Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00074/04
Secção:Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/14/2004
Relator:Valente Torrão
Descritores:SISA - AJUSTE DE REVENDA
ART. 2º, § 2º CIMSISSD
TRANSMISSÃO EFEITOS FISCAIS
Sumário:1. Para efeitos do disposto no artigo 2º, parágrafo 2º do CIMSISSD deve considerar-se contrato promessa de compra e venda de um terreno aquele em que se clausulou que a primeira outorgante (a CM de Mira) prometeu ceder aos outorgantes (o impugnante e um seu associado) a Unidade Y da Zona A da Segunda residência do Plano Geral de Urbanização da Praia de Mira, sendo tal lote de terreno cedido sob a forma de propriedade plena e pagando os promitentes compradores pelo terreno, não um preço fixo, mas ficando sim com a obrigação de realizar obras de urbanização.
2.Tendo o impugnante cedido onerosamente a sua posição contratual no contrato promessa com a CM de Mira a terceiro, vindo aquela a celebrar com este o contrato de compra e venda do terreno, tem de considerar-se provada a existência do ajuste de revenda a que se refere o artigo 2º, parágrafo 2º do CIMSISSD.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. H .., contribuinte fiscal nº , residente , veio recorrer da decisão do Mmº Juiz do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Coimbra que julgou improcedente a impugnação por si deduzida contra a liquidação adicional de sisa no montante de 1.500.000$00 e juros compensatórios no montante de 1.464.904$00, efectuada pela Repartição de Finanças de Mira, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:

1) A douta sentença recorrida negou provimento à impugnação apresentada, mas, salvo o devido respeito, fê-lo erradamente já que incorreu quer em erro de julgamento em matéria de direito quer em erro de Julgamento em matéria de facto;

2) Errou no julgamento da matéria de facto ao não dar como provados os factos constantes do supra artigo 3°, e que, por tal razão, devem ser aditados ao probatório;

3) Errou no julgamento da matéria de direito ao considerar que houve transmissão fiscal dos três lotes a que refere o artº 4º da petição aquando da celebração do contrato promessa de cedência da posição aí referida por entender verificar-se uma situação de incidência enquadrável no § 2º do artigo 2° do CIMSISSD e juros compensatórios a partir da data de celebração desse contrato,

4) Quando o que foi ajustado entre a Câmara Municipal e o impugnante e seu associado não foi um contrato promessa de venda dos lotes, mas sim um contrato misto de um contrato administrativo típico de loteamento e urbanização (artº 44º do DL nº 400/84, de 31.12 ) e de um contrato de sociedade para realização das obras de urbanização do loteamento prédio e da sua exploração, celebrado entre uma autoridade administrativa no exercício dos seus poderes de autoridade e os particulares, visando realizar e satisfazer, simultaneamente os fins públicos de promoção da actividade turística no concelho e da realização das infraestruturas urbanísticas de utilidade geral ou colectiva descritas no contrato relativas ao prédio loteando e a outros, e os interesses particulares de ganho com a venda de lotes resultantes das operações de loteamento do terreno cedido e da exploração turística do caldeamento a instalar através do loteamento, em cujo resultado industrial e fiscal ( não fora a autarquia estar isenta nos termos do artigo 8° do CIRC) tanto estão interessados a Câmara como os promitentes loteadores;

5) Não é possível descortinar a existência de um contrato de compra e venda de lotes de terreno para construção onde existe apenas uma promessa de cedência de terreno para ser objecto de loteamento futuro e de concessão de determinadas vantagens administrativas nesse loteamento e uma promessa de realização da actividade de concretização dessas operações em cujo resultado de contrato está também interessada a autoridade cedente, e muito menos surpreender já um imóvel que pudesse ser objecto de um contrato promessa de compra e venda susceptível de tradição, como fez o Fisco e o tribunal recorrido acolheu pois enquanto as obras de urbanização não estivessem concluídas não era possível falar da existência legal de quaisquer lotes de terreno para construção, prédios ou imóveis advenientes do loteamento, nem efectuar jurídica e validamente quaisquer contratos de transmissão da propriedade de tais lotes de terreno;

6) A cedência da posição contratual efectuada pelo recorrente e associado a terceiro é apenas uma promessa de cedência da posição contratual ou da quota social naquele contrato misto em cujo resultado tanto são interessados a Câmara como os loteadores e a dação em pagamento através dos lotes, a preço dessa cessão de quotas, sendo impossível conjecturar uma tradição, posse ou usufruto em relação a uma coisa jurídica que ainda não existe como tal e possa ser invocada para justificar a tributação, como impossível é sustentar que à data do contrato promessa da cedência da posição do contrato administrativo, se estão a revender a terceiro lotes que antes houvessem sido prometidos comprar e que a escritura pública de cedência do terreno se refere a estes lotes, pois estes apenas advirão das operações futuras;

7) A transmissão fiscalmente relevante dos lotes de terreno apenas acontecerá quando “o recorrente venha a ter a sua tradição ou quando seja feita a escritura de dação em pagamento ao recorrente, tendo sido precisamente porque, à data do contrato promessa de cedência da posição contratual, ainda não existiam real e juridicamente os bens a dar em “dação em pagamento“ que se previu na cláusula 5ª desse contrato que ”... os primeiros outorgantes receberão devidamente infraestruturado e livres de quaisquer encargos os lotes… e cuja escritura será celebrada logo se encontre o alvará em vigor”;

8) Aliás, a forma como a Administração Fiscal achou a matéria colectável da sisa e que foi por referência ao possível valor dos lotes nascituros mas imputado antes das obras, quando em tal momento nunca poderia realizar-se legalmente a sua avaliação, revela a inexistência de, um prédio avaliável e de uma matéria colectável apurável nos termos do artigo 19° do CIMSISSD e como tal que pudesse ser objecto de transmissão fiscal;

9) O contrato em causa é pois um contrato diferente do tipificado no nº 2, § 1º, do artigo 2° do CIMSISSD e não existe facto tributário;

10) Não houve, pois tradição nos termos exigidos pela lei fiscal, nem posse, nem usufruto que permitam considerar ter-se verificado o facto tributário da transmissão;

11) Sem prescindir, mas ainda que, por mera hipótese académica, houvesse de qualificar-se o contrato celebrado como de promessa de compra e venda e ter havido a sua revenda para terceiro e entre este e o primitivo vendedor ser celebrada a escritura pública, ainda assim sempre seria ilegal a liquidação dos juros compensatórios relativos ao período anterior à celebração desta escritura, ou seja, relativamente à data anterior a 11.10.1991, pois que só neste último momento se completa, na prática da vida, o facto tributário ficcionado no artº 2, § 1°, 2° e § 2° do CIMSISSD, dado que só a realização da escritura a terceiro consubstancia a situação equivalente à tradição que em conjunto com a promessa de compra e venda constitui a transmissão considerada fiscalmente relevante ( facto tributário complexo composto de vários elementos).

Por tudo isto e pelo que Vªs Ex.cias se dignarão doutamente suprir, espera a recorrente que lhe seja feita justiça que lhe é devida e, consequentemente:

a) Seja concedido provimento total ao recurso, revogando-se a decisão recorrida, julgando-se procedente a impugnação judicial e anulando-se a liquidação e juros impugnados;

b) Seja concedido provimento parcial ao, recurso, julgando-se parcialmente procedente a impugnação e anulando-se os juros compensatórios liquidados referentes ao período anterior a 11.10.1991.

2. O MºPº emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso (v. fls. 165).

3. Colhidos os vistos legais cabe agora decidir.

4. São os seguintes os factos dados como provados em 1ª instância e que relevam para a decisão.

a) O impugnante e J .. celebraram, em 27 de Dezembro, de 1985, um contrato-promessa com a Câmara Municipal de Mira nos termos expressos de fls. 19 a 25.

b) A Câmara Municipal referida celebrou o contrato prometido, ao impugnante e seu associado, não com eles, mas com o terceiro que lhe foi indicado, a “Mira, S.A.”, por escritura celebrada em 11.10.91;

c) E o seu associado, Joaquim, prometeu ceder ao impugnante a sua parte na contrapartida ajustada com a “Mira, SA”, mediante o pagamento da quantia de 7.500.000$00;

d) Que veio a receber posteriormente, em duas prestações;

e) E autorizou o impugnante a escriturar a totalidade dos lotes em seu nome.

Ao abrigo do disposto no artigo 712º, nº 1, alínea a) do CPC e por relevarem para os autos e se encontrarem provados nos autos, aditam-se ao probatório os seguintes factos:

- De acordo com a escritura celebrada entre a CM de Mira e “Mira, SA”, a primeira deliberou em reunião extraordinária de dois de Agosto de 1991 alienar a propriedade plena da parcela de terreno em causa nos autos e que havia sido prometida vender ao impugnante e seu associado através do contrato promessa celebrado em 27/12/1985 (v. fls. 49);
- Da referida parcela de terreno era exclusiva e legítima dona e possuidora a CM de Mira em conformidade com o Plano de Pormenor da Zona A, do Plano Geral de Urbanização de Mira, aprovado em 7/2/1991 e por força do Decreto de desafectação (v. fls. 50);
- A Administração Tributária liquidou ao impugnante juros compensatórios relativamente ao período de tempo e com base nas taxas referidas no documento de fls. 42.

4.1. Entende o recorrente que o Mmº Juiz "a quo" deveria ter dado como provada a matéria constante do artigo das alegações, do seguinte teor:
"a) O impugnante e o associado Joaquim prometeram ceder a sua posição no contrato promessa à "Mira, SA", mediante a contrapartida em comum desta lhes ceder a propriedade dos lotes nºs 6 e 24 do núcleo B e 15 do núcleo A logo que estes fossem constituídos legalmente e fosse legalmente possível fazer a escritura de dação em pagamento;
b) O impugnante e o seu associado Joaquim celebraram com a "Mira, SA" um contrato promessa de cedência da posição contratual em Março de 1991, nos termos expressos do documento 3 junto com a petição inicial, cujo teor não foi impugnado".

Ora, tal matéria consta, efectivamente, do teor do documento que constitui fls. 26/28 e que não foi impugnado e releva para os autos, pelo que será aditada ao probatório fixado em 1ª instância.
No entanto, porque o conteúdo das duas alíneas é quase idêntico, serão as mesmas reunidas numa só do seguinte teor:
"O impugnante e o seu associado Joaquim, celebraram em Março de 1991 com a "Mira , SA" um contrato promessa de cedência da sua posição contratual no contrato promessa referido acima, nos termos do documento que constitui fls. 26/28, cujo teor se dá por reproduzido."

4.2. Apreciemos agora o segundo vício imputado à sentença recorrida.
O recorrente insurge-se contra o facto de o Mmº Juiz “a quo” ter entendido que o contrato celebrado entre si e o seu associado, por um lado e a CM de Mira, por outro, consubstancia um contrato promessa para efeitos do disposto no artigo 2º, parágrafo 1º, nº 2 do CIMSISSD.
No entendimento do recorrente o legislador pretendeu atingir a capacidade contributiva manifestada com a aquisição do direito de propriedade, colocando na mesma posição aqueles casos em que esta poderia ser alcançada com fuga à tributação ou em que se constata haver, de permeio, uma (mas apenas uma) transmissão económica do direito de propriedade substantivamente legítima sem que tenha havido tradição e sem que tenha sido feita a escritura pública (artigo 12º das alegações).
Ora, o que foi ajustado entre a CM de Mira e o impugnante e seu associado não foi um contrato promessa de compra e venda de lotes, antes um contrato misto de um contrato administrativo típico de loteamento e urbanização e de um contrato de sociedade para a realização das obras de urbanização do loteamento de um prédio e da sua exploração, em cujos resultados estão interessadas ambas as partes (artigo 14º das alegações).
De resto, estando o terreno ainda afecto ao domínio público à data do contrato promessa com a Câmara, como dele consta, e podendo apenas a constituição dos lotes acontecer só depois de celebrado o contrato prometido e tendo-se iniciado apenas também depois deste contrato definitivo o procedimento legal tendente ao fraccionamento de que advinham os lotes, nunca se poderia falar de transmissão dos lotes à altura dos contratos promessa de cedência do terreno ou da posição contratual (artigo 20º das alegações).
Deste modo, sendo impossível conjecturar uma tradição, posse ou usufruto em relação a coisa jurídica que ainda não existe como tal e possa ser invocada para justificar a tributação, a transmissão fiscalmente relevante dos lotes de terreno apenas acontecerá quando o recorrente venha a ter a sua tradição ou quando seja feita a escritura de dação em pagamento ao recorrente (artigos 23º e 25º das alegações).

Será que estamos então perante contrato atípico, diverso do de contrato promessa ?
Parece-nos que não, sendo válida a fundamentação da FP constante de fls. 113/115, no sentido de que estamos, efectivamente, perante um verdadeiro contrato promessa de compra e venda de terreno.
Na verdade, consta dos autos, para além do mais, que:
a) A CM de Mira prometeu ceder ao impugnante e seu associado a “Unidade Y da Zona A da segunda residência do Plano Geral de Urbanização da Praia de Mira”, sendo tal cedência efectuada sob a forma de propriedade plena (doc. de fls. 19);
b) Em contrapartida da cedência, os promitentes compradores ficavam obrigados à realização das obras de urbanização indicadas no contrato e que, em princípio, caberiam ao município (v. fls. 21).

Temos então aqui a transmissão da propriedade plena de um imóvel mediante uma contrapartida, que não consiste numa entrega monetária ao promitente comprador, mas na realização de obras de urbanização. Quer dizer, em vez do preço em dinheiro a pagar pela transmissão, os promitentes compradores realizariam obras de urbanização; por sua vez, a CM de Mira, promitente vendedora, em vez de pagar as obras de urbanização da sua responsabilidade, efectuava o pagamento com o terreno.
Existe, assim, um negócio oneroso vantajoso para ambas as partes contraentes e das quais ambas retiram benefícios de natureza económica, pelo estamos perante um verdadeiro contrato promessa de natureza civil.

4.3. Posto isto, cabe agora apurar se, em face dos argumentos acima expostos do recorrente, há ou não lugar à liquidação impugnada ao abrigo do artigo 2º, parágrafo 2º do CIMSISSD.
A referida norma dispõe o seguinte: “ Nas promessas de venda entende-se também verificada a tradição se o promitente comprador ajustar a revenda com um terceiro e entre este e o primitivo vendedor for depois outorgada a escritura de venda”.

O recorrente entende que a cedência da sua posição contratual a terceiro em causa nos autos não pode constituir transmissão fiscalmente relevante, pois tal apenas poderia acontecer quando o recorrente viesse a obter a tradição do terreno, isto é, quando fosse efectuada a escritura de dação em pagamento ao recorrente (conclusão 7ª). E isto porque à data da cessão da posição contratual ainda não existiam real e juridicamente os bens a dar em dação em pagamento. Assim, não existe tradição nos termos exigidos pela lei fiscal, nem posse, nem usufruto que permitam considerar ter-se verificado o facto tributário da transmissão.

É certo que o recorrente não chegou a obter a posse do terreno já que, celebrado o contrato promessa em 7.12.1985, só a partir de 7.2.1991 a CM de Mira estaria em condições de transmitir a referida parcela, sendo que só por deliberação em reunião extraordinária de dois de Agosto de 1991 houve luz verde para alienar a propriedade plena da parcela de terreno em causa nos autos e que havia sido prometida vender ao impugnante e seu associado através do contrato promessa celebrado em 27/12/1985 (v. fls. 49);
Portanto, na data da cessão da posição contratual do oponente à “Mira, SA”, - Março de 1991- o recorrente ainda não tinha a posse ou uso daquela.
Porém, como bem refere a decisão recorrida, nem sempre os conceitos civilísticos coincidem com os conceitos fiscais, sendo estes últimos muitas vezes motivados por aspectos económicos. Deste modo, o legislador criou o conceito fiscal de transmissão consagrado, nomeadamente, no artigo 2º, parágrafo 2º do CIMSISSD, acima citado, que não implica qualquer posse da coisa ou a sua aquisição por escritura pública, tal como se exige em direito civil.
Assim, em face deste conceito, provada a promessa da compra e venda do imóvel e o ajuste de revenda com terceiro com o qual o promitente comprador venha a celebrar a realização da respectiva escritura, fica preenchido o facto tributário, ficcionando-se aqui uma transmissão relacionada com uma operação económica.
Deste modo, apenas se permite ao promitente comprador inicial que não existiu ajuste de revenda. Mas provado este, considera-se automaticamente existente uma transmissão para efeitos de liquidação do respectivo imposto.
É que, não se referindo a lei na norma citada à exigência de posse por parte do primitivo promitente comprador, temos de entender que o legislador pretendeu tributar uma situação friccionada como transmissão, não atendendo ao conceito civilístico, mas sim ao aspecto económico da operação.
Neste sentido, aliás, se decidiu também no Acórdão do TCA, de 7.10.2003 –Recurso nº 564/2003 em cujo sumário se escreveu o seguinte:
“ Resultando dos autos que o impugnante cedeu a sua posição de promitente comprador a terceiro, que veio a celebrar a escritura de compra e venda com o promitente vendedor, deve considerar-se ter havido ajuste de revenda, sendo irrelevante que não tivesse a posse do bem prometido vender ou que o preço da transmissão tivesse sido o constante do contrato promessa”.

Pelo que ficou dito improcedem as conclusões 3ª a 10ª das alegações.

4.4. Finalmente, quanto à liquidação dos juros compensatórios o recorrente também não tem razão.
Com efeito, tendo o contrato de cessão sido celebrado em Março de 1991, seriam devidos juros compensatórios a partir dessa data, já que em face do artigo 2º, parágrafo 2º, acima citado, o facto tributário ocorreu nessa data.
Porém, tal como resulta do doc. de fls. 44, a Administração Tributária apenas liquidou juros compensatórios a partir de 1.5.1991.

Deste modo, improcede também a conclusão 11ª.

5. Nestes termos e pelo exposto nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida e mantendo-se a liquidação impugnada.
Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em cinco UC.
Porto, 14 de Outubro de 2004
João António Valente Torrão
Moisés Moura Rodrigues
Dulce Manuel Conceição Neto