Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00123/04.7BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:09/29/2005
Tribunal:TAF do Porto - 2º Juízo
Relator:Dr. Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia
Descritores:ABONO PARA FALHAS - CESSAÇÃO PAGAMENTO
Sumário:I. O pagamento do abono para falhas a que se refere o DL n.º 4/89 de 6/01 deve ser sempre autorizado expressamente mediante acto devidamente fundamentado.
II. Se o funcionário que se encontra a receber tal abono, muda de posto de trabalho e de funções, mas continua a receber o dito abono, só porque já o recebia anterior, sem que haja despacho expresso e fundamentado a autorizar o seu pagamento relativamente às novas funções e posto de trabalho, passou a receber o mesmo abono ilegalmente.
III. O despacho que ordena a cessação dos pagamentos e a reposição das quantias assim recebidas não revoga anterior despacho administrativo mas apenas repõe a legalidade da actuação material.
Data de Entrada:02/24/2005
Recorrente:M.
Recorrido 1:ISSS
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial - Pretensão Conexa com Actos Administrativos (CPTA) - Rec. Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Negar provimento ao recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
M…, com os sinais nos autos, inconformada, veio recorrer jurisdicionalmente do Acórdão do TAF do Porto, datado de 25 de Novembro de 2004, que julgou totalmente improcedente esta acção administrativa especial que havia intentado contra o Instituto de Segurança e Solidariedade Social.
Alegou, tendo concluído pelo seguinte modo:
1. O presente recurso de agravo tem por objecto a decisão do tribunal a quo no que concerne à parte analisada e alegada pela A. no concernente à matéria de direito, sem embargo do muito respeito que nos mereceu e merece a douta decisão proferida pelos Mmos. Juízes do Tribunal recorrido;
2. O tribunal a quo considerou não provada a existência do vício de violação de lei, por violação do disposto no art. 141º do CPA, ao não ter sido revogado dentro do prazo de um ano, cada um dos pagamentos mensais relativos ao abono para falhas, desde a mobilidade da agravante. Refere por errada interpretação da p.i., não o acto constitutivo de direitos, mas antes o acto revogando, dizendo que deve este representar, uma “actuação voluntária da Administração – que não uma pura omissão – definidora de uma situação jurídica de forma autoritária e unilateral; e, por outro lado, que a comunicação do acto ao interessado se faça de uma forma adequada, tal como é constitucionalmente exigido, de modo a permitir uma eficaz impugnação.”
Assim, violou o próprio artigo que se propôs interpretar, não subsumindo, devidamente, a factualidade (art. 141º do CPA);
3. Porém sem razão, já que o tribunal a quo, pela decisão recorrida fez errónea interpretação dos factos apresentados pela Autora, aqui agravante, quanto aos sucessivos actos de processamento de abono para falhas, que se foram estabilizando, e ao mesmo tempo, induzindo a fidúcia da sua estabilização na esfera jurídico-patrimonial da agravante;
4. De igual forma, fez errada qualificação/interpretação dos factos apresentados e, concomitantemente, sobre a aplicabilidade à situação sub juditio dos artigos 2º e 2º-A ambos do Decreto-Lei n.º 4/89 de 6 de Janeiro, com a redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 276/98 de 11 de Setembro;
5. Com tal decisão, foi violado frontal e flagrantemente o disposto no artigo 141º do CPA, o disposto nos artigos 2º e 2º-A, ambos do Decreto-Lei n.º 4/89 de 6 de Janeiro, com a redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 276/98 de 11 de Setembro;
6. Bem como o foram as disposições dos artigos 124º e 125º do Código do Procedimento Administrativo e ainda,
7. “A fortiori”, com a douta decisão, ocorreu violação frontal ao n.º 3 do artigo 268º da Constituição da República Portuguesa;
8. Resulta da decisão ora recorrida, que o despacho do Senhor Director Distrital Adjunto exarado no ofício n.º 079832 de 17 de Novembro de 2003 e notificado a 21 de Novembro de 2003 à A. não é ilegal – o que não se concebe – apesar de estar inquinado de vício de violação de lei ao omitir a aplicabilidade do artigo 2º e 2º-A do Decreto-Lei n.º 4/89 de 6 de Janeiro com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 276/98 de 11 de Setembro, e;
9. Violar flagrantemente as disposições aplicáveis à factualidade “sub judice”;
10. Não acolhe, a decisão recorrida, o pedido de declaração de existência de vício de forma, na medida em que não surge, devida e suficientemente fundamentado, o supra referido despacho do Senhor Director Distrital Adjunto exarado no ofício n.º 079832, de 17 de Novembro de 2003, nos termos indispensáveis e que se encontram previstos nos artigos 124º e 125º do Código do Procedimento Administrativo e ainda, “a fortiori”, por violação frontal ao n.º 3 do artigo 268º da Constituição da República Portuguesa;
11. Ora, tal situação é violadora da lei de forma;
12. Em suma, a decisão recorrida denegou justiça ao não condenar o ex-Instituto de Solidariedade e Segurança Social, actualmente designado por Instituto da Segurança Social, IP, à prática do acto legalmente devido, e que determinasse o direito da A. à existência do direito à percepção do abono para falhas;
13. Consequentemente, violou os arts. 2º e 2º-A, ambos do Decreto-Lei n.º 4/89 de 6 de Janeiro, com a redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 276/98 de 11 de Setembro;
14. A sentença deveria ter assumido a plenitude das alegações na pi e atender a que, efectivamente, jamais seria possível a agravante continuar a garantir a cobertura de eventuais falhas de verbas, se não viesse a ser abonada;
15. Deveria ter atendido à especial situação da Autora, aqui agravante, que in casu, representa um interesse que está para além dos seus próprios interesses pessoais, e que se consubstancia no interesse público, aqui manifestado pelo bem comum, ao garantir perdas eventuais do erário público;
16. Tudo isto, porém, deveria ter sido valorado e ponderado, tal como se demonstrou na pi, como forma de evitar situações consideradas não definidas, atento o conteúdo funcional efectivo, quotidianamente levado a cabo pela agravante;
17. Entende a A. ter demonstrado em toda a extensão da p.i. e subsequentes alegações, e bem assim nas conclusões de ambas, a existência à continuidade do direito a ser abonada para falhas.
Terminou, formulando os pedidos já formulados na pi.
Contra-alegou o Réu pugnando pela improcedência do recurso.
Também o Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
Porque a decisão sobre a matéria de facto contida no Acórdão recorrido não sofreu qualquer contestação por parte da recorrente, dá-se aqui a mesma por integralmente reproduzida nos termos do disposto no art. 713º, n.º 6 do CPC.
No presente recurso vem impugnada o Acórdão recorrido, no essencial, por ter feito errada interpretação e aplicação das normas aí referidas no tocante à questão de fundo suscitada pela Autora na sua acção.
Desde já se poderá dizer com segurança que nenhuma razão assiste à Autora.
Em primeiro lugar e quanto ao vício de falta de fundamentação do acto que se pretende lesivo dos seus interesses que se encontra documentado a fls. 32 a 38 dos autos.
Desde já se poderá dizer que bem andou o Acórdão recorrido ao reconhecer que o acto em crise se encontrava devidamente fundamentado.
Efectivamente o acto notificado por meio do ofício n.º 079832 consubstanciou-se num despacho de “Concordo” que recaiu sobre uma informação e consequente parecer produzidos pelos serviços do Réu.
Conforme foi suficientemente analisado no Acórdão recorrido o Código de Procedimento Administrativo nos seus artigos 124º e 125º e bem assim o art. 268º, n.º 3 da CRP não exigem que o despacho definidor da situação jurídica concreta do interessado contenha em si mesmo a fundamentação do sentido da decisão; basta ao cumprimento de tais preceitos legais que o mesmo vá colher a sua fundamentação a pareceres ou informações dos serviços técnicos e que da leitura dos mesmos se possa perceber com clareza a razão pela qual se decidiu num sentido e não noutro. Ora, o despacho de “Concordo” trata-se de um despacho que se apropria do conteúdo das informações e pareceres com os quais concorda, fazendo-os seus, e integrando-os na sua unidade lógica. Tal despacho passa, assim, como a ser a conclusão que faltava ao silogismo que configura o procedimento administrativo tendente à prática de certo e determinado acto, ou seja, nem a fundamentação pode ser vista como um acto administrativo completo sem aquele despacho, nem o despacho em si mesmo considerado faz qualquer sentido sem a respectiva fundamentação para a qual remete.
Da leitura atenta de fls. 32 a 38 dos autos conjugada com o conteúdo da petição inicial pode-se afirmar com segurança que a fundamentação do acto administrativo em crise era explicita e bem clara uma vez que a Autora conseguiu desenvolver um raciocínio jurídico extenso para o impugnar analisando de forma detalhada cada uma das questões que eram colocadas em tal acto administrativo. É a própria Autora com a sua conduta processual que dá a indicação ao Tribunal de que percebeu perfeitamente o que se lhe quis transmitir com tal acto e qual o raciocínio seguido pela entidade que o praticou para decidir no sentido em que o fez.
Improcede, assim, nesta parte o seu recurso.
Em segundo lugar pretende a recorrente que no Acórdão impugnado também se fez uma errada interpretação do disposto no artigo 141º do CPA.
Também aqui se decidiu de forma correcta no Acórdão recorrido.
Resulta da matéria de facto que se considerou assente, e que aqui não vem impugnada pela recorrente, que a mesma se encontrava a exercer funções no Centro de Costa Cabral detendo autorização para o recebimento de abono para falhas mediante despacho autorizatório.
Posteriormente, e a seu pedido, a recorrente foi colocada na Direcção de Serviços de Acção Social onde passou a desempenhar as funções de registo e controle do expediente, elaboração de convocatórias, elaboração de mapas para processamento, requisição e controlo de material e gestão de fundo de maneio.
Enquanto neste novo posto de trabalho não foi a recorrente contemplada com despacho expresso a autorizar o abono para falhas, sendo certo que o mesmo lhe foi sendo pago, até que lhe foi determinada a reposição das quantias pagas a tal título indevidamente.
Dispõe o art. 141º, n.º 1 do CPA que os actos administrativos que sejam inválidos só podem ser revogados com fundamento na sua invalidade e dentro do prazo do respectivo recurso contencioso ou até à resposta da entidade recorrida.
Com interesse também resulta do art. 2º-A do DL n.º 4/89 de 6/01, aditado pelo DL n.º 276/98 de 11/09, que as propostas do reconhecimento do direito ao abono para falhas deverão ser sempre devidamente fundamentadas, designadamente por referência à ou às carreiras abrangidas, aos riscos efectivos e às responsabilidades que impendem sobre os funcionários ou agentes para os quais é solicitado o abono e aos montantes anuais movimentados.
Resulta com clareza da matéria de facto que se deve ter por assente que desde que passou a exercer as novas funções no novo local de trabalho a situação da recorrente não foi nunca abrangida por um acto expresso, devidamente fundamentado, de tal natureza, a recorrente apenas continuou a receber o abono para falhas porque o mesmo já lhe era pago no Centro de Costa Cabral e relativamente ao qual existia o tal despacho expresso.
Assim, e como é bem referido no Acórdão recorrido, o acto administrativo agora em crise não se configura como um acto revogatório de um acto anterior constitutivo de direitos, expresso ou tácito, trata-se apenas de repor a legalidade relativamente a uma situação de facto que se foi mantendo ao longo do tempo por inércia dos serviços financeiros do Réu. Na verdade nunca existiu qualquer acto administrativo que lhe permitisse auferir tais quantitativos nas suas novas funções no novo local de trabalho, pelo que, o acto agora em crise não revogou qualquer acto legal ou ilegal, apenas conformou a realidade às normas legais em vigor.
É que, independentemente de a recorrente ter ou não direito ao abono para falhas, para que o pudesse receber, era imperioso que existisse despacho expresso e fundamentado nesse sentido, o que nunca existiu.
A recorrente não se poderia nunca valer do anterior despacho que lhe reconhecia o direito à percepção de tal abono, uma vez que a atribuição do mesmo estava condicionada nos termos do disposto no art. 2º, n.º 1, al. b) do DL n.º 4/89 à integração do funcionário ou agente na carreira de tesoureiro, ou então que em virtude das suas funções manuseie ou tenha à sua guarda, nas áreas da tesouraria ou cobrança, valores, numerário, títulos ou documentos, sendo por eles responsáveis.
Ora, tendo a recorrente mudado de posto de trabalho e também de funções, necessariamente que face a estes comandos legais se impunha a reavaliação da sua situação jurídico-funcional para que se pudesse concluir pelo direito ou não ao referido abono, e não tendo chegado a ser feita tal reavaliação, o facto de continuar a perceber o dito abono consubstanciava uma situação contrária às normas legais em vigor. Assim, havendo um despacho que repõe a legalidade da actuação material mediante a cessação do pagamento do abono e que se pronuncia pela inexistência do direito ao recebimento do mesmo não pode ser configurado como acto revogatório de anterior acto expresso ou tácito, mas como o primeiro e único acto definidor da situação jurídico-funcional da recorrente quanto a tal questão. É que tais pagamentos mensais do abono à recorrente estavam a ser feitos ilegalmente e sem qualquer acto que o legitimasse.
Por último importa referir, como também decidiu o Acórdão recorrido, que a recorrente não se enquadra em qualquer uma das situações legalmente previstas com direito ao abono por falhas.
Lê-se no preambulo do DL n.º 276/85 que: “Muito embora o reconhecimento do direito ao abono para falhas do pessoal abrangido por esta previsão (art. 2º, n.º 1, al. b) do DL n.º 4/89 de 6/01) seja feito, relativamente a cada departamento ministerial, mediante despacho conjunto do respectivo ministro, do Ministro das Finanças e do membro do Governo que tiver a seu cargo a função pública, tem havido diversos casos em que, à luz do entendimento inicialmente feito dos objectivos e do contexto daquele decreto-lei, se tem restringido o âmbito da sua aplicação; mostra-se assim conveniente esclarecer que o reconhecimento do direito ao abono para falhas ao abrigo da aludida disposição legal pode ser feito relativamente a qualquer trabalhador não integrado na carreira de tesoureiro que seja responsável directo pelo manuseamento e guarda de dinheiros ou valores públicos. Considerou-se, entretanto, que, atenta a diversidade de situações existentes nos serviços e as diferentes formas de organização interna das responsabilidades pelo manuseamento e guarda de dinheiros públicos, era desejável flexibilizar os critérios de atribuição do abono para falhas, sem prejuízo da indispensável equidade entre risco e responsabilidade.”.
No entanto para que se possa determinar quem tem direito a tal abono, é preciso que sejam, primeiro, definidas as carreiras que em cada departamento ministerial têm direito a abono para falhas e, segundo, dentro dessas quais os funcionários ou agentes que em cada serviço ou organismo têm direito a esse abono, cfr. arts. 2º, n.º 2 e 3 do DL n.º 4/89 com a redacção dada pelo DL n.º 276/98.
Não se encontrando a situação da recorrente dentro de tal delimitação consequentemente também não lhe assiste o direito a receber o abono para falhas, concluindo-se, assim, pela legalidade do acto administrativo aqui impugnado e necessariamente pela improcedência total do recurso e confirmação do Acórdão recorrido.
Por tudo o que fica exposto, e sem necessidade de mais considerandos, e por o Acórdão recorrido se mostrar devidamente fundamentado, acordam os juízes deste tribunal em negar provimento ao recurso, confirmando o Acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.
Porto, 2005-09-29