Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01480/14.2BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/04/2017
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:ISENÇÃO DE IMI
CENTROS HISTÓRICOS INCLUÍDOS NA LISTA DO PATRIMÓNIO MUNDIAL DA UNESCO
MONUMENTO NACIONAL
NULIDADES DA SENTENÇA POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA
INCONSTITUCIONALIDADES
ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL
Sumário:I - Só se verifica nulidade da sentença por omissão de pronúncia, a que alude o artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, quando o juiz se absteve de conhecer de questão suscitada pelas partes e de que devesse conhecer; não quando se abstém de conhecer de argumentos ou questões prejudicadas pela solução dada a outras.
II - O tribunal tem o dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso quando suscitadas pelas partes nos articulados (cfr. parte final do n.º 2 do artigo 660.º do CPC), consubstanciando a omissão de tal dever nulidade.
III - Não obstante o tribunal tenha também o dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes (cfr. parte final do n.º 2 do artigo 660.º do CPC), a omissão de tal dever não constituirá nulidade, mas sim eventual erro de julgamento na medida em que se deve considerar que o tribunal entendeu, implicitamente, que a solução das mesmas não é relevante para a apreciação da causa.
IV - A oficiosidade do conhecimento da inconstitucionalidade das normas resulta do princípio de que os tribunais administrativos e fiscais devem recusar a aplicação de normas inconstitucionais ou que contrariem outras de hierarquia superior.
V - Estamos aqui perante uma emanação do princípio do valor conformador dos preceitos constitucionais, que terão de prevalecer sobre outras normas legais, quando com elas se mostrem incompatíveis em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade das normas jurídicas, apreciando, por impugnação dos factos ou oficiosamente, a existência da inconstitucionalidade das normas aplicáveis ao caso concreto submetido a julgamento.
VI - Contudo, o que pode e deve ser objecto da fiscalização concreta da constitucionalidade, por parte dos Tribunais, são normas e não quaisquer decisões, sejam elas de natureza judicial ou administrativa, nem tão-pouco eventuais interpretações que de tais normas possam ser efectuadas por aquelas decisões.
VII. O momento oportuno de apresentação de meios de prova dos factos alegados corresponde ao momento de apresentação dos articulados - cfr. artigo 78.º, n.º 2, alínea l), 79.º n.º 6 e 83.º, n.º 1 do CPTA.
VIII. Nos termos do artigo 83.º do CPTA, a entidade demandada deve, na contestação, deduzir, de forma articulada, “toda a matéria relativa à defesa”.
IX - Consiste finalidade da fase de saneamento da causa, inter alia, o conhecimento e decisão de toda a matéria de excepção ou das questões prévias que hajam sido suscitadas pelas partes que obstem ao conhecimento do objecto do processo, nos termos da alínea a), do n.º 1 do artigo 87.º do CPTA.
X - Na fase da instrução do processo, o juiz pode ordenar as diligências de prova que considere necessárias para o apuramento da verdade, podendo indeferir, mediante despacho fundamentado, requerimentos dirigidos à produção de prova sobre certos factos ou recusar a utilização de certos meios de prova quando o considere claramente desnecessário, sendo, quanto ao mais, aplicável o disposto na lei processual civil no que se refere à produção de prova - cfr. artigo 90.º, n.º 1 e n.º 2 do CPTA.
XI - Logo, a audiência contraditória sobre a admissão e a produção de provas ocorre necessariamente nesta fase da instrução do processo – cfr. também o artigo 415.º do CPC.
XII - Mostra-se ilegal, por extemporânea, a alegação de matéria de excepção ou a contraditação de meios probatórios nas alegações escritas finais previstas no artigo 91.º, n.º 4 do CPTA.
XIII - Estão isentos de imposto municipal sobre imóveis: os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável – cfr. artigo 44.º, n.º 1, alínea n) do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
XIV - Os imóveis situados nos Centros Históricos incluídos na Lista do Património Mundial da UNESCO classificam-se como sendo de interesse nacional, adoptando a designação de “monumentos nacionais” – cfr. artigo 15.º, n.º 3 e n.º 7 da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro.
XV - Os prédios inseridos nos Centros Históricos Classificados beneficiam de isenção de imposto municipal sobre imóveis.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:D...
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A Autoridade Tributária e Aduaneira [Ministério das Finanças] interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 28/11/2016, que julgou procedente a acção administrativa especial apresentada por D..., contribuinte n.º 2…, residente na Rua…, Póvoa do Varzim, versando a impugnação do acto de indeferimento tácito do recurso hierárquico instaurado contra o despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças do Porto 5, datado de 04.12.2013, que indeferiu o pedido de isenção de IMI, relativamente a imóvel inscrito sob o artigo 4… da matriz urbana da União de Freguesias de Cedofeita, Santo Ildefonso, Sé, Miragaia, S. Nicolau e Vitória, do concelho do Porto.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso com as conclusões que se reproduzem de seguida:
1.ª Por via do presente recurso pretende a Recorrente reagir contra a sentença proferida a 2016-11-28 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que determinou a anulação da decisão de indeferimento do pedido de isenção de IMI relativo ao prédio urbano propriedade da Recorrida e a condenação da Recorrente a praticar os atos administrativos necessários ao reconhecimento daquela isenção;
2.ª A decisão proferida pelo Tribunal a quo padece de: (i) nulidade, atento o facto de ter omitido pronúncia sobre questões, tendo sido suscitadas, deveriam ter sido apreciadas; (ii) subsidiariamente parede de erro de julgamento, atento o facto de não ter apreciado devidamente a prova inclusa nos autos e de não ter interpretado corretamente a lei aplicável ao caso vertente; e (iii) cumulativamente padece de inconstitucionalidade, pelo facto de a interpretação efetuada pelo referido areópago ofender os princípios (iii.a) da igualdade tributária, (iii.b) da capacidade contributiva, (iii.c) da justiça fiscal, (iii.d) da autonomia local, (iii.e) da participação na decisão e (iii.f) de reserva de lei.
~I ~
3.ª A sentença padece de nulidade pelo facto de não ter conhecido duas questões sobre as quais se deveria ter pronunciado;
4.ª Por via da Ação Administrativa Especial deduzida pela Recorrida, visou esta última colocar em crise o indeferimento do pedido de isenção de IMI em torno do prédio urbano do qual é proprietária;
5.ª Além da Contestação tempestivamente deduzida, a Recorrente apresentou ainda as suas alegações finais, por via das quais: (i) salientou o exercício de confundibilidade de conceitos jurídico-patrimoniais em que incorreu a Recorrida; (ii) alertou para a indissociabilidade da isenção sub judice ao conceito fiscal de prédio; (iii) salientou o erro veiculado na certidão emitida pela Direção Regional da Cultura do Norte; e (iv) suscitou a inconstitucionalidade da interpretação propalada pela Recorrida;
6.ª Cada uma destas questões patentes nas alegações finais da Recorrente encontrava-se: (i) devidamente desenvolvida pela Recorrente ao longo daquele articulado; (ii) inequivocamente inserida em capítulos autonomizados (exceção feita à questão do recorte do conceito fiscal de prédio); e (iii) era perfeitamente identificável por parte de qualquer leitor;
7.ª O tribunal a quo entendeu que a questão a decidir se limitava ao seguinte: «No caso em apreço, discute-se se o prédio em causa nos autos reúne os requisitos para beneficiar da isenção de IMI»;
8.ª Contudo, não só este “elenco de questões” fixado pelo tribunal a quo veio omitir (i) a questão da dependência do funcionamento do benefício fiscal sobre o recorte do conceito fiscal de prédio e (ii) a questão referente às inconstitucionalidades da interpretação feita pela Recorrida;
9.ª Como também – e mais importante ainda – a própria fundamentação da sentença não dedicou uma palavra sequer àquelas duas questões não despiciendas;
10.ª A problemática em torno (i) da dependência do funcionamento do benefício fiscal sobre o recorte do conceito fiscal de prédio e (ii) das inconstitucionalidades da interpretação feita pela Recorrida, constituem verdadeiras questões e não meros argumentos;
11.ª Tão-pouco o tribunal a quo justificou – como se lhe impunha – a razão ou as razões que o levaram a não conhecer das restantes questões em causa suscitadas pela Recorrente;
12.ª A problemática em torno (i) da dependência do funcionamento do benefício fiscal sobre o recorte do conceito fiscal de prédio e (ii) das inconstitucionalidades da interpretação feita pela Recorrida não eram (nem são) questões cuja resolução da (única) questão delimitada pelo tribunal a quo;
13.ª Ainda que o tribunal a quo tenha aderido à tese propalada pela Recorrida, permanece por conhecer: (i) se a interpretação sobre o benefício fiscal aqui em causa poderá ser aplicado a uma universalidade de prédios, quando bem se sabe que uma universalidade não se subsume no conceito fiscal de prédio patente no artigo 2.º do Código do IMI; e (ii) se a interpretação veiculada pela Recorrida é ainda conforme aos princípios da igualdade tributária, da justiça fiscal e da capacidade contributiva;
14.ª A sentença não padece de uma “mera” fundamentação lacónica ou deficiente, antes configura uma “decisão surpresa”;
15.ª Acresce que, ao não cumprir um dos requisitos essenciais inerentes a uma decisão – i.e., a de convencer os seus destinatários – o tribunal a quo coartou um dos poucos mecanismos de controlo que assistem à Recorrente: o recurso para o Tribunal Constitucional;
16.ª Face ao exposto, deverá a sentença sub judice ser declarada nula;
~II ~
17.ª Ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que a mesma sentença padece de erro de julgamento;
18.ª Uma das circunstâncias que motivou o erro de julgamento em que incorreu o tribunal a quo reside no facto deste ter confundido os conceitos de Classificação e de Designação patentes na LBPC;
19.ª Analisada a evolução do conceito de Classificação ao longo das sucessivas leis nacionais do património cultural durante o século XX, verifica-se que: (a) na Monarquia Constitucional previa-se uma única graduação de Classificação (Monumento Nacional); (b) na 1.ª República previam-se duas graduações de Classificação (Monumento Nacional e Imóvel de Interesse Público); (c) no Estado Novo previam-se três graduações de Classificação (Monumento Nacional, Imóvel de Interesse Público e Valor Concelhio); (d) no início da 3.ª República foi introduzido o conceito de Categoria e alargadas as graduações de Classificação, sendo nunca foram aplicadas em virtude da Lei 13/85 não ter sido regulamentada; e (e) durante a 3.ª República e até ao surgimento da LBPC continuaram a ser aplicadas as graduações de Classificação criadas pelo Estado Novo;
20.ª A inegável tecnicidade do Direito do Património Cultural levou a que o tribunal a quo tenha incorrido em várias confusões, designadamente à utilização indiferenciada de conceitos jurídico-patrimoniais completamente distintos entre si, como sejam a Categoria, a Classificação e a Designação, razão pela qual alega que o Centro Histórico do Porto está classificado como Monumento Nacional;
21.ª O artigo 15.º da LBPC veio consagrar três conceitos jurídico-patrimoniais distintos e com um recorte técnico preciso, a saber: (a) a Categoria, (b) a Classificação e (c) a Designação;
22.ª São três as Categorias previstas na LBPC (artigo 15.º/1): Monumento, Conjunto e Sítio, sendo que as suas definições, para o que releva no caso sub judice, constam da Convenção da UNESCO de 1972;
23.ª São três as Classificações previstas na LBPC (artigo 15.º/2): Interesse Nacional, Interesse Público e Interesse Municipal, organizadas numa escala de graduação decrescente;
24.ª A designação de Monumento Nacional está reservada exclusivamente para os monumentos, conjuntos ou sítios que se encontrem classificados como sendo de Interesse Nacional (artigo 15.º/3), ou seja, ao monumento, conjunto ou sítio (i.e., categorias) que se encontre classificado como sendo de Interesse Nacional (i.e., classificações) é-lhe ainda atribuída a designação de Monumento Nacional;
25.ª Ao afirmar que o Centro Histórico do Porto está classificado como Monumento Nacional o tribunal a quo incorreu num erro de análise, na medida em que: (a) confundiu os atuais conceitos de Classificação e de Designação; e (b) confundiu o conceito de Designação introduzido pela LBPC com o conceito de graduação da Classificação como Monumento Nacional introduzido pela LBPC com o conceito de graduação da Classificação como Monumento Nacional que vigorou entre o início da vigência do Decreto 20.985 de 1932 e a entrada em vigor da LBPC;
26.ª Desde 2001 que não existe uma classificação denominada de Monumento Nacional, mas apenas classificações denominadas de Interesse Nacional, de Interesse Público ou de Interesse Municipal, logo é manifestamente impossível afirmar que o Centro Histórico do Porto está classificado como Monumento Nacional;
27.ª O Centro Histórico do Porto está classificado desde 2010-07-30, com a publicação do Aviso n.º 15173/2010, portanto, seria manifestamente impossível classificar em 2010, como Monumento Nacional, um bem cultural com uma classificação que não existe desde 2001;
28.ª Por outro lado, o conceito de classificação denominada de Monumento Nacional constante do Decreto 20.985 não equivale ao conceito de designação de Monumento Nacional constante da LBPC, pelo que também é manifestamente impossível afirmar que o Centro Histórico do Porto está classificado como Monumento Nacional;
29.ª Outra confusão e imprecisão prende-se com a circunstância de se afirmar que o Centro Histórico do Porto está classificado como sendo Monumento Nacional em decorrência direta daquele ter sido “classificado como Património Mundial da UNESCO”, quando, na realidade, não existe qualquer classificação da UNESCO;
30.ª A “Lista do Património Mundial” a que se refere o artigo 11.º/2 da Convenção da UNESCO de 1972 e, portanto, a lista a que se refere o artigo 15.º/7 da LBPC é tão só uma lista que está a cargo do Comité do Património Mundial;
31.ª Ao inscrever um bem cultural na “Lista do Património Mundial”, o Comité do Património Cultural da UNESCO não está a classificar um bem, pois a classificação de um bem cultural depende sempre de prévio procedimento administrativo de Classificação (cfr. artigo 1.º do Código do Procedimento Administrativo de 2015 e de 1991; artigo 18.º da LBPC e artigo 1.º do Decreto-Lei 309/2009, de 23 de outubro);
32.ª A inscrição do Centro Histórico do Porto na “Lista do Património Mundial não foi precedida de qualquer procedimento administrativo visando um ato de classificação, uma vez que: (a) o Comité do Património Cultural da UNESCO não integra a Administração Pública portuguesa; (b) o Estado Português não delegou no Comité do Património Cultural da UNESCO a realização de um procedimento administrativo de classificação do Centro Histórico do Porto; (c) o Estado Português jamais procedeu à abertura de qualquer procedimento administrativo de classificação previamente à candidatura do Centro Histórico do Porto à inscrição na “Lista do Património Mundial”;
33.ª Ainda que ao arrepio do basilar princípio da legalidade fosse minimamente defensável (por recurso à analogia) que a inscrição de um bem cultural na “Lista do Património Mundial” constitui uma classificação, tal “procedimento da UNESCO” sempre seria inválido, porquanto não houve, por exemplo, lugar a audição prévia por parte dos interessados que in casu reveste a forma de consulta pública;
34.ª Mais, ainda que, ao arrepio do basilar princípio da legalidade fosse minimamente defensável (por recurso à analogia) que a inscrição de um bem cultural na “Lista do Património Mundial” constitui uma classificação, tal “classificação como Património Mundial da UNESCO” sempre seria ineficaz, porquanto não houve publicação da decisão do Comité do Património Mundial no jornal oficial português (até, porque, as decisões daquele comité não se inserem nos atos de publicação obrigatória no Diário da República – cfr. artigo 119.º da Constituição);
35.ª O artigo 72.º do Decreto-Lei 309/2009 ao determinar a abertura oficiosa de um procedimento de classificação após a inclusão de um bem na lista da UNESCO, mais não está a dizer ao intérprete da lei que até àquela abertura oficiosa não existia tal classificação, pelo que a inscrição de um bem cultural na “Lista do Património Mundial” não constitui qualquer Classificação, mas, sim, “apenas” na atribuição de um novo estatuto honorífico ao bem em causa: de bem cultural nacional passa a ser (também) um bem cultural mundial;
36.ª Da articulação do Aviso n.º 15.173/2010, de 30 de julho, da LBPC e do Decreto-Lei 309/2009, de 23 de outubro, resulta que: (a) somente com a publicação do Aviso n.º 15.173/2010 é que o Centro Histórico do Porto foi classificado; (b) ao inscrever um bem cultural na “Lista do Património Mundial”, o Comité do Património Cultural da UNESCO não procedeu a qualquer classificação do Centro Histórico do Porto, apenas inseriu mais um registo numa lista de bens culturais de valor mundial; (c) de entre as três categorias possíveis (i.e., Monumento, Conjunto e Sítio) o Centro Histórico do Porto insere-se na categoria de Conjunto; (d) o Centro Histórico do Porto estará, quanto muito, classificado como de Interesse Nacional, logo é manifestamente impossível afirmar aquele está classificado como Monumento Nacional;
37.ª Além de o tribunal a quo não ter interpretado corretamente a lei aplicável (nomeadamente o Aviso n.º 15.173/2010), ele não apreciou devidamente a certidão emitida pela Direção Regional de Cultura do Norte, pois a mesma enferma e veicula um grave erro e assevera uma realidade que não existe;
38.ª Não é minimamente compreensível que a dita certidão certifique que, quer o prédio urbano quer o Centro Histórico do Porto, estão ambos classificados como Monumento Nacional à luz da LBPC, quando desde 2001: (a) não existe uma classificação denominada de Monumento Nacional, mas apenas classificações denominadas de Interesse Nacional, de Interesse Público ou de Interesse Municipal; e (b) o conceito de Classificação denominada de Monumento Nacional constante do Decreto 20.985 não equivale ao conceito de Designação de Monumento Nacional constante da LBPC, isto é, Classificação não é a mesma coisa que Designação;
39.ª A certidão em causa nunca poderia atestar que o prédio urbano aqui em causa está classificado como Monumento Nacional porquanto aquele prédio não está inscrito na “Lista do Património Mundial da UNESCO”, mas apenas o Centro Histórico do Porto, distorcendo, assim, quer aquilo que consta da referida lista quer aquilo que consta do teor do Aviso n.º 15.173/2010;
40.ª O 1.º segmento do artigo 44.º/1-n) do EBF refere-se aos prédios classificados como Monumentos Nacionais à luz das leis estado-novenses que antecederam a LBPC, DIREÇÃO DE SERVIÇOS DE CONSULTADORIA JURÍDICA E CONTENCIOSO DIREÇÃO DE SERVIÇOS DE CONSULTADORIA JURÍDICA E CONTENCIOSO DocBaseV/2017 79 / 84 porquanto estas leis (face à ausência de regulamentação da Lei 13/85) só previam três classificações possíveis (Monumento Nacional, Imóvel de Interesse Público e Valor Concelhio);
41.ª O 1.º segmento do artigo 44.º/1-n) do EBF reporta-se à classificação de Monumento Nacional que vigorou no nosso ordenamento jurídico à entrada em vigor da LBPC, Classificação aquela que não pode ser confundida com o conceito de Designação de Monumento Nacional patente, para o que ali releva, nos artigos 15.º/3 e 15.º/7 da LBPC;
42.ª Ainda que assim não fosse o tribunal a quo continuaria desprovido de razão, porquanto o conceito de Conjunto constante do artigo 1.º da Convenção da UNESCO de 1972 admite que no seio daquele último possam existir imóveis desprovidos de valor cultural, sendo por isso abusiva a interpretação de que todos os prédios que inseridos no interior de um “conjunto”, se encontram, apenas por esse facto, isentos de IMI;
43.ª Este é, aliás, o entendimento subscrito pela própria Direção Geral do Património Cultural (que assim contraria o errado entendimento veiculado nas certidões emitidas pela Delegação Regional), a qual refere que «(…) tratando-se de classificação em que se optou pela categoria de “Conjunto”, não é legítima nem legalmente possível a conclusão de se considerarem individualmente classificados os imóveis por ela abrangidos»;
44.ª Apesar da similitude das duas expressões, a classificação do Centro Histórico do Porto como bem cultural de “Interesse Nacional” (artigo 15.º/3 da LBPC e Aviso n.º 15173/2010) não equivale à classificação como “Monumento Nacional” (artigo 24.º do Decreto 20.985 de 1932), pois que – mesmo olvidando o basilar princípio da legalidade e se concedesse supremacia a analogia – o próprio legislador patrimonial não previu, até hoje, um mecanismo de conversão/equivalência patrimonial-fiscal entre a classificação estadonovense “Monumento Nacional” (patente no Decreto 20.985 de 1932) e a classificação “Interesse Nacional” (patente na LBPC), sendo que tal matéria é da competência do legislador patrimonial [artigo 165.º/1-g) da Constituição], sob pena de violação da separação de poderes;
45.ª O erro de julgamento em que incorreu o tribunal a quo é ainda revelado pela indiferença perante o facto de o benefício fiscal em causa estar indissociavelmente recortado sobre o conceito fiscal de prédio, ou seja, a isenção patente no artigo 44.º/1-n) do EBF só pode ser atribuída a um prédio, pelo que a noção deste necessariamente terá de ser encontrada à luz do artigo 2.º do CIMI;
46.ª O raciocínio do tribunal a quo padece de um grave equívoco, qual seja o de que o conjunto denominado Centro Histórico do Porto é UM PRÉDIO, quando, o Aviso n.º 15.173/2010 é bem claro ao referir que aquele centro histórico pertence à categoria de Conjunto (n.º 1 do Aviso), ou seja, um conjunto nunca poderá ser UM prédio (no sentido fiscal), mas sim uma PLURALIDADE de prédios;
47.ª A acrescer à confusão de conceitos, à ausência de conversibilidade de classificações e à não verificação de um pressuposto legal para a aplicação da isenção de IMI, o equívoco empreendido pelo tribunal a quo atenta contra a unidade do sistema jurídico e conduz a resultados absurdos, como claramente demonstram dois exemplos;
48.ª Se se considerasse que todo e qualquer prédio se encontra classificado apenas e só por se encontrar inserido dentro de um conjunto, então tal entendimento conduz ao resultado absurdo do esvaziamento do artigo 44.º/10 do EBF e do artigo 112.º/3 do CIMI, ou seja, tal entendimento traduzir-se-ia na atribuição de uma isenção fiscal a prédios em ruínas, apenas por se encontrarem dentro de um conjunto inscrito na “Lista de Património Mundial” da UNESCO, frustrando os fins extrafiscais visados pelo próprio legislador fiscal (i.e., políticas públicas de reabilitação urbana e de conservação do património cultural) quando, através da diferenciação das taxas de IMI, pretendeu compelir os proprietários de prédios naquelas condições a efetuar a sua recuperação;
49.ª Ora, o legislador não pretendeu recompensar e, menos ainda, incentivar comportamentos lesivos para a comunidade, como sejam, os riscos normalmente associados à existência de prédios em ruínas, designadamente, os riscos para a segurança de pessoas, veículos e construções adjacentes, os riscos para a saúde pública, bem como de depreciação estética ou patrimonial do espaço envolvente;
50.ª Se se considerasse ainda que todo e qualquer prédio se encontra classificado apenas e só por se encontrar inserido dentro de um conjunto, então tal entendimento conduz ao resultado absurdo e desproporcionado de todo e qualquer prédio localizado no interior de um conjunto ser insusceptível de ser adquirido por usucapião (artigo 34.º da LBPC), resultado este ainda mais absurdo e desproporcionado quando aplicado às paisagens culturais, como é exemplo a Região Vinhateira do Alto Douro, pois que, a ser assim, desde 2001 que não mais é possível a realização de escrituras públicas de usucapião nos concelhos de Mesão Frio, Peso da Régua, Santa Marta de Penaguião, Vila Real, Alijó, Sabrosa, Carrazeda de Ansiães, Torre de Moncorvo, Lamego, Armamar, Tabuaço, São João da Pesqueira e Vila Nova de Foz Côa e que toda e qualquer escritura pública de usucapião referente a prédios ali localizados é nula;
51.ª Aliando estes dois exemplos à presunção patente no artigo 9.º/3 do Código Civil e à consideração da unidade do sistema jurídica a que alude o n.º 1 daquele mesmo artigo e código, não se poderá deixar de concluir pela exigência da classificação individual de cada um dos prédios que integram o conjunto Centro Histórico de Porto;
52.ª Acresce que este é o entendimento veiculado pela Doutrina mais relevante (JOSÉ CASALTA NABAIS, NUNO SÁ GOMES, CARLOS PAIVA e MÁRIO JANUÁRIO) e pela Jurisprudência (designadamente do próprio Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto) produzidas sobre esta matéria, a par da própria doutrina administrativa da Direção-Geral do Património Cultural;
53.ª Pelo que, não tendo a Recorrida demonstrado que o seu prédio urbano se encontra individualmente classificado, forçoso é concluir que não reúne os requisitos para usufruir do benefício do artigo 44.º/1-n) do EBF e que a decisão proferida pelo Tribunal a quo não encontra suporte factual e legal;
~III ~
54.ª Além de padecer de erro de julgamento, a interpretação subjacente à decisão proferida pelo tribunal a quo padece ainda de várias inconstitucionalidades;
55.ª A interpretação proposta pelo tribunal a quo é uma interpretação que ofende o basilar princípio da igualdade tributária na medida em que, enquanto proprietária de um prédio urbano integrado no denominado Centro Histórico do Porto e destituído de valor cultural individual, a Recorrida pretende ser privilegiada, sem razão justificável, relativamente aos demais proprietários de imóveis não classificados;
56.ª A interpretação realizada pelo tribunal a quo traduz ainda uma violação do princípio da justiça fiscal, pois não se verifica uma justa repartição da carga fiscal entre, por um lado, o proprietário de um prédio destituído de valor cultural individual e, por outro, o proprietário de um prédio individualmente classificado e cujas faculdades de disposição, transformação e fruição são diferentes face ao titular de um prédio não individualmente classificado;
57.ª A interpretação dada pelo tribunal a quo é ofensiva do princípio da capacidade contributiva, já que a Recorrida, enquanto proprietária de um prédio urbano destituído de valor cultural, pretende usufruir de uma isenção fiscal destinada a beneficiar proprietários de imóveis que efetivamente detêm valor cultural e que estão sujeitos a encargos financeiros e a procedimentos burocráticos mais gravosos do que os proprietários de imóveis de construção recente, ou seja, a atribuição do benefício fiscal aqui em causa à Recorrida traduzir-se-ia num incompreensível aforro fiscal relativamente ao depauperamento a que estão sujeitos os proprietários de verdadeiros prédios dotados de valor patrimonial cultural;
58.ª A interpretação dada pelo Tribunal a quo viola também o princípio da autonomia local, porquanto redunda na atribuição de um benefício fiscal sem qualquer critério, com óbvio prejuízo para as receitas municipais, já que o IMI é um imposto municipal e reverte a favor dos municípios onde os imóveis se localizam;
59.ª Defendendo o tribunal a quo que o prédio urbano sub judice integra a “Lista do Património Mundial” da UNESCO de 1996 como Centro Histórico do Porto e que, como tal, está classificado, então forçoso é concluir que, a ser assim, o Município do Porto vê lesada a sua autonomia local na medida em que nenhuma palavra teve quanto à questão da perda da receita do IMI subjacente à área daquele centroo, sendo que parte da sua receita local, foi, de uma assentada só, decidida indiretamente por um organismo (i.e., Comité do Património Mundial) que: (a) não integra os órgãos do Estado Português; (b) não dispõe de qualquer competência legal em matéria tributária no território português; (c) não lhe foi delegada qualquer competência legal em matéria tributária pelo Estado Português no âmbito da candidatura à “Lista do Património Mundial” da UNESCO de 1996; (d) não lhe foi delegada qualquer competência legal em matéria tributária pelo Município do Porto no âmbito da candidatura à “Lista do Património Mundial” da UNESCO de 1996.
60.ª Em decorrência do acabado de afirmar, a interpretação dada pelo tribunal a quo viola o princípio da participação, porquanto nenhuma palavra teve o Município do Porto quanto à questão da perda da receita do IMI subjacente à área do Centro Histórico do Porto;
61.ª Finalmente, a interpretação veiculada pela Recorrida e pelo tribunal a quo padece ainda de uma inconstitucionalidade orgânica, na medida em que acabaram por realizar uma equivalência ou equiparação entre as classificações previstas na legislação do Estado Novo e as previstas na LBPC, ou seja, pela equivalência entre a classificação Monumento Nacional (prevista no Decreto 20.3985 de 1932) e a classificação Interesse Nacional (prevista no artigo 15.º/2 da LBPC), quando tal equivalência ou equiparação terá necessariamente de resultar da lei do parlamento ou de decreto-lei autorizado do Governo;
62.ª Apesar de a LBPC permitir que a legislação de desenvolvimento possa vir a consagrar as regras necessárias para se efetuar, entre outras, a conversão das classificações (artigo 112.º/3 daquele diploma), certo é que os decretos-lei de desenvolvimento até à data publicados não prevêem nenhum mecanismo a ela atinente;
63.ª E em decorrência direta desta omissão por parte do legislador cultural, não podia o legislador fiscal de 2008 substituir-se àquele ao fazer equivaler no artigo 44.º/1-n) do EBF a classificação de Interesse Nacional introduzida pela LBPC à classificação de Monumento Nacional prevista no Decreto 20.985 de 1932;
64.ª E não podendo o legislador fiscal de 2008 substituir-se ao legislador cultural, naturalmente que também nunca assim o poderá fazer o intérprete da Lei e o julgador, sob pena de óbvia inconstitucionalidade, por violação da reserva de lei;
65.ª Motivos pelos quais não deve ser mantida na ordem jurídica a sentença ora colocada em crise.
Termos em que, por todo o exposto supra e sempre com o douto suprimento de V.Exas., deve ser dado provimento ao recurso interposto, revogando-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo, fazendo-se assim a costumada JUSTIÇA.
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A Recorrida apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma:
1. A ora recorrente, Autoridade Tributária e Aduaneira, interpôs recurso da douta decisão da primeira instância alegando, em suma, que padece de vícios, a saber, nulidade por omissão de pronúncia, erro de julgamento e inconstitucionalidade, alegações com as quais se discorda na plenitude.
2. Ao longo de todo o processo, a ora recorrente nunca alegou a matéria que ora reclama por pronúncia, senão tão só em sede de alegações finais.
3. Ora, em Acórdão proferido em 25-09-2013 pelo Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do proc. n.º 0895/13, veio proferir o seguinte entendimento: “As alegações previstas no artigo 120º do CPPT destinam-se a discutir a matéria de facto e as questões jurídicas que são objecto do processo.”
4. E ainda, “A caducidade do direito à liquidação invocada apenas nas alegações finais previstas no art. 120º do CPPT, não constituindo facto subjectivamente superveniente nem matéria de conhecimento oficioso, teria de ser suscitada em sede de petição inicial, pelo que, não o tendo sido, estava vedado ao tribunal conhecer dessa questão.”
5. Por outro lado, o momento de produção de prova ocorre antes das partes serem notificadas para apresentarem as suas alegações finais.
6. Neste sentido, veja-se o Acórdão de 6-05-2016 proferido por este digníssimo Tribunal Central Administrativo Norte, no âmbito do proc. n.º 01589/13.0BEPRT, segundo o qual “No âmbito da acção administrativa especial, finda a produção de prova quando tenha lugar ou o juiz a dispense, o processo segue, por via de regra, para a fase de alegações escritas – artigos 87.º n.º 1/c “a contrario”, 90.º a 91.º do CPTA/2004”.
7. Ora, o que sucedeu nos presentes autos, maxime toda a matéria que a ora recorrente vem invocar que sobre a mesma ocorreu nulidade por falta de pronúncia, é matéria que nunca fez parte da referida ação, tendo apenas sido trazida à luz do dia em sede de alegações finais.
8. Razão pela qual, não pode, salvo melhor opinião, a ora recorrente imputar àquela douta sentença o vício de nulidade por omissão de pronúncia quando está em causa matéria que não integra o objeto da ação.
9. Por outro lado, e a título subsidiário, vem a recorrente alegar que, no seu entender, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento.
10. Ora, e conforme bem salienta a douta sentença recorrida, “pela Direção Regional da Cultura do Norte, em 15.1.2014, foi emitida certidão constante a fls. 35 a 38 do proc. físico, (…) onde se certifica que «o imóvel identificado em C e B1” (reportando-se ao prédio propriedade da ora recorrida e objeto do presente litígio) está classificado como Monumento Nacional (M.N) de acordo com o nº 3 e nº 7 do art. 15º da Lei nº 107/2001, de 2001.09.08, D.R. 209, I Série-A, por estar inscrito na Lista do Património Mundial da Unesco, em 1986, como «Centro Histórico do Porto». Mais se certifica que o «imóvel identificado em C e B1 faz parte integrante do conjunto denominado «Centro Histórico do Porto» classificado como Monumento Nacional.”
11. Com a lei nº 53-A/2006 de 29 de dezembro, a redação da al. n) do nº1 do art. 40º alterou-se passando a estabelecer que estariam isentos de IMI “os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável”, sendo esta a atual redação do art. 44º nº1 al. n) do EBF.
12. Ora, parece clarividente que o referido normativo passou a ter dois segmentos separados pela conjunção “e”, como sejam: 1º - “os prédios classificados como monumentos nacionais”, “e” 2º - “os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal”.
13. Nessa senda, e já na redação dada pela lei 3-B/2010 de 28 de agosto, também o nº5 do citado normativo sofreu alterações significativas passando a estabelecer que “a isenção a que se refere a alínea n) do nº1 é de caráter automático, operando mediante comunicação da classificação como monumentos nacionais ou da classificação individualizada como imóveis de interesse público ou de interesse municipal, a efetuar pelo Instituto de Gestão do Património Arquitetónico e Arqueológico, I.P., ou pelas câmaras municipais, vigorando enquanto os prédios estiverem classificados, mesmo que estes venham a ser transmitidos.”
14. Conforme consta, e bem, da sentença recorrida, importa averiguar o que preceitua a Lei de Bases do Património Cultural (Lei nº 107/2001, de 8 de setembro) no que concerne o conceito de “categoria de bens, - vide artigo 15.
15. Sucede que, e como bem constatou a douta sentença recorrida, importa analisar como é que as categorias de bens são definidas no direito internacional.
16. Para o efeito, importa atender à definição de património cultural patente no art. 1º da Convenção para a Proteção do Património Mundial, Cultural e Natural aprovada pelo Decreto nº 49/79 de 6 de junho, e, ainda, a Convenção para a Salvaguarda do Património Arquitetónico da Europa, aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República nº 5/91 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 5/91, no seu art. 1º.
17. O artigo 72º do DL nº 309/2009 de 23 de outubro (Património Cultural Imóvel) vem prever que, “1 - A inclusão de um bem imóvel na lista indicativa do património mundial determina oficiosamente a abertura de procedimento de classificação, no grau de interesse nacional, e de fixação da respectiva zona especial de protecção, nos termos do presente decreto-lei.
18. No cumprimento do aí preceituado, surge o Aviso nº 15173/2010 de 30 de julho, que veio incluir na lista indicativa do Património Mundial o Centro Histórico do Porto.
19. Em face do exposto, cremos que andou bem a douta sentença recorrida ao firmar que “decorre da materialidade assente, que o imóvel da autora encontra-se classificado como monumento nacional, nos termos do disposto no art. 15º n.os 3 e 7 da Lei nº 107/2001, de 8.9, pelo facto de estar inscrito na Lista do Património Mundial da UNESCO como “Centro Histórico do Porto”.”,
20. E ainda, que “resulta também provado que aquele imóvel faz parte integrante do conjunto denominado “Centro Histórico do Porto”, classificado como monumento nacional, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 72º do Decreto-Lei nº 309/2009, de 23 de Outubro”, conforme certidão lavrada pela Direção Regional de Cultura do Norte.
21. Referindo ainda, e bem, que “é certo que o prédio da autora faz parte do conjunto”, porém, “o Aviso n.º 15173/2010 tornou público que, em 1996, foi incluído na lista indicativa do Património Mundial da UNESCO o conjunto conhecido por centro histórico do porto, localizado nas freguesias da Sé, São Nicolau, da Vitória e de Miragaia, concelhos do Porto e Vila Nova de Gaia, distrito do Porto, onde se inclui o imóvel da autora.”
22. Em face do exposto, a interpretação efetuada pelo Tribunal a quo do EBF, bem como da restante legislação aplicável, parece-nos, salvo melhor opinião, clarividente, e insuscetível de interpretação duvidosa, razão pela qual, tudo o referido pela ora recorrente carece de sentido tendo a mesma efetuado uma interpretação contra legem daqueles normativos.
23. Por outro lado, aquele douto Tribunal, aderiu à tese propalada pela ora recorrida no que concerne a desnecessidade no caso em apreço de classificação individual do imóvel porquanto se insere no supra referido primeiro segmento da norma citada (art. 44º nº1 al. n) 1ª parte do EBF), a saber, que estão isentos de IMI “os prédios classificados como monumentos nacionais”, não se inserindo, portanto, no 2º segmento -) “os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal”).
24. Mais uma vez é a própria letra da lei que vem exigir uma classificação individual “somente para os casos em que o mesmo é classificado como de interesse público ou de interesse municipal”, conforme refere aquela douta sentença.
25. Aquela douta sentença justifica, e muito bem a nosso ver, a racio da norma que, “quer através do elemento literal da norma quer através da interpretação e reconstituição do pensamento do legislador, quando consagrou tal norma em letra de lei, outra coisa não resulta, tendo nomeadamente em conta a unidade do sistema jurídico.”
26. Assim, e no que concerne a “reconstituição do pensamento do legislador” notou, e bem, o Tribunal a quo que através da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, o legislador procedeu à alteração da al. g) do art. 6º do CIMT, determinando que a isenção operada por este normativo tenha deixado de abranger “as aquisições de prédios classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal, ao abrigo da Lei nº 107/2001, de 8 de setembro”, para passar a consagrar apenas “as aquisições de prédios individualmente classificados como de interesse nacional, de público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável”.
27. Tal alteração legislativa ocorreu quando já havia consagração legal da isenção de IMI patente no art. 44º nº1 al. n) do EBF com a atual redação, razão pela qual urge “concluir que o legislador não quis, manifestamente, introduzir a mesma limitação ao benefício fiscal que consagrou na alínea g) do art. 6º do CIMT, para o IMT, na indicada alínea n) do n.º 1 do art. 44º do EBF, para o IMI., como bem denotou a sentença recorrida.
28. Ora, e como bem refere a sentença recorrida, “a conclusão a retirar do que se acaba de expor apenas pode ser uma: o legislador absteve-se de introduzir semelhante limitação no que concerne à isenção em sede de IMI, dispensando a classificação individualizada para os monumentos nacionais, exigindo-a apenas em relação aos imóveis de interesse público ou de interesse municipal.”
29. Aliás, se dúvidas existissem, tais dúvidas sempre seriam dissipadas através do preconizado no nº5 (este sim preceito alvo de alteração legislativa), onde se pode uma vez mais constatar a dualidade de situações, quando faz menção à comunicação da “classificação como monumentos nacionaisouda classificação individualizada como imóveis de interesse público ou de interesse municipal”.
30. Por outro lado, não se deve olvidar que a proteção do património cultural tem vindo a ser acentuada, fruto da degradação de que tem sido alvo, bem como da constatação de que se encontrava destinado à destruição se nenhuma medida fosse impulsionada.
31. Na senda dessa consciencialização, o legislador, com o intuito de adotar medidas de salvaguarda dos bens do património cultural, criou incentivos.
32. Foi por essa razão, e no cumprimento do previamente estabelecido na Convenção para Proteção do Património Cultural e Natural, que os Estados-Membros procederam à elaboração de uma Lista com o intuito de preservar a proteger esses bens.
33. Nesse seguimento, diversos monumentos, sítios e conjuntos obtiveram classificação como Património Mundial da Unesco, maxime, o Centro Histórico do Porto no seu conjunto.
34. A classificação é atribuída a todo o aglomerado de bens imóveis que integram a circunscrição territorial classificada como Património Mundial, por ser toda esta que, considerada na sua globalidade, confere identidade ao centro histórico.
35. Acresce que, a interpretação que a ora recorrente proclama não se coaduna com a interpretação da própria Autarquia, o que não se afigura plausível, mormente por de um imposto municipal se tratar.
36. Aliás, e tal como consta da prova inclusa nos autos, o imóvel aqui em causa está devidamente certificado como “monumento nacional” pela entidade competente para o efeito (Direção Regional da Cultura do Norte),
37. Tendo a própria Câmara Municipal do Porto perfilhado do mesmo entendimento, como ficou devidamente comprovado através de Ofício Camarário nº 1/121239/13/CMP junto aos autos.
38. Por outro lado, qualquer cidadão, enquanto titular de direitos adquiridos e de legítimas expectativas juridicamente tuteladas, tem o direito de poder confiar que aos seus atos ou às decisões públicas que versem sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçadas em normas jurídicas vigentes e válidas, se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico.
39. A acrescer, no que concerne a posição da jurisprudência quanto à questão sub judice, cita a ora recorrente um único acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto no âmbito do proc. n.º 134.14.BEPRT, conforme item 274 das alegações de recurso.
40. Porém, tal decisão foi revogada por este douto Tribunal Central Administrativo Norte, em decisão de 7-12-2016 no âmbito do citado processo, e onde se pode constatar que quer a ora recorrida, quer o Tribunal a quo, quer ainda diversas decisões do CAAD Conforme evidencia o referido acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte supra citado. nesta matéria, seguem o entendimento propalado por este digníssimo Tribunal no referido processo,
41. No que concerne o vício apontado pela recorrente de inconstitucionalidade da interpretação veiculada na sentença proferida pelo Tribunal a quo, também aqui não colhe, a nosso e ver e salvo melhor opinião, o entendimento proferido pela recorrente.
42. Entende a recorrente que aquela douta sentença ofendeu o princípio basilar da igualdade tributária, e, de facto, encontra-se o mesmo violado, mas pela ora recorrente no momento em que indeferiu a isenção de IMI à ora recorrida, porquanto trata desigualmente em termos tributários o que é igual (tendo concedido a isenção a uns e negado a outros, como a ora recorrida, em igualdade de circunstâncias).
43. Por outro lado, chama ainda à colação o princípio da capacidade contributiva e a subversão do princípio da justiça na repartição de carga fiscal, olvidando ou ignorando a existência do conceito de benefício fiscal e descorando o que lhe subjaz.
44. A acrescer, invoca a ora recorrente a violação do princípio da autonomia local, afirmando que “importa aqui não esquecer este aspeto essencial, mas tantas vezes olvidado – o IMI é, como o seu próprio nome indica, um imposto municipal”.
45. Ora, certamente por lapso de raciocínio a recorrente invoca a violação do princípio da autonomia local, porquanto junto aos autos existe oficio camarário no qual a Câmara Municipal do Porto afirma de modo indúvio que o imóvel propriedade da aqui recorrida está isento de IMI.
46. Por fim, aponta ainda a recorrente o vício de inconstitucionalidade orgânica porquanto, no seu entender, o Tribunal a quo fez uma suposta equivalência ou equiparação entre diferentes graduações de classificação o que tem que resultar imperativamente da lei do parlamento ou de decreto-lei autorizado do governo, acrescentando ainda que houve violação do art. 10º do EBF porquanto, a seu ver, o Tribunal a quo recorreu à analogia.
47. Ora, e com todo o respeito, tal raciocínio está contaminado ab initio, uma vez que o Tribunal a quo simplesmente interpretou a lei de acordo como a mesma se encontra intacta no ordenamento jurídico atual e de acordo com a pretensão do legislador no momento da sua criação.
48. Em face de tudo o exposto e da prova inclusa nos autos, deverá manter-se, na íntegra, a douta sentença recorrida e, em consequência manter a decisão de condenação da administração à prática do ato devido, maxime, conceder a isenção de IMI com todas as legais consequências daí decorrentes, conforme bem decidiu aquele douto Tribunal.
TERMOS EM QUE deverá o recurso interposto improceder na sua íntegra, mantendo-se a douta sentença recorrida, assim se alcançando o verdadeiro propósito do direito… a JUSTIÇA.”
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Notificado o Ministério Público junto deste Tribunal, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1 do CPTA, absteve-se de emitir pronúncia.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida enferma de nulidade, por omissão de pronúncia, se padece de erro de julgamento, por violação do disposto no artigo 44.º, n.º 1, alínea n) do Estatuto dos Benefícios Fiscais: isenção de IMI de prédios classificados, e se incorre em inconstitucionalidade.

III. Fundamentação

1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância, foram considerados provados os seguintes factos:
1. Por ofício datado de 7.10.2013, subscrito pelo Chefe do Serviço de Finanças do Porto 5, que aqui se dá por integralmente reproduzido, foi a autora notificada para se pronunciar, em sede de audição prévia, sobre o projecto de decisão de não concessão do benefício relativo à isenção do IMI do prédio inscrito na matriz urbana da União de Freguesias de Cedofeita, Sto. Ildefonso, Sé, Miragaia, S. Nicolau e Vitória, sob o artigo 4…º (art. 6…º da extinta freguesia de Vitória) (doc. nº 4 junto com a p.i.).
2. A autora exerceu o direito de audição prévia, conforme teor do doc. nº 5, junto com a p.i., cujo teor se dá por reproduzido.
3. Por ofício datado de 4.12.2013, o Chefe do Serviço de Finanças do Porto 5 notificou a autora da decisão de indeferimento da isenção de IMI, que vinha usufruindo, nos seguintes termos:
“Face ao que vem informado, indefiro a pretensão da reclamante, nos termos e com os fundamentos constantes do projecto de decisão, oportunamente notificado, tornando-se portanto definitivo o sentido da proposta de decisão anteriormente referida” (doc. nº 6 junto com a p.i.).
4. Pela Direcção Regional da Cultura do Norte, em 15.1.2014, foi emitida a certidão constante de fls. 35 a 38 do proc. físico, com vista “à instrução de processo para obtenção de benefícios fiscais”, onde se certifica que «o imóvel identificado em C e B1 [prédio urbano sito na Rua de Trás, nº …/Campo dos Mártires da Pátria, nº ..., Porto, inscrito na matriz sob o art. 4…U da União de Freguesias de Cedofeita, Sto. Ildefonso, Sé, Miragaia, S. Nicolau e Vitória], está classificado como Monumento Nacional (M.N.) de acordo com o nº 3 e nº 7 do art. 15º da Lei nº 107/2001, de 2001.09.08, D.R. 209, I Série-A, por estar inscrito na Lista do Património Mundial da Unesco, em 1986, como “Centro Histórico do Porto”». Mais se certifica que “o imóvel identificado em C e B1 faz parte integrante do conjunto denominado “Centro Histórico do Porto”, classificado como Monumento Nacional (M.N.)” (fls. 36 a 38 do proc. físico).
Factos não Provados:
Inexistem factos não provados com relevância para a decisão a proferir.
Motivação:
A convicção do tribunal baseou-se nos documentos apresentados com a petição inicial, como se indicou ao longo dos factos provados.
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2. O Direito

Considerada a factualidade dada por assente, importa entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional, segundo a sua ordem de precedência.
O Recorrente começa por sustentar a nulidade da sentença recorrida, por omissão de pronúncia.
Para tanto, refere que, além da contestação tempestivamente deduzida, apresentou ainda as suas alegações finais, por via das quais: (i) salientou o exercício de confundibilidade de conceitos jurídico-patrimoniais em que incorreu a Recorrida; (ii) alertou para a indissociabilidade da isenção sub judice ao conceito fiscal de prédio; (iii) salientou o erro veiculado na certidão emitida pela Direcção Regional da Cultura do Norte; e (iv) suscitou a inconstitucionalidade da interpretação propalada pela Recorrida. Contudo, a sentença recorrida nada disse ou ponderou acerca destas alegações, tendo destacado que neste processo, face ao pedido formulado e aos argumentos explanados, a questão que importava dilucidar era a de saber se o prédio da autora, inserido no denominado Centro Histórico do Porto, reúne as condições previstas na lei para beneficiar da isenção em sede de IMI.
A sentença, enquanto decisão judicial, pode padecer de vícios de duas ordens, os quais obstam à sua eficácia ou validade:
i) pode ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo a consequência a da sua revogação (erro de julgamento de facto ou de direito);
ii) como acto jurisdicional, pode ter violado as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é emanada, tornando-se passível de nulidade, nos termos do artigo 615.º do Código de Processo Civil (CPC).
Vem invocado como fundamento do presente recurso a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, a que alude a alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, por o juiz ter deixado de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
Findos os articulados, foi proferido despacho saneador, onde, além do mais, foi precisado que o objecto dos presentes autos é a condenação da entidade demandada à prática do acto de concessão de isenção de IMI. Enquadrou-se, igualmente, a acção, mencionando o disposto no artigo 66.º, n. 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável por força da remissão operada pelas disposições conjugadas dos artigos 97.º, n.º 1, alínea p) e n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 191.º do CPTA, reiterando que o objecto do presente processo é a pretensão material do interessado e não o acto (tácito) de indeferimento. Assim é, mesmo quando a prática do acto devido tenha sido expressamente recusada, caso em que a eliminação da ordem jurídica do acto de indeferimento “resulta directamente da pronúncia condenatória”.
Efectuado este enquadramento, importa revertê-lo ao caso concreto, tendo presente aquela que foi a actuação da entidade demandada em juízo.
Compulsada a contestação apresentada pelo ora Recorrente denota-se que na mesma foi apresentada defesa por impugnação, tendo sido alegada matéria de excepção, cujo conhecimento foi efectuado no despacho saneador.
Verifica-se, assim, que a matéria que ora está em causa, cujo conhecimento foi supostamente omitido, conforme admite o Recorrente, apenas foi alegada nas alegações finais, apresentadas nos termos do artigo 91.º, n.º 4 do CPTA.
Efectivamente, nos termos que resultam da fundamentação de direito da sentença recorrida, tais alegações que se mostram suscitadas pelo Recorrente no presente recurso e que foram introduzidas nos autos nas alegações finais, não se mostram conhecidas e decididas na sentença, já que sobre as mesmas o Tribunal a quo não se debruçou, nem decidiu.
Porém, adiantamos, desde já, não proceder a alegada omissão de pronúncia, pois que não recaía sobre o Tribunal a quo o dever de decisão sobre essa matéria suscitada.
Na verdade, as alegações finais não consubstanciam o momento processual para introduzir questões novas (o autor pode invocar novos fundamentos do pedido, mas de conhecimento superveniente – artigo 91.º, n.º 5 do CPTA) ou arguir matéria de excepção (artigo 87.º, n.º 2 do CPTA).
A lei prevê um figurino processual, segundo o qual existem fases e momentos próprios para a prática dos actos, seja pelas partes, seja pelo Tribunal.
No caso, estabelece o artigo 83.º do CPTA que, na contestação, deve a entidade demandada deduzir, de forma articulada, “toda a matéria relativa à defesa e juntar os documentos destinados a demonstrar os factos cuja prova se propõe fazer”.
Tal decorre do princípio consagrado na lei processual, da concentração da defesa, segundo o qual toda a matéria relativa à defesa deve ser alegada e concentrada nesse articulado.
Além disso, consagra o processo a fase de saneamento da causa, cuja finalidade consiste no conhecimento e decisão de toda a matéria de excepção ou questões prévias que hajam sido suscitadas pelas partes que, em caso de procedência podem obstar ao conhecimento do mérito da causa, nos termos da alínea a), do n.º 1 do artigo 87.º do CPTA. Consagrando, ainda, o n.º 2 do artigo 87.º do CPTA a regra segundo a qual as questões prévias referidas na alínea a) do n.º 1, que não tenham sido apreciadas no despacho saneador, não podem ser suscitadas, nem decididas em momento posterior do processo e as que sejam decididas no despacho saneador não podem vir a ser reapreciadas.
Também relativamente a outros meios processuais (nos acórdãos mencionados infra estava em causa a impugnação judicial prevista no CPPT), haverá que recordar que o objecto do processo se fixa na fase dos articulados, pelo que a decisão do Tribunal "a quo" não pode enfermar do vício de omissão de pronúncia, ao não tomar conhecimento de alegados fundamentos da acção apenas trazidos à colação nas alegações pelo recorrente (cfr. acórdão do T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/09/2014, proc.4767/11; acórdão do T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.7660/14; acórdão do T.C.A. Sul-2ª.Secção, 10/09/2015, proc.7066/13; acórdão do T.C.A. Sul-2.ª Secção, 06/04/2017, proc.164/12.0BEBJA).
Não obstante o que ficou dito, não podemos deixar de relembrar que a nulidade por omissão de pronúncia se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 608.º, n.º 2 do CPC, que impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; e, por outro lado, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente.
Lembramos que ocorre nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do tribunal sobre questões a que esteja obrigado a pronunciar-se.
Nesta matéria, a jurisprudência tem reiteradamente afirmado que “só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio” (cfr. Acórdão do STA, de 19/09/2012, processo n.º 0862/12).
Por conseguinte, só há omissão de pronúncia “quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões” (cfr. Acórdão do STA, de 28/05/2014, processo n.º 0514/14).
A nulidade só ocorre, portanto, quando a sentença não aprecie questões suscitadas e não argumentos apresentados no âmbito de cada questão, face ao disposto nos artigos 697.º e 608.º do Código de Processo Civil de 2013 (artigos 659.º e 660.º do Código de Processo Civil de 1995).
Efectivamente, o tribunal não tem de se pronunciar sobre todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes, mas apenas fundamentar suficientemente em termos de facto e de direito a solução do litígio.
Questões, para este efeito, são todas as pretensões processuais formuladas pelas partes, que requerem a decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os específicos de qualquer acto especial, quando realmente debatidos entre as partes (cfr. Antunes Varela, in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 122º, página 112), não podendo confundir-se as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões, argumentos e pressupostos em que fundam a respectiva posição na questão (cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, página 143, e Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, volume III, 1972, página 228).
A nulidade, por omissão de pronúncia, significará, portanto, ausência de posição expressa ou de decisão expressa do tribunal sobre as matérias que os sujeitos processuais interessados submeteram à apreciação do tribunal em sede de pedido, causa de pedir e excepções (exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras), bem como sobre as que sejam de conhecimento oficioso, isto é, de que o tribunal deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual.
A sentença recorrida apreciou todas as questões suscitadas pelas partes nos articulados, identificando o objecto do processo, no âmbito da acção de condenação à prática de acto devido, como vimos: concessão da isenção de IMI relativamente ao imóvel da Autora; e apreciando as excepções arguidas na sua defesa pela entidade demandada no despacho saneador.
De todo o modo, qualquer confusão em que possa ter incorrido a Recorrida na sua petição inicial no que tange aos conceitos jurídico-patrimoniais ou quanto ao conceito fiscal de prédio, o alerta para estes problemas de alegação não consubstancia “questões”, conforme referimos, mas argumentos em defesa da interpretação e de conceitos jurídicos tal como aventados pela Recorrente (nas suas alegações escritas).
A este propósito, não podemos deixar, ainda, de recordar que o tribunal “não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” [artigo 5.º do CPC (anterior artigo 664.º) aplicável por força do disposto no artigo 2.º alínea e) do CPPT], isto é, o direito é de conhecimento oficioso do tribunal: ius novit curia. Daí que, porque a decisão sobre os factos alegados é matéria de direito, bem pode o tribunal qualificá-los de forma distinta da Autora ou da Entidade Demandada, mesmo quando nenhuma das partes aventou uma determinada interpretação da lei. Logo, não vislumbramos qualquer nulidade no facto de o tribunal ter adoptado argumentos diversos dos invocados pela Entidade Demandada para determinar os normativos aplicáveis à situação concreta, fundamentando, deste modo, a sua decisão.
Os problemas apontados à certidão emitida pela Direcção Regional da Cultura do Norte, em 15.01.2014, referida no ponto 4 da factualidade, poderão contender com questões de prova e de veracidade da descrição certificada (trata-se de uma certidão narrativa).
Nos termos do artigo 5.º, n.º 1 e n.º 3, do CPC incumbe às partes alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir, sem prejuízo de o juiz não estar sujeito às alegações das partes, no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, como já alertámos.
Sendo que o momento oportuno de apresentação de meios de prova dos alegados factos corresponde ao momento de apresentação dos articulados (cfr. artigo 78.º, n.º 2, al. l), 79.º. n.º 6, 83.º, n.º 1 CPTA e 423.º, n.º 1 do CPC), com a excepção dos documentos cuja junção não tenha sido possível até àquele momento (423.º, n.º 3 do CPC) tendentes em regra, natural e necessariamente, a fazer prova de factos já alegados ou a alegar pela parte que os oferece e que dela careçam.
Na fase da instrução do processo, o juiz pode ordenar as diligências de prova que considere necessárias para o apuramento da verdade, podendo indeferir, mediante despacho fundamentado, requerimentos dirigidos à produção de prova sobre certos factos ou recusar a utilização de certos meios de prova quando o considere claramente desnecessário, sendo, quanto ao mais, aplicável o disposto na lei processual civil no que se refere à produção de prova (cfr. artigo 90.º, n.º 1 e n.º 2 do CPTA).
Logo, a audiência contraditória sobre a admissão e a produção de provas ocorre necessariamente nesta fase da instrução do processo – cfr. também o artigo 415.º do CPC. Sendo neste mesmo momento processual que poderá impugnar-se um documento, por exemplo como a certidão de fls. 35 a 38 do processo físico junta com a petição inicial e referida no ponto 4 da factualidade, questionar-se a sua genuinidade, a sua autenticidade ou a sua força probatória – cfr. artigos 444.º a 450.º do CPC.
Assim, o invocado erro veiculado na certidão emitida pela Direcção Regional da Cultura do Norte (“a certidão nunca poderia atestar que o prédio urbano aqui em causa está classificado como Monumento Nacional, porquanto aquele prédio não está inscrito na Lista do Património Mundial da UNESCO”, entre o mais) não podia ter sido arguido nas alegações escritas.
Na verdade, sabemos que é o juiz a quo que dirige os processos que lhe estão afectos, os tramita de acordo com a lei, e, no que à junção e apreciação da prova respeita, decide, de acordo com a sua íntima convicção – naturalmente justificável e legítima – tendo presente não só as regras que determinam a junção de documentos, mormente as que estabelecem como momento adequado os articulados, a audiência contraditória das provas e como limite o encerramento da discussão, bem como de acordo com a utilidade relevante para a descoberta da verdade.
Sendo que, se o decisor notifica as partes para alegarem, nos termos do artigo 91.º do CPTA, é porque, por via de regra, se encontra convencido de que a prova necessária e relevante para a descoberta da verdade já está nos autos e já foi sujeita à necessária audiência contraditória.
Realmente, as alegações escritas não servem para acrescentar matéria que não integra o objecto do processo, nem para alegar tudo o que as partes se foram esquecendo de efectuar no momento processual próprio, sejam novos fundamentos não supervenientes seja contraditação da prova, servindo tão-só para estas realizarem uma abordagem da prova produzida até aqui, subsumindo os factos que entendem apurados ao direito e concluindo no sentido que propugnam na acção.
Trata-se, em qualquer caso, nesta nulidade, de falta de pronúncia sobre questões, e não de falta de realização de diligências instrutórias, de falta de avaliação de provas ou de ponderação da audiência contraditória das mesmas. A falta de realização de diligências no âmbito da instrução do processo constituirá uma nulidade processual e não uma nulidade de sentença. A falta de avaliação de provas produzidas, tal como a sua errada avaliação, constituirá um erro de julgamento da matéria de facto.
Aduz, igualmente, o Recorrente que a interpretação das normas propalada pela Autora, ora Recorrida, seria inconstitucional e que, tendo invocado tal questão nos artigos 76.º a 86.º das alegações escritas, a mesma não foi objecto de pronúncia na sentença recorrida.
Encontramo-nos perante alegados vícios de inconstitucionalidade material e que buscam uma fiscalização concreta e com características oficiosas (cfr. artigos 204.º e 280.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2.º Volume, Coimbra Editora, 2010, pág.940 e seguintes). No entanto, o que pode e deve ser objecto da fiscalização concreta da constitucionalidade, por parte dos Tribunais, são normas e não quaisquer decisões, sejam elas de natureza judicial ou administrativa, nem tão-pouco eventuais interpretações que de tais normas possam ser efectuadas por aquelas decisões (cfr. artigo 204.º, da Constituição da República Portuguesa; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2.º Volume, Coimbra Editora, 2010, pág. 518 e seguintes; Acórdão do T.C.A.Sul-2ª.Secção, de 27/4/2006, proc. n.º 64561/96; Acórdão do T.C.A.Sul-2ª.Secção, de 11/1/2011, proc. n.º 4401/10; Acórdão do T.C.A. Sul -2ª.Secção, de 05/06/2012, proc. n.º 5445/12).
Se é certo que tem sido vasta e uniforme a jurisprudência dos Tribunais Superiores no sentido de que o vício de inconstitucionalidade de uma norma torna o acto praticado à sua sombra meramente anulável, também o é que a mera anulabilidade desse acto não impede que o vício de inconstitucionalidade não possa ser de conhecimento oficioso.
Na verdade, a CRP proíbe os tribunais de, nos feitos submetidos ao seu julgamento, aplicar normas que infrinjam o disposto na CRP ou os princípios nela consignados – cfr. artigo 204.º da CRP.
Ora, louvando-nos no Prof. Jorge Miranda, in Manual de Direito Constitucional II, Tomo II, pág. 441, Lisboa, “O juiz, dado que não está sujeito a invocação da inconstitucionalidade por uma das partes, não tem de aplicar normas que repute inconstitucionais.”
Daí que, insofismavelmente, é de conhecimento oficioso a inconstitucionalidade das normas como, entre muitos, se fundamenta nos Acórdão do STA, de 03/02/1993,Rec. Nº 13 621, de 25/10/95, Rec. Nº 15 287, de 17/6/98, Rec. Nº 22 421 e de 13/12/2000, Rec. Nº 24 319.
Contudo, in casu, não foi suscitada a inconstitucionalidade de qualquer norma, susceptível de individualizar a sua aplicação, mas apenas que a interpretação dada pela Recorrida (e acolhida pela sentença recorrida) seria inconstitucional, o que se traduz em argumentos avançados pela Entidade Demandada para sustentar a sua posição e não em “questões” que o tribunal devesse apreciar.
Embora o Tribunal tenha, também, dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes, como dissemos, (cfr. artigo 608.º, n.º 2, do CPC), a omissão de tal dever não constituirá nulidade da sentença, mas sim um erro de julgamento, se acaso não foi a questão suscitada inicialmente pois, de contrário, ocorre a omissão de pronúncia sobre questões que também são de conhecimento oficioso. Com efeito, naqueles casos, a omissão de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso deve significar que o Tribunal entendeu, implicitamente, que a solução das mesmas não é relevante para a apreciação da causa. Se esta posição for errada, haverá um erro de julgamento. Se o não for, não haverá erro de julgamento, nem se justificaria, naturalmente, que fosse declarada a existência de uma nulidade para o Tribunal ser obrigado a tomar posição explícita sobre uma questão irrelevante para a decisão. Aliás, nem seria razoável que se impusesse ao Tribunal a tarefa inútil de apreciar explicitamente cada uma das questões legalmente qualificadas como de conhecimento oficioso sobre as quais não se suscita controvérsia no caso concreto, o que ressalta, desde logo, da dimensão da lista de excepções dilatórias de conhecimento oficioso (cfr. artigos 577.º e 578.º, do CPC) – Cfr. ac.S.T.A-2ª.Secção, 28/5/2003, rec.1757/02; ac. T.C.A.Sul-2.ªSecção, 25/8/2008, proc.2569/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/9/2012, proc.3171/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7119/13; Jorge Lopes de Sousa, in CPPT anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.365.
Assim, conforme supra se alude, embora o Tribunal tenha também o dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes (cfr. artigo 608.º, n.º 2, do CPC), a omissão de tal dever não constituirá nulidade da sentença, mas sim um erro de julgamento.
Concluindo, a omissão de pronúncia verifica-se apenas em relação a questões e não em relação a argumentos ou razões invocadas: - as “questões” não se confundem com os “argumentos” ou “razões”, pois o tribunal, devendo embora «resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação» e não podendo «ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras», não está vinculado a apreciar todos os argumentos utilizados pelas partes, do mesmo modo que não está impedido de, na decisão, usar considerandos por elas não produzidos; pelo que se julga improcedente a suscitada nulidade da decisão recorrida.

Passemos, agora, ao exame do suscitado erro de julgamento em que terá incorrido a sentença recorrida.
Este tribunal já julgou, posteriormente à decisão em crise, por acórdão de 07/12/2016, causa semelhante, tendo chegado às mesmas conclusões, no âmbito do processo n.º 134/14.4BEPRT. Pelo que aqui repescamos essa nossa argumentação, com as necessárias adaptações ao caso concreto e à argumentação vertida no presente recurso.
Está em causa verificar se os prédios inseridos nos Centros Históricos Classificados como Património Mundial da Unesco, como o Centro Histórico do Porto, beneficiam de isenção de IMI.
A Convenção para a Protecção do Património Mundial, Cultural e Natural, que teve lugar em Paris, e foi aprovada pelo Decreto n.º 49/79, de 6 de Junho, procurou estabelecer quais os bens naturais e culturais que podem vir a ser inscritos na Lista do Património Mundial, fixando os deveres dos Estados-Membros quanto à identificação e protecção desses bens.
Nesta sequência, diversos monumentos, sítios ou conjuntos vieram a obter a classificação de Património Mundial da UNESCO, salientando-se, em particular, os conjuntos classificados, mais concretamente, os Centros Históricos classificados como Património Mundial da UNESCO, in casu, o Centro Histórico do Porto.
Os referidos conjuntos classificados como Património Mundial beneficiaram, durante vários anos, de isenção de IMI, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 44.º, n.º 1, alínea n) do Estatuto dos Benefícios Fiscais e 15.º, n.º 2, 3 e 7 da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro (Lei de Bases de Protecção do Património Cultural).
Com efeito, estabelece o artigo 44.º do Estatuto de Benefícios Fiscais, n.º 1: "Estão isentos de imposto municipal sobre imóveis: (...) n) Os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável".
Podemos verificar que este artigo é composto por duas previsões. Em primeiro lugar, estão isentos de imposto municipal sobre imóveis os prédios classificados como monumentos nacionais. Em segundo lugar, estão isentos do mesmo imposto os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal.
Por sua vez, o artigo 15.º da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro, consagra:
"1 - Os bens imóveis podem pertencer às categorias de monumento, conjunto ou sítio, nos termos em que tais categorias se encontram definidas no direito internacional, e os móveis, entre outras, às categorias indicadas no título VII.
2 - Os bens móveis e imóveis podem ser classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal.
3 - Para os bens imóveis classificados como de interesse nacional, sejam eles monumentos, conjuntos ou sítios, adoptar-se-á a designação «monumento nacional» e para os bens móveis classificados como de interesse nacional é criada a designação «tesouro nacional».
4 - Um bem considera-se de interesse nacional quando a respectiva protecção e valorização, no todo ou em parte, represente um valor cultural de significado para a Nação.
(...)
7 - Os bens culturais imóveis incluídos na lista do património mundial integram, para todos os efeitos e na respectiva categoria, a lista dos bens classificados como de interesse nacional."
Da articulação destes preceitos resulta que os imóveis situados nos Centros Históricos incluídos na Lista do Património Mundial da UNESCO classificam-se como sendo de interesse nacional, adoptando a designação de “monumentos nacionais” (mesmo pertencendo à categoria de conjunto) e, beneficiando, por conseguinte, da isenção consagrada na alínea n), do n.º 1, do artigo 44.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
Esta formulação vem a ser reiterada no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de Outubro, referindo o seu artigo 3.º, n.º 1 que "um bem imóvel pode ser qualificado como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal", e acrescentando o n.º 3 que "a designação «monumento nacional» é atribuída aos bens imóveis classificados como de interesse nacional, sejam eles monumentos, conjuntos ou sítios".
Sucede, porém, que a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) recusou a isenção que o prédio em apreço vinha beneficiando, sustentando que a certificação do prédio em causa não demonstra que o mesmo possui classificação individual como sendo de interesse público, de valor municipal ou integrante do património cultural, sendo que o que está classificado é o conjunto “Centro Histórico do Porto” e não o prédio individualmente, pelo que, faltando essa classificação individual, com a entrada em vigor da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro - Lei do Orçamento do Estado para 2007, que introduziu alterações à norma do Estatuto dos Benefícios Fiscais aqui em análise, foi introduzido um novo elemento literal no texto do artigo 44.º, n.º 1, alínea n), do Estatuto dos Benefícios Fiscais, não reúne os pressupostos para a concessão da isenção prevista na alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF.
Com base neste argumento, a AT concluiu que, como é o conjunto Centro Histórico que, como um todo, se encontra classificado e, não os prédios que, em concreto, o compõem, estes não podem beneficiar da referida isenção.
Os imóveis em questão fazem parte da Zona Histórica do Porto, que foi inscrita na Lista do Património Mundial da UNESCO, conforme declarado pelo Aviso n.º 15173/2010, publicado no Diário da República, II Série, de 30 de Julho de 2010, emitido ao abrigo do n.º 3 do artigo 72.º do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de Outubro.
Como mencionámos, o artigo 15.º, n.º 7, da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro, refere expressamente que "os bens culturais imóveis incluídos na lista do património mundial integram, para todos os efeitos e na respectiva categoria, os bens qualificados como de interesse nacional".
É esse o caso da Zona Histórica do Porto, tendo sido alterada a sua classificação como imóveis de interesse público, que constava originariamente do Decreto n.º 67/97, de 31 de Dezembro.
Hoje, em face da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro, os prédios em questão são de interesse nacional, e não de interesse meramente público ou municipal, adoptando, consequentemente, a designação de monumentos nacionais.
Efectivamente, e conforme consta do artigo 15.º da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro, e do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de Outubro, um bem classificado como de interesse nacional é designado como "monumento nacional", independentemente de se tratar de um único edifício, conjunto ou sítio, sendo claro que os imóveis que compõem o conjunto ou sítio são abrangidos por essa classificação.
O facto de poderem coexistir prédios individualmente classificados, em caso de delimitação de um conjunto ou de um sítio, nos termos do artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de Outubro, apenas tem relevo provisório para delimitar a zona de protecção desse imóvel até à publicação da classificação do conjunto ou do sítio (cfr. n.º 2).
Por esse motivo se compreende que o artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais distinga entre "prédio classificado como monumento nacional" e "prédio individualmente classificado como de interesse público ou municipal", só exigindo a individualização em relação a estas duas últimas categorias, não já à dos prédios de interesse nacional.
Neste sentido, encontram-se publicadas três decisões, proferidas pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no âmbito dos Processos n.º 256/2014-T, n.º 325/2014-T e n.º 76/2015-T.
Nestas decisões do CAAD, ficou expresso que, em face da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro, os prédios em questão são de interesse nacional, e não de interesse meramente público ou municipal, sendo, consequentemente, classificados como monumentos nacionais, independentemente de se tratar de um único edifício, conjunto ou sítio. Nesta senda, mais se acrescentou que o artigo em causa – o artigo 44.º, n.º 1, alínea n), do Estatuto dos Benefícios Fiscais – alude a duas realidades distintas: por um lado, estabelece que estão isentos de IMI os prédios classificados como monumentos nacionais (nada mais sendo exigido a este respeito); por outro, contempla semelhante isenção para os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal. Em abono da posição segundo a qual, quanto à categoria de monumentos nacionais (na qual se inserem os Centros Históricos), a lei não impõe uma classificação individualizada, foi ainda apontado o facto de o legislador não ter efectuado tal exigência, ao contrário do que se verificou, por exemplo, em sede de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), em que a alínea g), do artigo 6.º, do Código do IMT foi alterada, tendo deixado de abranger “as aquisições de prédios classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal, ao abrigo da Lei nº 107/2001, de 8 de Setembro” para passar apenas a contemplar “as aquisições de prédios individualmente classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável”.
Sucede, porém, que o legislador não alterou simultaneamente os benefícios fiscais em sede de IMI no mesmo sentido, apesar de ter procedido à modificação da redacção do próprio artigo 44.º do EBF, continuando a sua alínea n) a exigir a classificação individual para atribuição da isenção apenas no caso dos imóveis de interesse público ou municipal, mas não fazendo exigência semelhante para os monumentos nacionais.
Antes pelo contrário, a norma do n.º 5 do artigo 44.º, na redacção que lhe foi atribuída pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, dispõe expressamente que "a isenção a que se refere a alínea n) do n.º 1 é de carácter automático, operando mediante comunicação da classificação como monumentos nacionais ou da classificação individualizada como imóveis de interesse público ou de interesse municipal (…)". Resulta, pois, em termos muitos claros que a intenção do legislador foi dispensar a classificação individualizada para efeitos de isenção de IMI aos monumentos nacionais, apenas a exigindo em relação a imóveis de interesse público ou de interesse municipal.
Ora, estando o prédio em questão integrado na Zona Histórica do Porto, legalmente qualificada como monumento nacional, é manifesto que beneficia da referida isenção de IMI, devendo, por isso, confirmar-se a sentença recorrida na ordem jurídica.
Na verdade, as conclusões das alegações de recurso são infirmadas pela abordagem legal que deixámos exposta, inexistindo o alegado erro de julgamento, uma vez que, mesmo que possa ter havido alguma confusão nos conceitos técnico-jurídicos aplicados na sentença recorrida, o certo é que o resultado e a solução do litígio alcançados são os mesmos, pois para os bens imóveis classificados como de interesse nacional, sejam eles monumentos, conjuntos ou sítios, se adoptou a designação «monumento nacional» (artigo 15.º, n.º 3 da LBPC). Assim, quando a norma do artigo 44.º, n.º 1, alínea n) do EBF se refere aos prédios classificados como monumentos nacionais só pode estar a dirigir-se aos imóveis classificados como de interesse nacional, dado que estes adoptam a designação "monumento nacional”.
Aliás, como referimos supra, o facto de poderem coexistir prédios individualmente classificados, em caso de delimitação de um conjunto ou de um sítio, nos termos do artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de Outubro, apenas tem relevo provisório para delimitar a zona de protecção desse imóvel até à publicação da classificação do conjunto ou do sítio (cfr. n.º 2). Por esse motivo se compreende que o artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais distinga entre "prédio classificado como monumento nacional" e "prédio individualmente classificado como de interesse público ou municipal", só exigindo a individualização em relação a estas duas últimas categorias, não já à dos prédios de interesse nacional.

Todavia, o Recorrente defende que a interpretação subjacente à decisão proferida pelo tribunal a quo, e que aqui se validou, padece de várias inconstitucionalidades:
Essa é uma interpretação que ofende o basilar princípio da igualdade tributária na medida em que, enquanto proprietária de um prédio urbano integrado no denominado Centro Histórico do Porto e destituído de valor cultural individual, a Recorrida pretende ser privilegiada, sem razão justificável, relativamente aos demais proprietários de imóveis não classificados;
A interpretação realizada pelo tribunal a quo traduz ainda uma violação do princípio da justiça fiscal, pois não se verifica uma justa repartição da carga fiscal entre, por um lado, o proprietário de um prédio destituído de valor cultural individual e, por outro, o proprietário de um prédio individualmente classificado e cujas faculdades de disposição, transformação e fruição são diferentes face ao titular de um prédio não individualmente classificado;
A interpretação dada pelo tribunal a quo é ofensiva do princípio da capacidade contributiva, já que a Recorrida, enquanto proprietária de um prédio urbano destituído de valor cultural, pretende usufruir de uma isenção fiscal destinada a beneficiar proprietários de imóveis que efectivamente detêm valor cultural e que estão sujeitos a encargos financeiros e a procedimentos burocráticos mais gravosos do que os proprietários de imóveis de construção recente, ou seja, a atribuição do benefício fiscal aqui em causa à Recorrida traduzir-se-ia num incompreensível aforro fiscal relativamente ao depauperamento a que estão sujeitos os proprietários de verdadeiros prédios dotados de valor patrimonial cultural;
A interpretação dada pelo Tribunal a quo viola também o princípio da autonomia local, porquanto redunda na atribuição de um benefício fiscal sem qualquer critério, com óbvio prejuízo para as receitas municipais, já que o IMI é um imposto municipal e reverte a favor dos municípios onde os imóveis se localizam;
Defendendo o tribunal a quo que o prédio urbano sub judice integra a “Lista do Património Mundial” da UNESCO de 1996 como Centro Histórico do Porto e que, como tal, está classificado, então forçoso é concluir que, a ser assim, o Município do Porto vê lesada a sua autonomia local na medida em que nenhuma palavra teve quanto à questão da perda da receita do IMI subjacente à área daquele centro, sendo que parte da sua receita local, foi, de uma assentada só, decidida indirectamente por um organismo (i.e., Comité do Património Mundial) que: (a) não integra os órgãos do Estado Português; (b) não dispõe de qualquer competência legal em matéria tributária no território português; (c) não lhe foi delegada qualquer competência legal em matéria tributária pelo Estado Português no âmbito da candidatura à “Lista do Património Mundial” da UNESCO de 1996; (d) não lhe foi delegada qualquer competência legal em matéria tributária pelo Município do Porto no âmbito da candidatura à “Lista do Património Mundial” da UNESCO de 1996.
Em decorrência do acabado de afirmar, a interpretação dada pelo tribunal a quo viola o princípio da participação, porquanto nenhuma palavra teve o Município do Porto quanto à questão da perda da receita do IMI subjacente à área do Centro Histórico do Porto;
Finalmente, a interpretação veiculada pela Recorrida e pelo tribunal a quo padece ainda de uma inconstitucionalidade orgânica, na medida em que acabaram por realizar uma equivalência ou equiparação entre as classificações previstas na legislação do Estado Novo e as previstas na LBPC, ou seja, pela equivalência entre a classificação Monumento Nacional (prevista no Decreto 20.3985 de 1932) e a classificação Interesse Nacional (prevista no artigo 15.º/2 da LBPC), quando tal equivalência ou equiparação terá necessariamente de resultar da lei do parlamento ou de decreto-lei autorizado do Governo;
Apesar de a LBPC permitir que a legislação de desenvolvimento possa vir a consagrar as regras necessárias para se efectuar, entre outras, a conversão das classificações (artigo 112.º/3 daquele diploma), certo é que os decretos-lei de desenvolvimento até à data publicados não prevêem nenhum mecanismo a ela atinente;
E em decorrência directa desta omissão por parte do legislador cultural, não podia o legislador fiscal de 2008 substituir-se àquele ao fazer equivaler no artigo 44.º/1-n) do EBF a classificação de Interesse Nacional introduzida pela LBPC à classificação de Monumento Nacional prevista no Decreto 20.985 de 1932;
E não podendo o legislador fiscal de 2008 substituir-se ao legislador cultural, naturalmente que também nunca assim o poderá fazer o intérprete da Lei e o julgador, sob pena de óbvia inconstitucionalidade, por violação da reserva de lei.
Embora a inconstitucionalidade da lei se trate de matéria de conhecimento oficioso, como vimos, a intervenção do tribunal tem que se circunscrever à fiscalização concreta da constitucionalidade, pois a fiscalização abstracta incumbe em exclusivo ao Tribunal Constitucional – cfr. artigo 281.º, da CRP.
De todo o modo, na sentença e/ou no recurso dela interposto para o TCA pode ser suscitada pelas partes ou “ex-oficio” a inconstitucionalidade das normas que definem os elementos da tributação ou a isenção, mesmo que a questão não tenha, antes, sido suscitada, já que se trata de matéria que vem sendo entendida como de conhecimento oficioso, não integrando questão nova a alegação, em recurso jurisdicional, de inconstitucionalidade de normas aplicadas pela sentença ou ao abrigo das quais o acto administrativo foi praticado.
A oficiosidade do conhecimento da inconstitucionalidade das normas resulta igualmente da emanação do princípio do valor conformador dos preceitos constitucionais, que terão de prevalecer sobre outras normas legais, quando com elas se mostrem incompatíveis em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade das normas jurídicas, apreciando, por impugnação dos factos ou oficiosamente, a existência da inconstitucionalidade das normas aplicáveis ao caso concreto submetido a julgamento – cfr. Acórdão do TCA Sul, de 21/09/2010, proferido no âmbito do processo n.º 03872/10.
Como já afirmamos, anteriormente, que o que pode e deve ser objecto da fiscalização concreta da constitucionalidade, por parte dos Tribunais, são normas e não quaisquer decisões, sejam elas de natureza judicial ou administrativa, nem tão-pouco eventuais interpretações que de tais normas possam ser efectuadas por aquelas decisões.
De qualquer forma, o intérprete da lei e/ou o julgador limitaram-se a constatar a previsão da norma do artigo 44º, n.º 1, alínea n) do EBF, que menciona expressamente que os prédios classificados como monumentos nacionais estão isentos de IMI.
Relembramos as normas que constam do artigo 15.º da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro, e do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de Outubro, dado que um bem classificado como de interesse nacional é designado como "monumento nacional". Assim, entendemos que o paralelismo é efectuado pela própria lei vigente, não tendo nem a Recorrida, nem o tribunal, efectuado qualquer interpretação consubstanciada numa equivalência ou equiparação entre as classificações previstas na legislação do Estado Novo e as previstas na Lei de Bases do Património Cultural (LBPC), ou seja, numa equivalência entre a classificação de Monumento Nacional (prevista no Decreto 20.3985 de 1932) e a classificação de Interesse Nacional (prevista no artigo 15.º/2 da LBPC).
A Lei de Bases do Património Cultural (Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro) estabelece as bases da política e do regime de protecção e valorização do património cultural e foi elaborada pela Assembleia da República, nos termos da alínea c) do artigo 161.º da Constituição da República Portuguesa, para valer como lei geral da República. Nesta conformidade, a equivalência ou equiparação que é efectuada no artigo 15.º, n.º 3 desta Lei não padece de uma inconstitucionalidade orgânica, na medida em que resulta de lei do Parlamento. Foi a própria Assembleia da República que, no artigo 15.º, n.º 3 da LBPC estabeleceu expressamente que um bem classificado como de interesse nacional é um monumento nacional.
No desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro, e nos termos das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição da República Portuguesa, o Governo decretou, através do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de Outubro, que a designação de «monumento nacional» é atribuída aos bens imóveis classificados como de interesse nacional, sejam eles monumentos, conjuntos ou sítios – cfr. artigo 3.º, n.º 3.
Assim, um imóvel classificado como de interesse nacional – cfr. artigo 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de Outubro – é um monumento nacional, pois dessa forma é designado legalmente – cfr. artigo 3.º, n.º 3 deste Decreto-Lei e artigo 15.º, n.º 3 da LBPC, não se vislumbrando a invocada inconstitucionalidade orgânica.
Muito menos se mostra violado o disposto no artigo 10.º do EBF, dado que não foi efectuada qualquer integração analógica, pela simples razão de inexistir qualquer lacuna na lei necessitada de integração.
Brande, ainda, o Recorrente que a interpretação proposta pelo Tribunal “a quo” é uma interpretação que ofende o basilar princípio da igualdade tributária, na medida em que, enquanto proprietária de um prédio urbano integrado no denominado Centro Histórico do Porto e destituído de valor cultural individual, a Recorrida pretende ser privilegiada, sem razão justificável, relativamente aos demais proprietários de imóveis não classificados.
O princípio da igualdade determina que se trate de forma igual o que é igual e de forma diferente o que é diferente na medida da diferença.
Ora, desde logo, falha um pressuposto para apreciar a violação deste princípio constitucional. Na verdade, não resultou provado que o prédio da Autora, ora Recorrida, seja destituído de valor cultural. Pelo contrário, logrou provar-se que o imóvel em causa está situado no Centro Histórico do Porto, incluído na Lista do Património Mundial da UNESCO. Lembramos que, nos termos do artigo 15.º, n.º 7 da LBPC, os bens culturais imóveis incluídos na lista do património mundial integram, para todos os efeitos e na respectiva categoria, a lista dos bens classificados como de interesse nacional. Por outro lado, não obstante o prédio estar inserido num conjunto, o certo é que para os bens imóveis classificados como de interesse nacional, sejam eles monumentos, conjuntos ou sítios, adoptar-se-á a designação «monumento nacional».
Nesta conformidade, falhando o pressuposto de facto de o imóvel em apreço ser destituído de valor cultural (individual), por ter inexistido prova nesse sentido – cfr. decisão da matéria de facto, improcede necessariamente a alegada inconstitucionalidade material, por violação da igualdade tributária, na medida em que a mesma sempre teria que ser apreciada em concreto; resultando claro que o imóvel da Recorrida está em igualdade de circunstâncias em relação a todos os restantes prédios inseridos no Centro Histórico do Porto.
Mais uma vez, o Recorrente faz depender a arguição da inconstitucionalidade, por a interpretação dada pela Recorrida ser ofensiva do princípio da capacidade contributiva, do facto de o prédio urbano ser destituído de valor cultural individual.
O princípio da igualdade perante os encargos públicos resulta da necessidade de impor sacrifícios patrimoniais, que a todos diz respeito, devendo ser afectadas, por igual, as esferas da generalidade dos cidadãos, com idêntica capacidade contributiva. Isto é, este princípio exige que os sacrifícios inerentes à satisfação de necessidades públicas sejam equitativamente distribuídos por todos os cidadãos; todos os cidadãos deverão contribuir de igual forma para os encargos públicos à medida da sua capacidade contributiva.
Efectivamente, não resulta provado que, em concreto, a Recorrida, enquanto proprietária do imóvel, não esteja sujeita a regras e imposições especiais por o mesmo estar inserido no Centro Histórico do Porto, designadamente, que não suporte encargos relacionados com a conservação e restauro daquele bem, que não pode deixar de ser apelidado de cultural, na medida em que está integrado no referido conjunto.
Julgamos pertinente o contra-alegado pela Recorrida a este respeito: “(…) atendendo concretamente ao benefício fiscal ora em apreço, o mesmo acarreta contrapartidas limitativas que coartam a autonomia dos proprietários dos referidos prédios, que se vêem limitados na sua actuação enquanto proprietários, maxime no que concerne à execução de obras nos prédios em causa. O que se torna compreensível por de património mundial se tratar. (…)”
Reiteramos, por isso, resultar claro que o imóvel da Recorrida está em igualdade de circunstâncias em relação a todos os restantes prédios inseridos no Centro Histórico do Porto. Logo, todos os proprietários de prédios aí integrados beneficiarão, de igual forma, do benefício fiscal em causa, não se vislumbrando o desrespeito do princípio da capacidade contributiva, dado que não resultou demonstrado que a Recorrida, em concreto, não esteja sujeita a encargos financeiros e a procedimentos burocráticos mais gravosos do que outros proprietários de imóveis não inseridos no conjunto.
Por outro lado, também não resultou apurado que as faculdades de disposição, transformação e fruição da Recorrida, em concreto no que tange ao seu imóvel inserido no conjunto classificado, sejam diferentes das que são permitidas ao titular de um prédio individualmente classificado; pelo que se mostra impossibilitada a apreciação da alegada subversão do princípio da justiça na repartição da carga fiscal.
Por último, resta o argumento mais destituído de fundamento, concernente à violação do princípio da autonomia local, dado parecer que o Recorrente quis defender um interesse do Município do Porto que ele próprio se absteve de fazer, apontando, mesmo, a sua conduta para o contrário.
Efectivamente, tal como a lei indica (artigo 44.º, n.º 5 do EBF, na redacção conferida pela Lei n.º 3-B/2010, de 28/04, referido supra), o reconhecimento da isenção em causa é automático e a sua comunicação compete às Câmaras Municipais territorialmente competentes, sendo que junto aos autos existe ofício camarário no qual a Câmara Municipal do Porto afirma que o imóvel propriedade da aqui Recorrida está isento de IMI. Não se podendo, igualmente, dizer que nenhuma palavra teve o Município do Porto quanto à questão da perda de receita do IMI, quando abundam os documentos juntos aos autos acerca desta matéria – cfr. fls. 39 a 60 do processo físico.
Nesta conformidade, mais uma vez, falham as provas quanto aos pressupostos de facto, dado que os elementos dos autos evidenciam, antes, participação, conhecimento e “reconhecimento” por parte da autarquia portuense da isenção do Imposto Municipal sobre Imóveis quanto à situação concreta; não se vislumbrando, também, que a interpretação efectuada pela Recorrida e pelo Tribunal “a quo” enfermem da invocada inconstitucionalidade.
Tudo o exposto é suficiente para negar provimento ao recurso.

Conclusões/Sumário

I - Só se verifica nulidade da sentença por omissão de pronúncia, a que alude o artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, quando o juiz se absteve de conhecer de questão suscitada pelas partes e de que devesse conhecer; não quando se abstém de conhecer de argumentos ou questões prejudicadas pela solução dada a outras.
II - O tribunal tem o dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso quando suscitadas pelas partes nos articulados (cfr. parte final do n.º 2 do artigo 660.º do CPC), consubstanciando a omissão de tal dever nulidade.
III - Não obstante o tribunal tenha também o dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes (cfr. parte final do n.º 2 do artigo 660.º do CPC), a omissão de tal dever não constituirá nulidade, mas sim eventual erro de julgamento na medida em que se deve considerar que o tribunal entendeu, implicitamente, que a solução das mesmas não é relevante para a apreciação da causa.
IV - A oficiosidade do conhecimento da inconstitucionalidade das normas resulta do princípio de que os tribunais administrativos e fiscais devem recusar a aplicação de normas inconstitucionais ou que contrariem outras de hierarquia superior.
V - Estamos aqui perante uma emanação do princípio do valor conformador dos preceitos constitucionais, que terão de prevalecer sobre outras normas legais, quando com elas se mostrem incompatíveis em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade das normas jurídicas, apreciando, por impugnação dos factos ou oficiosamente, a existência da inconstitucionalidade das normas aplicáveis ao caso concreto submetido a julgamento.
VI - Contudo, o que pode e deve ser objecto da fiscalização concreta da constitucionalidade, por parte dos Tribunais, são normas e não quaisquer decisões, sejam elas de natureza judicial ou administrativa, nem tão-pouco eventuais interpretações que de tais normas possam ser efectuadas por aquelas decisões.
VII. O momento oportuno de apresentação de meios de prova dos factos alegados corresponde ao momento de apresentação dos articulados - cfr. artigo 78.º, n.º 2, alínea l), 79.º n.º 6 e 83.º, n.º 1 do CPTA.
VIII. Nos termos do artigo 83.º do CPTA, a entidade demandada deve, na contestação, deduzir, de forma articulada, “toda a matéria relativa à defesa”.
IX - Consiste finalidade da fase de saneamento da causa, inter alia, o conhecimento e decisão de toda a matéria de excepção ou das questões prévias que hajam sido suscitadas pelas partes que obstem ao conhecimento do objecto do processo, nos termos da alínea a), do n.º 1 do artigo 87.º do CPTA.
X - Na fase da instrução do processo, o juiz pode ordenar as diligências de prova que considere necessárias para o apuramento da verdade, podendo indeferir, mediante despacho fundamentado, requerimentos dirigidos à produção de prova sobre certos factos ou recusar a utilização de certos meios de prova quando o considere claramente desnecessário, sendo, quanto ao mais, aplicável o disposto na lei processual civil no que se refere à produção de prova - cfr. artigo 90.º, n.º 1 e n.º 2 do CPTA.
XI - Logo, a audiência contraditória sobre a admissão e a produção de provas ocorre necessariamente nesta fase da instrução do processo – cfr. também o artigo 415.º do CPC.
XII - Mostra-se ilegal, por extemporânea, a alegação de matéria de excepção ou a contraditação de meios probatórios nas alegações escritas finais previstas no artigo 91.º, n.º 4 do CPTA.
XIII - Estão isentos de imposto municipal sobre imóveis: os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável – cfr. artigo 44.º, n.º 1, alínea n) do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
XIV - Os imóveis situados nos Centros Históricos incluídos na Lista do Património Mundial da UNESCO classificam-se como sendo de interesse nacional, adoptando a designação de “monumentos nacionais” – cfr. artigo 15.º, n.º 3 e n.º 7 da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro.
XV - Os prédios inseridos nos Centros Históricos Classificados beneficiam de isenção de imposto municipal sobre imóveis.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo do Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.
Porto, 04 de Maio de 2017
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Fernanda Esteves