Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00539/05.1BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/19/2008
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Drº Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia
Descritores:CONCURSO
PROFESSORES
ERRO SOBRE PRESSUPOSTOS
Sumário:Para que o tribunal possa decidir se ocorreu, ou não, erro de facto e de direito na selecção do horário que veio a ser atribuído à recorrente, uma vez que no seu entender foi preterida por outros colegas que se encontravam atrás de si na graduação do concurso de professores a que todos foram oponentes é essencial que se faça uma análise comparativa entre os elementos documentais das candidaturas da recorrente e dos seus colegas, que a mesma entendeu que a preteriram, e seguidamente há que ponderar, face às normas legais e regulamentares que disciplinam esta matéria, se houve ou não preterição da recorrente.*

* Sumário elaborado pelo Relator
Data de Entrada:02/12/2008
Recorrente:A...
Recorrido 1:Ministério da Educação
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Concede provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:Acordam os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
A, com sinais nos autos, inconformada, recorre do acórdão do TAF do Porto, datado de 29 de Novembro de 2006, que negou provimento à presente acção administrativa especial que havia intentado contra o Ministério da Educação e outros.
Alegou, tendo concluído pelo seguinte modo:
1 – A Recorrente foi bem colocada na Escola EB 2/3 de S. Rosendo (código 343018) não estando em causa a sua colocação naquela escola.
2 – O que está em causa é a colocação na escola com a atribuição daquele horário dentro de referida escola.
3 – A atribuição de horários não respeitou a graduação dos professores aí colocados.
4 – Dispõe o número 2 do art. 18º do DL nº 18/2004 de 17 de Janeiro que “o preenchimento das vagas e dos horários respeita as preferências identificadas no presente diploma e a lista definitiva de ordenação e manifesta-se através de listas de colocação, as quais dão origem igualmente a listas graduadas de candidatos não colocados, publicitadas nos termos do Aviso de abertura do concurso”.
5 – Ou seja, as colocações e atribuições de horários têm obrigatoriamente que obedecer à graduação dos candidatos.
6 – A Recorrente tinha direito ao segundo horário nº 6722 uma vez que é mais graduada que o seu colega; horário esse completo até 31.08.2005.
7 – A ultrapassagem da Recorrente pelo seu colega com um número de graduação superior ao seu configura uma total subversão das regras do concurso pelo que o acto que se impugnou se encontra ferido do vício de violação da lei.
8 – Para além disso, ao não respeitar a graduação profissional da Recorrente, os actos impugnados também contrariam os princípios da confiança, da igualdade e da justiça, insertos respectivamente nos arts. 2º e 13º da CRP e ainda art. 5º do CPA.
9 – O princípio da confiança encontra-se violado porquanto a Recorrente viu frustradas as suas expectativas jurídicas em ser colocada de acordo com as regras legalmente em vigor em matéria de concursos para o pessoal docente.
10 – Ora o art. 2º da CRP, ao estabelecer o princípio do Estado de Direito Democrático, tutela a confiança jurídica dos cidadãos garantindo que as respectivas expectativas sejam salvaguardadas.
11 – O princípio de igualdade, pelo qual a Administração deve pautar a sua actuação, de acordo com o art. 5º do CPA, garante o tratamento igual de todos os candidatos, vedando o tratamento privilegiado de candidatos graduados em pior posição na lista final de graduação, em detrimento de candidatos melhor posicionados na referida lista.
12 – Finalmente o Ministério da Educação não agiu em conformidade com o princípio de justiça, pelo qual também deve nortear os seus procedimentos, porquanto é manifestamente injusto que, docentes com um número de graduação superior ocupem lugares preferencialmente indicados por outros docentes (como a Recorrente com um número de graduação inferior).
13 – No entanto, o douto acórdão ora recorrido não se pronuncia quanto à colocação da Recorrente com o horário que lhe foi atribuído.
14 – Não é a colocação na escola que está em causa, sabendo a Recorrente que não pode escolher a duração do seu horário.
15 – A questão é haver três horários numerados (6719, 6722 e 6729), na mesma data, sendo que o último (6729) terminava em Dezembro de 2004.
16 – A atribuição dos três horários teria, de acordo com o disposto no art. 18º, nº 2 do DL 18/2004 que obedecer também à graduação dos professores e serem distribuídos de acordo com a graduação dos docentes que foram colocados naquela escola.
17 – Ou seja, a docente O porque era mais graduada (2352) deveria ter o horário 6719 (completo até final do ano lectivo); a docente A com a graduação seguinte (2353) deveria ser colocada com o horário 6722 (completo até final do ano lectivo) e o docente P por ser o pior graduado dos três (2395) seria colocado no último horário (6729) completo até Dezembro de 2004, que depois prorrogado até 2.Março.2005.
18 – Não fora o acto ilegal da administração, a Recorrente leccionaria até final do ano lectivo com horário completo, o que não aconteceu.
19 – Tal facto acarretou prejuízos a nível do seu ingresso no Quadro de Zona Pedagógica no presente ano lectivo porquanto foi ultrapassada por docentes que, embora com o número de graduação superior ao seu, estiveram naquele ano colocados com horário completo até final do ano (veja-se o caso do contra-interessado) o que lhes garantiu mais tempo de serviço do que à Recorrente.
20 – Para além disso, a colocação no horário obtido pela Recorrente também se repercutiu na sua esfera patrimonial, já que ficou sem vencimento desde 2.Março até ao final do ano lectivo.
21 – Pelo exposto se prova que a colocação naquele horário foi um acto ilegal por vício de violação da lei (nomeadamente o DL 35/2003 com a nova redacção dada pelo DL 18/2004).
Contra-alegou o Ministério recorrido, tendo formulado as seguintes conclusões:
1ª- A recorrente, essencialmente, remete para os vícios que já havia assacado aos actos impugnados durante o processo, pretendendo que o Tribunal de recurso aprecie, de novo, a legalidade dos mesmos e não a legalidade da sentença, pelo que haverá de convidar a recorrente a, no prazo de 10 dias, formular as suas conclusões indicando quais os vícios, que no seu entender, inquinam o acórdão ora em recurso, face aos fundamentos deste, sob pena de não se conhecer do mesmo (artigo 146º, n.º 4 do CPTA);
2ª- A considerar-se que a recorrente pretende imputar ao acórdão recorrido os mesmos vícios que imputou ao acto impugnado ou o vício de erro de julgamento, haverá de ser negado provimento ao recurso, mantendo-se o acórdão recorrido nos seus precisos termos;
3ª- O acórdão recorrido fez correcto apuramento e apreciação da matéria de facto relevante, assim como irreprovável aplicação do direito, pelo que não merece censura em nenhum dos aspectos suscitados nas alegações da A. e ora Recorrente;
4ª- Toda a actuação administrativa a que se reporta a presente acção, traduzida nos actos impugnados, respeitou integralmente o quadro de vinculação/bloco de legalidade em que se deveria conter, designadamente o dos pertinentes preceitos do Decreto-Lei n.º 35/2003, na redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 18/2004 – maxime artigos 9º, 12º, 13º, 14º, 16º e 43º, quanto à admissão, graduação, ordenação e colocação dos Candidatos, bem como os parâmetros fixados no correspondente Aviso de Abertura, o qual, aliás, remete para e reproduz os referidos normativos legais. Bem andou, pois, o Tribunal a quo, em assim o ter julgado, sindicando esses parâmetros de vinculatividade, por cuja conformidade fundamentalmente bem concluiu;
5ª- Na aplicação desse quadro não pode deixar de reconhecer-se uma margem de liberdade decisória, seja ela configurada como discricionariedade técnica ou justiça administrativa ou outro designativo que o mesmo exprima, sempre se estando, seja qual for o qualificativo, perante uma reserva de Administração apenas sindicável, como é consabido, quanto aos limites imanentes (a qualquer discricionariedade, aliás), os dos princípios constitucionais e gerais da actividade administrativa, e, bem assim, nos casos de erro grosseiro na verificação dos pressupostos e/ou subsunção também com erro manifesto dos factos aos pressupostos ditados por lei ou assumidos por auto-vinculação da Administração;
6ª- Nenhum erro se tendo verificado, muito menos “palmar”, bem andou, pois, o Tribunal a quo ao ter decidido que não se verifica qualquer violação dos limites sindicáveis do acto, antes nenhum reparo merecem os actos impugnados.
O Ministério Público não emitiu parecer.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
No acórdão recorrido deu-se como provada a seguinte factualidade concreta:
I – A autora foi opositora ao concurso externo para recrutamento, selecção e exercício de funções transitórias de pessoal docente de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário aberto para o ano lectivo de 2004/2005, tendo para o efeito preenchido o respectivo boletim de candidatura nos termos constantes do doc. de fls. 150 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
II – A candidatura da autora foi objecto de apreciação conforme verbete do formulário de candidatura (cfr. doc. de fls. 161 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
III – A autora apresentou reclamação dos erros de escrita na transposição informática da morada, bem como da intenção de continuar em concurso para efeitos de contratação, a qual foi atendida (cfr. doc. de fls. 163 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
IV – A autora consta das listas definitivas publicitadas pelo aviso n.º 18352-R/2004 (2ª série) do Diário da República n.º 205, de 31/8/2004 como não colocada, tendo obtido o número de ordem 2353 (cfr. doc. de fls.172 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
V – Dado que a autora havia manifestado oportunamente a sua intenção de continuar em concurso para efeitos de contratação, veio a constar da lista de ordenação de candidatos contratados não colocados (cfr. doc. de fls. 175 dos autos), e foi colocada na Escola EB 2/3 de S. Rosendo (código 343018) num horário lectivo completo (22 horas semanais), tendo sido assinado o respectivo contrato (cfr. docs. de fls. 218 e 226 dos autos).
VI – O contrato foi celebrado com a autora em regime de substituição temporária, com início de 15/10/2004 e termo em 31/12/2004, tendo o mesmo tido continuidade até 4/03/2005 (cfr. doc. de fls. 228 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
VII – O candidato P..., com o número de ordem 2395 foi colocado na Escola EB 2/3 de S. Rosendo (código 343018) num horário lectivo completo (22 horas semanais) até 31/08/2005 (cfr. doc. de fls. 218 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
VIII – A candidata O..., com o número de ordem 2352 foi colocado na Escola EB 2/3 de S. Rosendo (código 343018) num horário lectivo completo (22 horas semanais) até 31/08/2005 (cfr. doc. de fls. 218 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
IX – Em 21/10/2004 a autora interpôs recurso hierárquico da “lista de colocação respeitante ao concurso de professores contratados para o ano lectivo de 2004/05”, o que fez nos termos constantes do doc. de fls. 230 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
X – O recurso hierárquico apresentado pela autora foi objecto de apreciação na Inf. n.º 1232/04DSAJC/2004, de 14/12 nos seguintes termos (cfr. doc. de fls. 233 dos autos):
“Factos relevantes para a decisão:
- A docente e ora recorrente foi opositora ao concurso de colocação de docentes relativo ao ano lectivo 2004/2005, regulamentado pelo Decreto-lei n.º 35/2003 de 27 de Fevereiro, na redacção dada pelo Decreto-lei n.º 18/2004 de 17 de Janeiro.
- A recorrente, com o n.º de ordem 2353 para o grupo 01, apresentou recurso hierárquico das listas de 13/10/2004, por se considerar ultrapassada por um docente com o n.º de ordem superior (2395) uma vez que este está colocado para todo o ano e a recorrente somente (previsivelmente) até Dezembro de 2004.
Parecer:
Quando os candidatos manifestam as suas preferências nas colocações (em concelhos, QZP’s, e/ou escolas), são colocados por ordem crescente em relação às suas preferências (da 1ª para a última), em função dos horários que forem declarados, independentemente da duração previsível dos mesmos (nos termos do artigo 38º do Decreto-lei n.º 35/2003 de 27 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-lei n.º 18/2004 de 17 de Janeiro).
Nestes termos, propõe-se o não provimento do presente recurso.”
XI – Sobre a informação referida em X) o Secretário de Estado Adjunto e da Administração Educativa exarou em 20/12/04 o seguinte despacho: “concordo com o proposto”.
Nada mais se deu como provado.

De uma leitura atenta, quer dos articulados das partes, quer da decisão que vem recorrida, pode-se surpreender que a única questão que se coloca nestes autos consiste em saber se no acórdão recorrido se conheceu ou não da questão que vinha colocada pela recorrente, ou seja, se se conheceu ou não da questão cuja resolução lhe era pedida, e, se assim foi, em que termos o fez.
A recorrente na sua petição inicial alegou que houve erro, de facto e de direito, na selecção do horário que lhe veio a ser atribuído uma vez que no seu entender foi preterida por outros colegas que se encontravam atrás de si na graduação do concurso a que todos foram oponentes.
No acórdão recorrido foram feitas uma série de referências a diversas normas legais que regulam o concurso de colocação de professores, sem que, contudo, se tivesse feito uma análise comparativa entre os elementos documentais das candidaturas da recorrente e dos seus colegas que a mesma entendeu que a preteriram e que se encontram devidamente identificados no probatório.
Ou seja, os elementos de facto essenciais para se poder proferir uma decisão conscienciosa nos presentes autos são os vários boletins de candidatura que cada um dos candidatos apresentou, e após uma análise comparativa dos mesmos há que ponderar, face às normas legais e regulamentares que disciplinam esta matéria, se houve ou não preterição da recorrente.
A mera análise do boletim de candidatura da recorrente apenas nos permite concluir se a sua colocação respeita, ou não, o que por ela foi requerido, não permite que o Tribunal chegue à conclusão de saber se houve ou não preterição de uns candidatos por outros.
E portanto, nem sequer se pode afirmar que o acórdão recorrido é nulo por omissão de pronúncia, cfr. parágrafo 5º da 3ª folha de alegações e bem assim conclusões 1ª a 3ª., como refere a recorrente, já que, o mesmo não contém elementos documentais, por serem inexistentes nos autos, que permitam saber se houve ou não uma preterição ilegal da recorrente pelos seus colegas.
Assim, impõe-se que os autos regressem ao Tribunal de 1ª instância, nos termos do disposto no art. 712º, n.º 4 do CPC, para que aí seja produzida a prova necessária quanto a esta questão e se necessário que seja emitida pronuncia quanto aos demais pedidos, entre os quais, aqueles que não se reconduzem à mera anulação do administrativo impugnado e seu efeitos directos e imediatos.
Pelo exposto acordam os juízes que compõem este TCA Norte em:
- Conceder provimento ao recurso;
- Anular o acórdão recorrido;
- Ordenar a baixa dos autos ao tribunal a quo para ampliação da matéria de facto sendo que, após os articulados, deverão prosseguir a sua normal tramitação, se necessário ordenando-se a junção dos boletins de candidaturas dos colegas da recorrente que a mesma alega que a preteriram;
Custas pelo recorrido Ministério, fixando-se a t.j. em 6 Ucs.
D.N.
Porto, 19 de Junho de 2008
Ass. Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia
Ass. Antero Pires Salvador
Ass. Carlos Luís Medeiros de Carvalho