Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00636/14.2BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/22/2016
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:LEI N°64-B/2011; NULIDADE DE CONTRATO; CONTRATO DE FACTO;
CONTRATO DE TRABALHO A TERMO RESOLUTIVO CERTO.
Sumário:1 – Se é certo, nos termos do n.º 7 do artigo 9.º da Lei n.º 12-A/2010, de 30/06, que “as contratações e as nomeações de trabalhadores efetuadas na sequência de procedimentos concursais realizados em violação do disposto no presente artigo são nulas e fazem incorrer os seus autores em responsabilidade civil, financeira e disciplinar”, tal não poderá significar que o trabalho efetivamente prestado não tenha de ser remunerado.
Mal se compreenderia que qualquer entidade pudesse beneficiar dos serviços de um trabalhador, para depois não lhe pagar a correspondente remuneração a pretexto da invalidade do contrato, da sua responsabilidade.
Com efeito, a nulidade do contrato de trabalho não implica a desresponsabilização da entidade pública, sendo que, em qualquer caso, o Estado e as pessoas coletivas de direito público respondem sempre, quer exclusivamente, no caso de culpa leve (Cfr. n.º 1 do artigo 7.º da Lei nº 67/2007), quer, em caso de dolo ou culpa grave, de forma solidária com os respetivos titulares de órgãos, funcionários e agentes, se as ações ou omissões ilícitas tiverem sido cometidas por estes no exercício das suas funções e por causa desse exercício (Cfr. artigo 8.º, n.º 3, da mesma Lei).
2 – Os Serviços prestados ao abrigo de um contrato entretanto declarado nulo, não autoriza a ilação de que o mesmo equivalha a um nada, tal como se pura e simplesmente não tivesse acontecido, pelos que os serviços originariamente contratualizados, enquanto “Contrato de facto”, terão de ser remunerados.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Freguesia de Lamego – Almacave e Sé
Recorrido 1:MLRSG
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Sumária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I Relatório
A Freguesia de Lamego – Almacave e Sé, no âmbito da Ação Administrativa Comum, intentada por MLRSG, tendente, designadamente, a que fosse “considerado ilícito o despedimento levado a cabo pela Ré”, inconformada com a Sentença proferida em 28 de Abril de 2015, através do qual a ação foi julgada parcialmente procedente, mais sendo condenada a pagar à Autora ”a quantia global de 8.685,13€”, veio interpor recurso da referida decisão, proferida em primeira instância, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu.

Formula a aqui Recorrente/Freguesia nas suas alegações de recurso, apresentadas em 1 de Junho de 2015, as seguintes conclusões (Cfr. Fls. 144v a 148 Procº físico):

“a) Na douta sentença ora recorrida existiu uma errada interpretação do artigo 46°, n°4, da citada Lei n°64-B/2011, e artigo 9°, n°7 da Lei 12-A/2010, quando determina que o contrato celebrado entre a autora e a ré É NULO, sem prejuízo da produção plena dos seus efeitos durante o tempo em que esteve em execução

b) E isto porque a contratação da autora não respeitou os imperativos legais, quer por impossibilidade de renovação de contrato quer por completa ausência de procedimentos concursais para a contratação pública e por conseguinte não pode a atual Junta de Freguesia, aqui recorrente, ser responsabilizada pelo pagamento de qualquer indemnização, nem tão pouco lhe pode ser exigidas responsabilidades desta violação da Lei, esta deve ser assacada diretamente ao titular do órgão que violou a lei ao adotar procedimentos ilegais.

c) A atual Junta de freguesia, aqui recorrente só poderá responder e ser responsabilizada se houvesse legalidade nos procedimentos mesmo que praticados pelo anterior executivo, o que não foi o caso.

d) O mesmo se passa com a lei dos compromissos, Lei 8/2012 de 21 de fevereiro - LCPA (Lei dos compromissos e dos pagamentos em atraso) ou seja no n.° 2 do artigo 9.°, deste normativo legal é aplicável aos casos em que sejam assumidos compromissos em violação do requisito do n.° 3 do artigo 5.°, que determina a necessidade de aposição do número de compromisso no documento de compromisso. Nestes casos, o agente económico perante o qual o compromisso tenha sido desconformemente assumido não poderá exigir o pagamento ou ressarcimento pelos bens ou serviços fornecidos/prestados à entidade que o assumiu.

e) Ora e como se constata também neste caso houve ilegalidade de procedimento no que respeita à forma de contratar, os agentes económicos que procederam ao fornecimento de bens e serviços sem o documento de compromisso não poderão reclamar do Estado ou das entidades públicas envolvidas o respetivo pagamento ou quaisquer direitos ao ressarcimento, sob qualquer forma.

f) E aqui como também no caso em apreço a aquisição de bens e serviços também são para a junta de freguesia e não para o seu presidente, contudo tal facto não permite que seja assacado do estado ou entidades públicas envolvidas (ex: Juntas de freguesias) o respectivo pagamento ou quaisquer direitos ao ressarcimento, sob qualquer forma.

g) A Junta de Freguesia só poderia ser demandada se o procedimento fosse o legal e por qualquer motivo não tivesse cumprido com a sua obrigação, então aí sim, é que a entidade pública era responsável pelo seu cumprimento, que neste caso seria o pagamento de todos os salários e demais créditos reclamados em virtude de tal incumprimento.

h) Como neste caso houve ilegalidade de procedimentos não pode ser exigido à junta de freguesia, aqui recorrente e como tal não podia ser a mesma condenada ao pagamento tal como o foi na sentença ora recorrida.

Nestes ternos e nos melhores de direito no caso aplicáveis deve se dado provimento ao presente recurso e em consequência alterar-se a sentença recorrida substituindo-a por uma outra que absolva a ré, aqui recorrente Junta de Freguesia de Lamego (Almacave e Sé) fazendo assim a acostumada JUSTIÇA”.

O Recurso Jurisdicional apresentado veio a ser admitido por Despacho de 16 de Junho de 2015 (Cfr. Fls. 163 Procº físico).
A aqui Recorrida/MLRSG não veio apresentar contra-alegações de Recurso.

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 6 de Outubro de 2015 (Cfr. Fls. 176 Procº físico), veio a emitir Parecer em 20 de Outubro de 2015, no qual, a final, se pronuncia no sentido de dever ser negado provimento ao Recurso, confirmando-se a Sentença Recorrida (Cfr. Fls. 177 a 178v Procº físico).

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, onde se invoca “erros de julgamento quanto à matéria de direito”.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo considerou a seguinte factualidade, entendendo-se a mesma como adequada e suficiente:

“FACTOS PROVADOS.
Face à questão que atrás se elegeu e tendo em conta a prova documental patente nestes autos e os factos admitidos pela Ré, considero relevante a seguinte matéria de facto:
A) Em 1/03/2012, A. e Ré celebraram um contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo, para a A. desempenhar funções de Assistente Operacional num Jardim de Infância, sito no Lugar de Medelo, denominado “C...”, que dou aqui por integralmente reproduzido (cf. contrato juntos aos autos e não impugnado).
B) Quanto à duração do contrato, consta da sua cláusula primeira, nº 2, que «O contrato tem data de início em 01/03/2012 e durará por um período de 12 meses, não se convertendo em contrato por tempo indeterminado.» e da cláusula nona o relativo à sua renovação e caducidade, que dou aqui por integralmente reproduzida.
C) Através do ofício da Ré nº 0002/2013, de 09/01/2013, sob o “Assunto: COMUNICAÇÃO DE RENOVAÇÃO DE CONTRATO DE TRABALHO”, que dou aqui por integralmente reproduzido, foi comunicado à A., nomeadamente, o seguinte «Vimos pela presente comunicar a V. Exa. que o seu contrato de trabalho irá terminar no dia 28/02/2013, mas é nossa intenção renovar o mesmo, por igual período de tempo, caso queira aceitar a continuidade em trabalhar para a nossa Autarquia.(…)» (cf. documento junto com a petição inicial e não impugnado).
D) Como compensação do seu trabalho, a A. auferia mensalmente a quantia de € 485,00 (por acordo).
E) Em 31/10/2013, foram encerrados os serviços da Ré que funcionavam na Escola de Medelo, tendo sido entregue à A. o Mod. 5044 da Segurança Social, intitulado “DECLARAÇÃO DE SITUAÇÃO DE DESEMPREGO”, no qual consta que o contrato cessou por caducidade “Fim do contrato a termo” (por acordo e cf. documento junto com a petição inicial não impugnado).
F) A A. exerceu as funções de assistente operacional para a Ré desde 1/03/2012 e até 31/10/2013 (por acordo).
G) Em 30/09/2013, a Ré devia à A. a quantia de €8.685,13, conforme declaração e mapa de vencimentos emitidos pela Ré (cf. documento junto aos autos pela A. e não impugnado).

IV – Do Direito
Veio a Junta de Freguesia de Lamego (Almacave e Sé) interpor recurso jurisdicional da sentença proferida, em 28/04/2015, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, a qual julgou parcialmente procedente a presente ação administrativa comum, na qual se decidiu:
a) Condenar a Junta de Freguesia a pagar à A. MLRSG, a quantia global de €8.685,13 e as demais quantias que lhe sejam devidas pelo trabalho prestado até 31/10/2013, acrescidas dos respetivos juros de mora desde o seu vencimento e
b) Absolver a Junta de Freguesia dos demais pedidos formulados nos pontos 2 e 5 do petitório.
Veio a Recorrente invocar que a sentença Recorrida conterá erros de julgamento, quanto à matéria de direito, em face do que o tribunal a quo terá violado o disposto nos artigos 46.º, n.º 4, da Lei n.º 64-B/2011, de 30/12 e 9.º, n.º 7, da Lei n.º 12-A/2010, de 30/06.
Vejamos:

DOS ERROS DE JULGAMENTO DE DIREITO
Efetivamente a Recorrente/JF veio imputar conclusivamente à decisão recorrida erros de julgamento de direito, supostamente consubstanciados na violação dos artigos 46.º, n.º 4, da Lei n.º 64-B/2011, de 30/12 e 9.º, n.º 7, da Lei n.º 12-A/2010, de 30/06.

Em qualquer caso, das alegações de Recurso, e tal como sublinhado pelo Ministério Público, não resultam imputações à decisão recorrida quanto a uma suposta errada interpretação e aplicação dos invocados normativos, assentando antes, no facto de entender que o contrato de trabalho que suportou a relação laboral controvertida ser nulo.
Conclui assim singelamente a Recorrente, que em resultado da invocada nulidade do contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo celebrado entre a anterior Junta de Freguesia e MLRSG, tal facto deverá determinar a sua absolvição.
Do recurso interposto resulta, aliás que a Recorrente se conformou com a declarada invalidade do contrato de trabalho aqui controvertido, em conformidade com o citado nº 4 do artigo 46.º da Lei n.º 64-B/2011.
Por outro lado, o referido n.º 7 do artigo 9.º da Lei n.º 12-A/2010, de 30/06, apenas determina que “as contratações e as nomeações de trabalhadores efetuadas na sequência de procedimentos concursais realizados em violação do disposto no presente artigo são nulas e fazem incorrer os seus autores em responsabilidade civil, financeira e disciplinar”.
É manifesto que a fundamentação jurídica da sentença recorrida realçou tal circunstância, ao afirmar, designadamente, que “Independentemente da responsabilidade civil, financeira e disciplinar do Senhor Presidente da Junta que subscreveu o contrato e demais documentos juntos aos autos, provou-se que a A. prestou efetivamente serviço para a Ré, desempenhando funções de assistente operacional num jardim-de-infância, sito no Lugar de Medelo, de 1/03/2012 a 31/10/2013 e auferia a remuneração mensal de €485,00 (alíneas A), D) e F) do probatório)”.
Mal se compreenderia que qualquer entidade pudesse beneficiar dos serviços de um qualquer trabalhador, para depois não lhe pagar a correspondente remuneração a pretexto da invalidade do contrato, da sua responsabilidade.
Com efeito, a nulidade do contrato de trabalho não implica a desresponsabilização da entidade pública, sendo que, em qualquer caso, o Estado e as pessoas coletivas de direito público respondem sempre, quer exclusivamente, no caso de culpa leve (Cfr. n.º 1 do artigo 7.º da Lei nº 67/2007), quer, em caso de dolo ou culpa grave, de forma solidária com os respetivos titulares de órgãos, funcionários e agentes, se as ações ou omissões ilícitas tiverem sido cometidas por estes no exercício das suas funções e por causa desse exercício (Cfr. artigo 8.º, n.º 3, da mesma Lei).
Acresce ainda à argumentação aduzida em 1ª instância o explicitado no sumário do Acórdão deste TCAN nº 949/11BEBRG, de 17/04/2015, aqui aplicado mutatis mutandis, onde se refere que “(…) Tal como relativamente aos serviços prestados ao abrigo de um contrato entretanto declarado nulo, perante a inexistência de um contrato, resultante da sua caducidade, e continuando a ser prestados os serviços anteriormente contratualizados, sem oposição, enquanto “Contrato de facto”, tais serviços terão de ser remunerados.
A inexistência de contrato, por caducidade do mesmo, não autoriza “a ilação de que o negócio jurídico seja equivalente a um nada, tal como se pura e simplesmente não tivesse acontecido.”
Tendo a aqui Recorrida desempenhado funções para a Junta de Freguesia de 1 de Março de 2012 a 31 de Outubro de 2013, não poderá esta deixar de lhe pagar o valor remuneratório correspondente, independentemente da responsabilidade civil, financeira e disciplinar da Junta de Freguesia dos seus órgãos e Presidente, o que aqui não importa apurar.
Com efeito, não obstante a nulidade contratual, o que é facto é que a trabalhadora, durante o período referido continuou a prestar os seus serviços, sem oposição da Junta.
Se é certo que a nulidade do contrato implica que deva ser restituído tudo o que tiver sido prestado (art.º 285.º, n.º 1 do C. Civil), em qualquer caso, assim não será linearmente nos contratos de execução continuada, nos quais uma das partes beneficie de um serviço, como é o caso dos autos.
Escreveu-se no acórdão do Colendo STA, de 24.10.06, p.º 732/05, aqui aplicável igualmente mutatis mutandis, que “o mesmo é dizer que o mecanismo do art. 289º/1 do C. Civil, com eficácia ex tunc, na sua radicalidade, se não se neutralizarem os efeitos da nulidade em relação às prestações já efetuadas, não assegura a restituição de tudo o que foi prestado. Resultado este que não cumpre a teleologia do próprio preceito e que se aliado à inaplicação do instituto de enriquecimento sem causa, é de uma injustiça flagrante e impele o intérprete a procurar outra via para realizar a maior justiça possível (vide Karl Larenz, “Metodologia da Ciência do Direito”, p. 398).
Como se diz também no acórdão do STJ de 2002.07.11 “(…) Poder-se-ia argumentar que pela eficácia retroativa da declaração de nulidade (artigo 289º, nº 1) tudo se passa como se o contrato não tivesse sido celebrado, ou produzido quaisquer efeitos, nessa medida se impondo inelutavelmente a restituição das aludidas importâncias solvidas em sua execução.
Todavia, a nulidade, conquanto tipicizada pelos mais drásticos predicados de neutralização do negócio operando efeitos interativos ex tunc, nem assim pode autorizar a ilação de que o negócio jurídico seja equivalente a um nada, tal como se pura e simplesmente não tivesse acontecido. A celebração do negócio revela-o existente como evento e por isso não está ao alcance da ordem jurídica tratar o ato realizado como se este não houvesse realmente ocorrido, mas apenas recusar-lhe a produção de efeitos jurídicos que lhe vão implicados.
Não é, por conseguinte, exata a ideia de que, mercê da nulidade, tudo se passa como se o contrato não tivesse sido celebrado ou produzido quaisquer efeitos. Bem ao invés porque o contrato é algo que na realidade aconteceu, daí precisamente a sua repercussão no subsequente relacionamento jurídico das partes.
Pode na verdade suceder que os contraentes tenham efetuado prestações com fundamento no contrato nulo, ou posto em execução uma relação obrigacional duradoura, dando lugar à abertura de uma vocacionada composição inter-relacional dos interesses respetivos - v. g., a sociedade desenvolveu normalmente as suas atividades comerciais, agindo e comportando-se os fundadores como sócios por determinado período de tempo, não obstante a nulidade do contrato social; sendo nulo o contrato de trabalho, todavia o trabalhador prestara efetivamente os seus serviços à entidade patronal.
Neste conspecto - e ademais quando se pretenda estar vedado no domínio específico das invalidades o recurso aos princípios do enriquecimento sem causa pelo carácter subsidiário do instituto - observa-se estar hoje generalizado o entendimento segundo o qual deve o contrato nulo ser valorado, em semelhante circunstancialismo, e no que respeita ao desenvolvimento ulterior da aludida composição entre as partes (…) como «relação contratual de facto» suscetível de fundamentar os efeitos em causa (v. g., a remuneração do trabalho prestado no quadro do contrato laboral nulo por incapacidade negocial do trabalhador), encarados agora, não como efeitos jurídico-negociais de contrato inválido, mas na dimensão de efeitos (ex lege) do ato na realidade praticado.
E, assim, tratando-se de relações obrigacionais duradouras, no domínio das quais, desde que em curso de execução, encontra em princípio aplicação a figura do «contrato de facto» - «contrato imperfeito» noutra terminologia; de «errada perfeição» (…) tudo se passará, nos aspetos considerados, como se a nulidade do negócio jurídico apenas para o futuro (ex nunc) operasse os seus efeitos.”
Este entendimento converge, no essencial, com as posições de Rui Alarcão (in “A Confirmação dos Negócios Anuláveis”, I, Coimbra, 1971, pág. 76, nota 101) autor que considera que «a chamada restituição em valor virá, por vezes, a traduzir-se no respeito pela execução, entretanto ocorrida, do negócio» e de António Meneses Cordeiro (in “Tratado de Direito Civil Português”, I, Parte Geral, Tomo I, p. 874) que, a propósito, escreve:
“Nos contratos de execução continuada em que uma das partes beneficia do gozo de uma coisa – como no arrendamento – ou de serviços – como na empreitada, no mandato ou no depósito – a restituição em espécie não é, evidentemente, possível. Nessa altura, haverá que restituir o valor correspondente o qual, por expressa convenção das partes, não poderá deixar de ser o da contraprestação acordada. Isto é: sendo um arrendamento declarado nulo, deve o “senhorio” restituir as rendas recebidas e o “inquilino” o valor relativo ao gozo de que desfrutou e que equivale, precisamente, às rendas. Ambas as prestações restitutórias se extinguem, então, por compensação, tudo funcionando, afinal, como se não houvesse eficácia retroativa, nestes casos.”
Em qualquer caso, pelas razões expostas, a regra do art. 289º/1 do C. Civil, aplicada no domínio dos contratos de execução continuada de serviços mostra-se inadequada à sua própria teleologia, carecendo de uma restrição que permita tratar desigualmente o que é desigual, isto é, deve ser objeto de redução teleológica, (cfr. Karl Larenz, ob. cit., pp. 450/457) de molde a que, nos contratos de execução continuada em que uma das partes beneficie do gozo de serviços cuja restituição em espécie não é possível, a inexistência contratual por caducidade não abranja as prestações já efetuadas, produzindo o contrato os seus efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução, a exemplo do que, como afloramento da mesma ideia, está expressamente consagrado na nulidade, por equiparação, resultante da resolução dos contratos de execução continuada ou periódica (arts. 433º e 434º/2 C. Civil).
Tal como relativamente aos serviços prestados ao abrigo de um contrato entretanto declarado nulo, perante a inexistência de um contrato, resultante da sua caducidade, e continuando a ser prestados os serviços anteriormente contratualizados, sem oposição, enquanto “Contrato de facto”, tais serviços terão de ser remunerados.
Em linha com o Acórdão do Colendo STA nº 047638 de 21-09-2004, estando vedado o recurso aos princípios do instituto do enriquecimento sem causa, em função do carácter subsidiário deste (art. 474° C. Civil), mas tendo sido reconhecida a inexistência de contrato, deverá, no caso, a Junta de Freguesia, tal como decidido em 1ª instância ser condenada no pagamento das remunerações correspondentes ao período de trabalho prestado, enquanto «relação contratual de facto».
Como se disse, a nulidade do contrato de trabalho, não autoriza “a ilação de que o negócio jurídico seja equivalente a um nada, tal como se pura e simplesmente não tivesse acontecido”.
Efetivamente, da factualidade provada é possível concluir que as partes estabeleceram relações contratuais, assentes na prestação pela então Autora de serviços correspondentes a Assistente Operacional num Jardim de Infância da Freguesia.
Além disso, mostra-se inequívoco que a Freguesia nunca recusou a prestação dos serviços realizados pela aqui Recorrida, não tendo sequer posto em causa que os serviços tenham efetivamente sido prestados, o que terá de ser ressarcido.
Perante a nulidade do contrato, tratando-se de uma prestação de trabalho continuada, “apresentam-se com algumas especificidades que não podem deixar de ponderar-se à luz do regime do art.º 289.º n.º 1 do C. Civil”, como se faz notar no Ac. do Colendo STA, de 24/10/2006, processo nº 0732/05, na mesma linha também do Acórdão do STJ, de 11/07/2002, processo nº 03B484.
Tal como decidido em 1ª Instância, a solução deve ir no sentido de que o Tribunal, verificada a inexistência de contrato, deve extrair as consequências dessa declaração, ordenando a restituição de tudo o que foi prestado, nos termos do artº 289º, nº 1, do Código Civil.
No entanto, uma vez que a restituição em espécie, por sua natureza, não é possível, pois que os serviços prestados nunca mais poderão ser restituídos, haverá, então, que condenar a Freguesia no pagamento do “valor correspondente” à utilidade advinda da realização da mesma (nº 1 do artº 289º), corporizada no decidido em 1ª instância, respeitantes ao trabalho prestado.
Face à constatada nulidade contratual, outra posição que não aquela para que se propende, conduziria a um enriquecimento injustificado por parte da Freguesia, além de que se traduziria numa injustiça, como se a «relação contratual de facto» resultante da nulidade verificada equivalesse a um nada.
Com efeito, considerando a fundamentação aduzida em 1ª instância ao que acresce a aplicabilidade do regime previsto no disposto no artº 289º, nº 1, do Código Civil, ao fazer apelo ao valor correspondente quando a restituição em espécie não for possível, confere a pedra de toque para a solução do caso, que vai no sentido da condenação da Freguesia no pagamento da quantia apurada.

Assim, impondo-se a restituição de tudo quanto haja sido prestado ou se a restituição não for possível, do valor correspondente, que traduz o efeito restitutivo da inexistência contratual, não merece censura a decisão proferida em 1ª Instância.

* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao Recurso, confirmando-se a Sentença recorrida.
Custas pela Recorrente

Porto, 22 de Janeiro de 2016
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco
Ass.: Joaquim Cruzeiro
Ass.: Luís Migueis Garcia