o seguinte excerto:

«(...)

Ora, o caso presente, sob recurso, tem a ver com uma especificação de horário de trabalho por um acto jurídico-administrativo em consequência da norma geral e abstracta constante da Lei 68 2013, que aumentou o horário normal de trabalho dos trabalhadores do Estado para 40 horas semanais e 8 horas por dia.

O artigo 135 RCTFP impunha e impõe o seguinte, em termos de formalidades essenciais a cumprir quanto a todas as alterações dos horários específicos de trabalho público: «Todas as alterações dos horários de trabalho devem ser fundamentadas e precedidas de consulta aos trabalhadores afectados, à comissão de trabalhadores ou, na sua falta, à comissão sindical ou intersindical ou aos delegados sindicais e ser afixadas no órgão ou serviço com antecedência de sete dias, ainda que vigore um regime de adaptabilidade».

Trata-se de uma regra aplicável quer a actos administrativos, quer a normas administrativas. Clara e simples. (...)

Por outro lado, tal regra jurídica visa actividades administrativas que, na verdade, têm sempre na sua base uma lei. Pelo que é juridicamente incorrecto ver aqui uma especialidade na Lei 68/2013, como se os "horários específicos de trabalho" anteriores a 2013 não assentassem todos também numa lei, seguida de regulamentos e ou actos administrativos concretizadores.

Está, pois, sim em causa, aqui, "apenas" o modo, formalmente legal ou formalmente ilegal, de fixação do "horário específico de trabalho", por um comando jurídico-administrativo, no âmbito do "horário normal de trabalho" definido em geral e há décadas pela lei para os trabalhadores do sector público da economia.

Portanto: sempre que um Serviço Público pretender alterar, por acto administrativo ou por norma administrativa, o horário específico de trabalho (vd. assim o artigo 126º do RCTFP) dos seus funcionários, para cumprir as leis em vigor, esse Serviço deverá ouvir previamente os trabalhadores e a comissão de trabalhadores (ou as comissões sindicais). (...)».

Na situação dos autos, a decisão recorrida após enquadrar juridicamente a questão a decidir, em moldes idênticos aos supra delineados, e subsumir os factos ao direito, julgou inválido o acto impugnado relativo à alteração do horário de trabalho dos trabalhadores do Município de E... para as 8 horas diárias e 40 horas semanais, por incumprimento de formalidades essenciais previstas no artigo 135.º da Lei das “40 horas”: falta de consulta/audição prévia dos trabalhadores destinatários do acto ou comissão de trabalhadores, ou, na sua falta, das estruturas sindicais representantes, como o Sindicato Recorrido, e de afixação prévia de tal alteração nos respectivos serviços com a antecedência de sete dias relativamente ao seu início – cfr. alíneas C) e D) do probatório – em contravenção do estatuído no artigo n.º 135° do RCTFP, o que justificou a respectiva anulação.

Nada havendo pois a opor à interpretação e aplicação da lei efectivada pelo tribunal a quo, não assistindo razão ao Recorrente.

Improcedem assim as conclusões alegatórias e concludentemente o erro de julgamento imputado à decisão recorrida, a qual se mantém.


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IV – DECISÃO

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Notifique.

DN.

Porto, 6 de Novembro de 2015
Ass.: Alexandra Alendouro
Ass.: João Beato Sousa
Ass.: Helder Vieira