Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:000156/17.3BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/23/2017
Tribunal:TAF do Porto
Relator:João Beato Oliveira Sousa
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR; FARMÁCIA; SUSPENSÃO DE EFICÁCIA.
Sumário:
Bastaria a confirmação da sentença no que concerne à inverificação no caso do “fumus boni iuris” para impor a manutenção da decisão recorrida, ou seja, o indeferimento da providência cautelar requerida, mesmo que hipoteticamente viesse a ser concedida razão à Recorrente no que se refere ao requisito do “periculum in mora”.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:NM UNIPESSOAL, LDA
Recorrido 1:INFARMED – AUTORIDADE NACIONAL DO MEDICAMENTO E PRODUTOS DE SAÚDE, I.P. e Outro(s)...
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
NM UNIPESSOAL, LDA. veio interpor recurso da sentença pela qual o TAF do PORTO na presente providência cautelar de suspensão de eficácia da deliberação do Conselho Diretivo do Requerido, INFARMED – AUTORIDADE NACIONAL DO MEDICAMENTO E PRODUTOS DE SAÚDE, I.P., datada de 06/12/2016, que deferiu o pedido de transferência de instalação da Farmácia da C..., sendo indicadas como Contrainteressadas FI, LDA. e S&F, LDA., proferiu a seguinte decisão:
- julga-se procedente a exceção dilatória de ilegitimidade da Contrainteressada S&F, Lda. e, em consequência, absolve-se a mesma da instância;

- julga-se improcedente o presente pedido cautelar e, em consequência, absolve-se o Requerido do pedido.

*
Conclusões da Recorrente:
1.ª A douta sentença recorrida interpretou as normas da Portaria n.º 352/2012, de 30 de Outubro de acordo com os princípios gerais do direito administrativo, designadamente o princípio do aproveitamento dos actos, verificado na desvalorização da forma face ao direito substancial, na possibilidade de suprimento de formalidades essenciais após a prática do acto e na desvalorização de vícios formais e aproveitamento do conteúdo dos actos, violando as normas legais aplicáveis ao caso concreto;

2.ª O art. 20.º da Portaria n.º 352/2012, de 30 de Outubro consubstancia uma norma especial e - salvo melhor opinião - deverá prevalecer sobre a norma geral;

3.ª A redacção do art. 20.º da Portaria n.º 352/2012, de 30 de Outubro, mereceu especial cuidado por parte do legislador, uma vez que, do pedido de transferência obriga a constar documento com a identificação do “nome da rua e o número de polícia ou lote”, ou seja, o legislador não permitiu que fosse referida apenas a localização do imóvel para onde se pretende a transferência da instalação, através de certidões ou plantas, o legislador é peremptório na exigência do “nome da rua e o número de polícia ou lote”;

4.ª A imperatividade das normas constantes da Portaria n.º 352/2012, de 30 de Outubro prende-se com a protecção do interesse público e a segurança jurídica, uma vez que, se fosse admissível um interessado apresentar um pedido de transferência para uma morada inexistente, ou que não correspondesse ao endereço para onde rigorosamente se pretende transferir uma farmácia, ter-se-ia descoberto a solução para “bloquear” uma dada zona territorial para aquele interessado: bastava-lhe entregar um pedido de transferência com uma morada errada e adquiria um direito de prioridade sobre todos os demais interessados naquela localização que, diligentemente, estivessem activamente em busca de um imóvel num endereço existente;

5.ª A douta sentença recorrida não poderia confirmar a actuação do Recorrido INFARMED e ter suprido todas as irregularidades e assim ignorado todos os incumprimentos dos pressupostos previstos na Portaria n.º 352/2012, de 30 de Outubro, tendo violado frontalmente as disposições legais constantes do regime legal aplicável, sendo o deferimento do pedido de transferência da Farmácia da C... manifestamente ilegal e abusivo;

6.ª Ao contrário do decidido na douta sentença recorrida, é manifesta a preterição das alíneas b) e c) do n.º 1 do art. 20.º da Portaria n.º 352/2012, de 30 de Outubro, não existindo dúvidas acerca da existência das ilegalidades invocadas e demonstradas, bem como da validade das pretensões já invocadas e demonstradas em sede de processo principal, pelo que sempre de deverá considerar a verificação da existência do requisito do fumus boni iuris;

7.ª A certidão camarária emitida em 26.05.2015 foi utilizada para apresentar o pedido de transferência de instalações da Contrainteressada, quando o seu conteúdo é manifestamente contrário às disposições legais previstas para a apresentação daquele pedido, já que à data dos factos que importam para a análise e verificação dos pressupostos legais da Portaria n.º 352/2012, de 30 de Outubro, existia uma farmácia a menos de 350 metros da localização pretendida;

8.ª Ao contrário da decisão recorrida, é manifesta a preterição do artigo 20.º n.º 1 alínea d) da Portaria n.º 352/2012, de 30 de Outubro.

9.ª A douta sentença recorrida está em clara violação com o art. 20.º n.º 1, alínea h), da Portaria n.º 352/2012, de 30 de Outubro, quando relativamente à óbvia divergência de áreas indicadas no layout e na memória descritiva do imóvel onde a Contrainteressada pretende instalar a nova farmácia, vem decidir que a diferença de área é “meramente residual e sem significado relevante”, “sendo a pequena diferença de áreas detectada irrelevante para este efeito (cfr. Pontos 2 e 4 dos factos provados)”;

10.ª Ao contrário do disposto no art. 20.º Portaria n.º 352/2012, de 30 de Outubro, a douta sentença recorrida permite uma interpretação elástica e flexível da análise e aplicação das normas legais aplicáveis;

11.ª No caso em concreto verifica-se que a ora Recorrente invocou e demonstrou a existência dos requisitos necessários ao decretamento da providência cautelar (vd. art. 342º do C. Civil; Cf., aplicáveis ex vi do art. 1º e 120.º do CPTA).

12.ª A execução do acto suspendendo, ao permitir a instalação da Farmácia da C..., Contrainteressada, na localização pretendida cria uma situação de facto consumado, que resulta naturalmente no prejuízo directo no exercício da actividade da Recorrente;

13.ª É inquestionável que se verifica in casu o requisito fixado no art. 120º/1/b) do CPTA, pois a execução do acto sub judice causa prejuízos irreparáveis ou de muito difícil reparação à Recorrente;

14ª A sentença recorrida enferma assim de evidentes erros de julgamento, tendo violado claramente, além do mais, o disposto nos arts. 120º do CPTA, 9.º e 342º do Código Civil, art. 2.º e art. 20.º, n.º 1, alíneas b) c) d) e h) da Portaria n.º 352/2012, de 30 de Outubro, art. 39.º do Decreto-Lei n.º 241/2009, de 16/09.

Nestes termos deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, com as legais consequências.

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Em contra alegação o INFARMED concluiu:

1ª. O requisito do fumus boni iuris nunca poderia ter sido considerado verificado pelo Tribunal a quo, já que é evidente a manifesta improcedência dos vícios assacados pela ora Recorrente ao ato suspendendo.

2ª. De facto, é manifesto que o ato suspendendo não viola o artigo 20.º/1/b) e c) da Portaria 352/2012, porquanto o lapso da Contrainteressada ao não colocar a morada completa é totalmente sanável, nomeadamente porque da documentação que a mesma juntou ao requerimento inicial, designadamente a planta de localização e a certidão de distâncias às farmácias, centros de saúde e hospital mais próximos, emitidas pela Câmara Municipal do Porto, resultava com exatidão máxima qual o local/fração a ser analisado para efeito de transferência da Farmácia da C....

3ª. Assim, nos termos do artigo 108.º/2 do CPA, uma vez que em função dos documentos que a ora Contrainteressada anexou ao seu requerimento inicial de qual o local preciso para onde pretendia transferir a sua farmácia, é manifesto que a indicação incompleta da morada não passou de uma imperfeição passível de ser suprida pelo INFARMED.

4ª. Por outro lado, é também evidente que o ato suspendendo não viola a disposição constante do artigo 20.º/1/d) da Portaria 352/2012, já que, como resulta provado pela consulta do processo instrutor, o Centro Hospitalar de São João, E.P.E. declarou expressamente vontade de não abrir nova farmácia após o encerramento da Farmácia do Hospital de São João.

5ª. Pelo que, sempre foi evidente que, quando a Contrainteressada abrisse a sua farmácia já não estaria a laborar a Farmácia do Hospital de São João.

6ª. Por fim, quanto aos vícios assacados, o ato suspendendo também não viola o artigo 20.º/1/h) da Portaria 352/2012, já que, como bem referiu o Tribunal a quo, “essa diferença, meramente residual e sem significado relevante (de 1,35 m2), não se nos afigura que tem a virtualidade de conduzir à conclusão de que o pedido da Contrainteressada viola aquele preceito legal”.

7ª. Acresce que, não obstante a ligeira discrepância entre a área total indicada na memória descritiva e a constante na caderneta predial urbana, não foi colocado em causa a área mínima necessária para que a ora Contrainteressada pudesse transferir a sua farmácia para o local pretendido.

8ª. O requisito do periculum in mora também não se verifica, uma vez que a ora Recorrente não cumpriu com o seu ónus de provar os factos que alegou, nomeadamente a ora Recorrente nunca referiu, sequer, qual a zona comercial que tem um valor/m2 de arrendamento mais elevado do que aquela para onde se transferiu a Farmácia da C....

Nestes termos deve ser negado provimento ao recurso interposto pela Recorrente, mantendo-se a douta sentença recorrida, com as legais consequências.

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Por seu turno a CI «FI, Lda», contra alegando concluiu:

I. O recurso em apreço carece em absoluto de qualquer fundamento, de facto ou de direito, pelo que ao mesmo deve ser negado provimento e, consequentemente, deve ser mantida na íntegra a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo.

II. O Tribunal recorrido considerou – e bem - que as alíneas b), c), d) e h) do n.º 1 do artigo 20.º da Portaria n.º 352/2012, cuja violação a Recorrente invoca, foram integralmente cumpridas, pelo que nenhum vício invalidante havia que afastar ao abrigo do princípio do aproveitamento do acto, contrariamente ao alegado.

III. É inquestionável que, desde o primeiro momento, do pedido de transferência formulado pela Contra-interessada ao Infarmed, consta que o local pretendido é o espaço sito na Estrada da Circunvalação, … – Cfr. n.º 2 dos factos provados - e que foi esse o local considerado pelo Infarmed e pela Câmara Municipal do Porto para o exercício das competências que cabe a cada uma destas entidades.

IV. A ratio da alínea c) do n.º 1 do artigo 20.º da Portaria n.º 352/2012 é a de permitir à câmara municipal competente e ao Infarmed aferirem do cumprimento dos requisitos de distâncias mínimas legalmente fixados entre farmácias e estabelecimentos de saúde, o que foi rigorosamente cumprido no processo de transferência da Farmácia da C....

V. A Câmara Municipal do Porto emitiu parecer favorável à transferência da farmácia, nos termos do artigo 26.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31 de Agosto - cfr. números 7, 8 e 9 dos factos provados.

VI. Como bem entendeu o Tribunal a quo, a documentação que instruiu o requerimento de pedido de transferência da Farmácia da C... “permitiu, com todo o rigor e precisão, identificar a morada completa para onde se pretendia a transferência da farmácia em causa” – cfr. p. 16 da sentença.

VII. Nunca esteve, por conseguinte, em causa a protecção do interesse público e da segurança jurídica, não merecendo qualquer acolhimento a tese da Recorrente de que “se fosse admissível um interessado apresentar um pedido de transferência para uma morada inexistente, ou que não correspondesse ao endereço para onde rigorosamente se pretende transferir uma farmácia, ter-se-ia descoberto a solução para “bloquear” uma dada zona territorial para aquele interessado”.

VIII. Não foi afastada a imperatividade das normas constantes da Portaria n.º 352/2012, de 30 de Outubro, nem pelo Infarmed, nem pela sentença recorrida, tendo sido cabalmente cumpridos todos os requisitos constantes das alíneas do n.º 1 do seu artigo 20.º.

IX. De todo modo, sempre se dirá que, nos termos do artigo 108.º, n.º 2 do CPA, qualquer deficit instrutório de que pudesse padecer o pedido de transferência da Farmácia da C... – no que não se concede – sanada a irregularidade no decurso do procedimento, ficaria afastado qualquer efeito invalidante do acto que dela pudesse decorrer.

X. Bem andou a sentença recorrida quando entendeu que “Não se vislumbra, portanto, qualquer violação dos requisitos impostos pelo art.º 20.º, n.º 1, alíneas b) e c), da Portaria n.º 352/2012, de 30/10.” – cfr. p. 16 da sentença.

XI. A Contra-interessada no seu pedido de transferência expressamente refere o encerramento da farmácia do Hospital de São João e junta documentos comprovativos de que não há intenção de instalação de uma nova farmácia naquele Hospital – cfr. n.º 2 dos factos provados.

XII. No momento em que foi apresentado pela contra-interessada o pedido de transferência perante o Infarmed já a farmácia do Hospital de S. João se encontrava encerrada (cfr. n.º 3 dos factos provados), pelo que há data dos factos que importam para análise e verificação dos pressupostos legais da Portaria n.º 352/2012, de 30 de Outubro, não existia nenhuma farmácia a menos de 350 metros da localização pretendida, pelo que não foi violado o disposto na alínea d), do n.º 1 do artigo 20.º, da Portaria n.º 352/2012.

XIII. Em consonância com o encerramento da Farmácia do Hospital de São João o parecer emitido pela Câmara Municipal do Porto em 10.10.2016 já não faz referência à sua existência! – cfr. n.º 9 dos factos provados.

XIV. Bem andou a douta sentença recorrida ao entender que: “…a Requerente esquece que a farmácia mais próxima que vem identificada naquela certidão camarária – a qual foi emitida em 26/05/2015 – é a Farmácia do Hospital de S. João, a qual veio a ser encerrada, já em momento posterior – no dia 26/06/2015 –, na sequência do termo do respetivo contrato de concessão (cfr. pontos 2 e 3 dos factos provados), circunstância que, aliás, foi devidamente comunicada pela Contrainteressada ao Requerido aquando da apresentação do seu pedido de transferência, em 30/06/2015. Ou seja, quando este pedido foi apresentado já a Farmácia do Hospital de S. João se encontrava encerrada, pelo que a referência, na certidão camarária, ao facto de esta última distar de 101 metros da localização pretendida pela Farmácia da C... não tem qualquer relevância.” – cfr. p. 17 da sentença, sublinhado nosso.

XV. O pedido apresentado pela Contra-interessada foi devidamente instruído com a memória descritiva da fracção (cfr. n.º 2 dos factos provados, in fine), que incluía a descrição das instalações das divisões e das respectivas áreas, as quais respeitam as áreas e divisões obrigatórias, tal como definidas na Deliberação n.º 1502/2014, de 30 de Julho, publicada no Diário da República n.º 145, 2.ª série, de 30 de Julho, o que a Recorrente não nega, o que por si só basta para se dar por cumprido o disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 20.º da Portaria n.º 352/2012.

XVI. Não merece qualquer reparo a douta sentença recorrida quando considerou que: “dir-se-á apenas que essa diferença, meramente residual e sem significado relevante (de 1,35 m2), não se nos afigura que tem a virtualidade de conduzir à conclusão de que o pedido da Contrainteressada viola aquele preceito legal, nos termos do qual o pedido deve ser instruído com a “memória descritiva do edifício ou fração para onde se pretende a transferência, incluindo a descrição das instalações das divisões e das respetivas áreas, conforme regulamento do INFARMED, I. P.”. A memória descritiva apresentada contém a descrição legalmente exigida, sendo a pequena diferença de áreas que foi detetada irrelevante para este efeito (cfr. pontos 2 e 4 dos factos provados)” - cfr. p. 18 da sentença recorrida.

XVII. A douta sentença recorrida não procedeu a qualquer afastamento ou interpretação “elástica e flexível” do disposto no artigo 20.º da Portaria n.º 352/2012, nem à aplicação do princípio do aproveitamento dos actos administrativos.

XVIII. Não está em causa o “benefício de uns em detrimento de outros”, porquanto o pedido de transferência da Farmácia da C... cumpre integralmente os requisitos estabelecidos no n.º 2 do artigo 20.º da Portaria n.º 352/2012.

XIX. Resulta ostensiva a falta de razão que assiste à Recorrente, sendo claro e cristalino, que é manifesta a falta de fundamento da pretensão a formular, pela Recorrente, no processo principal, pelo que se conclui que não está preenchido o requisito do fumus boni iuris que a lei exige para o decretamento de qualquer providência (Cfr. art.º 120, n.º 1, do CPTA). Bem andou, portanto, a sentença recorrida quando julgou que “Analisando sumariamente os vícios invocados pela Requerente à luz do quadro normativo acima exposto, entendemos que não só é discutível, como é pouco provável que esta venha a obter êxito no processo principal” – cfr. p. 14 da sentença, sublinhado nosso.

XX. O Tribunal recorrido é lapidar quando afirma que “a Requerente se limita a referir, genérica e abstratamente, que a execução da deliberação do Requerido lhe vai causar prejuízos irreparáveis ou de muito difícil reparação, gerando até uma situação de facto consumado.” – cfr. p. 21 da sentença.

XXI. A Recorrente não cumpriu o ónus que sobre si impendia de demonstrar os factos susceptíveis de preencher o requisito do periculum in mora que a primeira parte do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA exige para justificar o decretamento da providência.

XXII. Não merece qualquer censura a sentença recorrida ao ter considerado que: “a base fáctica avançada para sustentar essa alegação – a necessidade de procurar outra localização, em zona mais valorizada e com menos clientela, tendo de executar as obras para as suas novas instalações em breve e não lhe sendo posteriormente possível relocalizar-se na zona em que pretendia – não se mostra suficientemente concretizada ou densificada para que o Tribunal possa concluir no sentido da verificação efetiva do periculum in mora. A Requerente não identifica a zona, alegadamente mais valorizada e com menos clientela, para onde se viu obrigada a transferir a sua farmácia e em que medida essa mesma situação se verifica por comparação com a zona para onde inicialmente pretendia transferir a sua farmácia, não concretizou o investimento das obras que terá de efetuar para se instalar nessa nova localização, nem sequer justifica as razões por que entende não ser possível a relocalização para a zona pretendida caso venha a obter ganho de causa na ação principal (relocalização essa que, note-se, sempre se nos afiguraria possível, não havendo obstáculos sérios que a impedissem no plano dos factos)”. – cfr. p. 21 da sentença.

XXIII. A matéria de facto assente que sustenta a sentença recorrida não inclui um único facto susceptível de sustentar o requisito do periculum in mora.

XXIV. Não obstante, no recurso apresentado, a Recorrente não impugnou a matéria de facto assente, limitou-se a alegar, de modo totalmente conclusivo, sem qualquer arrimo em factos ou recolha de elementos de campo.

XXV. Sendo a sentença o resultado da aplicação do direito aos factos tidos por provados, não pode a Recorrente pretender que o Tribunal ad quem profira uma decisão diversa sobre o requisito do periculum in mora sem ter dado como provados factos que sustentem essa decisão.

XXVI. É inquestionável que o critério do “periculum in mora” não se encontra preenchido, razão pela qual sempre a providência em apreço deveria ser totalmente indeferida, como acertadamente julgou o Tribunal recorrido.

XXVII. Sem prescindir, por mera cautela e dever de patrocínio, sempre se dirá que, ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos resultantes da concessão da presente providência seriam claramente superiores aos que possam resultar para a Recorrente da sua recusa, pelo que sempre a providência requerida teria de improceder, à luz do critério da ponderação de interesses a que alude o n.º 2 do art.º 120.º do CPTA.

XXVIII. A douta sentença recorrida não padece de qualquer erro de julgamento ou mácula, respeitando, na íntegra, o disposto no artigo 120.º do CPTA, artigos 9.º e 342.º do Código Civil, artigos 2.º e 20.º, n.º 1, alíneas b), c), d) e h) da Portaria n.º 352/2012, de 30 de Outubro, e o artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 241/2009, de 16 de Setembro.

XXIX. Em suma, tudo visto e bem visto, resulta claro e inequívoco que não merece qualquer censura a douta sentença recorrida, pelo que deve ser mantida na íntegra, negando-se provimento ao presente recurso!

Nestes termos, e nos que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, julgando improcedente o recurso interposto pela Recorrente, será feita uma verdadeira e sã Justiça.

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O Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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FACTOS
Consta na sentença:
Factos provados:
Consideram-se sumariamente provados os seguintes factos, com relevo para a decisão da causa:

1) Em 30/06/2015 a Contrainteressada FI, Lda., proprietária da Farmácia da C..., apresentou, junto do Requerido, um requerimento solicitando a transferência definitiva de instalações daquela farmácia “para a localidade de Porto, morada Estrada da Circunvalação, n.º 7698, freguesia de Paranhos, Concelho do Porto, distrito do Porto, ao abrigo do artigo n.º 20 da Portaria n.º 352/2012, de 30 de outubro” (cfr. doc. de fls. 227 do suporte físico do processo).

2) A Contrainteressada instruiu o requerimento referido no ponto anterior com, entre outros, os seguintes documentos:

- planta de localização com o n.º 73089/15/CMP, emitida pela Divisão Municipal de Informação Geográfica da Câmara Municipal do Porto em 26/06/2015, da qual consta a localização para onde se pretende a transferência da farmácia, à escala de 1:2000, cuja morada vem identificada como sendo “Estrada da Circunvalação, 7698 / Rua do Mestre Guilherme Camarinha, 23”, e, bem assim, que a distância, medida em linha reta, entre os limites exteriores do local pretendido e os limites exteriores da farmácia mais próxima (Farmácia do Hospital de São João) é de 101 metros (cfr. doc. de fls. 25 do volume I do processo administrativo apenso);

- certidão emitida pela Câmara Municipal do Porto, em 26/05/2015, da qual consta que, “conforme a planta de localização junta, a distância mais curta medida em linha reta, a contar dos limites exteriores, entre o local pretendido para a instalação da farmácia, localizado na Estrada da Circunvalação, 7698 / Rua do Mestre Guilherme Camarinha, 23, freguesia de Paranhos, concelho do Porto e: a farmácia mais próxima, farmácia Hospital de S. João, localizada na Alameda do Prof. Hernâni Monteiro, da mesma freguesia, é de 101 metros; o centro de saúde mais próximo, Centro de Saúde de Paranhos – Unidade de Saúde de Vale Formoso, localizado na Rua de Vale Formoso, 464, 472, 478, freguesia de Paranhos, concelho do Porto, é de 1770 metros; o hospital mais próximo, Hospital de S. João – Centro Hospitalar de S. João, EPE, freguesia de Paranhos, no concelho do Porto, é de 170 metros. / Mais se informa que na referida planta se encontram assinaladas as respetivas localizações e áreas de influência regulamentadas na Portaria n.º 352/2012 de 30 de outubro” (cfr. doc. de fls. 24 do volume I do processo administrativo apenso);

- memória descritiva da fração para onde se pretende a transferência da farmácia, com a descrição das instalações das divisões e das respetivas áreas (cfr. doc. de fls. 245 e 246 do suporte físico do processo).

3) A Farmácia do Hospital de São João encerrou no dia 26/06/2015, na sequência do termo do respetivo contrato de concessão (cfr. docs. de fls. 228 a 232 do suporte físico do processo).

4) A caderneta predial urbana da loja correspondente à fração indicada pela Contrainteressada como sendo o local para onde pretende a transferência da Farmácia da C... tem como área bruta privativa 107,65 m2 (cfr. doc. de fls. 98 do suporte físico do processo).

5) Pelo ofício n.º 026267 de 11/07/2016, retificado pelo ofício n.º 27705 de 27/07/2016, o Requerido solicitou à Câmara Municipal do Porto a emissão de parecer sobre o pedido de transferência efetuado pela Contrainteressada, tendo indicado como local pretendido para essa transferência a morada Estrada da Circunvalação, n.º 7698, na freguesia de Paranhos (cfr. docs. de fls. 249 e 250 do suporte físico do processo).

6) Na sequência de um pedido de esclarecimentos formulado pela Câmara Municipal do Porto, em 09/08/2016, quanto ao local para onde se pretendia a transferência da Farmácia da C..., informou o Requerido que “o local em questão é aquele que se encontra identificado na certidão e planta de localização emitida por V. Exas. e enviada pelos proprietários da Farmácia da C..., juntamente com o pedido de transferência, com entrada nestes serviços a 30 de junho de 2015, cujas cópias se anexam, onde consta a morada ‘Estrada da Circunvalação, 7698 / Rua Mestre Guilherme Camarinha, 23, freguesia de Paranhos, concelho do Porto’” (cfr. docs. de fls. 269 e 270 do suporte físico do processo).

7) Pelo ofício n.º 210017/16/CMP de 18/08/2016, a Câmara Municipal do Porto comunicou ao Requerido o seguinte:

Na sequência da reanálise do pedido de parecer solicitado pelo V. Ofício n.º 26267, de 11 de julho de 2016, retificado pelo V. Ofício n.º 27705 de 27 de julho de 2016, relativo ao pedido de transferência da Farmácia da C... para a Estrada da Circunvalação n.º 7698 (sem a indicação da loja específica desta morada relativamente à qual se pretende a emissão de parecer), informa-se que:

a) foi emitido o parecer jurídico cuja cópia aqui se junta e faz parte integrante do presente ofício;

b) conforme melhor resulta do parecer anexo o Município não pode emitir parecer favorável ao pedido de transferência de localização de farmácia assim formulado uma vez que é impossível verificar o cumprimento dos critérios de distância constantes da Portaria n.º 352/2012, de 30 de outubro, relativamente à Estrada da Circunvalação n.º 7968, uma vez que esta morada é constituída por várias lojas, com acessos distintos ao exterior.

Por este motivo, e nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 121.º e 122.º do CPA, ficam V. Exas. notificados da intenção do Município emitir parecer desfavorável sobre este pedido de localização, caso não sejam apresentados junto deste Município elementos que permitam afastar esta intenção de emissão de parecer desfavorável

(cfr. docs. de fls. 273 a 279 e 281 do suporte físico do processo).

8) Através de ofício datado de 18/08/2016, de e-mail enviado em 23/08/2016 e de novo ofício datado de 06/10/2016, o Requerido voltou a informar a Câmara Municipal do Porto que a morada a ter em consideração para a transferência da Farmácia da C... é Estrada da Circunvalação, n.º 7698 / Rua Mestre Guilherme Camarinha, n.º 23, freguesia de Paranhos, concelho do Porto (cfr. docs. de fls. 282 a 287 do suporte físico do processo).

9) Em 10/10/2016 o Vereador do Pelouro de Urbanismo da Câmara Municipal do Porto proferiu despacho a determinar a emissão de parecer favorável à transferência da Farmácia da C... para a localização pretendida, com base na informação n.º I/296192/16/CMP, na qual se concluiu o seguinte:

Para a localização pretendida, Estrada da Circunvalação, 7698 / Rua do Mestre Guilherme Camarinha, 23, analisadas as plantas elaboradas por esta DMIG que ora se juntam, constata-se o cumprimento das distâncias legalmente impostas, quer relativamente às farmácias existentes nas proximidades, quer relativamente aos centros de Saúde e Hospitais, verificando-se, pois, o preenchimento de dois dos requisitos legalmente exigidos. Tendo em conta os critérios previstos no n.º 2 do artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31 de agosto, alterado pela Lei n.º 26/2011 de 16 de junho, nomeadamente a acessibilidade das populações aos medicamentos, a sua comodidade, entende-se ser de emitir parecer favorável ao pedido de transferência solicitado” (cfr. docs. de fls. 301 a 308 do suporte físico do processo).

10) Em 06/12/2016 o Conselho Diretivo do Requerido deliberou deferir o pedido de transferência da Farmácia da C..., formulado pela Contrainteressada, para a Estrada da Circunvalação, n.º 7698 / Rua Mestre Guilherme Camarinha, n.º 23, freguesia de Paranhos, concelho do Porto (cfr. doc. de fls. 336 do suporte físico do processo).

11) A Farmácia da C... alterou a sua denominação para Farmácia São João, encontrando-se em funcionamento nas novas instalações desde 17/01/2017 (cfr. docs. de fls. 337 e 338 do suporte físico do processo).

12) Em 31/08/2015 a Requerente também apresentara, junto do Requerido, um pedido de transferência da sua farmácia (Farmácia do Campo Alegre) para a Rua Mestre Guilherme Camarinha, 177-C e 197-D, freguesia de Paranhos (cfr. doc. de fls. 82 do suporte físico do processo).

13) Para efeitos de instrução do pedido de transferência, a Requerente juntou uma certidão emitida pela Câmara Municipal do Porto, em 16/10/2015, da qual consta que “a distância mais curta, medida em linha reta, a contar dos limites exteriores, entre o local pretendido, localizado na Rua do Mestre Guilherme Camarinha 177 e 197 (lojas 177C e 197D), freguesia de Paranhos, concelho do Porto e: o futuro local de uma instalação de farmácia, localizado na Estrada da Circunvalação, 7698, da mesma freguesia, não é possível medir por não ter sido indicado a loja e assim definir os limites da mesma, afim de dar cumprimento ao estabelecido nas alíneas b) e c) do número 1 do artigo 2.º da Portaria n.º 352/2012 de 30 de outubro. / Mais se informa que o número de polícia 7698 da Estrada da Circunvalação refere-se a um acesso para várias lojas” (cfr. doc. de fls. 83 do suporte físico do processo).

14) Em 08/06/2016 a Requerente solicitou o cancelamento do pedido de transferência da Farmácia do Campo Alegre, tendo o mesmo sido arquivado, por despacho do Requerido de 20/06/2016, por motivos de desistência (cfr. docs. de fls. 473 e 474 do suporte físico do processo).

15) Na mesma data, em 08/06/2016, a Requerente apresentou, junto do Requerido, um novo pedido de transferência das instalações da Farmácia do Campo Alegre, desta vez para o Campus S. João, lojas 103 e 104, Rua Dr. Plácido da Costa, 410 e Rua Dr. António Bernardino de Almeida, 678, em Paranhos (cfr. doc. de fls. 84 do suporte físico do processo).

16) O pedido de transferência mencionado no ponto anterior foi deferido por deliberação do Conselho Diretivo do Requerido datada de 11/01/2017 (cfr. doc. de fls. 495 do suporte físico do processo).

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Factos não provados
Não há factos que cumpra julgar não provados com interesse para a decisão da causa, de acordo com as várias soluções plausíveis de direito.
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Os factos que foram considerados provados resultaram do exame dos documentos identificados supra, nos termos expressamente referidos no final de cada facto.
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DIREITO
Há que decidir sobre os erros de julgamento imputados neste recurso à sentença recorrida, todos em matéria de direito, pois é consensual a matéria de facto assente.
O thema decidendum do recurso é divisível em dois capítulos, correspondentes aos critérios de decisão estipulados no artigo 120º/1 CPTA, correntemente mencionados segundo a designação clássica: Periculum in mora; fumus boni iuris.

Atenta a índole do litígio, que se prende com questões concretas bem delimitadas, e o espírito de agilidade próprio das providências cautelares, não se entrará no enquadramento abstracto do direito processual aplicável nem do regime jurídico substantivo e procedimental inerente à instalação e transferência das farmácias, limitando-se a análise aos factos e às normas jurídicas necessárias à solução das questões propostas.

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Fumus boni iuris
O TAF concluiu pela inverificação deste requisito previsto na 2ª parte do artigo 120º/1 do CPTA, só por si essencial ao decretamento da providência, dizendo que “em face da possibilidade séria de improcedência dos vícios apontados ao ato suspendendo, não se nos afigura provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente”.

A Recorrente discorda dessa avaliação negativa sobre a aparência de bom direito e considera que, assim, a sentença incorre em violação das disposições legais que indica na conclusão 14ª.

Procede-se de seguida ao reexame da decisão, na perspectiva sumária inerente à tutela cautelar.

Em termos normativos é sobretudo relevante o Artigo 20º/1 da Portaria n.º 352/2012, de 30 de outubro, que se transcreve, sublinhando-se o texto das alíneas b), c) d) e h) alegadamente violadas:

«Artigo 20.º

Pedido de transferência

1 - O proprietário de farmácia que pretenda transferi-la dentro do mesmo município deve apresentar um pedido ao INFARMED, I.P., instruído com os seguintes documentos:

a) Fotocópia do respetivo bilhete de identidade ou cartão do cidadão, no caso de se tratar de uma pessoa singular, ou fotocópia do contrato de sociedade e certidão do registo comercial, no caso de se tratar de uma sociedade comercial;

b) Identificação da farmácia a transferir, incluindo o nome da rua e o número de polícia ou lote;

c) Planta de localização do edifício ou fração para onde se pretende a transferência, à escala de 1:2000, incluindo o nome da rua e o número de polícia, de lote, ou de indicação do prédio com projeto de construção licenciado, ou dele dispensado, que represente a área envolvente da farmácia numa distância de 350 m contada dos limites exteriores da farmácia;

d) Certidão camarária relativa ao preenchimento dos requisitos respeitantes à distância previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 2.º;

e) Demonstração do preenchimento dos critérios estabelecidos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 26/2011, de 16 de junho;

f) Se aplicável, as declarações previstas na alínea c) do n.º 6 do artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 26/2011, de 16 de junho;

g) Identificação do diretor técnico e de outro farmacêutico, quando exigível, e declaração da Ordem dos Farmacêuticos da respetiva inscrição, bem como certidão do registo criminal;

h) Memória descritiva do edifício ou fração para onde se pretende a transferência, incluindo a descrição das instalações das divisões e das respetivas áreas, conforme regulamento do INFARMED, I. P.
2 – …»

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Alíneas b) e c) – localização da farmácia
As críticas à sentença nesta questão são sintetizadas nas conclusões 1 a 7 onde a Recorrente propugna uma interpretação restritiva e rigorosa das exigências legais em causa, censurando a permissividade do Tribunal “a quo” ao admitir o suprimento das supostas formalidades essenciais preteridas.

Porém, da leitura dos factos assentes e da interpretação rigorosa das normas, o que se constata é que não ocorreu qualquer ilegalidade, ou sequer irregularidade necessitada de suprimento.

Na verdade, a alínea b) refere-se apenas à “farmácia a transferir”, cuja identificação e localização nunca esteve em causa.

Enquanto na alínea c), que se refere à localização “para onde se pretende a transferência da farmácia”, única que está sob litígio, o que consta é que “o nome da rua e o número de polícia” sejam incluídos na “Planta de localização do edifício ou fração para onde se pretende a transferência”.

Ora, os números 1) e 2) da matéria de facto não deixam margem a dúvida de que o requerimento ao INFARMED solicitando a transferência da farmácia foi instruído com uma planta de localização onde consta que a localização para onde se pretende a transferência da Farmácia da C... é “Estrada da Circunvalação, 7698 / Rua do Mestre Guilherme Camarinha, 23”, ou seja, a morada exacta e completa a considerar, quer pelo INFARMED quer pelo Município, como este de resto admite, conforme 9) da matéria de facto.

Se algum lapso existiu, por transmissão deficiente dessa morada aos serviços municipais, foi da autoria do INFARMED, como facilmente se constata de 5), 6) e 7) da matéria de facto e não poderia prejudicar a Contra Interessada.

E perante tal lapso impunha-se ao Município diligenciar oficiosamente pelo seu suprimento, o que de resto fez, nos termos do artigo 108º do CPA:


«Artigo 108.º
Deficiência do requerimento inicial
1 - Se o requerimento inicial não satisfizer o disposto no artigo 102.º, o requerente é convidado a suprir as deficiências existentes.

2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, devem os órgãos e agentes administrativos procurar suprir oficiosamente as deficiências dos requerimentos, de modo a evitar que os interessados sofram prejuízos por virtude de simples irregularidades ou de mera imperfeição na formulação dos seus pedidos.

3 - São liminarmente rejeitados os requerimentos não identificados e aqueles cujo pedido seja ininteligível.»

Assim não assiste razão à Recorrente.

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Alínea d) – farmácia a menos de 350 metros
A este propósito lê-se na sentença:
«Em segundo lugar, a Requerente alega que a Contrainteressada não cumpriu o requisito previsto no art.º 20.º, n.º 1, alínea d), da Portaria n.º 352/2012, de 30/10, uma vez que da certidão camarária por esta apresentada consta que existe uma farmácia a menos de 350 metros, mais concretamente que a localização pretendida para a instalação da Farmácia da C... dista a 101 metros da farmácia mais próxima.

No entanto, a Requerente esquece que a farmácia mais próxima que vem identificada naquela certidão camarária – a qual foi emitida em 26/05/2015 – é a Farmácia do Hospital de S. João, a qual veio a ser encerrada, já em momento posterior – no dia 26/06/2015 –, na sequência do termo do respetivo contrato de concessão (cfr. pontos 2 e 3 dos factos provados), circunstância que, aliás, foi devidamente comunicada pela Contrainteressada ao Requerido aquando da apresentação do seu pedido de transferência, em 30/06/2015. Ou seja, quando este pedido foi apresentado já a Farmácia do Hospital de S. João se encontrava encerrada, pelo que a referência, na certidão camarária, ao facto de esta última distar de 101 metros da localização pretendida pela Farmácia da C... não tem qualquer relevância.»

À crítica dessa parte da fundamentação da sentença a Recorrente dedica a conclusão d).

A questão liga-se com a exigência prevista no art.º 2.º, n.º 1, alíneas b) e c), da mesma Portaria, segundo a qual a abertura de nova farmácia deve salvaguardar uma “distância mínima de 350 metros” relativamente à farmácia mais próxima.

Na tese da Recorrente “à data dos factos que importam para a análise e verificação dos pressupostos legais da Portaria nº 352/2012, de 30 de Outubro, existia uma farmácia a menos de 350 metros da localização pretendida”.

Isto tendo em conta a certidão camarária emitida em 26-05-2015 que instruiu o requerimento para transferência de farmácia, apresentado pela Contra Interessada em 30-06-2015 – cfr 1) e 2) da matéria de facto.

Sucede que, conforme 3) da matéria de facto, a Farmácia do Hospital de S. João em causa, encerrou no dia 26-05-2015. E este encerramento foi relevado pelo Município do Porto ao dar parecer favorável ao pedido de transferência para a localização pretendida (“…constata-se o cumprimento das distâncias legalmente impostas, quer relativamente às farmácias existentes nas proximidades, quer…”) – cf 9) da matéria de facto.

Ora, uma certidão, por ser legalmente exigida, não perde a natureza de meio de prova capaz de atestar os factos existentes à data em que é emitida.

Por outro lado, a data relevante para aferição dos requisitos legais para transferência da farmácia é, em princípio, a data da formulação do pedido para o efeito e não a da certidão, sendo perfeitamente possível que a dinâmica da vida introduza entretanto alterações relevantes relativamente aos factos certificados, como sucedeu.

A ser como pretende a Recorrente, isto é, a prevalecer a data da emissão da certidão, seria hipoteticamente possível instalar uma farmácia A paredes meias com uma farmácia B pré-existente, desde que o requerente da farmácia A tivesse logrado instruir o seu pedido com uma certidão emitida anteriormente à instalação da farmácia B.

A dinâmica da vida exige alguma sensatez nestas hipóteses menos vulgares e, no caso, entende-se que prevaleceu o espírito da lei, numa interpretação compatível com o seu elemento literal.

De resto, a certidão apresentada acabou por cumprir a sua função probatória, ao ser apta a demonstrar que a Farmácia do Hospital do Hospital de S. João era o único obstáculo em termos de proximidade à instalação da farmácia da Contra Interessada na localização pretendida e que portanto, com a desinstalação de tal farmácia antes da data em que a Contra Interessada formulou o seu pedido de transferência, como se vê em 3) da matéria de facto, deixou de existir obstáculo e se consolidou o requisito legal em causa necessário ao deferimento daquele pedido.

Assim improcede também a conclusão analisada.

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Alínea h) – área da farmácia
A este tema se refere a conclusão 9ª da Recorrente.
Sobre isto ponderou o TAF:
«Em terceiro lugar, a Requerente invoca a violação do art.º 20.º, n.º 1, alínea h), da Portaria n.º 352/2012, de 30/10, defendendo que a área indicada pela Contrainteressada no seu layout e na memória descritiva (área total de 109 m2) não corresponde à área do imóvel onde pretende instalar a sua farmácia (área total de 107,65 m2).
No entanto, dir-se-á apenas que essa diferença, meramente residual e sem significado relevante (de 1,35 m2), não se nos afigura que tem a virtualidade de conduzir à conclusão de que o pedido da Contrainteressada viola aquele preceito legal, nos termos do qual o pedido deve ser instruído com a “memória descritiva do edifício ou fração para onde se pretende a transferência, incluindo a descrição das instalações das divisões e das respetivas áreas, conforme regulamento do INFARMED, I. P.”. A memória descritiva apresentada contém a descrição legalmente exigida, sendo a pequena diferença de áreas que foi detetada irrelevante para este efeito (cfr. pontos 2 e 4 dos factos provados).»

Consta em 2) da matéria de facto que a Contra Interessada instruiu o seu requerimento com “memória descritiva da fracção para onde se pretende a transferência da farmácia, com a descrição das instalações das divisões e das respectivas áreas cfr. doc. de fls. 245 e 246 do suporte físico do processo)”.

Tanto basta para que seja de reputar cumprida a norma que a Recorrente reputa violada, segundo a qual se exige a apresentação, com o pedido de transferência da farmácia, de “Memória descritiva do edifício ou fração para onde se pretende a transferência, incluindo a descrição das instalações das divisões e das respetivas áreas, conforme regulamento do INFARMED, I. P.”.

O facto de existir uma pequena divergência de 1, 35 m2 entre o declarado nesse documento (109 m2) e o que consta da caderneta predial urbana da loja (107.65 m2 – cf 4 da matéria de facto) não invalida o documento apresentado, por várias razões:

1) Pela sua insignificância, em termos relativos, sendo uma divergência da ordem de 1% na área total.

2) Pela sua irrelevância, uma vez que mediante a planta apresentada e respectiva escala, sem prejuízo obviamente da fiscalização ao local certamente realizada, era possível medir a área da fracção e dissipar qualquer dúvida a esse respeito.

3) Pela possibilidade, não inédita, de existir erro na caderneta predial.

4) Por não ser invocada a violação de qualquer norma legal ou regulamentar que estipulasse a área mínima admissível para instalação da farmácia.

Posto isto, improcede esta questão.

Atento o exposto confirma-se a sentença no que concerne à inverificação no caso do “fumus boni iuris” e tanto bastaria para impor a confirmação do sentido final da decisão recorrida, ou seja, o indeferimento da providência cautelar requerida, mesmo que hipoteticamente viesse a ser concedida razão à Recorrente no que se refere ao requisito do “periculum in mora”.

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Periculum in mora
Consta na sentença:
«A este respeito, a Requerente alega que a execução da deliberação sub judice causa-lhe prejuízos irreparáveis ou de muito difícil reparação, criando-se, aliás, uma situação de facto consumado ao permitir-se a instalação da Farmácia da C... na localização pretendida. Isto porque o ato suspendendo obrigou a Requerente (que pretendia também transferir a sua farmácia para uma localização nas proximidades da farmácia da Contrainteressada) a procurar outra localização, em zona mais valorizada e com menos clientela, tendo de executar as obras para as suas novas instalações em breve e não lhe sendo posteriormente possível relocalizar-se na zona em que pretendia – a menos de 350 metros da nova localização da Farmácia da C....

(…)

Por outro lado, a base fáctica avançada para sustentar essa alegação (…) não se mostra suficientemente concretizada ou densificada para que o Tribunal possa concluir no sentido da verificação efetiva do periculum in mora. A Requerente não identifica a zona, alegadamente mais valorizada e com menos clientela, para onde se viu obrigada a transferir a sua farmácia e em que medida essa mesma situação se verifica por comparação com a zona para onde inicialmente pretendia transferir a sua farmácia, não concretizou o investimento das obras que terá de efetuar para se instalar nessa nova localização, nem sequer justifica as razões por que entende não ser possível a relocalização para a zona pretendida caso venha a obter ganho de causa na ação principal (relocalização essa que, note-se, sempre se nos afiguraria possível, não havendo obstáculos sérios que a impedissem no plano dos factos).

Acresce que resultou provado nos autos que a Requerente apresentou, junto do Requerido, um novo pedido de transferência das instalações da sua farmácia para o Campus S. João, lojas 103 e 104, Rua Dr. Plácido da Costa, 410 e Rua Dr. António Bernardino de Almeida, 678, em Paranhos – zona situada nas imediações do Hospital de São João e, portanto, nas proximidades da localização inicialmente pretendida –, pedido esse que foi deferido por deliberação do Conselho Diretivo do Requerido datada do pretérito dia 11/01/2017 (cfr. pontos 15 e 16 dos factos provados). Neste contexto, não se compreende a alegação da Requerente no sentido de que a zona alternativa para onde se viu obrigada a transferir a sua farmácia é mais valorizada e com menos clientela, dada a elevada proximidade com a localização inicialmente pretendida.

Não se verifica, pois, o requisito do periculum in mora

Esta argumentação do TAF mostra-se convincente e não é infirmada pela alegação da Recorrente neste recurso, que se limita a repisar as razões genéricas e abstractas já invocadas em 1ª instância.

Basta ler perfuntoriamente os facto assentes para concluir, sem hesitação, que neles nada existe capaz de sustentar materialmente e de forma concreta o “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal” a que se refere o artigo 120º/1 do CPTA. Apenas se retira de 12) a 16) da matéria de facto que a Requerente (ora Recorrente) desistiu do pedido de transferência da sua farmácia para a Rua do Mestre Guilherme Camarinha e apresentou novo pedido de transferência para a Rua Dr. António Bernardino de Almeida, que foi deferido em 11-01-2017, sendo de presumir, porque nada na matéria de facto assente aponta em sentido diverso, que assim fez para prosseguir da melhor maneira o seu comércio.

Deste modo improcedem na totalidade as conclusões da Recorrente e impõe-se a confirmação do decidido em 1ª instância.

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DECISÃO
Pelo exposto acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.

Porto, 23 de Junho de 2017
Ass.: João Beato Sousa
Ass.: Hélder Vieira
Ass.: Joaquim Cruzeiro