Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00146/13.5BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:09/23/2016
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Joaquim Cruzeiro
Descritores:ÁREA RAN; DEMOLIÇÃO
Sumário:Os solos integrados em área RAN estão sujeitos às limitações de construção constantes do Decreto-Lei n.º 73/2009, de 31 de Março.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:JSA
Recorrido 1:JSA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
1 – RELATÓRIO
JSA vem interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, datada de 9 de Abril de 2014, que julgou improcedente a acção administrativa especial interposta contra a Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Centro deve ser entendida como interposta contra o actual JSA, nos termos do artigo 10º, n.º 4, do CPTA, e onde era solicitado que devia ser anulado o acto administrativo praticado e condenado à prática de acto conforme a legalidade.
Em alegações o recorrente concluiu assim:

I. Veio julgada improcedente a acção administrativa especial intentada pelo aqui recorrente indeferindo-se os argumentos invocados, designadamente, a violação do direito de propriedade e da reserva da intimidade da vida privada; a violação do direito de demarcação do A.; a violação do caso julgado e a litispendência; a invocada inexistência de lesão para a actividade agrícola; a violação do Regime da Reserva Agrícola Nacional – erro nos pressupostos de facto; o vício de forma por falta ou obscuridade de fundamentação; e o invocado Direito de necessidade e o estado de necessidade desculpante;
II. O acto administrativo, ora em crise, consubstancia-se no facto de, alegadamente, o aqui A. ter procedido à “construção de muro em terrenos de Reserva Agrícola Nacional, sem licenciamento ou comunicação prévia”.
III. A Constituição da República Portuguesa estatui, no seu capítulo dedicado aos Direitos, Liberdade e garantias pessoais, art.º 26.º, que a todos é reconhecido o direito à reserva da intimidade da vida privada;
IV. Estatuindo, ainda, no seu art.º 62.º, o Direito à propriedade privada.
V. O que o A. pretendeu com a construção do muro divisório foi, não mais que, proteger o seu Direito à reserva de intimidade e Direito de propriedade, evitando que ambos fossem devassados pelo proprietário do terreno contiguo, como melhor se explicará infra.
VI. O Código Civil, nos seus artigos 1353.º a 1355.º, é claro ao estabelecer que é direito do proprietário demarcar a sua propriedade, podendo obrigar os donos dos prédios confinantes a concorrerem para a demarcação das estremas entre o seu prédio e os deles;
VII. O A., respeitando os limites, quer da sua propriedade, quer dos prédios confinantes, procedeu à demarcação dos limites das propriedades;
VIII. Por outro lado, a decisão administrativa admite claramente que tendo sido acusado da infracção nos termos dos artigos 24.º e 39.º do Decreto-Lei 73/2011 de 31 de Março – utilização não agrícola de solos integrados na RAN sem comunicação – o A. foi da mesma ABSOLVIDO.
IX. Ora, tendo já ocorrido o trânsito em julgado da decisão final no processo de contra-ordenação n.º 156/2010, assim se fazendo caso julgado e;
X. Assim, não existe, nem foi condenado, pela prática de qualquer contra-ordenação;
XI. Fazendo subsumir a pretendida ordem de reposição à prática de uma infracção no âmbito da qual foi absolvido torna-a manifestamente nula por ilegal e contra legem!
XII. No caso aplica-se o princípio “non bis in idem”, pelo que não poderão tais factos serem duplamente submetidos a apreciação judicial.
XIII. Assim, verifica-se que os mesmos factos, já foram julgados em sede de processo contra-ordenacional e foi absolvido, o que constitui excepção que determina a nulidade da decisão de reposição.
XIV. Sem prescindir, verifica-se que a obra em causa nos presentes autos reveste, nos termos do disposto no novo Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, em vigor desde Março de 2008, o carácter de obra de escassa relevância urbanística.
XV. Ora, as obras em causa são, ÚNICA E EXCLUSIVAMENTE, muros de protecção e vedação do prédio do ora recorrente, que não atingem na globalidade da sua extensão a altura de 1,20 metros, nem confinam com a via pública;
XVI. Estas aludidas obras tratam-se de meros arranjos exteriores dentro dos limites legalmente fixados que beneficiam da isenção de licença camarária.
XVII. Na verdade, são muros de vedação para efeitos de protecção da propriedade, que caso contrário veria em perigo a sua própria propriedade, colocando em risco a sua segurança e do seu património.
XVIII. Pelo que, considerando-se as obras em causa como incluídas no conceito de obras de escassa relevância urbanística, nunca se poderá verificar qualquer violação no âmbito do decreto-Lei 73/2011 de 31 de Março.
XIX. Fazendo subsumir a pretendida ordem de reposição à prática de uma infracção no âmbito da qual foi absolvido torna-a manifestamente nula por ilegal e contra legem!
XX. Por outro lado, quanto à violação do Regime da Reserva Agrícola Nacional – erro nos pressupostos de facto - a decisão sustenta-se em PSEUDO-considerações trazidas pela R., quando deveria estar suportada por elementos inexistentes no processo, como testes à impermeabilização dos solos, à real influência dos muros no escoamento das Àguas, etc.;
XXI. Sustentar uma decisão em um só adverbio - “naturalmente” – vai contra todos os canones jurídico legais postulados pela CRP, art.º 205.º, n.º 1.
XXII. Acresce que, a decisão em sede administrativa vem justificada pelo facto de a alegada construção se inserir numa zona que estará em Reserva Agrícola Nacional.
XXIII. Ora, o A. DESCONHECIA e DESCONHECE tal facto sendo que este tem informação de que tal imóvel estará integrado numa área de expansão urbana e se não está incluída no PDM (Plano Director Municipal), existe a legítima expectativa de o vir a ser, já que ali têm implantada a sua casa e o vizinho também está a construir um imóvel E MUROS.
XXIV. Existindo ainda a informação de que tal imóvel estará integrado numa área de expansão urbana e se não está incluída no PDM (Plano Director Municipal), existe a legítima expectativa de o vir a ser.
XXV. No mesmo terreno está implantado um imóvel sua propriedade, pelo que mais não pretende o A. do que proteger com muros a sua propriedade.
XXVI. Pensava, e pensa, agir legitimamente e sem qualquer restrição, sendo que a obra em causa, quer a nível paisagístico, urbanístico, ecológico e ambiental em nada afecta a zona em causa.
XXVII. Os muros pretendidos demolira, não provocam qualquer prejuízo, nem danos, quer à envolvente paisagística, quer aos vizinhos, quer à via pública, como aliás resulta dos factos provados em sede de processo contra-ordenacional.
XXVIII. Mais, os terrenos ora limitados pelo muro constituem não mais que o quintal da casa dos seus proprietários, encontrando-se funcionalmente ligado à mesma, para consumo exclusivo dos mesmos e não verdadeiros terrenos agrícolas de produção.
XXIX. Mais se constata que confrontando com esse mesmo terreno está o dos seus vizinhos, que aí construíram uma casa e os respectivos muros, em altura ainda superior à do ora recorrente.
XXX. De facto, ao contrário do que vem referido NÃO EXISTE nem a impermeabilização do solo, já que o terreno mantém a sua superfície cultivável, nem nenhum material foi colocado sobre o mesmo;
XXXI. As obras não reduzem a superfície do solo disponível, já que com este ou outro tipo de vedação (que vem sugerido), o imóvel mantém a mesma superfície cultivável, já que os bordos (correspondentes à implantação dos muros de tamanho inferior a 0,20 m), não são áreas cultuáveis.
XXXII. Do mesmo modo, não existe qualquer prejudicialidade na drenagem natural dos solos, acumulação de águas, nem infertilização e destruição dos recursos naturais.
XXXIII. E, ainda que existisse - QUE NÃO EXISTE - qualquer eventual dificuldade de drenagem de águas, a mesma poderá ser colmatada apenas com a abertura de furos que permitam tal drenagem;
XXXIV. Sem que tal represente a necessidade de destruição dos muros.
XXXV. Sempre sem prescindir, a decisão administrativa padece de insuficiência na fundamentação, na medida em que conceitos tais como “impermeabilização do solo; redução da superfície do solo disponível; prejudicialidade na drenagem natural dos solos, acumulação de águas; infertilização e destruição dos recursos naturais” são meramente teóricos;
XXXVI. não é alegado, nem provado, a existência ou verificação de quaisquer factos que provem que tal tenha sucedido, porque não sucederam.
XXXVII. Neste sentido, não resulta da decisão de reposição do solo que tenham sido justificados os factos nem as circunstâncias que consubstanciam a infracção, a necessidade de reposição ou a verificação daqueles conceitos.
XXXVIII. A simples menção daqueles conceitos, sem a alegação da forma ou em que medida ficaram os mesmos prejudicados não pode, por si só, configurar, sem mais, a fundamentação da decisão da pretendida reposição.
XXXIX. Assim, fica viciada a decisão que ora se coloca em crise por falta de fundamentação da mesma, fundamentação essa que é imposto por lei, pelo que enferma de nulidade, que se arguiu e legitimada a presente acção.
XL. Finalmente, constituiu entendimento do Tribunal “a quo” que o invocado direito de necessidade ou estado de necessidade desculpante não afecta a validade do acto impugnado.
XLI. Contudo não pode ser esse o entendimento sufragado sob pena de se retirar todo e qualquer sentido prático aos institutos do Direito/Estado de necessidade.
XLII. A actuação do recorrente insere-se num contexto EXCLUIDOR DA CULPA no ilícito eventualmente praticado, no alcance do que dispõe o art.º 34.º do CPenal, já que apenas pretendeu – E CONSEGUIU – afastar o perigo que se propagava sobre a sua propriedade, ao mesmo tempo que se reúnem os pressupostos cumulativos da actuação da norma, tal como a circunstância de o impugnante tentar proteger interesses próprios, existindo óbvia superioridade da defesa da sua propriedade, em face da violação das disposições legais infringidas, por outro, e, finalmente, ser passível de imposição à Câmara Municipal o sacrifício desta entidade valor em face da salvaguarda daqueles superiores direitos. Assim,
XLIII. o recorrente tem aí instalado o seu domicílio, e as suas culturas;
XLIV. Sendo que o vizinho confinante se preparava para despejar – e despejou – as águas do seu poço e que apenas dista 1,90m de extrema/muro em causa e que passavam do seu prédio para o prédio do ora A.;
XLV. E também um outro vizinho anterior a este que foi referido, tem as suas águas da sua própria habitação canalizadas para o fundo do seu prédio e que vão desaguar no terreno, propriedade do ora impugnante;
XLVI. O que equivalia a vários metros cúbicos de água a brotar incessantemente;
XLVII. E invadia constantemente o terreno da propriedade do impugnante, cortando talos das videiras que lá existiam anteriormente e colocavam insecticidas, chegando a matar várias videiras e provocando a morte de animais;
XLVIII. onde tem cultivados os produtos com que se alimenta e dos quais depende para a sua sobrevivência.
XLIX. Ao impedir que fossem despejadas águas dos prédios vizinhos, encaminhadas deliberadamente para o prédio do impugnante, evitou a destruição total das suas culturas;
L. Por último, saliente-se a existência de uma escola e no mínimo de duas habitações também construídas na alegada zona de reserva agrícola, abaixo da zona onde foi construído o muro (Porquê? Uns podem fazer construção e outros não?).
LI. Encontrando, ainda, norma excluidora da culpa, logo, da ilicitude do acto eventualmente por si praticado nos termos do art.º 35.º do CPenal e na consideração dos factores da exigência da salvaguarda de inalienáveis do direito à propriedade e à vida, através de meios que o momento e as circunstâncias aconselhavam a utilizar sem pejo.
LII. Coloca-se perante a inexistência de indícios suficientes de, pelo agente, ter sido praticado qualquer ilícito, atenta a exclusão da ilicitude invocada e a actuação dos conceitos de direito de necessidade e estado de necessidade desculpante, previstos nos art.ºs 34.º e 35.º do CPenal,
LIII. O que conduzirá à falta de fundamento para decisão ora emanada pela Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Centro, e consequente ilegalidade do acto administrativo praticado.
LIV. Pelo exposto deve a sentença/decisão ora em crise ser revogada e substituída por outra que determine a procedência da acção administrativa especial procedente por provada, assim se fazendo

O Recorrido, notificado para o efeito não contra-alegou.

O Ministério Público, notificado ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA, emitiu parecer nos termos que aqui se dão por reproduzidos, pronunciando-se no sentido de ser confirmada a sentença recorrida.

As questões suscitadas e a decidir resumem-se em determinar:

— se ocorre erro de julgamento, quando se decidiu que não ocorrem os vícios invocados ao acto impugnado.

2– FUNDAMENTAÇÃO

2.1 – DE FACTO

Na decisão sob recurso ficou assente o seguinte quadro factual:

A) O A. é dono e legítimo possuidor de um prédio rústico, denominado Valado, sito na Rua das F..., nº ..., em PVT, freguesia de AC, concelho de Águeda, composto por terra de cultura, com pinhal, vinha e 5 macieiras, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 7881. – cfr. doc. 2 junto com o r.i. dos autos apensos.

B) A Câmara Municipal de Águeda, por intermédio de ofº datado de 30 de Abril de 2010, remeteu à Ré auto de notícia por contra-ordenação – cfr. fls. 2 do P.A..

C) No dia 13 de Fevereiro de 2012 foi elaborada por técnica superior da Ré, a infª nº 037/2012/NAJ da qual se extrai o seguinte:
(….)
“Ora atentos a idade (78 anos), a integração social e profissional (reformado) do arguido, bem como o facto de se ter provado que, à data do início das obras, o arguido não sabia que o terreno estava inserido em RAN, somos de opinião que, nesse caso, o infractor não tinha a obrigação de suspeitar que o acto era ilícito e, consequentemente, procurar verificar se assim era ou não.
Portanto, não é de censurar o erro ao arguido.
Assim, atentas as disposições conjugadas do artigo 1º e do nº 1 do artigo 9º do citado
Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, tendo o arguido agido sem culpa, não deve haver “pena”, de acordo com o princípio da culpabilidade (nulla poena sine culpa).
(…)
8. Proposta de decisão
Proponho que a Senhora Directora Regional, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 1º, nº 1 do artigo 9º e do nº 2 do artigo 54º citado Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, na redacção actual, absolva o arguido pela prática da contraordenação de que vem acusado, por se ter provado que agiu sem culpa e, consequentemente, determine a extinção do procedimento e o arquivamento dos autos.” – cfr. doc. 2 junto com o r.i., dos autos apensos que se dá por reproduzido.

D) A Directora Regional de Agricultura e Pescas, em 21 de Fevereiro de 2012 proferiu despacho de concordância com a supra referida proposta – cfr. referido documento.

E) No dia 14 de Fevereiro foi elaborada informação, por técnica superior da Ré, na qual foi proposto fosse determinado a reposição da situação anterior à infracção, após audição do A. – cfr. fls. 5/7 do P.A..

F) A Directora Regional de Agricultura e Pescas do Centro, em 21 de Fevereiro de 2012 proferiu despacho de concordância com a o proposto na supra aludida informação – cfr. fls. 5 do P.A..

G) O A., em sede de audiência prévia, requereu fosse “…arquivado o projecto de determinação de reposição do solo….”, tendo requerido a inquirição de testemunhas – cfr. fls. 12/22 do P.A..

H) No dia 8 de Outubro de 2012 foi elaborada a infª 191/2012/NAJ da qual se extrai o seguinte:
(…)
4.1. Factos provados
2º Entre 18/11/2009 e 04/12/2009 o infractor construiu um muro de estremas, em alvenaria de blocos de cimento com pilares e vigas de betão armado, com cerca de 108 metros de comprimento, 20 cm de largura de parede e uma altura variável entre 1,5 metros e 1,25 metros, com fundações, ocupando 21,6 m2 de solos de textura média, com pendente no sentido Norte/Sul e Nascente/Poente, aparentando boa produtividade agrícola, inseridos na RAN, de acordo com o PDM de Águeda (….) sem que, para o efeito, o agente tivesse feita a necessária comunicação prévia à ERRANC.
(….)
6º O infractor dispunha de alternativa técnica para executar os muros, usando materiais perecíveis e amovíveis como, de resto, é preconizado pela ERRANC nos pareceres favoráveis que emite a respeito de utilizações não agrícolas em solos inseridos em manchas de RAN.
7º As obras executadas alteraram o perfil do terreno agrícola indicado no artigo 1º, impermeabilizaram e compactaram o solo original.
8º Essa acção não agrícola interdita, conducente à destruição das potencialidades agrícolas dos solos em apreço, mais concretamente da respectiva capacidade produtiva.
9º Ademais, considerando as pendentes indicadas no artigo 2º do presente articulado, o muro dos autos prejudica grave e concretamente a drenagem natural dos solos a montante (Nascente) cujas cotas são mais elevadas que o prédio do infractor, provocando acumulação de águas no prédio confinante, pertencente a MJFC e CSPSC.
10º Portanto, a manutenção do muro dos autos, com a compactação do solo levada a cabo aquando da abertura da vala para as fundações, reduziu o espaço poroso entre as partículas do solo, deteriorando a sua estrutura e, consequentemente, dificultando a penetração e o desenvolvimento de raízes, a capacidade de armazenamento de água, o arejamento, a fertilidade, a actividade biológica e a estabilidade, além de que, havendo chuvas torrenciais, as águas já não conseguem infiltrar-se rapidamente no solo compactado, aumentando o risco de erosão e cheias.
(….)
14º O muro foi construído pela testemunha JMMJ, com a finalidade de obviar a conflitos de vizinhança.
15º Existe outro problema de drenagem causado pela canalização de todas as águas pluviais do vizinho do infractor, MJFC, para o prédio dos autos, o que, em dias de muita pluviosidade provoca retenção de águas durante um dia ou dois.
16º Na envolvente existem outras edificações idênticas.
17º O terreno onde foi construído o muro dos autos corresponde ao quintal do infractor, onde este cultiva géneros alimentícios para consumo próprio e alimentação de animais domésticos.
(….)
Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 44º do Decreto-Lei nº 73/2009, de 31 de Março, com fundamento nos elementos de facto e de direito supra indicados, proponho que a Senhora Directora Regional de Agricultura e Pescas do Centro, determine a reposição da situação anterior à infracção, a executar voluntariamente no prazo de 20 dias úteis, a contar da notificação (pessoal) do interessado com execução dos trabalhos já notificados a coberto do ofício de fls. 8 dos autos. – cfr. fls. 86/92 do P.A. que se dão por reproduzidas.

I) O Director Regional Adjunto de Agricultura e Pescas do Centro, em 27 de Novembro de 2012, exarou sobre a informação referida em H) despacho com o seguinte teor:
“Concordo.
Notifique-se o interessado para proceder à reposição do solo à situação anterior à infracção” (acto impugnado) – cfr. fls. 56 do P.A..

J) Em inquirição das testemunhas indicadas pelo A., em sede de audiência prévia, foi declarado por JMMJ que “…a construção foi realizada no sentido de evitar que o seu vizinho invadisse o terreno da propriedade do respondente uma vez que este despejava constantemente água do seu poço para a propriedade do Sr. JSA, e aplicava pesticida na zona da extrema dos terrenos prejudicando assim as culturas do Sr. JSA.” – cfr. fls. 74/75 do P.A. que se dão por reproduzidas.

3 – DE DIREITO

Cumpre apreciar as questões suscitadas pela ora Recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para tal efeito, pela lei processual aplicável - ver artigos 5.º, 608.º, n.º2, 635.º, n.ºs 4 e 5, e 639.º do C.P.C., na redacção conferida pela Lei n.º 41/2013, ex vi art.º 1.º do C.P.T.A, e ainda conforme o disposto no artigo 149º do CPTA.
O recorrente, nas suas longas conclusões, vem invocar os mesmos vícios ao acto impugnado que já foram apreciados pelo Tribunal a quo. Iremos proceder à sua apreciação em paralelo com o já referenciado pela decisão recorrida.

I- Nas suas conclusões III a VII vem o recorrente sustentar que com a construção do muro divisório não pretendeu mais do que proteger o seu direito de reserva da intimidade da vida privada e do seu direito de propriedade.
Na decisão recorrida, quando a este aspecto refere-se:
...No caso em apreço o fundamento legal da prática do acto impugnado foi a violação do regime jurídico da reserva agrícola nacional – consagrado, à data do acto impugnado, no D.L. nº 73/2009, de 31 de Março2 - retirando-se da informação parcialmente transcrita no item H) da matéria de facto assente que a construção do muro impermeabilizou e compactou o solo original, prejudicando a drenagem natural dos solos a Nascente, provocando acumulação de águas no prédio confinante e que a compactação do solo levada a cabo aquando da abertura da vala para as fundações reduziu o espaço poroso entre as partículas do solo, dificultando a penetração e desenvolvimento das raízes, pelo que, ao contrário do sustentado pelos AA. a construção do muro não foi efectuada dentro dos limites do direito de propriedade, perspectivado nos termos supra aduzidos.
Conforme se extrai do preâmbulo do D.L. nº 73/2009, de 14 de Junho:
“O final do século passado acrescentou às concepções clássicas de solo e de terra, uma nova visão mais dinâmica e abrangente, apontando para uma multiplicidade de funções sociais e de preservação para além do desempenho das funções tradicionais que lhes são inerentes – produção de bens alimentares, fibras e madeira.
Atendendo não só à sua escassez como recursos naturais finitos -, acrescem ao solo e à terra funções nucleares na regulação do ciclo da água e na manutenção da sua qualidade igualmente o ressurgir de aplicações na produção de energia, como é o caso dos biocombustíveis, o papel fundamental na redução das emissões de carbono, o suporte da biodiversidade, bem como a sua procura para actividades de lazer das populações.
Assim, com o acréscimo da sensibilidade ambiental por parte da sociedade e em especial no sector agrícola e F...tal o solo passou a ser assumido como um recurso precioso, escasso e indispensável à sustentabilidade dos nossos ecossistemas e à salvaguarda do planeta.
É assim fundamental e estratégico, pelas profundas alterações geopolíticas que as sociedades actuais têm sofrido, pelo reflexo nas sociedades humanas e nos ecossistemas em geral que as alterações climáticas têm produzido, pela necessidade da manutenção de condições estratégicas básicas de vida das populações e da garantia da sustentabilidade dos recursos, que se promovam políticas de defesa e conservação dos terras e solos.
O desenvolvimento do mundo rural português pauta – se cada vez mais por critérios de utilização sustentável dos recursos naturais e pela sua conservação e recuperação quando necessário, concretizando o desejo profundo de as gerações vindouras poderem usufruir de terras e solos, água e ar em melhores condições assim como uma paisagem rural consentânea com os sentimentos históricos e culturais das populações.
Com o enquadramento dado por políticas nacionais, por políticas europeias e por compromissos assumidos ao nível das Nações Unidas, a utilização do solo obedece a regras, consubstanciadas quer em condicionantes definidas em regimes jurídicos específicos, assumindo designadamente a natureza de restrições de utilidade pública de âmbito nacional, quer em diferentes instrumentos de ordenamento do território e de política sectorial.
(….)
Considera -se pois necessário e premente reforçar a importância dos recursos pedológicos que devem estar afectos às actividades agrícolas e adaptar a realidade existente às actuais condições concretas da procura de solos para outras finalidades, tais como o lazer, a manutenção do ciclo da água e do carbono e a paisagem, desempenhando a Reserva Agrícola Nacional um papel fundamental na concretização dos objectivos principais da preservação do recurso do solo e sua afectação à agricultura.
(…) ”
Resulta patente da leitura do teor do preâmbulo supra parcialmente transcrito constituir o Regime da Reserva Agrícola Nacional uma limitação ao direito de propriedade privada, de crucial importância para a defesa de um bem escasso: o solo, limitação essa violada pelo A. com a construção do muro em apreço em zona abrangida
pela Reserva Agrícola do concelho de Águeda, pelo que, ao contrário do alegado, não se verifica a violação do núcleo essencial do direito de propriedade privada, nem do direito à reserva da intimidade da vida privada – conforme o A. alegou o muro foi construído para evitar que um vizinho confinante conduzisse águas do poço para o seu prédio -, sendo que, se estivesse em causa o direito à intimidade da vida privada poderia o A. construir o muro em materiais perecíveis e amovíveis, pelo que soçobra este fundamento de ataque ao acto impugnado.

De referir, desde já, que o assim decidido é para manter.
Está em causa, nos autos, a emissão de um acto administrativo que impõe ao Autor, ora recorrente, a demolição de um muro que construiu num terreno seu e que se encontra, conforme se refere no acto impugnado, em área RAN.
Conforme se refere na alínea G) do factos dados como provados, “entre 18/11/2009 e 4/1272009 o infractor construiu um muro de estremas, em alvenaria de blocos de cimento, com pilares e vigas de betão armado, com cerca de 108 metros de comprimento, 20 cm de largura de parede e uma altura variável entre 1, 5 metros e 1, 25 metros, com fundações, ocupando 21,6m2 de solos de textura média, com pendente no sentido Norte/sul e Nascente /Poente, aparentando boa produtividade agrícola, inseridos na RAN, de acordo com o PDM de Águeda (…) sem que, para o efeito o agente tivesse feita a necessária comunicação prévia à ERRRANC.”
É a ordem de reposição da situação anterior à eventual infracção ora descrita que está em causa nos autos.
De acordo com o artigo 62º, n.º 1, da CRP (questão já mencionada na decisão recorrida), a todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vido ou por morte, nos termos da Constituição.
Conforme referem JJ Gomes Canotilho e Vital Moreira, in, Constituição da República Portuguesa CRP, anotada, vol. I. 4ª edição revista, pág. 801, ao aludirem ao facto de o artigo 62º mencionar que o direito de propriedade é garantido nos termos da Constituição. “ A fórmula parece supérflua, mas não o é: trata-se de sublinhar que o direito de propriedade não é garantido em termos absolutos, mas sim dentro dos limites e com as restrições previstas e definidas noutros lugares da Constituição (e na lei, quando a Constituição possa ela remeter ou quando se trate de revelar limitações constitucionalmente implícitas) por razões ambientais, de ordenamento territorial e urbanístico, económicas…”.
Ou seja, o direito à propriedade privada não é um direito absoluto devendo ceder perante outros direitos também constitucionalmente consagrados, nomeadamente o direito ao meio ambiente e de ordenamento do território. Por seu lado o denominado ius aedificandi, uma vez que está em causa a construção de um muro num terreno do recorrente, é um direito de natureza jurídico-público mas não existe um direito originário à construção. Dito de outro modo, o direito à construção não faz parte do direito constitucional de propriedade, tal como referido no artigo 62º da CRP.
Esta questão é pacífica na jurisprudência dando-se, apenas como exemplo, os seguintes Acórdãos:
Acórdão STA, pro. n.º 0912/02, de 10-10-2002, quando refere:
III - A faculdade de construir é de configurar como mera concessão jurídico-pública resultante, regra geral, dos planos urbanísticos.
IV - Trata-se, assim de um direito de natureza jurídico-pública, não se consubstanciando em faculdade, ínsita no conteúdo prévio e substancial do direito de propriedade privada.
V - A aptidão construtiva dos solos urbanos e não urbanos não está desligada do que em matéria de planeamento e ordenamento está prevista na C.R.P.
VI - Pode, assim, concluir-se que o uso e fruição, pelo respectivo titular do direito de propriedade não é livre e absoluto, antes se apresentando como juspublicisticamente enquadrado e condicionado.
E ainda Acórdão do mesmo Tribunal proc. n.º 0146738 de 12-12-2000, quando refere:
V - O direito de propriedade não é um direito absoluto, tendo a propriedade, também, uma dimensão social.
VI - O direito de propriedade não permite que o seu titular possa nele edificar o que quiser, como quiser e quando quiser, mas sim o que for permitido por lei, pois que é tarefa fundamental do Estado promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo, defender a natureza e o ambiente e assegurar um correcto ordenamento do território e promover o desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional.
VII - O acto de licenciamento de construção é praticado no exercício de poderes vinculados.
Nos autos está em causa a construção de um muro em área RAN.
O regime jurídico da RAN, à data em vigor quando da prolação do acto impugnado, vinha regulado no Decreto-Lei n.º 73/2009, de 31 de Março.
Conforme decorre da proclamação feita no seu preâmbulo e no artigo 2º, a RAN é uma restrição de utilidade pública, à qual se aplica um regime territorial especial, que estabelece um conjunto de condicionamentos à utilização não agrícola do solo, identificando quais as permitidas tendo em conta os objectivos do presente regime nos vários tipos de terras e solos.

Assim, a defesa das áreas RAN impõe que tais áreas não possam ser sujeitas v.g, a construções, a utilizações que visem expansões urbanas ou ao desenvolvimento urbano (artigos 20º e sgs do Decreto-Lei n.º 73/2009, de 31 de Março).
Refere especialmente o artigo 21º deste Decreto-Lei que estão interditas em área RAN, a) Operações de loteamento e obras de urbanização, construção ou ampliação, com excepção das utilizações previstas no artigo seguinte.
Tendo em atenção o exposto, tem de se concluir que estando o terreno do recorrente inserido em área RAN, está o mesmo sujeito às limitações impostas por este regime, pelo que não ocorre qualquer violação do seu direito à propriedade privada.
De referir também que não se vê que a ordem de demolição do muro seja idónea a violar o seu direito de reserva da intimidade da vida privada. Refere o recorrente que a construção do muro evita que o seu terreno seja devassado pelo proprietário confinante.
O direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar, segundo referem JJ Gomes Canotilho e Vital Moreira, in obra citada, pág. 467, analisa-se principalmente em dois direitos menores, a) o direito a impedir o acesso de estranhos a informações sobre a vida privada e familiar e (b) o direito a que ninguém divulgue as informações que tenha sobre a vida privada e familiar de outrem…
Não vemos como a demolição de um muro com altura entre 1, 25 metros e 1, 5 metros pode vir a ser violador do direito do recorrente à reserva da intimidade e da sua vida privada e familiar. Pretende o recorrente que o seu vizinho não tenha acesso ao terreno. Nesta situação não está em causa o seu direito de reserva da intimidade mas sim a eventual devassa do seu espaço, que pode ser tutelada de outra forma. A construção de um muro, com a altura de 1,5 metros a demarcar um terreno agrícola, não é um meio idóneo a proteger a intimidade ou a vida privada de quem quer que seja.
Não podem assim proceder estas conclusões do recorrente.

II- Nas suas conclusões VIII a XIII vem sustentar que ocorre violação do princípio “ non bis in idem”, uma vez que já foi absolvido pelos mesmos factos num processo contra-ordenacional.
Sobre esta questão refere-se na decisão recorrida:
Referiu o A. que tendo sido absolvido no processo contra-ordenacional a decisão de o condenar a repor a situação previamente existente – demolição e reposição do solo
- viola a decisão proferida no processo contra-ordenacional nº 156/2010, onde se formou caso julgado, violando igualmente o acto impugnado o princípio “non bis in idem”, argumentação que o Tribunal não acolhe dado que a circunstância de ter sido determinada a extinção do procedimento contra-ordenacional – com fundamento nos artigos 1º, 9º nº 1 e 54º nº 2 do D.L. nº 433/82, de 27 de Outubro – não significa que o A. não tenha de repor a situação previamente existente à violação do regime da Reserva Agrícola Nacional, conforme resulta do artigo 44º do D.L. nº 73/2009, de 31 de Março, pelo que improcede este fundamento de ataque ao acto visado nos autos.

O princípio “ non bis in idem” refere-se ao facto de ninguém poder ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime. Está em causa a proibição do duplo julgamento pelos mesmos factos.
De notar, no entanto, como se conclui pela forma como vem este princípio consagrado na CRP (artigo 29º n.º 5), o mesmo apenas tem aplicação em matéria penal ou contra-ordenacional. No entanto, estando em causa a apreciação dos mesmos factos pro vários ramos do direito que tenham finalidades diferentes, não ocorre violação do princípio em causa Ou seja, não ocorre violação do princípio ora em análise quando estejam em causa processos diferentes e com finalidades também diferentes. Estando em causa a preservação de vários princípios prosseguidos pelos vários ramos do direito, com funções distintas, nada obsta a que os mesmos factos sejam apreciados em cada sede distinta desse direito sem violação do princípio non bis in idem. É assim quanto ao regime criminal e disciplinar, por exemplo, bem como quando está em causa a violação do regime contra-ordenacional e a violação de regras de direito administrativo, como no caso em apreço, em que está em causa a violação do regime jurídico da RAN.
No que se refere à autonomia entre os regime criminal e regime disciplinar e à aplicação pelos mesmos factos de sanções diferentes são inúmeros os Acórdãos que consagram tal diferenciação dando-se apenas como exemplo:
Acórdão STA proc. n.º 047146 de 21-09-2004
I- São diferenciados o ilícito disciplinar (que visa preservar a capacidade funcional do serviço) e o ilícito criminal (que se destina à defesa dos bens jurídicos essenciais à vida em sociedade) e autónomos os respectivos processos, sendo que o facto de o arguido ser absolvido em processo-crime, não obsta, em princípio à sua punição em processo disciplinar instaurado com base nos mesmos factos.
No caso em apreço nos autos, uma coisa será o ilícito contra-ordenacional e outra coisa bem diferente será necessidade de reposição da situação anterior por terem sido violadas as regras do regime jurídico de RAN. É que no regime contra-ordenacional a apreciação feita é diferente, está em causa, nomeadamente, de só ser punível o facto praticado com dolo ou, nos casos previstos na lei, com negligência (artigo 8º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro). Aliás, foi por esta razão que o recorrente foi absolvido. Diferentemente é a necessidade de ter que repor a situação anterior à prática do facto considerado violador de regime de RAN.
Estamos perante regimes jurídicos diferentes e com finalidades diferentes pelo que não ocorre, no caso em apreço, violação do princípio non bis in idem.
Não podem assim proceder também estas conclusões da recorrente.

III- Nas suas conclusões XIV a XIX vem referir que apenas estão em causa obras de escassa relevância urbanística, muros de vedação, pelo que não será aplicável ao mesmo o regime do Decreto-Lei n.º 73/2001, de 31 de Março.
Refere o artigo 21º do Decreto-Lei n.º 73/2009, de 31 de Março, que nas áreas RAN estão interditas as a) operações de loteamento e obras de urbanização construção e ampliação …assim como b) as intervenções ou utilizações que provoquem a degradação do solo, nomeadamente erosão, compactação desprendimento de terras, encharcamento, inundações …”.
As utilizações não agrícolas dos solos integrados em área RAN estão sujeitas a parecer prévio vinculativo das respectivas entidades regionais da RAN, nos termos do artigo 23º do referido diploma, e mesmo as obras de escassa relevância urbanística estão sujeitas a comunicação prévia.
No caso dos autos, como sabemos, não houve nem parecer prévio nem qualquer comunicação prévia. No entanto, como se retira da matéria de facto dada como provada não está em causa apenas a construção do muro de vedação em blocos de cimento com pilares e vigas de betão armado, mas o resultado de tais obras compactarem e impermeabilizaram o solo original (alínea H) dos factos como provados). Por seu lado o muro em causa prejudica gravemente a drenagem natural dos solos. Ou seja, não está em causa uma eventual construção de escassa relevância urbanística mas uma construção que viola frontalmente a utilização sustentável do solo em que tal construção se encontra integrada.
Por seu lado, não há dúvidas que o recorrente tem direito à demarcação do seu terreno. Nem ninguém coloca em causa esse direito. No entanto essa demarcação não tem necessariamente de ser feita com recurso à construção de um muro em blocos de cimentoso com pilares e vigas de betão armado e que impede necessariamente a drenagem dos solos. Esta forma de demarcação do solo não decorre necessariamente do disposto nos artigos 1353º e 1355º do CC, conforme invoca o recorrente.
Improcedem assim também estas suas conclusões.

IV- Nas suas conclusões XX a XXXIX vem sustentar que ocorre erro de julgamento por errada apreciação da matéria de facto, erro nos pressupostos, sustentando ainda que ocorrerá nulidade da decisão por falta de fundamentação da mesma.
a) no que se refere à nulidade por falta de fundamentação refere o recorrente que se recorrem a determinados conceitos como seja a impermeabilização do solo, redução da superfície do solo disponível e prejudicialidade na drenagem natural que não se podem considerar como provados.
As nulidades constam no artigo 615º do CPC, referindo o n.º 1, alínea b), que é nula a sentença quando: “ não especifique os fundamentos de facto e de direitos que justifiquem a decisão”.
Como refere Miguel Teixeira de Sousa, in, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pág. 221-222, “ esta causa de nulidade verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia), mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão….O dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (…) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (…) a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível…”

Ver neste sentido acórdão STJ, proc. n.º 2/08.9TTLMJ.P1S1, de 15-12-2012, quando refere: I- A nulidade da sentença por falta de fundamentação não se verifica quando apenas tenha havido uma justificação deficiente ou pouco persuasiva, antes se impondo, para a verificação da nulidade, a ausência de motivação que impossibilite o anúncio das razões que conduziram à decisão proferida a final
E ainda acórdão do STA proc. n.º 01109/12, de 07-11-2012, quando refere: II - A nulidade da sentença por violação da alínea b) do n.º 1 do art. 668.º do CPC só ocorre quando se verifica falta absoluta de fundamentação, e não quando a fundamentação enunciada é insuficiente, medíocre, contraditória ou errada.
Ou seja, só existe nulidade da sentença por falta de fundamentação quando esta for totalmente inexistente.
Não é este caso dos autos.
A decisão recorrida refere as razões pelas quais decidiu de determinada forma e elencou os factos que considera relevantes.
A questão colocada pelo recorrente de serem utilizados conceitos não provados tem a ver com eventual erro de julgamento que analisaremos já de seguida e não com falta de fundamentação.
Improcede assim esta nulidade invocada.

b) Refere o recorrente, no que se refere à violação do Regime de Reserva Agrícola Nacional, que a decisão se sustenta em pseudo-considerações, enquanto devia estar suportada por testes à impermeabilização dos solos para se aquilatar da real influência dos muros no escoamento das águas. Sustenta ainda que desconhecia e desconhece que o local esteja integrado em área RAN. Por seu lado tem informação de que o terreno estará integrado numa área de expansão urbana, e se não está incluído no PDM existe a legitima expectativa de o vir a estar.
Em primeiro lugar é de referir que não basta o recorrente afirmar que desconhecia e desconhece se ao terreno em causa se encontra integrado em área RAN. Se desconhece ainda nesta altura tal facto então deveria aprofundar a questão para poder afirmar, se fosse o caso, que o terreno não está integrado em área RAN. No entanto não vem afirmar tal questão. De notar que o problema em causa nos autos vem sustentado no facto de o terreno estar integrado em área RAN, questão que o recorrente nunca veio colocar em questão. Se continua a desconhecer tal facto é um problema que já devia ter esclarecido. Aliás, vem referir que tem informação que tal imóvel estará integrado numa área de expansão urbana e se não está incluído ano PDM, existe a legítima expectativa de o vir a ser. Estamos perante afirmações que não têm qualquer consistência. O recorrente não demonstra de onde vem tal informação e que expectativas tem de a situação vir a ser alterada.
Não se vê que estas conclusões possam proceder.
No que se refere à argumentação do recorrente de que não foram feitos testes de impermeabilização do solo e da real influência dos muros no escoamento das águas é de referir que nos termos do artigo 21º do Decreto-Lei n.º 73/2009, de 31 de Março, estão interditas nas áreas RAN as operações de loteamento e obras de urbanização ou ampliação com as excepções decorrentes da própria lei. E isto porque se entende, naturalmente, que qualquer obra tem como resultado a diminuição das potencialidades dos terrenos em questão para o exercício da actividade agrícola. Esta interdição não se encontra dependente de eventuais testes de impermeabilização do solo. Basta estarem os terenos integrados em área RAN para não ser permitida a construção, a não ser nos casos excepcionais e decorrentes da lei. De acrescentar que não se torna necessário efectuar quaisquer testes para se saber que um muro construído em alvenaria, com blocos de cimento e com pilares e vigas de betão armado, com 108 metros de comprimento e 20cm de largura, e com fundações, é um obstáculo à livre circulação das águas e na parte da sua construção leva à impermeabilização do solo, quando ocupa 21, 6 m2. Este resultado é verificável pela experiência comum. Também não é pelo facto de se poderem abrir determinados furos (que aliás o recorrente nunca abriu) que a construção deixa de ter o efeito que tem. Os furos apenas poderão permitir com maior facilidade a circulação das águas, mas o muro e as suas fundações continuariam sempre a diminuir a potencialidade do solo para a actividade agrícola. Estaríamos sempre perante um muro, ainda que com furos, mas que nada altera no essencial quanto aos efeitos nocivos, resultado da sua construção.
Assim sendo, a utilização dos conceitos como o de impermeabilização do solo, prejudicialidade na drenagem natural dos solos, redução da superfície do solo disponível e infertilização resultam naturalmente da construção de um muro com as características anteriormente referidas, não se podendo concluir, como refere o recorrente, que haverá falta de fundamentação na utilização dos conceitos em causa. A construção de um muro como o referido tem como consequência normal o evitar que as águas circulem livremente e que no local da sua construção ocorra impermeabilização dos solos. Aliás, isto é tanto assim que nas suas conclusões XLIV e seguintes vem o recorrente referir que a construção do muro foi feita para não permitir a circulação das águas oriundas dos terrenos vizinhos. Ora, é esse efeito que se pretende que não aconteça com a construção dos muros, como o presente, em áreas RAN. Improcedem assim estas conclusões.

V- Nas suas conclusões XL LIV vem invocar estado de necessidade para justificar a construção em causa.
Na decisão recorrida refere-se quanto a este aspecto:
Referiu o A. apenas ter erigido o muro para evitar que um vizinho confinante despejasse as águas do respectivo poço que dista apenas 1,90 metros da estrema do muro em questão, águas que passavam do prédio do confinante para o prédio do A. e que também outro vizinho tem as águas da sua habitação canalizadas para o fundo do seu prédio e que vão desaguar no terreno, propriedade do A., pelo que teria agido ao abrigo do direito de necessidade ou do estado de necessidade desculpante, previstos nos artigos 34º e 35º do Código Penal.
Apreciando, para o que importa transcrever os aludidos preceitos do Código Penal:

Constitui entendimento do Tribunal que o invocado direito de necessidade ou estado de necessidade desculpante não afecta a validade do acto impugnado, dado que as questões de vizinhança – descargas de águas para o prédio do A. – mesmo que se admita a existência das mesmas, conforme será de concluir pela teor do depoimento parcialmente descrito no item J) da matéria de facto assente - não permitem a este violar, como violou, o regime da Reserva Agrícola Nacional, não estando em causa saber, para efeitos de validade do acto, o grau de culpa do A. mas sim a inquestionável violação do regime da Reserva Agrícola Nacional, pelo que improcede este último segmento de ataque ao acto objecto dos autos.

O estado de necessidade e o estado de necessidade desculpante invocado pelo recorrente não pode justificar a construção do muro em causa.
O estado de necessidade, no âmbito civil, vem referido no artigo 339º do CC, quando refere que “ é licita a acção daquele que destruir ou danificar coisa alheia com o fim de remover o perigo actual de um dano manifestamente superior, quer do agente, quer de terceiro”. Por seu lado o n.º 2 do artigo 3º do CPA refere que: “ os actos administrativos praticados em estado de necessidade, com preterição das regras estabelecidas no presente Código, são válidos, desde que os seus resultados não pudessem ter sido alcançados de outro modo…”
O estado de necessidade consiste na actuação sob o domínio de um perigo iminente e actual para cuja produção não haja concorrido a vontade do agente ( Acórdão STA proc. n.º 01353/05, de 04-03-2004).
Como se refere no Acórdão do STA, proc. n.º 0563/09, 03-02-2010A causa de justificação excludente da ilicitude do acto – estado de necessidade – é constituída por uma situação de receio ou temor gerada por um grave perigo que determina o necessitado a celebrar um negócio para superar o perigo em que se encontra In Mota Pinto, Teoria Geral, 1967, 266., sendo que só o estado de necessidade objectivo exclui a ilicitude, constituindo causa de justificação In Pessoa Jorge, Ensaio, 252.
No caso em apreço vem o recorrente invocar estado de necessidade porque refere os seus vizinhos despejam a água dos seus terrenos no seu o que equivale a “ vários metros cúbicos de água a brotar incessantemente” e que destrói a sua plantação.
Para se poder agir por estado de necessidade nos termos do Código Civil é necessário, como se refere no seu artigo 349º, que se pretenda com a acção remover um perigo actual de um dano manifestamente superior. Ou seja, termos de estar perante um perigo actual. A actualidade quanto à eventual produção do dano ou do perigo é essencial à caracterização desta figura. A exclusão da ilicitude de um determinado comportamento apenas pode ser lícita se estamos perante uma situação eminente e actual e não perante uma situação prolongada no tempo. Esta terá de ter outras soluções que não o recurso ao estado de necessidade para justificar determinado comportamento ilícito. A construção de um muro em área RAN não pode ser legitimado pela alegação conclusiva de que os vizinhos despejam incessantemente vários metros cúbicos de água no terreno em causa. Além de estarmos perante uma afirmação manifestamente excessiva, a existência da passagem de águas em terrenos agrícolas é normal e até saudável. Aliás, é essa uma das razões pelas quais não se podem construir muros em áreas RAN. Se o recorrente tem problemas com os seus vizinhos quanto à quantidade de águas despejada indevidamente no seu terreno, que não as águas decorrentes das chuvas, essa é uma outra questão eventualmente a resolver em outra sede e de outra forma. Não pode é com essa justificação proceder à construção de um muro com as características do actual em área RAN.
Improcedem, assim, também estas alegações.
Por todo o exposto tem de se concluir que não podem proceder as conclusões do recorrente, não merecendo a decisão recorrida a censura que lhe é assacada.

3 – DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Notifique.
Custas pelo recorrente

Porto, 23 de Setembro de 2016
Ass.: Joaquim Cruzeiro
Ass.: Fernanda Brandão
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco