Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00740/11.9BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:09/23/2015
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:João Beato Oliveira Sousa
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM; ACTO ADMINISTRATIVO.
Sumário:Um ofício do Presidente da Câmara que incorpora mera informação, não definindo seja o que for relativamente à pretensão dos trabalhadores representados pelo Autor (STAL) no sentido do recebimento do abono para falhas segundo determinados critérios alegadamente decorrentes da legislação aplicável, não é configurável como acto administrativo nem consequentemente impõe àqueles a instauração de acção administrativa especial a fim de obterem a condenação do Município a proferir a decisão pretendia. *
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:SINDICATO NACIONAL DOS TRABALHADORES DA ADMINISTRAÇÃO LOCAL
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE OB
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Sumaríssima (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
SINDICATO NACIONAL DOS TRABALHADORES DA ADMINISTRAÇÃO LOCAL (STAL) veio interpor recurso da decisão do TAF DE AVEIRO que pôs termo à presente Ação Administrativa Comum nos seguintes termos:
«Assim, e por tudo o exposto, tendo o Autor STAL, que aqui age em representação dos identificados trabalhadores do Réu MUNICÍPIO DE OB, lançado mão da ação administrativa comum fora do condicionalismo previsto no artigo 37° do CPTA e em contravenção ao disposto no artigo 38º n° 2 do mesmo Código, tal conduz-nos ao juízo de ilegalidade na utilização de tal meio processual, o que obsta ao conhecimento do mérito da ação e determina consequentemente a absolvição do Réu da instância. O que se decide - artigos 38° nº2, 35° n°1 e 42° n°1 do CPTA, e artigos 288° n°1 alínea e) e 510° n°1 alínea a) do CPC, ex vi do artigo 1° do CPTA.»
*
Em alegações o Recorrente formulou as seguintes conclusões:

a) O douto aresto recorrido colocou termo no processo sem ter conhecido do mérito da acção, porquanto o Autor, ora Recorrente, lançou mão da acção administrativa comum fora dos condicionalismos do artº 37º do CPTA e em contravenção com o disposto no nº 2 do artº 38º do mesmo Código o que, conduzindo a um juízo de ilegalidade da utilização da acção comum, obsta ao conhecimento do mérito da acção e importa a absolvição da instância;

b) Todavia a acção administrativa comum era de facto a única que tinha cabimento;

c) Em primeiro lugar porque, não resultou provado que os actos de processamento de vencimentos, invocados pelo Réu na sua contestação como fundamentadores da caducidade, por não terem sido contenciosamente impugnados no prazo devido, correspondiam a uma resolução de autoridade e unilateral em relação aos requisitos, montante e forma de pagamento do abono para falhas, nem que essa resolução tenha sido notificada na forma legal aos sócios do Recorrente como determina o artº 268º, nº3, da CRP, não havendo assim que impugnar os actos de processamento de vencimentos, de acordo com a jurisprudência citada e transcrita no capítulo anterior;

d) Em segundo lugar, o acto de 21/6/2010 (confrontem-se os autos a fls 214), que o douto aresto recorrido diz dever ter sido alvo de acção administrativa especial com vista a obter o acto administrativo devido que o substituísse, não era impugnável dado não ser lesivo, por não indeferir a pretensão dos sócios do Recorrente, antes pelo contrário, ia de encontro à pretensão daqueles;

e) Com efeito, em requerimento colectivo os sócios do Recorrente, porque o abono para falhas que lhes estava a ser pago não correspondia ao que lhes era devido, invocando o artº 5º do DL nº 4/89 e 9º da Portaria 1553-C/2008, alegando que o abono para falhas era reversível diariamente a favor dos trabalhadores que a ele tivessem direito segundo a fórmula do nº 2 do artº 5º do DL nº 4/89, esclarecendo que o abono era equivalente ao número de dias de trabalho efectivo no mês em causa tal como sucedia com o subsídio de refeição, peticionaram que o abono para falhas lhes fosse abonado de acordo com as regras do artº 5º, do DL citado, ou seja revertido diariamente, devendo equivaler ao número de dias de trabalho efectivo prestado;

f) Neste quadro o acto em causa (confrontem-se os autos fls 214) vem dizer: «…Em resposta ao requerimento (…) recebido em 21 de Maio de 2010, tenho a informar que (…), o abono é atribuído a favor dos trabalhadores que a ele tenham direito e distribuído na proporção do tempo de serviço prestado no exercício das funções, sendo o valor diário calculado de acordo com a fórmula prevista no nº 2 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 4/89…»;

g) Neste quadro não se descortina onde reside o carácter lesivo deste acto, não se divisa em que é que contraria a pretensão dos sócios do Recorrente, antes pelo contrário. Não se descortina no seu teor qualquer indeferimento do requerimento dos sócios do Recorrente (documento nº 4 junto à p.i.);

h) Em bom rigor, aquilo que o douto aresto recorrido considera como acto lesivo, a substituir numa acção administrativa especial, vai, a final, de encontro à pretensão dos sócios do Recorrente. Assim sendo, como é que os sócios do recorrente poderiam discordar de um acto que lhes reconhece o direito nos termos em que o vindicaram?;

i) A presente acção, assim feita cessar pelo aresto recorrido, a mais não corresponde do que à concretização do acto que o douto aresto sustenta ser de indeferimento da pretensão dos sócios do Recorrente;

j) Na verdade, pese embora as directivas constantes do dito acto, os sócios do Recorrente continuaram a não ser pagos conforme as determinações de tal acto, facto que determinou o escopo da presente acção intentada em 28 de Setembro de 2011;

j) É assim que o Autor, ora Recorrente, pede na acção dos presentes autos as diferenças entre o abono para falhas pago e o que deveria ter sido pago pelo trabalho que prestaram em dias de trabalho normal e em dias de trabalho extraordinário, designadamente, dias de descanso complementar, semanal e feriados;

l) Pelo que o douto aresto recorrido violou as normas dos artºs 37º, nºs 1 e 2, 38º, nº 2 e 46º, nº 1 do CPTA.

Termos em que deverá o presente recurso merecer provimento, revogando-se o douto aresto recorrido.

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Contra-alegando o Recorrido concluiu:

1) A douta sentença recorrida pôs termo ao processo sem se debruçar sobre o mérito da pretensão formulada pelo Recorrente, na medida em que foi julgada procedente a exceção dilatória de caducidade do direito de ação, tendo por conseguinte, sido determinada a absolvição do Réu da instância (art. 288.º, n.º1, al. e) do CPC).

2) A sobredita exceção dilatória consubstancia-se no fato de o Recorrente ter ilegalmente lançado mão da forma de processo ação administrativa comum (art. 37.º, n.º2 do CPTA), ao invés de adotar a forma de processo administrativo especial (art. 46.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA) que seria a aplicável in casu, mas cujo prazo de interposição já teria expirado em face do disposto no art. 58.º, n.º2, al. b) do CPTA.

3) Nas suas alegações, o Recorrente procura obstar a esta decisão de teor formal, insistindo na tese da inevitabilidade do recurso à ação administrativa comum, o que não podemos jamais, em legalidade, aceitar.

4) Com efeito, o meio processual idóneo a fazer valer a sua pretensão em juízo deveria ser a ação administrativa especial, quer se entenda que o ato a impugnar seriam os atos de processamento de vencimento dos funcionários (aos quais falta alegadamente o cômputo da quantia diária de 3,98€, a título de abono para falhas), quer se entenda que seria o ofício do Recorrido Município (ato administrativo no qual se reconhece o direito dos funcionários municipais ao recebimento do abono para falhas os termos do disposto no art. n.º2 do art. 5.º do D.L. n.º4/89 de 6 de Janeiro, na redação que lhe foi dada pelo D.L. n.º276/98, de 1 de Setembro, com as alterações introduzidas pelas Leis n.º12-A/2008, de 27 de Fevereiro, e n.º64-A/2008, de 31 de Dezembro).

5) Improcede quanto aos primeiros - atos de processamento de vencimentos - o argumento do Recorrido em como não consubstanciariam autênticos atos administrativos, pois jurisprudência absolutamente pacífica e consolidada do Supremo Tribunal Administrativo considera-os inequivocamente como tal.

6) Improcede relativamente ao segundo - ato administrativo do Município Recorrido - a tese de que não apresentaria quanto aos funcionários municipais qualquer conteúdo lesivo, indo mesmo de encontro à sua pretensão de tutela jurisdicional, razão pela qual também não poderia ser impugnado através de ação administrativa especial.

7) Na verdade, afigura-se claro que este ato administrativo do Recorrido lesa inequivocamente a esfera jurídico-patrimonial dos funcionários, na medida em que não obstante reconhecer o direito ao recebimento do abono para falhas nos seguintes termos:

“ (…) o abono é atribuído a favor dos trabalhadores que a ele tenham direito e distribuído na proporção do tempo de serviço prestado no exercício das funções, sendo o valor diário calculado de acordo com a fórmula prevista no n.º2 do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 4/89, de 6 de Janeiro, na redação que lhe foi dada pelo D.L. n.º276/98, de 1 de Setembro, com as alterações introduzidas pelas Leis n.º12-A/2008, de 27 de Fevereiro, e n.º64-A/2008, de 31 de Dezembro”, não o faz em conformidade com a pretensão do Recorrente.

8) Existe uma diferença substancial e não despicienda entre: simplesmente conceder o abono para falhas no valor de 3,98€ a cada um dos funcionários municipais, por cada dia de trabalho prestado (perspetiva estritamente formalista adotada pelo Recorrente), e atribuir diariamente um montante pecuniário (a determinar), a título de abono para falhas, na proporção da média de tempo efetivamente despendido pelos funcionários municipais nas funções de recebimento e manuseamento de quantias públicas (perspetiva substantiva por nós adotada, em face do teor da lei) - diferença esta que consubstancia o carácter lesivo do ato administrativo em apreço.

9) De facto, é este o teor do n.º1 do art. 5.º do D.L. n.º4/89, de 6 de Janeiro, na sua redação originária, ainda em vigor, e que é aplicável no caso em apreço:

O abono para falhas é reversível diariamente a favor dos funcionários que a ele tenham direito e distribuído na proporção do tempo de serviço prestado no exercício das funções” (sendo nosso o negrito).

10) Ora, não fazendo prova, e nem sequer alegando quais os períodos temporais concretos em que essa cobrança é feita, no sentido de permitir quantificar os concretos períodos diários que a ela são dedicados, é forçoso concluir que a pretensão do Recorrente ao recebimento da quantia de 3,98€ por cada dia de trabalho prestado deve forçosamente improceder.

11) Tudo considerado, e caso não se entenda pela confirmação da douta sentença recorrida, o que não se concede, devem todas as alegações do Recorrente no que concerne à questão substantiva em discussão nos presentes autos, improceder.

Termos em que deve o recurso interposto ser julgado totalmente improcedente, por não provado, mantendo-se integralmente a douta sentença recorrida, com todas as consequências legais.


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FACTOS

Embora na decisão recorrida, por assumir a forma de despacho, a matéria de facto não surja discriminada, releva para discussão da causa o seguinte:

A)

O pedido formulado pelo Autor na presente acção é o seguinte (transcreve-se apenas a parte genérica, comum a todos os trabalhados representados):

«Nestes termos e com o mui douto suprimento de Vossa Excelência deverá o Réu ser condenado a:

a) Reconhecer aos associados do Autor o direito ao abono para falhas no valor diário de 3,98€, que deveria e deve ser pago não apenas nos dias de horário normal de trabalho semanal mas, também, nos dias de descanso semanal, complementar e feriados;

b) Pagar aos sócios do Autor o abono para falhas no valor diário de 3,98€, nos dias em que prestaram e prestam trabalho normal semanal e nos dias em que efectuaram trabalho extraordinário em dias de descanso complementar, descanso semanal e feriados (tendo em conta o valor horário de 0,57€), deduzido do que lhes foi e está e ser abonado mensalmente que à presente data constituem os montantes que se passam e discriminar:

(…)

Termos em que deverá apresente acção ser Julgada procedente porquanto provada, condenando-se o Réu no pedido, cumprindo-se desta forma a lei e fazendo-se JUSTIÇA».

B)

Em 21-05-2010 os trabalhadores do MUNICÍPIO DE OB cujos direitos o Autor STAL aqui visa defender subscreveram e dirigiram ao Presidente da Câmara Municipal o requerimento junto sob Doc. nº 4 com a Petição Inicial, a fls. 20 dos autos, com o seguinte conteúdo:

«1º

Os exponentes/peticionários exercem funções na Piscina Municipal de OB.

Uma das principais funções que desempenham consiste na venda de títulos e inerente arrecadação em dinheiro.

Já por várias vezes aconteceu terem de repor as quantis em falta do seu bolso.

Acontece que os exponentes/requerentes não têm sido remunerados do suplemento do abono para falhas segundo critérios uniformes e legais.

Se até data recente recebiam cerca de 70,00€ cada, mensalmente, agora são abonados de quantia bem inferior que resulta da divisão do montante fixo legalmente pelos peticionários.

Acontece que por força da alteração ao DL n.º 4/89, de 6/1, com a redacção do DLÇ n.º 276/98, levada a efeito pela Lei n.º 64-A/2008, de 31/12, a partir de 1/1/09 os trabalhadores que manuseiam dinheiro ou tenham à sua guarda, nas áreas de tesouraria ou cobrança, valores, numerário, títulos ou documentos, sendo por eles responsáveis passaram a ter direito, sem necessidade de caução, a abono para falhas.

Abono para falhas esse cujo montante é fixado pela Portaria a que se reporta o n.º2, do art. 68º, da Lei n.º 12-A/2008, de 27/2, Lei dos Vínculos, Carreiras e Remunerações, LVCR.

Montante que desde a mesma altura é de 86,29€ nos termos do art. 9º da Portaria 1553-C/2008, de 3112.

Abono que é reversível diariamente a favor dos funcionários que a ele tenham direito e distribuído na proporção do tempo de serviço prestado no exercício das funções, conforme o art. 5º do DL nº 4/89, na sua actual redacção, segundo a fórmula do nº2 do mesmo artigo.

10º

Assim, para quem trabalhe 5 dias por semana o valor diário do abono para falhas é de 3,98€.

11º

Consequentemente o abono para falhas mensalmente devido é o equivalente ao número de dias de trabalho efectivo no mês em causa, algo semelhante ao pagamento do subsídio de refeição.

Nestes termos,

Vêm requerer a Vª Exª se digne ordenar a regularização do abono para falhas dos requerentes de acordo com a lei, ou seja, segundo o disposto no art. 5º do DL nº 4/98, na redacção vigente, com efeitos a 1/1/09.»

C)

O requerimento referido em B) mereceu a resposta vertida no ofício de 28-06-2010 (junto sob Doc. n° 5 com a Petição Inicial, a fls. 23 dos autos), subscrito pelo Presidente da Câmara Municipal, com o seguinte teor:

«Petição conjunta - Abona para Falhas

Exmo. Senhor.

Em resposta ao requerimento de V. Exa., sem data, recebido em 21 de Maio de 2010, tenho a informar que, de acordo com a informação técnica da Drª JV, o abono é atribuído a favor dos trabalhadores que a ele tenham direito e distribuído na proporção do tempo de serviço prestado no exercício das funções, sendo o valor diário, calculado de acordo com a fórmula prevista no nº 2 do art. 5º do Decreto-Lei nº 4/89, de 6 de Janeiro, com a redação que lhe foi dada pelo decreto-lei nº 276/98, de 1 de Setembro, e com as alterações introduzidas pelas Leis n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, a nº 64-A/2006, de 31 de Dezembro.

O tempo de serviço presado por cada trabalhador, no exercício de funções que implique o manuseamento de dinheiro e informado pelo Chefe de Divisão

Com os melhores cumprimentos, subscrevo-me com consideração

O Presidente da Câmara»

*
DIREITO

Lê-se, além do mais, no despacho recorrido:

«Tendo por conseguinte o Réu MUNICÍPIO DE OB mantido a forma de cálculo e processamento do abono para falhas aos ali identificados requerentes.

Pelo que, atento o quadro normativo em causa, e as circunstâncias do caso, caso os mesmos discordassem da decisão que verteu sobre aquele seu requerimento de 21-05-2010, vertida e notificada através daquele oficio de 28-06-2010, deveriam ter lançado mão da ação administrativa especial com vista a obter o ato administrativo devido em substituição do indeferimento que versou sobre aquele seu requerimento, o pretendido processamento do abono para falhas nos termos por eles propugnados, já que à luz da lei da lei de processo só a formulação de tal pretensão no âmbito de uma ação administrativa especial é legalmente admissível, sendo também a única que conduz, obtido que seja o respetivo provimento, à produção dos efeitos materiais pretendidos pelos interessados. É que a resposta ao requerimento apresentado pelos trabalhadores em 21-05-2010, vertida no ofício de 28-06-2010 do Presidente da Câmara Municipal, configura e constitui uma verdadeira decisão administrativa versada sobre a requerida pretensão daqueles trabalhadores (cfr. artigos 74°, 107º e 120° do CPA) com a correspondente definição jurídica. E essa decisão administrativa não pode deixar de ser configurável como um ato administrativo. (…)

Ora no caso, tendo a pretensão dirigida pelos identificados trabalhadores sido expressamente indeferida nos termos do ofício de 28-06-2010 estes dispunham a partir de tal ocasião do prazo de 3 meses para instaurar a competente ação administrativa especial visando, como já se disse, a condenação na prática do ato administrativo devido em substituição do recusado, em conformidade com o disposto no artigo 69° n°s 2 e 3 do CPTA. O que não fizeram, deixando decorrer o prazo. E vindo instaurar a presente ação administrativa comum com vista à satisfação da mesma pretensão matéria apenas em 28-09-2011 (cfr. fls. 2 dos autos).

Assim, e por tudo o exposto, tendo o Autor STAL, que aqui age em representação dos identificados trabalhadores do Réu MUNICÍPIO DE OB, lançado mão da ação administrativa comum fora do condicionalismo previsto no artigo 37° do CPTA e em contravenção ao disposto no artigo 38º n° 2 do mesmo Código, tal conduz-nos ao juízo de ilegalidade na utilização de tal meio processual, o que obsta ao conhecimento do mérito da ação e determina consequentemente a absolvição do Réu da instância. O que se decide - artigos 38° nº2, 35° n°1 e 42° n°1 do CPTA, e artigos 288° n°1 alínea e) e 510° n°1 alínea a) do CPC, ex vi do artigo 1° do CPTA.»


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Nas suas conclusões o Recorrente (STAL) procura desde logo infirmar a impugnabilidade dos actos de processamento de vencimentos no que respeita ao abono para falhas em causa, mas essa questão nem sequer se coloca, porque a decisão judicial em crise assenta inequivocamente no fundamento de que a pretensão dos representados do Autor/Recorrente foi “expressamente indeferida nos termos do ofício de 28-06-2010”.

Assim tem inteira razão o Recorrido (Município) quando em contra-alegação refere que “os atos administrativos a impugnar não seriam os atos de processamento de vencimentos … mas antes o ato administrativo prolatado pelo Município em 28/06/2010, tal como considerou a douta sentença recorrida”.

A única questão em jogo prende-se, portanto, com a natureza jurídica (informativa ou decisória?) do conteúdo formalizado no dito ofício camarário de 28-06-2010, designadamente quanto a saber se configura um acto administrativo lesivo dos interesses dos seus destinatários, sendo por isso contenciosamente impugnável, ou não.

Nesta indagação não há que conjecturar sobre a vontade implícita ou hipotética do autor do documento (nem o Recorrido, honra lhe seja feita, esgrime com esse tipo de argumentos) importando apenas precisar os efeitos jurídicos que, no contexto dado, ressaltam do seu elemento literal.

É sabido que o elemento literal não é o único critério interpretativo a considerar e, por isso, a menção expressa no dito ofício “tenho a informar…”, desacompanhada de qualquer expressão denotativa de um sentido decisório (por exemplo, “indefiro”), embora apontando claramente para a natureza de “informação” e não de “acto administrativo”, não é intangível.

Na verdade, se for proferida por um órgão da Administração uma decisão apta a produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta existe aí um acto administrativo (cfr. artigo 120º CPA), sem que o diverso “nomen juris” que a própria Administração lhe atribua vincule o Tribunal, muito embora não possa deixar de equacionar-se também a protecção da confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa (cfr. artigo 6º-A CPA).

No caso, porém, não é necessário ascender ao plano dos princípios, porque, ao contrário do sustentado na decisão recorrida, não se vislumbra qualquer decisão apta a produzir efeitos jurídicos encapotada no texto do ofício.

Com efeito, aí se refere apenas, sem qualquer compromisso contra ou a favor da regularização dos abonos pretendida pelos requerentes, o quadro jurídico aplicável à situação (“sendo o valor diário calculado de acordo com a fórmula prevista no nº 2 do art. 5º do Decreto-Lei nº 4/89, de 6 de Janeiro, com a redação que lhe foi dada pelo decreto-lei nº 276/98, de 1 de Setembro, e com as alterações introduzidas pelas Leis n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, a nº 64-A/2006, de 31 de Dezembro”) concluindo-se daí, sempre num plano abstracto e genérico, que o mesmo é atribuível aos trabalhadores que a ele tenham direito “na proporção do tempo de serviço prestado no exercício de funções”.

Ora, nem esse enquadramento jurídico nem a conclusão daí retirada apresentam diferença relevante relativamente àquilo que é invocado no requerimento dos representados do Autor, que tal-qualmente e sob invocação dos mesmos diplomas legais reclamam a contabilização do abono “na proporção do tempo de serviço prestado nos exercício das funções”.

Diz o Recorrido em contra-alegações que “existe uma diferença substancial e não despicienda entre: simplesmente conceder o abono para falhas no valor de 3,98€ a cada um dos funcionários municipais, por cada dia de trabalho prestado (perspetiva estritamente formalista adotada pelo Recorrente) e atribuir-lhes diariamente um montante pecuniário (a determinar), a título de abono para falhas, na proporção da média de tempo efectivamente despendido pelos funcionários municipais mas funções de recebimento e manuseamento de quantias públicas (perspetiva substantiva por nós adotada, em face ao teor da lei) – diferença esta que consubstancia o caráter lesivo do ato administrativo em apreço”.

Essa diferença substancial até poderia ser relevante, concede-se em abstracto e por exigência de raciocínio, mas apenas se tivesse sido expressa em sede de decisão administrativa autoritária, mormente no ofício de 28-06-2010, e não apenas em contra-alegações de recurso.

Em suma, diversamente do concluído na decisão judicial recorrida, aquele ofício incorpora mera informação que não indefere nem define seja o que for relativamente à pretensão dos trabalhadores representados pelo Autor, não sendo configurável como acto administrativo, nem consequentemente lhes impondo a instauração de acção administrativa especial a fim de obterem a condenação do Município a proferir a decisão pretendida.

Em suma, o recurso merece provimento e a decisão recorrida não pode manter-se.

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DECISÃO

Pelo exposto acordam em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e determinar a remessa dos autos ao TAF competente, para que prossiga a tramitação da presente acção administrativa comum, se nada mais obstar.

Custas pelo Recorrido.

Porto, 23 de Setembro de 2015

Ass.: João Beato Sousa

Ass.: Helena Ribeiro

Ass.: Esperança Mealha