Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00295/12.7BEVIS |
Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
Data do Acordão: | 06/07/2018 |
Tribunal: | TAF de Viseu |
Relator: | Pedro Vergueiro |
Descritores: | IMPUGNAÇÃO JUDICIAL IRC PRETERIÇÃO DE FORMALIDADES NÃO PRODUÇÃO DA PROVA TESTEMUNHAL ARROLADA QUESTÃO NOVA CORRECÇÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL ART. 23º DO CIRC MÉTODOS INDIRECTOS PRESSUPOSTOS |
Sumário: | I) Compete ao juiz examinar, em cada processo judicial, se é legalmente permitida a produção dos meios de prova oferecidos pelas partes, e, no caso afirmativo, aferir da necessidade da sua produção em face das questões colocadas, sabido que instrução tem por objecto os factos controvertidos e relevantes para o exame e decisão da causa tendo em conta as várias soluções plausíveis da questão de direito. II) Nesta linha de raciocínio, resulta claro que a dispensa, a não produção de quaisquer diligências de prova não implica uma violação de qualquer acto/formalidade imposta por lei, no caso a respectiva inquirição, já que é a própria lei que expressamente atribui ao juiz a faculdade de dela poder prescindir e não se vislumbra compatível que, de um passo, se confira ao juiz o poder de não produzir prova requerida pelas partes litigantes e, de outro e em simultâneo, se sancione a utilização de tal poder com um vício de forma fulminado com a nulidade. III) Em todo o caso, e com referência à avaliação do juiz que suporta a sua decisão de não considerar quaisquer diligências de prova pode estar inquinada de erro, isto é, pode ter considerado, à luz das soluções jurídicas que postule como possíveis ao caso em apreciação, que os elementos provados já disponíveis eram bastantes e suficientes, sem que tal tenha, efectivamente, aderência à realidade, matéria em que nos deparamos, não com um vício de forma mas, antes e de facto, de fundo consubstanciado em erro de julgamento nessa medida inquinando o valor doutrinal da decisão proferida sem que tenha o apoio da prova prescindida. IV) Os recursos jurisdicionais destinam-se a alterar ou a anular a decisão de que se recorre, dentro dos fundamentos da sua impugnação, e que não lhes cabe o conhecimento ex novo de questões que não foram apreciadas na decisão recorrida (como sucede no caso presente com a matéria da insuficiência do património) - regra que só pode ser quebrada quando lei permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso. V) Sobre a administração tributária recai o ónus de provar os factos constitutivos do direito à liquidação adicional e sobre o sujeito passivo recai o ónus de provar os factos constitutivos do direito à anulação dessa liquidação - artigo 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária. VI) Neste âmbito, a AT não tem de fazer prova do acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros - cfr. art. 240º do C. Civil) para satisfazer o ónus da prova que sobre si impende. VII) Basta à AT provar a factualidade que a levou a desconsiderar as operações consubstanciadas em determinadas facturas existentes na escrita do contribuinte, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus da prova do direito de que se arroga e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus da prova de que as operações se realizaram efectivamente. VIII) Cabe à AT o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indiciários e, nesta medida, demonstrar que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, competindo-lhe, por isso, especificar os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria colectável e indicar os critérios utilizados na sua determinação, fazendo assentar o volume da matéria colectável presumida em dados objectivos, racionais e fundamentados, aptos a inferir os factos tributários.* * Sumário elaborado pelo Relator. |
Recorrente: | M..., S.A. |
Recorrido 1: | Autoridade Tributária e Aduaneira |
Decisão: | Negado provimento ao recurso do despacho interlocutório e concedido parcial provimento ao recurso da decisão final |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO M…, S.A., devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, datada de 26-02-2013, que dispensou a realização da inquirição das testemunhas arroladas na PI, e, bem assim, da sentença proferida em 07-06-2017, que julgou improcedente a pretensão pela mesma deduzida na presente instância de IMPUGNAÇÃO, relacionada com a liquidação adicional de IRC relativa ao ano de 2008 e respectivos juros compensatórios, no montante total de € 176.472,03. Relativamente ao recurso do despacho interlocutório proferido em 26-02-2013, formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 199-201), as seguintes conclusões que se reproduzem: “(…) 1. - O objeto da inquirição de testemunhas é pertinente e fundamental na apreciação do ato impugnado. 2. - A inquirição das testemunhas é o meio de prova na descoberta da verdade material. 3. - A prova testemunhal deve ser considerada aos autos, cfr. Art.° 392º do CCivil. 4. - Foram assim violadas as normas constantes dos Artigos 108°, n.° 3 e 118°, n.º 2. 5. - O indeferimento da inquirição das testemunhas dificulta a recorrente de fazer prova sobre a errónea qualificação e excesso da capacidade contributiva. 6. - A recorrente, face á douta decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo, fica coarctada na sua posição processual em clara violação do principio da igualdade das partes na sua acepção substancial, violando-se desta forma também o Art.° 3°-A do CPC. Nestes termos, Deve a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que admita a produção da prova testemunhal oportunamente requerida pela recorrente, assim se fazendo JUSTIÇA.” Não houve contra-alegações. Quanto ao recurso da sentença proferida em 07-06-2017, formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 275-285), as seguintes conclusões que se reproduzem: “(…) 1) A decisão que impediu a produção da prova testemunhal oportunamente arrolada, traduziu-se na violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, impedindo que, quanto a algumas questões em apreciação, pudesse ser valorado esse meio de prova que se mostrava adequado a transmitir ao julgador como se processava a actividade, à data, na recorrente. 2) Deve o recurso intercalar desse despacho, a subir com este recurso, ser julgado procedente, remetendo os autos para instrução no Tribunal a quo. 3) Constando dos autos que durante a inspecção tributária realizada à recorrente nos anos de 2009 e 2010 a coberto do despacho externo n.º DI201000179 os Srs Inspectores Maria… e José…, se deslocaram à sede da aqui recorrente, em Tarouca, para consulta de documentos, tendo preenchido e onde mencionaram no quadro 4 “Consulta de elementos” – documentos anexos ao requerimento da AT de 05 de Novembro a fls – a mesma tem de ser julgada externa. 4) Deve assim a decisão recorrida ser substituída por outra que declare o carácter externo dessa inspecção nos termos do disposto no art. Art. 13º alínea a) e Art. 46º n.º 4 e 5 do RCPIT (normas violadas). E, em consequência, 5) Compaginando essa decisão com o facto de a inspecção realizada à recorrente no ano de 2011 ter sido, também externa. 6) Decidir que houve repetição de inspecções, atendendo a que ambas tiveram carácter externo, ambas se reportaram à recorrente, e ambas se incidiram sobre o ano de 2008, 7) Sem que tivesse havido o despacho fundamentado exigido nos termos do art. 63º nº 4 da LGT (norma violada) 8) O que constituiu preterição de formalidades legais e conduz à anulação das liquidações impugnadas. 9) A douta sentença padece ainda do vício de violação da lei com o não reconhecimento dos gastos documentados por facturas da J..., em violação do Art. 23º do CIRC. 10) Incorre ainda em vício de violação da lei do Art. 23º do CIRC, ao concluir que as mercadorias alegadamente fornecidas pelo referido fornecedor não traduzem operações reais e consequentemente não podem ser aceites fiscalmente. 11) Pois as mercadorias descritas nos documentos foram as efectivamente entregues à recorrente. 12) A douta sentença recorrida nada diz quanto aos documentos juntos pela recorrente na sua petição, que não foram objecto de qualquer impugnação nos autos e que, por isso têm de ser valorados. 13) Devendo ser aditado aos factos provados que a recorrente adquiriu as mercadorias ao fornecedor J… tendo pago as mesmas, através dos cheques juntos como Doc. 4. 14) Pelo que devem ser aceites como despesa fiscal, os encargos resultantes das facturas do referido fornecedor. Acresce ainda que, 15) A triangulação das operações entre empresas relacionadas era consentida e tinha regras próprias, quanto à determinação do valor, no Art. 68º n.º 4 alínea h) do CIRC, por a sede social da J…, estar situada nas Ilhas Turks & Caicos, constante da Portaria n.º 150/2004, de 13.02 (normas violadas). 16) Para tanto, impunha-se que a AT tivesse cumprido um conjunto de formalidades legais previstas no Art. 63º nº 5, nº 7, nº 9 e nº 10 do CPPT (normas violadas), e no tempo previsto no seu nº 3, o que, mais uma vez não fez, e o Tribunal a quo não sancionou como devia 17) Já que essas preterições degradam a liquidação impugnada por vício de forma o que conduz à sua anulação. 18) Por outro lado, a AT não demonstrou, nem sequer o havia alegado, como lhe competia, que as compras em causa foram todas consumidas e consideradas, nos gastos do exercício económico de 2008. 19) Pelo que nesta parte a liquidação recorrida (e a douta sentença) violam o Art. 104º nº 2 da CRP, Art. 23º e 68º do CIRC, Art. 63º do CPPT e Art. 77º da Lei Geral Tributária. E, 20) A decisão de desconsideração total dos encargos deduzidos, erradamente validada na douta sentença em apreciação, em vez da dedução parcial como correcção técnica, por via dos preços de transferência como impunham as normas constantes dos Art. 104º n.º 2 da CRP e os Art. 17º e 23º do CIRC, 21) Impõe a sua revogação e substituição por outra que aplique essas normas. 22) Existe vício de violação da lei ao Art.º 77º da LGT, pois a AT não explicou, com o recurso a regras de experiência comum, os motivos pelos quais tomou a opção dos critérios utilizados na determinação da matéria tributável, de forma a um destinatário comum conseguir perceber como foi alcançada aquele valor. 23) Resulta do relatório de inspecção que para determinar o valor das importações foi aplicada a percentagem de 89,68% ao montante registado com base nas facturas da J…. 24) A AT não explicou porque aplicou aquela percentagem e não outra qualquer, nem como a apurou. 25) Não se consegue perceber como fez os cálculos dos proveitos omitidos pois apresentou um resultado de “total dos proveitos omitidos” sem enunciar os passos lógicos e aritméticos que usou 26) Afirmou ainda a AT que, para determinar os proveitos omitidos, valorizou as diferenças positivas ao preço médio de venda e as diferenças negativas ao preço médio de compra. 27) A recorrente continua sem perceber o que são as “diferenças positivas ao preço médio de venda”, nem as “diferenças negativas ao preço médio de compra”, nem as “diferenças positivas valorizadas ao preço médio de venda”. 28) Há total omissão sobre os critérios utilizados bem como sobre os motivos que os explicam, 29) Não se mostra minimamente cumprido o dever de fundamentação relativamente às operações de cálculo efectuadas e que se traduz num não cumprimento do seu ónus de fundamentar as operações de apuramento da matéria tributável quando aplica métodos indirectos. 30) Existindo falta de fundamentação com violação do disposto no art. 77º da LGT tem de ser decidida, sem mais, a anulação da liquidação recorrida. Nestes termos Deve ser ordenada a subida do recurso interlocutório apresentado – art. 285º do CPPT Deve a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que aprecie os vícios e erros alegados, anulando-se a liquidação de IRC e Juros Compensatórios, referente ao exercício de 2008, para que assim se faça JUSTIÇA.” A Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou contra-alegações. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever negado provimento ao recurso. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento. 2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em analisar da eventual realização de duas inspecções externas ao ano de 2008 sem qualquer prévio despacho fundamentado, a pertinência das correcções à matéria colectável com referência ao disposto no artigo 23º do CIRC e ainda apreciar se há vício de violação de lei por não ter sido explicado os motivos pelos quais se optou pelo critério utilizado na determinação da matéria tributável, sem olvidar a matéria relacionada com a invocada violação do princípio do contraditório e da igualdade das partes com o indeferimento da produção da prova testemunha no que diz respeito ao despacho interlocutório,3. FUNDAMENTOS 3.1. DE FACTO A fls. 193/194 dos autos, consta a seguinte decisão: “… Considerando que a liquidação em causa tem os seus fundamentos em documentos, nomeadamente o relatório e seus anexos, as apreciações criticas à fundamentação e quantificação podem e devem ser aferidas relativamente a tais documentos estando a valia destes dependente da apreciação concreta e relacionada, nomeadamente, com a referida apreciação crítica. Assim, considerando que as diligências probatórias para se realizarem devem ser úteis ou necessárias ao esclarecimento dos factos que cumpra conhecer, vide entre outros os artigos 13º e 114º do CPPT, dado que a inquirição de testemunhas não reveste, face ao supra referido e ao último despacho, as apontadas características, atendendo ao princípio da proibição de actos inúteis e impondo-se cada vez mais o esforço de eficácia e eficiência na actividade do julgador para assim poder respeitar o princípio constitucional da tutela judicial efectiva dispenso a produção de prova testemunhal. (…)” Já na sentença de fls. 240 a 253v, consta o seguinte: “(…) III I Factos provados Com base no teor dos elementos constantes dos autos julgo provados os seguintes factos: A) A Impugnante M…, S.A., foi objeto de inspeção tributária, ao exercício de 2008, que teve início em 21-07-2011, no cumprimento da ordem de serviço n.º 01201100648, a qual, por sua vez teve como motivo o “Controlo da situação tributária em resultado de comunicação do DCIAP”, cfr. fls. 2 do relatório de inspeção constante de fol. 58 verso e seguintes, replicado a fls. 7 e segs. do processo administrativo (PA), que aqui se dão por reproduzidas o mesmo se dizendo dos demais elementos infra referidos; B) Iniciou atividade em 01-01-1992 dedicando-se ao comércio de carne fresca e congelada (Frango, peru, coelho, porco, cabrito, borrego, vaca), peixe e marisco congelado, ovos, queijo e charcutaria, vendendo, essencialmente, em talhos, peixarias, restaurantes, minimercados, supermercados dos distritos de Viseu, Coimbra, Aveiro, Leiria, Porto, Braga, e Viana do Castelo, adquirindo as mercadorias no mercado nacional, comunitário e outros, sendo administrada por Joaquim..., o qual, juntamente com a esposa, Ana... detêm a totalidade do capital social, vide fls. 2 e 3 do já aludido relatório, elementos não contrariados ou questionados pela Impugnante; C) No referido relatório, ao nível de fatos e fundamentos de correções aritméticas descreveu-se o seguinte: “ 3.1 Registo de facturas que não titulam operações reais No ano de 2008 a M... SA contabilizou facturas da J… no montante de 1.114.836,59 através da movimentação das contas 31234 -compras outros mercados s/mov, IVA e 2213050550-J…, conforme relação apresentada no quadro seguinte:
Em Anexo 1 - Extracto da conta 31234 - compras outros mercados s/mov. IVA Em Anexo 2 - Extracto da conta 2213050550 - J... Em Anexo 3 - Cópia das facturas que a J... emitiu para a M... Constavam do arquivo da empresa facturas de importação de mercadorias da Argentina, Nova Zelândia, Brasil e África do Sul não só de 2008 mas também de 2007 que não se encontram contabilizadas na M... e delas consta o nome J... com morada em … - 3610-054 Tarouca, a mesma morada da M.... Ora, nesta morada não existe qualquer outra empresa e também não foram encontradas evidências de relações comerciais (notas de encomenda, troca de correspondência) com a J... (apenas a contabilização de facturas). O nome J... coincide com as iniciais de Joaquim…. Analisadas as facturas de importação de mercadorias, verificou-se que por cada uma delas existe a contabilização de uma factura da J..., embora com valor diferente, conforme se demonstra no quadro seguinte:
Face ao exposto, as facturas da J... contabilizadas na M... não foram originadas por qualquer compra real de mercadoria, mas como forma de aumentar os custos da empresa, com a consequente retirada de meios financeiros. Em Anexo 4 - cópia das facturas na 705,728, 40086, 823, 837, 268783, 459403, 886, 1476566-1,1518116-1, 8096628, 42532. Analisado o movimento financeiro relacionado com a contabilização destas facturas verificou-se que são emitidos cheques no montante de 1.914.652,07, conforme se indica no quadro seguinte:
Apesar das facturas indicarem como sendo uma empresa registada nas Turks & Caicos lslands, o débito destes cheques consta no extracto bancário da M... com a menção "cheque compensação" ou "cheque contravalor", o que indica que foram movimentados em contas nacionais da mesma instituição bancária ou de instituições bancárias diferentes. Assim, se estas facturas titulassem operações reais existiriam transferências para conta(s) movimentadas fora do território nacional. Notificado o sujeito passivo na pessoa do seu administrador, para apresentar cópia frente e verso dos cheques nº 11753, 11500 e 12450, verificou-se terem sido depositados em contas bancárias do administrador Joaquim…. Detectada esta situação, questionou-se mais uma vez o referido administrador que veio apresentar extracto bancário da conta do BCP com o nº 8…em nome de J..., o que mais uma vez comprova que a J... apenas existe enquanto registo numa região off-shore e não como entidade física e toda a movimentação é efectuada pelo administrador Joaquim.... Analisada esta conta bancária (nº 8…) verificou-se que os cheques nº 11753, 11500, 12450 não se encontram nela movimentados. No entanto, nesta conta bancária foram depositadas importâncias cuja origem se desconhece, pois não correspondem a qualquer saída de meios financeiros da M.... Ficou assim demonstrado, que as facturas contabilizadas não titulam qualquer operação real, pelo que, o seu valor não pode ser considerado para efeitos fiscais. A contabilização de facturas que não titulam operações reais constitui crime fiscal previsto e punível pelo nº 2 do Artigo 104.° do RGIT. Em Anexo 5 - Cópia dos cheques nº 11753, 11500, 12450. Em Anexo 6 - Extracto da conta bancária nº 8…da J... do exercício de 2008.”, cfr. fls. 3 a 7 do relatório; D) E, para justificar o recurso aos métodos indiretos indicaram-se os seguintes motivos, fatos, critérios e cálculos: “ No exercício de 2008, a empresa declarou um resultado fiscal no montante de 169.823,35 com base nos proveitos e custos indicados no quadro seguinte: … Da análise do quadro anterior verifica-se que a empresa apresenta uma rentabilidade fiscal bastante reduzida (de 1,67%). Seguidamente serão decompostas as rubricas com mais impacto na demonstração de resultados. Vendas de mercadorias As vendas são na grande maioria realizadas no mercado nacional, conforme se indica no quadro seguinte:
Do total de vendas declaradas, verificámos que 13,74% são para consumidores finais, conforme se indica no quadro seguinte:
Produtos comercializados A empresa comercializa carne fresca e congelada (frango, peru, coelho, porco, cabrito, borrego, vaca), peixe e marisco congelado, ovos, queijo e charcutaria identificando cada produto com uma referência.
2101- BARRIGA COM COSTELA S I PONTA (e);2110- ENTRECOSTO NORMAL - FRESCO (PEL) (e); 115- TIRAS DE ENTRECOSTO: 217- MOELA 1 KG - BRASIL - M-F; 401- DIANTEIRO DE BORREGO; 109- ORELHA EM CAIXA; 308- DOBRADA AVULSO - ESPANHA; 2019- PA NOVILHO SI OSSO SI CHAMBAO • FRESCA EMB VACUO (e); … Valores contabilizados em compras Os valores contabilizados em compras distribuem-se da seguinte forma: Nos valores contabilizados em outros mercados estão reflectidas as facturas da J... no montante de 1.114.836,59 ou seja correspondem a 88,41 % do total contabilizado. Fornecimentos e serviços externos Os fornecimentos e serviços externos distribuem-se pelas seguintes rubricas:
Na rubrica de FSE os custos mais significativos são os suportados com a distribuição de mercadorias, nomeadamente combustíveis, transporte de mercadorias, deslocações e estadas, conservação e reparação e seguros. Os elevados custos com combustíveis, conservação e reparação e seguros são justificados pelas viaturas afectas à actividade (quatro viaturas ligeiras de passageiros, treze viaturas ligeiras de mercadorias, oito viaturas pesadas), Pessoal Para além do administrador e da esposa estiveram afectos à actividade colaboradores. Para a realização das vendas a empresa dispõe do seguinte pessoal: - 6 vendedores (Jorge…, C…, F…, Manuel…, P…, S…) que andam a angariar clientes; - 5 colaboradores (José…, D…, R…, Jorge…, R…-) que andam a entregar a mercadoria aos clientes; - 4 vendedores de venda directa (A…, Ar…, V… e And…). Venda directa significa que a empresa adquire o cliente no momento da entrega da mercadoria; Custos com pessoal Os custos com pessoal distribuem-se pelas seguintes rubricas:
A rubrica remunerações do pessoal inclui as seguintes subcontas:
Face à demonstração de resultados e ao descrito no ponto 3, a análise efectuada e as correcções propostas constam dos pontos que seguidamente se desenvolvem. 4.1 Aquisição de mercadorias - importações Conforme referido no ponto 3.1 o sujeito passivo contabilizou compras com base em documentos que não titulam operações reais. No entanto, o sujeito passivo efectua efectivamente importações essencialmente da Argentina, Brasil, África do Sul e Nova Zelândia. A prova disso são os custos com importações (direitos aduaneiros, transportes e outros encargos) debitados pelo despachante oficial que no exercício em causa totalizam o montante de 83.781,35. Constavam dos arquivos da empresa facturas das (Estancias…, P… International Foods, K…) que titulam operações reais, sendo que comparados os elementos constantes destas facturas com as facturas contabilizadas na empresa da J..., verifica-se que quanto à quantidade e produto não há divergência, existe sim uma divergência quanto ao valor conforme se demonstra no quadro apresentado no ponto 3.1 (página 5). Assim demonstra-se que as facturas da J... não correspondem efectivamente ao valor das importações, pois nas facturas recolhidas de importações reais, o valor que delas consta é em média 10,32% inferior. 4.2 Existências Da base de dados recolhida, obtém-se valores de stocks para as datas de 31/12/2007 e 31/12/2008 de 656.154,23 e de 715.351,21. Estes valores divergem dos apresentados pela empresa durante a acção inspectiva e declarados na declaração de informação empresarial simplificada IES, pois os valores declarados nestes anos foram de 518.907,96 e de 335.566,12.
Em face destas divergências no dia 29/08/2011 procedemos à notificação do sujeito passivo "M... SA", na pessoa de Joaquim..., na qualidade de sócio-gerente, para no prazo de 10 (dez) dias nos prestar os seguintes elementos e/ou esclarecimentos: - justificar comprovadamente as divergências entre os inventários declarados cuja cópia foi entregue no decurso da presente acção inspectiva e o extraído da base de dados do sistema informático (Anexo 7). Em resultado desta notificação, a empresa informa em 09/09/11: "Continuamos a apurar justificação das divergências entre a cópia do inventário entregue e os dados extraídos do sistema informático" (Anexo 8). No dia 13/09/2011 procedemos a uma segunda notificação, onde mais uma vez solicitamos justificação para as divergências de inventários (Anexo 9). Em resposta à notificação efectuada em 13/09/2011, a empresa informa em 26/09/2011 o seguinte: - "Quanto às diferenças de inventários, por ser mais difícil o teste, continuamos a testar as diferenças para encontrarmos justificação" (Anexo 10). No dia 28/09/2011 foi efectuada uma terceira notificação à empresa, onde solicitamos mais uma vez, como foram obtidos os dados constantes dos inventários apresentados em suporte de papel (Anexo 11). Em resposta à notificação datada de 28/09/2011, a empresa presta em 11/10/2011 os seguintes esclarecimentos: - "Os inventários foram obtidos por contagem física" (Anexo 12). No dia 17/10/2011 deu entrada nesta Direcção de Finanças um esclarecimento adicional à notificação datada de 28/09/2011, onde a empresa informa o seguinte: "muito embora os valores dos inventários em suporte de papel tenham sido obtidos por contagem física, os constantes do sistema informático também obtidos por contagem física são mais precisos" (Anexo 13). Apesar do sujeito passivo cumprir formalmente com o disposto no nº 4 do Artigo 59.º da Lei Geral Tributária (LGT) apresenta justificações evasivas e contraditórias. Apesar de na 1ª resposta à notificação efectuada declarar que estava a procurar justificação para as diferenças não concretizou o motivo das divergências apesar do prazo dilatado concedido. Na última resposta remetida a esta direcção de finanças refere que qualquer das quantidades foi obtida por contagem física, Ora, da contagem física só pode resultar um único valor, até porque da análise dos elementos (base de dados, inventário em suporte em papel) as divergências são significativas ao nível das quantidades de algumas referências, conforme se demonstra nos quadros seguintes: … Em Anexo 14- Comparação do inventário de 31/12/2007 da base de dados com o inventário de 31/12/2006 da contabilidade. Em Anexo 15- comparação do inventário de 31/12/2008 da base de dados com o inventário de 31/12/2007 da contabilidade. Assim, face à falta de colaboração do sujeito passivo mas baseado na resposta taxativa apresentada em 11/10/2011 "Os inventários foram obtidos por contagem física" (Anexo 12) e também porque são estes os valores declarados, o controlo quantitativo vai ser efectuado com base nas quantidades constantes do inventário apresentado em suporte de papel. 4.3 Testes Quantitativos A partir da base de dados recolhida foi efectuado um controlo quantitativo, tendo em consideração as quantidades entradas, os stocks iniciais e finais e as quantidades saídas. Ao confrontarmos as quantidades consumidas (entradas+stock inicial-stock final) com as quantidades saídas (vendas contabilizadas) foram apuradas divergências. Em face destas divergências no dia 13 de Setembro de 2011 procedemos à notificação do sujeito passivo "M... SA", na pessoa de Joaquim..., na qualidade de sócio-gerente, para no dia 26 de Setembro de 2011 às 10 horas apresentar na sede da empresa os seguintes elementos e/ou esclarecimentos: - Justificar comprovadamente as divergências encontradas entre as quantidades consumidas (valores extraídos da base de dados) e as quantidades vendidas (vendas contabilizadas) do exercício de 2008 (Anexo 9); Em resposta à notificação efectuada em 13/09/2011, a empresa informa: "1) Analisados somente os primeiros cinquenta itens de 2008 (pois o tempo dispensado revelou-se insuficiente) constatamos nas facturas de venda, erro: 2) 2.1 No código Amêijoa 60/80 - saco 1 kg M-F, uma diferença 1767.00 kgs, quantidade 8.168.00 kgs e não 6.401.00 kgs; 2.2 No código Asa de Frango Ind., uma diferença 69,15kgs, quantidade 7239,91 kgs e não 7170,76 kgs; 2.3 No código Asa de Peru Ind., uma diferença 1,65 kgs, quantidade 1730,28 kgs e não 1728,63 kgs; 2.4 No código Azeitona Cura Natural - balde 5 kgs, uma diferença 10.00 kgs, quantidade 1321,00 e não 1.311.00 kgs; 2.5 No código Azeitona Preta - Cal. 180/200 - balde 5kg, uma diferença 15.00 kgs, quantidade 2.302.00 kgs e não 2.287.00 kgs; 2.6 No código Bacalhau Crescido cx 15kg, uma diferença 60.00 kgs, quantidade 9.982.75 kgs e não 9.922.75 kgs; 2.7 No código Bacon Inteiro e Metades M-F, uma diferença 40.52 kgs, quantidade 4.660.70 e não 4.620.18 kgs; 2.8 No código Bacon Fatias M-F, uma diferença 14.31 kgs, quantidade 1577.42 kgs e não 1.563, 11 kgs; 2.9 No código Barriga de Leitão, uma diferença 4.31 kgs, quantidade 4.385,30 kgs e não 4.380,99 kgs; 2.10 No código Barriga as Tiras Embaladas M-F, uma diferença 23.46 kgs, quantidade 420,26 e não 396,80 kgs; 2.11 No código Batata Pré-Frita - cubos saco 2.5 kg, uma diferença 10.00 kgs, quantidade 727,50 kgs e não 717,50 kgs; 2.12 No código Bocas de Sapateira (12120) M-F, uma diferença 50.00 kgs, quantidade 73.20 kgs enão·23.20 kgs; 2.13 - No código Borrego Beta - 4-7kg, uma diferença 104.80 kgs, quantidade 14921.41 e não 14.816.61 kgs; 3) Analisados somente os primeiros cinquenta itens de 2008 (pois o tempo dispensado revelou-se insuficiente) constatamos nas faturas de entrada, erro: 4) No código 2001 acem sem osso-embalado a vácuo, 196.4kg, quantidade de 51061.90 kgs e não 51258.26 kgs. 5) Iremos continuar a testar os restantes itens tendo em conta que agora já temos a técnica de apuramento mais refinada. 6) Temos de considerar genericamente, que os positivos e negativos por exemplo nas diferenças do frango se compensam. 7) Por outro lado a troca de referências também possibilita erros. 8) Por outro lado ainda a nossa actividade é submetida a quebras.(Anexo 10) Relativamente às diferenças contestadas no exercício de 2008 além de não serem relevantes representam uma minoria no total de referências comercializadas, pois são apenas treze referências (relativamente às vendas) e uma referência (relativamente às compras) num total de cerca de 450 referências diferentes. No que respeitam à maior diferença contestada pelo s.p. (1767.00 kgs no código Amêijoa 60/80 - saco 1kg M-F) é de referir que o sujeito passivo não tem razão, pois ela resulta do contribuinte considerar como vendido a mercadoria constante de documentos que não serviram de suporte à contabilização de vendas (G.remessa e saída prod.) conforme indicado no quadro seguinte:
No dia 28/09/2011 foi efectuada outra notificação à empresa, onde solicitamos os seguintes elementos e esclarecimentos: - Justificar comprovadamente a percentagem de quebras (tipo, produtos) a que se referiu na resposta à anterior notificação (Anexo 11); Em resposta à notificação datada de 28/09/2011, a empresa presta os seguintes esclarecimentos: - "As quebras normais atingem os valores das diferenças detetadas" (Anexo 12). Face às respostas dadas às notificações, quer quanto às diferenças quantitativas quer quanto ao inventário, procedeu-se à realização de testes quantitativos considerando as quantidades constantes do inventário apresentado em suporte de papel (declarado), todas as entradas obtidas através do sistema informático, bem como as saídas resultantes das vendas contabilizadas, das ofertas a clientes, do consumo interno e das quebras, continuando a persistir no global, divergências quantitativas positivas de montante significativo entre o consumo (compras+exist. Inicial-exist. Final-consumo interno-quebras-ofertas) e as vendas contabilizadas, conforme se demonstra no quadro elaborado e que constitui o Anexo 16. 4.4 Vendas declaradas para sujeito passivo cessado Foram contabilizadas vendas no montante de 23.978,09 com base em facturas emitidas para o sujeito passivo L… - NIF: 1…que se encontra cessado desde o dia 30/09/2005. Tendo sido notificado em 28/09/2011 (Anexo 11) para identificar a pessoa (nome, número de identificação fiscal) e o local onde são entregues as mercadorias facturadas em nome de L…, NIF: 1…veio informar em 11/10/2011 o seguinte: "Segundo informação obtida a entrega dos bens foi efetuada em local ambulante e com o cliente identificado" (Anexo 12). A justificação apresentada é vaga, e as vendas não poderiam ter sido efectuadas ao sujeito passivo em causa, uma vez que o mesmo não se encontrava no exercício efectivo da actividade, pois, em visita ao local onde era exercida a actividade verificou-se que as instalações se encontravam encerradas e dos contactos estabelecidos no local com residentes locais fomos informados que o estabelecimento se encontra encerrado há vários anos. O próprio, referiu que já há vários anos que não exerce a actividade e quando a exercia o consumo era muito reduzido, nunca atingindo tais valores. . A emissão destas facturas, que não correspondem a operações reais, possibilita a saída de mercadorias que não entram no circuito económico normal, permitindo por isso a contabilização de valores sem qualquer controlo. Como o sujeito passivo não regista os documentos de venda em contas de clientes, utilizando apenas a conta clientes diversos não é possível a identificação de situações análogas. . 4.5 Vendas com base em documentos que não identificam o adquirente Estão contabilizadas vendas com base em documentos que não identificam o adquirente, dos quais consta no local da identificação a menção "consumidores finais". Estas vendas de valor significativo, 1.400.238,82, representam cerca de 14% do total das vendas contabilizadas. No entanto, as quantidades que constam destes documentos são significativas, não compatíveis com vendas a particulares para além de que o sujeito passivo não possui qualquer local de venda a retalho e durante o tempo que estivemos nas instalações da empresa nunca presenciamos um movimento característico desta situação, também não está afixada qualquer tabela de preço de venda ao público. Não constando do documento a identificação concreta do cliente, não permite qualquer controlo, podendo ser uma forma de dar saída da mercadoria por um valor que não corresponde à verdadeira transacção. 4.6 Aumento do capital social Em 19/12/2008, Joaquim... subscreveu um aumento de capital social da firma M... SA no montante de 750.360,63 que realizou integralmente em dinheiro. Em nome do seu agregado familiar, no ano de 2008, consta um rendimento tributável no montante de 9.700,72 (pago pela M...) que corresponde na demonstração de liquidação de IRS ao rendimento global de 17.062,00 menos as deduções específicas de 7.361,28. Nos anos de 2007,2006 e 2005 o rendimento tributável é de €11.994,16, €10.772, 72 e €10.671,38. A sua conta pessoal no Santander Totta em 29/12/2008 indica no cabeçalho da conta um saldo de €7.795,05. Nesta conta foram depositados os cheques da J... no montante de 748.167,81 linhas de movimentos 21, 22, 26, 27 e 28 - e lançado o cheque utilizado no aumento do capital social da M... do montante de 750.360,63. Na linha do movimento 28 consta um saldo contabilístico no montante de 22.091,14, valor após subscrição do aumento de capital. Em 2008, o valor patrimonial dos imóveis em nome do seu agregado familiar é de 178.568,70, onde se incluí um apartamento de 3 assoalhadas, sito em São João do Estoril, adquirido em 27/02/2003 por 125.000,00 (valor declarado para a liquidação de SISA). Conclusão: Ficou demonstrado ao longo deste capítulo, que os valores declarados não correspondem aos valores que a empresa deveria ter contabilizado e reflectido nas declarações fiscais apresentadas. No entanto, não é possível a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável, pelos motivos descritos anteriormente e que em síntese são: - contabilização de documentos que não titulam operações reais (compras), não obstante terem existido importações cujos documentos não foram na totalidade obtidos; - nos testes quantitativos efectuados obtêm-se divergências positivas que se traduzem em omissão de proveitos; - existem depósitos na conta movimentada no BCP (J...) que não correspondem a qualquer saída de movimento financeiro da M...; - apesar do sujeito passivo não possuir qualquer estabelecimento de venda ao público, uma parte significativa dos documentos de venda contabilizados não identifica o adquirente dos bens. Assim, estão reunidas as condições, para aplicação de métodos indirectos, previstas na alínea b) do nº 1 do artigo 87.º da LGT, por impossibilidade de comprovação directa e exacta da matéria tributável, conforme previsto na alínea a) do artigo 88.0 também da LGT. V- Critérios de cálculo dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos 5.1. Critérios e Cálculos Demonstrada a impossibilidade de comprovação directa e exacta da matéria tributável, a sua determinação será efectuada tendo como suporte legal o artigo 90.0 da LGT, com base nos seguintes critérios e cálculos: 5.1.1 Critérios Propomos a determinação da matéria tributável, do exercício inspeccionado, com base nos seguintes critérios: - Determinar o valor das importações aplicando a percentagem de 89,68% ao montante registado com base nas facturas da J...; - Determinar os proveitos omitidos, valorizando as diferenças positivas ao preço médio de venda e as diferenças negativas ao preço médio de compra; - Acrescer as correcções propostas no ponto III; - Determinar o IVA em falta considerando as diferenças positivas valorizadas ao preço médio de venda, aplicando a cada um dos bens a taxa respectiva de imposto; Para o cálculo do IVA em falta não foram consideradas as diferenças negativas, uma vez que estas configuram omissões de compras, sendo que só confere direito à dedução o IVA constante de documentos emitidos na forma legal em nome e na posse do sujeito passivo; 5.1.2 Cálculos Determinação do valor das importações Valor das Importações = 0,8968 x Total facturas contabilizadas J... Valor das Importações = 0,8968 x 1.114.836,59 Valor das Importações = 999.785,45 Determinação dos proveitos omitidos o valor foi obtido tal como já referido anteriormente, valorizando as quantidades positivas ao preço médio de venda e as quantidades negativas ao preço médio de compra, considerando quebras, consumo interno, ofertas a clientes, e agregando todos os produtos que embora identificados com referências diferentes tem a mesma designação e consta do Anexo 14. Total de proveitos omitidos (Anexo 17)= 459.215,90 Matéria tributável proposta Em face das correcções propostas, o resultado fiscal é alterado do montante de 169.823,35 para o montante de 734.168,34 conforme se indica no quadro seguinte.
O valor foi apurado no quadro em Anexo 18, resultando a seguinte repartição por taxas:
vide fls. 7 a 21 do relatório; E) A inspecionada foi notificada para, querendo exercer o direito de audição sobre o projeto de relatório de inspeção e, não o exercendo, o projeto, superiormente ratificado, converteu-se em definitivo, o qual também lhe foi comunicado cfr. fls. 4, 5, 18 e 123 a 125 do PA; F) A Impugnante, relativamente ao recurso aos métodos indiretos, apresentou, em 26-12-2011, pedido de revisão no qual, não se tendo verificado acordo, foi proferida decisão a manter as correções realizadas em sede de inspeção, decisão que lhe foi comunicada através do ofício n.º 1203, datado de 2012-01-23, vide doc. n.º 5 que instruiu a PI e fls. 126 a 138 do PA; G) Com base nas correções realizadas em sede de inspeção e confirmadas no procedimento de revisão foi emitida a liquidação n.º 2012 8210000577, com data limite de pagamento em 07-03-2012, cfr. doc. 1 junto com a petição inicial (PI); H) A Impugnante discordando das referidas correções apresentou, em 05-06-2012 a PI que deu origem aos presentes autos, vide carimbo aposto na parte superior esquerda da primeira folha da PI; I) O exercício de 2008 foi, para além da inspeção referida em A) objeto de outra inspeção, determinada pela ordem de serviço interna n.º OI200901181 e do despacho externo n.º DI201000179 e que decorreu entre o dia 09-11-2009 e 29-03-2010, cfr. doc. n.º 2 junto com a PI; III II Factos não provados Não se provaram factos que estejam em contradição com a factualidade provada, ou outros, nomeadamente aqueles, que apesar da formulação maioritariamente conclusiva, se extraem dos artigos 15º, 19º, 20º, 33º, 34º, 39º 40º da PI e que podemos sintetizar no seguinte: A afirmação da efetividade, veracidade, das operações tituladas pelas faturas emitidas pela J.... A convicção do tribunal formou-se com base nos elementos documentais indicados em cada alínea dos factos provados e na parte respeitante ao relatório de inspeção as remissões que se fazem para o mesmo incluem também os respetivos anexos. A alegação da Impugnante passa ao lado da confirmada não contabilização das faturas de importação (veja-se o início de fls. 5 do relatório), as quais vieram a ser consideradas. E estas eram ou não reais? E se se considerassem as faturas de importação e as emitidas pela J... que valores se atingiriam e o seu reflexo nas vendas e no resultado do exercício em causa. Que atividade, que intermediação efetiva realizava a J... para compreender esse aumento de faturação surgiu para justificar um aumento de faturação de 10,32%? A argumentação da Impugnante vai ao ponto de afirmar no artigo 19º da PI que “foi com o valor constante das faturas da J... que a impugnante pagou ou suportou desembaraços alfandegários.” Este valor, para além de exorbitante pois corresponderia a um valor idêntico ao das importações, encontra refutação no fato de contabilisticamente estarem registados custos com as importações debitados pelo despachante oficial no montante de 83 781,35, no exercício de 2008, cfr. 2º parágrafo de fls. 11 do relatório.” «» 3.2. DE DIREITO 3.2.1 Do Recurso do Despacho Interlocutório: A Recorrente insurge-se contra o despacho de indeferimento da prova testemunhal, porquanto dificulta a prova que a Recorrente tem de fazer quanto à errónea quantificação e excesso de capacidade contributiva, ficando coarctada de um direito processual. Como é sabido, a prova testemunhal, destina-se, em função da parte que a apresente, à demonstração, em juízo, dos fundamentos da acção ou da defesa. Neste ponto, diga-se que a Recorrente sindica, desde logo, a decisão consubstanciada no despacho judicial de fls. 193/194 do processo físico e, pelo qual, o Tribunal recorrido considerou dispensável a produção da prova testemunhal arrolada por aquela e com a qual, pretendia, nos termos das suas próprias alegações e conclusões, demonstrar factualidade invocada no articulado inicial. Crê-se, contudo, que lhe não assiste a razão. Pois bem, nesta matéria, o que se conhece é orientação, designadamente jurisprudencial (1), que entende que, em caso como dos autos, estaremos perante a ocorrência de vício formal de nulidade, a coberto do disposto no art.º 201.º, do CPC, aplicável subsidiariamente; Contudo, e com o devido respeito, que muito é, por quem defende tal entendimento, propendemos, no entanto, no sentido de que, em situações como a vertente (em que foi prolatada sentença sem produção da prova testemunhal arrolada pela impugnante), não ocorre qualquer vício de forma. E não ocorre, porque, desde logo e liminarmente, para que assim fosse, era, por força do art.º 201.º, do CPC, para aqui convocável, a nosso ver, necessário que tal diligência fosse imposta, no sentido de inexoravelmente vinculada, ou no dizer do preceito, prescrita por lei, para além de poder influir no exame ou na decisão da causa; ou seja, e ao que aqui releva, para além de ter de se tratar de formalidade omitida cuja ausência não assegure, no dizer do Prof. A. dos Reis (2) “(...) a instrução, a discussão e o julgamento regular do pleito”, assim devendo ser entendida a exigência de que a “(...) irregularidade cometida possa influir no exame ou decisão da causa” tem, ainda, de se tratar de formalidade imposta por lei (3), no sentido de a verificação de tal formalidade não estar, em circunstância alguma, sujeita a avaliação, segundo critérios de oportunidade, por parte do juiz. Ora, no que a esta matéria diz respeito e como resulta, ao que aqui releva, indiscutível, face ao preceituado nos art.ºs 113.º e 114.º do CPPT, o juiz tem a faculdade de, segundo juízos de oportunidade pessoais, poder dispensar a produção da prova testemunhal arrolada, se considerar, segundo o seu prudente juízo valorativo, que os autos disponibilizam, já e antes do momento azado à produção daquela (prova testemunhal) os elementos de facto necessários e bastantes à decisão de mérito a proferir, às luz das possíveis soluções de direito. E, assim sendo, temos por manifesto que, tal situação (de dispensa de produção de prova testemunhal arrolada), não consubstancia nenhuma violação de qualquer acto/formalidade imposta por lei, no caso a respectiva inquirição, já que é a própria lei que expressamente atribui ao juiz a faculdade de dela poder prescindir; E não se vislumbra compatível que, de um passo, se confira ao juiz o poder de não produzir prova requerida pelas partes litigantes, designadamente a testemunhal e, de outro e em simultâneo, se sancione a utilização de tal poder com um vício de forma fulminado com a nulidade. É evidente que aquela conclusiva avaliação do juiz e que suporta a sua decisão de prescindir da inquirição das testemunhas arroladas pode estar inquinada de erro, isto é, pode ter considerado, à luz das soluções jurídicas que postule como possíveis ao caso em apreciação, que os factos invocados não eram susceptíveis de prova testemunhal (ou que os elementos provados já disponíveis eram bastantes e suficientes), sem que tal tenha, efectivamente, aderência à realidade. Mas então, o que ocorrerá, a nosso modo de ver, não será nenhum vício de forma, ou de fundo, do despacho que prescinda da produção da prova testemunhal mas, antes e de facto, daquela última natureza (de fundo), consubstanciado em erro de julgamento, mas da decisão final que venha a ser proferida, nessa medida inquinando o seu valor doutrinal da decisão proferida, por carecida da prova prescindida. O que não pode é ser afirmado, como faz a Recorrente, que o indeferimento da prova testemunhal é de per si uma violação do contraditório e da igualdade das partes, pois não é pelo facto de o Tribunal considerar que não há factos para a produção de prova testemunhal que o contraditório é postergado bem como o princípio da igualdade, além de que a Recorrente teve oportunidade de se pronunciar sobre a prova que foi produzida no âmbito do processo e não há ausência de conhecimento do que se processou e produziu no âmbito da impugnação. Consequentemente, forçoso se impõe concluir pela improcedência do recurso interposto do despacho interlocutório de fls. 193/194 do processo físico. 3.2.2 Do Recurso da Sentença: Neste segmento, importa começar por ponderar se foram realizadas duas inspecções externas ao ano de 2008 sem prévio despacho fundamentado. Analisando as conclusões de recurso constata-se que neste segmento a Recorrente pretende que se declare que já depois desta inspecção aqui em análise, a coberto do despacho externo n.º DI201000179, deslocaram-se os inspectores à sede da recorrente, em Tarouca, para consulta de documentos, onde mencionaram no quadro 4 “Consulta de Documentos”, anexos ao requerimento da AT de 5/11/2012, devendo esta ser julgada externa, havendo assim repetição de inspecções externas incidindo ambas sobre ano de 2008. Ora, tal como se retira do Ac. deste Tribunal de 24-05-2018, Proc. nº 390-12.2BEVIS, ainda inédito, que envolve as mesmas partes, “ … neste âmbito a Recorrente não imputa à sentença qualquer erro de julgamento ou algum vício da mesma, reiterando o mesmo argumento da impugnação para sustentar sua tese de repetição de inspecções externas ao exercício de 2008. De facto, nas conclusões de recurso não são evidenciados erros da decisão em si nem qualquer erro de facto ou incorrecta interpretação da lei. As conclusões de recurso devem assentar em fundamentos que justifiquem a alteração ou anulação da decisão recorrida, traduzidos na enunciação de verdadeiras questões de direito ou de facto cujas respostas interfiram com o teor da decisão recorrida e com o resultado pretendido. Na verdade, neste segmento do recurso a recorrente limita-se a repetir os fundamentos da impugnação pelo que não há objecto de recurso, improcedendo as conclusões 3ª a 8ª ...”. A Recorrente refere depois que a douta sentença padece ainda do vício de violação da lei com o não reconhecimento dos gastos documentados por facturas da J..., em violação do Art. 23º do CIRC e incorre ainda em vício de violação da lei com referência à mesma norma, ao concluir que as mercadorias alegadamente fornecidas pelo referido fornecedor não traduzem operações reais e consequentemente não podem ser aceites fiscalmente, pois as mercadorias descritas nos documentos foram as efectivamente entregues à recorrente e a douta sentença recorrida nada diz quanto aos documentos juntos pela recorrente na sua petição, que não foram objecto de qualquer impugnação nos autos e que, por isso têm de ser valorados, devendo ser aditado aos factos provados que a recorrente adquiriu as mercadorias ao fornecedor J... tendo pago as mesmas, através dos cheques juntos como Doc. 4, pelo que devem ser aceites como despesa fiscal, os encargos resultantes das facturas do referido fornecedor. Acresce ainda que a triangulação das operações entre empresas relacionadas era consentida e tinha regras próprias, quanto à determinação do valor, no Art. 68º n.º 4 alínea h) do CIRC, por a sede social da J..., estar situada nas Ilhas Turks & Caicos, constante da Portaria n.º 150/2004, de 13.02 (normas violadas), impondo-se que a AT tivesse cumprido um conjunto de formalidades legais previstas no Art. 63º nº 5, nº 7, nº 9 e nº 10 do CPPT (normas violadas), e no tempo previsto no seu nº 3, o que, mais uma vez não fez, e o Tribunal a quo não sancionou como devia, já que essas preterições degradam a liquidação impugnada por vício de forma o que conduz à sua anulação Por outro lado, a AT não demonstrou, nem sequer o havia alegado, como lhe competia, que as compras em causa foram todas consumidas e consideradas, nos gastos do exercício económico de 2008, pelo que nesta parte a liquidação recorrida (e a douta sentença) violam o Art. 104º nº 2 da CRP, Art. 23º e 68º do CIRC, Art. 63º do CPPT e Art. 77º da Lei Geral Tributária e a decisão de desconsideração total dos encargos deduzidos, erradamente validada na douta sentença em apreciação, em vez da dedução parcial como correcção técnica, por via dos preços de transferência como impunham as normas constantes dos Art. 104º n.º 2 da CRP e os Art. 17º e 23º do CIRC, o que impõe a sua revogação e substituição por outra que aplique essas normas. Que dizer? Com interesse para o enquadramento desta matéria, cabe ter presente o exposto no Ac. do T.C.A. Sul de 28-06-2011, Proc. nº 02477/08, www.dgsi.pt, onde se aponta que “O Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (I.R.C.), introduzido no sistema tributário português pelo dec.lei 442-B/88, de 30/11, pode definir-se como um imposto directo, tanto de um ponto de vista jurídico (como tal é classificado no Orçamento do Estado), como de um ponto de vista económico, dado que incide sobre manifestações directas ou imediatas da capacidade contributiva como é o rendimento real (em geral lucros) das empresas com sede ou direcção efectiva em Portugal. É um imposto de características reais, visto não levar em consideração os sinais pessoais que se verificam na pessoa do contribuinte, antes se dirigindo objectivamente à tributação da riqueza. É, igualmente, um tributo de características unitárias, no sentido de abranger tendencialmente todos os rendimentos das pessoas colectivas. Encontramo-nos perante um imposto proporcional, dado a sua taxa ser fixa qualquer que seja o montante da matéria colectável e assentando, em princípio, na tributação do rendimento real ou efectivo, embora admita presunções de rendimento, assim como a sua fixação através de métodos indiciários. Por último, encontramo-nos perante um tributo periódico, visto que a obrigação de imposto se renova nos sucessivos períodos anuais de tributação, dando origem, consequentemente, a sucessivas obrigações tributárias anuais e independentes umas das outras (cfr.artºs.1, 2, 3, 7, 51 e 69, todos do C.I.R.C.; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, I, Editora Rei dos Livros, 1996, pág.215 e seg.; Soares Martínez, Direito Fiscal, 8ª.edição, Livraria Almedina, 1996, pág.573 e seg.). A base de incidência do I.R.C. encontra-se consagrada no artº.3, do C.I.R.C., sendo, nos termos do seu nº.2, definido o lucro tributável como o resultante da “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código”. Por outro lado, é no artº.17 e seg. do mesmo diploma que se consagram as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no artº.23 quais os custos que, como tal, devem ser considerados pela lei. Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que inevitavelmente daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para fins fiscais (cfr.J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, Lex Lisboa 2000, 2ª. Edição, pág.237 e seg.). Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico (cfr.F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.206 e seg.). Refira-se, ainda, que as empresas são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal, a qual permita o controlo do lucro tributável (cfr.artº.98, do C.I.R.C., na versão em vigor no ano de 2001, actual artº.115, do C.I.R.C.; artºs.29 e 31, do C.Comercial). O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos (cfr.Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág.324; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1996, pág.57; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269). Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada. …”. Pois bem, neste âmbito, a jurisprudência aponta que o ónus da prova se reparte, em processo onde o contribuinte impugne a actuação da AT, desconsiderando operações consubstanciadas em determinadas facturas existentes na escrita daquele, no sentido de caber a esta (AT) a prova dos pressupostos da sua actuação e àquele (contribuinte) a prova de que as questionadas operações tiveram, efectivamente, lugar. Ou, numa outra formulação, obtendo a AT indícios sérios e credíveis de que determinada operação comercial titulada por uma factura não é real, cabe ao contribuinte o ónus da prova da veracidade dessa transacção (neste sentido, Ac. TCAN de 24-01-2008, Proc. nº 02887/04 - VISEU, www.dgsi.pt ) De notar que a administração tributária não precisa de demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência daquele juízo (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27-10-2004, processo n.º 810/04), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade - artigo 75.º da Lei Geral Tributária. Tal significa que, quando está em causa a correcção de liquidações de IRC por desconsideração dos custos documentados por facturas reputadas de falsas pela AT, e porque a liquidação de IRC tem por fundamento o não reconhecimento de custos declarados pelo sujeito passivo, compete à administração tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, tendo o juízo da administração tributária assentado na consideração de que as operações e o valor mencionado na factura em causa não corresponde à realidade, haverá de demonstrar a existência de indícios sérios de que a operação referida na factura foi simulada, sendo que, como já ficou dito, feita essa prova, compete ao sujeito passivo o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito a fazer reflectir negativamente os custos declarados na determinação da respectiva matéria tributável nos termos que decorrem dos artigos 17º nº 1 e 23º do CIRC, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada, pois neste caso o artigo 100º do CPPT não tem aplicação; na verdade, o ónus consagrado no artigo 100º nº 1 do CPPT, contra a administração tributária (de que a dúvida quanto à existência e quantificação do facto tributário deve ser decidida contra a administração tributária: in dubio contra Fisco) apenas existe quando seja esta a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação e não quando, como in casu, é ao contribuinte que compete demonstrar a existência e quantificação dos custos em que alega ter incorrido e que pretende ver reflectidos no apuramento do lucro tributável. Assim sendo, cabe, em primeiro lugar, analisar se a administração tributária fez a prova que lhe competia da verificação de indícios que permitem concluir que às facturas contabilizadas pela Impugnante e emitidas pelas emitentes apontadas não subjaz a prestação dos serviços que, alegadamente, teria implicado a respectiva emissão. Deve ter-se ainda presente que não é imperioso que a administração tributária efectue uma prova directa da simulação. Como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indirecta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” - cf. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág. 154, o que significa que a AT não tem que demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo, invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade - artigo 75º da LGT. Ora, indícios são definidos por João de Castro Mendes como aqueles factos que “permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” - citado por José Luís Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, 2 edição, pág. 311, sendo que nesta tarefa, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado. A partir daqui, e dentro da linha de análise apontada, deve salientar-se, porém, que a acima descrita regra do ónus probatório só opera verdadeiramente depois de a administração tributária ter reunido e invocado indícios fundados de que o facto tributário não ocorreu, ou seja, depois da administração tributária ter emitido um juízo administrativo de adequação entre os factos e as valorações em que a administração diz, formalmente, suportar a sua decisão e o resultado desse juízo no sentido de se lhe afigurar ter sido declarado uma dedução superior à devida e com a prova perante o tribunal da pertinência desse juízo ou seja, com a prova, perante o tribunal, da existência dos elementos que tornam possível ter como adequada a consideração por si feita de que o contribuinte declarou uma dedução superior à permitida pela lei. Nestas condições, é jurisprudência firme que quando a administração tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da Lei Geral Tributária, competindo à administração tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade, sendo que, feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção. Tal significa que, antes de mais, cabe analisar da bondade da decisão recorrida, numa primeira fase, quando refere que “…Considerando as regras de repartição do ónus da prova e atendendo aos dados de facto apurados em sede de fiscalização, incumbia à Impugnante demonstrar que, não obstante esses factos, as faturas correspondiam a efetivas compras/importações. Na verdade, de acordo com tais factos, é lícita a conclusão (face às regras da experiência) de que as referidas faturas são fictícias pelo que se impunha à impugnante a demonstração de que as mesmas tinham tido existência real. Para o efeito a Impugnante apenas se alicerçou em elementos formais, de conformidade contabilística parecendo esquecer o fundamental dos alicerces das liquidações, na essência transposto na factualidade assente. Esta aponta indícios suficientes de falsidade das faturas em causa, indícios que alicerçaram, por via das correções, as liquidações impugnadas. …” Para alicerçar o exposto, o probatório contempla os seguintes elementos: “… “ 3.1 Registo de facturas que não titulam operações reais No ano de 2008 a M... SA contabilizou facturas da J... no montante de 1.114.836,59 através da movimentação das contas 31234 -compras outros mercados s/mov, IVA e 2213050550-J..., conforme relação apresentada no quadro seguinte:
Em Anexo 1 - Extracto da conta 31234 - compras outros mercados s/mov. IVA Em Anexo 2 - Extracto da conta 2213050550 - J... Em Anexo 3 - Cópia das facturas que a J... emitiu para a M... Constavam do arquivo da empresa facturas de importação de mercadorias da Argentina, Nova Zelândia, Brasil e África do Sul não só de 2008 mas também de 2007 que não se encontram contabilizadas na M... e delas consta o nome J... com morada em … - 3610-054 Tarouca, a mesma morada da M.... Ora, nesta morada não existe qualquer outra empresa e também não foram encontradas evidências de relações comerciais (notas de encomenda, troca de correspondência) com a J... (apenas a contabilização de facturas). O nome J... coincide com as iniciais de Joaquim.... Analisadas as facturas de importação de mercadorias, verificou-se que por cada uma delas existe a contabilização de uma factura da J..., embora com valor diferente, conforme se demonstra no quadro seguinte:
Face ao exposto, as facturas da J... contabilizadas na M... não foram originadas por qualquer compra real de mercadoria, mas como forma de aumentar os custos da empresa, com a consequente retirada de meios financeiros. Em Anexo 4 - cópia das facturas na 705,728, 40086, 823, 837, 268783, 459403, 886, 1476566-1,1518116-1, 8096628, 42532. Analisado o movimento financeiro relacionado com a contabilização destas facturas verificou-se que são emitidos cheques no montante de 1.914.652,07, conforme se indica no quadro seguinte:
Apesar das facturas indicarem como sendo uma empresa registada nas Turks & Caicos lslands, o débito destes cheques consta no extracto bancário da M... com a menção "cheque compensação" ou "cheque contravalor", o que indica que foram movimentados em contas nacionais da mesma instituição bancária ou de instituições bancárias diferentes. Assim, se estas facturas titulassem operações reais existiriam transferências para conta(s) movimentadas fora do território nacional. Notificado o sujeito passivo na pessoa do seu administrador, para apresentar cópia frente e verso dos cheques nº 11753, 11500 e 12450, verificou-se terem sido depositados em contas bancárias do administrador Joaquim.... Detectada esta situação, questionou-se mais uma vez o referido administrador que veio apresentar extracto bancário da conta do BCP com o nº 8…em nome de J..., o que mais uma vez comprova que a J... apenas existe enquanto registo numa região off-shore e não como entidade física e toda a movimentação é efectuada pelo administrador Joaquim.... Analisada esta conta bancária (nº 8…) verificou-se que os cheques nº 11753, 11500, 12450 não se encontram nela movimentados. No entanto, nesta conta bancária foram depositadas importâncias cuja origem se desconhece, pois não correspondem a qualquer saída de meios financeiros da M.... Ficou assim demonstrado, que as facturas contabilizadas não titulam qualquer operação real, pelo que, o seu valor não pode ser considerado para efeitos fiscais. A contabilização de facturas que não titulam operações reais constitui crime fiscal previsto e punível pelo nº 2 do Artigo 104.° do RGIT. Em Anexo 5 - Cópia dos cheques nº 11753, 11500, 12450. Em Anexo 6 - Extracto da conta bancária nº 8…da J... do exercício de 2008.”, cfr. fls. 3 a 7 do relatório; …” A partir daqui, e dentro da linha de análise apontada, deve salientar-se, porém, que a acima descrita regra do ónus probatório só opera verdadeiramente depois de a administração tributária ter reunido e invocado indícios fundados de que o facto tributário não ocorreu, ou seja, depois da administração tributária ter emitido um juízo administrativo de adequação entre os factos e as valorações em que a administração diz, formalmente, suportar a sua decisão e o resultado desse juízo no sentido de se lhe afigurar ter sido declarado uma dedução superior à devida e com a prova perante o tribunal da pertinência desse juízo ou seja, com a prova, perante o tribunal, da existência dos elementos que tornam possível ter como adequada a consideração por si feita de que o contribuinte declarou uma dedução superior à permitida pela lei. Avançando para o caso concreto, não podemos deixar de ter presente que a Recorrente contabilizou as facturas emitidas pelo seu indicado fornecedor, o que terá feito nos termos previstos na lei, visto que não foi apontada nenhuma irregularidade aos elementos contabilísticos de suporte. Nenhuma dúvida, por isso, de que a ora Recorrente beneficiava da presunção da verdade a que alude o artigo 75.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, quanto aos elementos inseridos nessas declarações. Daí que coubesse à administração tributária, no âmbito da sua actividade fiscalizadora averiguar da sua conformidade com a verdade fiscal do sujeito passivo e, sendo caso disso, reunir os indicadores que, apesar do cumprimento formal dos seus deveres declarativos e de escrituração, e da aparência de colaboração com a administração fiscal que dele decorre, não teria o direito à dedução arrogado nesses documentos. O que a administração tributária pretendeu fazer precisamente através da acção de fiscalização apontada nos autos. Assim, quando se percorre o RIT, e sobretudo quando se pondera a posição assumida pela ora Recorrente, em sede de audição prévia, deparamos com um conjunto de elementos que são fortemente indiciadores, dada a sua objectividade e seriedade, de que a escrita da impugnante não merece credibilidade. Desde logo, o facto de existirem no arquivo da empresa facturas de importação de mercadorias da Argentina, Nova Zelândia, Brasil e África do Sul não só de 2008 mas também de 2007 que não se encontram contabilizadas na M... e delas consta o nome J... com morada em Ponte Nova - Mondim da Beira- 3610-054 Tarouca, a mesma morada da M..., sendo que nesta morada não existe qualquer outra empresa e também não foram encontradas evidências de relações comerciais (notas de encomenda, troca de correspondência) com a J... (apenas a contabilização de facturas), realidade que merece séria reflexão, dado que, não é concebível que a relação profícua descrita entre as duas entidades se possa resumir às facturas contabilizados e depois aos cheques emitidos tal como pretende a Recorrente Tendo presente os contornos da situação descrita nos autos, analisada de acordo com o supra exposto, temos por adquirido que a AT logrou evidenciar a realidade que a levou a não aceitar os custos inerentes às operações descritas, matéria claramente susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, o que equivale a dizer que a AT conseguiu desembaraçar-se do ónus que a lei lhe comete neste domínio, não havendo aqui lugar para a consideração do disposto no art. 100º do CPPT, pois que o ónus consagrado na norma em apreço, contra a administração tributária (de que a dúvida quanto à existência e quantificação do facto tributário deve ser decidida contra a AT: in dubio contra Fisco) apenas existe quando seja esta a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação. Nesta sequência, importa avançar para o outro elemento que se prende com a prova da veracidade das transacções em causa, sendo que inequívoco que cabe ao contribuinte evidenciar tal realidade, sendo que, neste ponto, competindo ao contribuinte ónus da prova da veracidade das operações em causa, não lhe basta criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada, pois neste caso o art. 100º do CPPT não tem aplicação. 4. DECISÃO Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em: a) Negar provimento ao recurso interposto pela Recorrente no que concerne ao despacho interlocutório; e no mais, b) Conceder parcial provimento ao recurso interposto pela Recorrente, revogar a sentença recorrida na parte em que sancionou a decisão de aplicação de métodos indirectos, com a natural procedência parcial da presente impugnação, determinando-se a anulação da liquidação impugnada no domínio apontado. Custas pela Recorrente e Recorrida na proporção do decaimento Notifique-se. D.N.. Porto, 07 de Junho de 2018 Ass. Pedro Vergueiro Ass. Ana Patrocínio Ass. Ana Paula Santos (1) Cfr. Ac. do STA, DE 2002JUL10, tirado no Proc. n.º 025998. (2) Cfr. Comentário ao CPC, vol. II, 481 e segs. (3) Como diz aquele Mestre, no mesmo local, ainda que a propósito das nulidades desde logo decretadas por lei; “A nulidade só aparece quando se verifica um destes casos: a)Quando a lei expressamente a decreta; b)Quando a irregularidade cometida posa influir no exame ou na decisão da causa. O primeiro caso não levanta dúvidas. Se a lei declara, em termos explícitos, que determinado acto não poderá ser praticado, sob pena de nulidade, ou impõe a prática de um acto (...) não há que averiguar se (...) é ou não susceptível de influir no exame e decisão da causa (...); o tribunal tem de inclinar-se perante o império da lei, tem de decretar a anulação pura e simplesmente. (...). O 2.º caso em que a infracção formal tem relevância deixa ao juiz um largo poder de apreciação. (...)”. (sublinhado da nossa responsabilidade). |