Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01771/10.1BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/06/2014
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:CADUCIDADE DA ACÇÃO.
IMPUGNABILIDADE DO ACTO.
MÉDICO. COMISSÃO DE SERVIÇO.
PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA.
ART.º 51º, Nº 2, DO CPTA.
Sumário:I) – A tempestividade da acção deve averiguar-se através da formulação de um juízo hipotético, sob forma condicional, em que se determine qual é, na eventualidade de os vícios existirem, a forma de invalidade que lhes corresponde; se o autor aponta ao acto impugnado nulidade, com concreta causa reconduzível a tal forma de invalidade, então, independentemente do juízo de mérito, e sem prejuízo para este, a sua impugnação não está sujeita a prazo (art.º 58º, nº 1, do CPTA).
II) – A actuação da recorrida agora sindicada em juízo, que o autor tem como interferindo na continuidade/cessação da comissão de serviço, implica com questão de estatuto que indubitavelmente faz apelo de aplicação a normas de direito administrativo, que à ré cumpre observar no âmbito do regime jurídico das parcerias em saúde com gestão e financiamentos privados, justificando equiparação contenciosa a acto impugnável, conforme dita o art.º 51º, nº 2, do CPTA.*
*Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:VMFS...
Recorrido 1:EB - Sociedade Gestora do Estabelecimento, SA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:
VMFS (residente na R….) interpõe recurso jurisdicional de Acórdão do TAF de Braga, que, em reclamação para a conferência, manteve decisão do relator julgando procedente excepcionada caducidade de acção administrativa especial por aquele intentada contra EB – Sociedade Gestora de Estabelecimento, SA (Largo….).

O recorrente conclui o seu recurso do seguinte modo:
I. O ACÓRDÃO RECORRIDO DEVE SER REVOGADO POR ERRO DE JULGAMENTO E SUBSTITUÍDO POR OUTRO QUE JULGUE IMPROCEDENTE A EXCEPÇÃO DE CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO, POIS O ACTO IMPUGNADO É NULO, POR NÃO CONTER AS MENÇÕES OBRIGATÓRIAS E OS ELEMENTOS ESSENCIAIS, CARECENDO, EM ABSOLUTO, DE FORMA LEGAL: ARTIGOS 133º, NºS 1 E 2, ALÍNEA F), 122º, Nº 2, 123º, NºS 1 E 2, 124º, ALÍNEA E) E 143º, Nº 1, TODOS DO CPA). ASSIM,
II. NÃO SE VERIFICA A CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO, POR FORÇA DOS ARTIGOS 134º, Nº 2, DO CPA E 58º, Nº 1, DO CPTA, DEVENDO SER REVOGADO E SUBSTITUÍDO POR OUTRO QUE DETERMINE O PROSSEGUIMENTO DO PROCESSO.
SEM PRESCINDIR
I. SÓ EM 23 DE JUNHO DE 2010 O AUTOR VERIFICOU QUE NÃO TINHA SIDO DEPOSITADO O SUPLEMENTO REMUNERATÓRIO CORRESPONDENTE AO EXERCÍCIO DE FUNÇÕES DE DIRECTOR DE SERVIÇO.
II. O PRIMEIRO E INEQUÍVOCO ACTO DE EXECUÇÃO, OU ACTO CONSEQUENTE DA DECISÃO DE REVOGAR, FAZENDO CESSAR, O EXERCÍCIO DE FUNÇÕES DE DIRECTOR DE SERVIÇO, FOI A OMISSÃO DO DEPÓSITO, NAQUELA DATA, DO SUPLEMENTO REMUNERATÓRIO CORRESPONDENTE AO EXERCÍCIO DAS FUNÇÕES DE DIRECTOR DE SERVIÇO. POR ISSO,
III. NOS TERMOS DOS ARTIGOS 58º, Nº 2, ALÍNEA B) E 59º, NºS 1 E 2, AMBOS DO CPTA, A PRESENTE ACÇÃO FOI TEMPESTIVAMENTE INTERPOSTA. CONSEQUENTEMENTE,
IV. O ACÓRDÃO RECORRIDO DEVE SER REVOGADO POR ERRO DE JULGAMENTO E SUBSTITUÍDO POR OUTRO QUE DETERMINE O PROSSEGUIMENTO DO PROCESSO PARA CONHECIMENTO DO MÉRITO DA CAUSA, POR TER SIDO TEMPESTIVAMENTE INTERPOSTA A PRESENTE ACÇÃO, ORDENANDO-SE, SE NECESSÁRIO, AS DILIGÊNCIAS DE PROVA APTAS AO APURAMENTO DA VERDADE, NOS TERMOS DO ARTIGO 90º, Nº 1, DO CPTA E INCLUINDO-SE NOS FACTOS PROVADOS OS SEGUINTES:
a) A Ré processou, como habitualmente, o vencimento do Autor, como Director do Serviço, entre os dias 21 e 23 do mês de Maio de 2010; e
b) Só entre os dias 21 e 23 do mês de Junho de 2010 o Autor verificou que não tinha sido depositado o suplemento remuneratório correspondente ao exercício de funções de Director de Serviço.

O Recorrido contra-alegou, respondendo e ampliando o recurso, tendo oferecido como conclusões o seguinte:
A. Nos presentes autos, encontram-se em discussão duas comunicações internas da EB, datadas de 14 de Maio de 2010 e de 26 de Maio de 2010, das quais resulta o afastamento do Autor e Recorrente do exercício das funções de Director de Serviço de O…. do Hospital.
B. Inconformado com o teor das comunicações em causa, o Recorrente intentou, no dia 14 de Outubro de 2010, a presente acção administrativa especial, requerendo a declaração de nulidade das comunicações, por falta de observância dos requisitos legais ou a sua declaração de anulabilidade.
C. Ora, atento o teor das comunicações em causa, impõe-se concluir que, quer da reunião que foi realizada, quer do comunicado posterior, resulta, de forma inequívoca, o conteúdo e o sentido da decisão tornada pela EB, isto é, não só o seu afastamento, a partir de 14 de Maio de 2010, do exercício das funções que vinha exercendo, como também o fundamento desse afastamento, já que foi igualmente decidido e comunicado a realização de uma averiguação interna para apuramento das razões associadas ao fraco desempenho do Serviço de O….
D. Nessa medida, não poderá colher a pretensão do Recorrente - nulidade por falia de forma legal - pois que estamos perante uma situação em que a natureza e as circunstâncias do acto dispensam a forma escrita, nos termos do artigo 122.º do CPA.
E. Acresce que, de acordo com o Supremo Tribunal Administrativo, a "fundamentação é
suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto
é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, podendo ser feita por remissão" (Acórdão do STA de 17.12.2003, proc. n.°01717/03).
F. Assim, não merece censura a decisão proferida, na parte em que considerou que as comunicações da EB não se encontram feridas de nulidade por falta de forma, já que "inexiste qualquer forma própria/legalmenle prescrita para o acto em crise", tendo, assim, as comunicações em causa observado a forma "idónea a prosseguir os efeitos pretendidos".
G. Como resulta do disposto no artigo 59.° do CPTA, o prazo para a impugnação dos actos administrativos começa a correr a partir da data da sua notificação e não de uma eventual execução do acto em causa,
H. Pelo que, tendo o Autor sido informado do seu afastamento em 14 de Maio de 2010 — ou até mesmo em 26 de Maio de 2010 - o Autor deveria ter apresentado a sua impugnação no prazo de 3 meses, tal como resulta do n.° 2 do artigo 58.° do CPTA.
I. Ou seja, até o dia 12 de Setembro de 2010.
J. Tendo a presente acção dado entrada no dia 14 de Outubro de 2010, é manifesta a intempestividade da mesma, tendo, assim, o Autor deixado precludir o prazo substantivo aplicável (artigo 58.°, n.° 2, alínea b) do CPTA).
K. Como a extemporaneidade de propositura da acção obsta a prosseguimento da lide, nos termos do disposto no artigo 89°, n.° 1, alínea h) do CPTA, não merece qualquer censura a decisão do Tribunal a quo de absolver a EB da instância.
L. Acresce que a EB teria sempre de ser absolvida da instância pelo facto de, in casu, não existir qualquer acto administrativo e impugnável.
M. Com efeito, a EB é uma entidade privada, à qual nunca foram atribuídos quaisquer poderes públicos de modo a que pudesse exercer uma actividade materialmente administrativa.
N. Na verdade, após a celebração do Contrato de Gestão e a subsequente transmissão do estabelecimento hospitalar, a EB apenas pratica actos de gestão privada.
O. Nessa medida, como um acto administrativo corresponde à forma de exteriorização (ou
de exercício) de poderes públicos de autoridade e sendo evidente que à EB nunca lhe foram atribuídos esses poderes, impõe-se concluir que o acto que determinou a cessação de uma eventual comissão de serviço por parte da EB não é - nem poderia ser - um acto administrativo.

P. Assim, inexistindo um acto administrativo impugnável, a EB sempre teria de ser absolvida da instância, nos termos da alínea c) do n.° 1 do artigo 89.º do CPTA.
*
O Exmº Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal foi notificado para os efeitos previstos no art.º 146º, nº 1, do CPTA, tendo dado parecer de não provimento ao recurso.
Porém, assinala a recorrente que inexiste fundamento legal para a prolação do parecer, devendo ser desentranhado.
Com razão; no que toca à emissão de parecer a intervenção do Ministério Público sobre o mérito dos recursos é condicionada à existência, no caso concreto, de uma situação que justifique a emissão de parecer em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores constitucionalmente protegidos que se encontram referidos no artigo 9.º n.º 2 do CPTA, isto é, em “defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos, como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais.” - cfr. artºs. 85.º, n.º 2, e 146.º n.º 1 CPTA.
Ora, atento o que é objecto da presente acção, nada se cruzando o parecer dado com defesa de direitos, interesses, valores e bens, a que é permitida pronúncia, falece legitimidade ao Mº Pº para a emissão de tal parecer.
Pelo que se determina o desentranhamento.
*
Com dispensa dos vistos, vêm os autos a conferência, cumprindo decidir.
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Questões a decidir:
- a caducidade do direito de acção;
(e, obtendo o recorrente êxito quanto a esta)
- a inimpugnabilidade do acto
(sobre a qual versa a requerida ampliação do recurso por banda da recorrida)
*
Os factos :
Manteve o tribunal a quo a decisão reclamada, onde foram fixados os seguintes factos:
1. A A. é médico oftalmologista e, a partir de 01 de Agosto de 2000, passou a integrar os quadros do Hospital de S. M..., em Braga, na categoria de Médico Assistente Hospitalar, no Serviço de O….
2. A 31 de Janeiro de 2006 foi o Autor convidado para apresentar projecto para a direcção do serviço onde exercia funções pelo Conselho de Administração do Hospital de S. M....
3. Por um período de 3 anos, foi o A. empossado na Direcção do Serviço de O….
4. Desde 01 de Setembro de 2009 um novo modelo de gestão, fundado na Parceria Público Privada entre o Estado Português e o Agrupamento liderado pelo JM Saúde SA, ficou a gerir o Hospital de S. M..., enquanto decorria a construção de novo Hospital, previsto para Maio de 2011.
5. A 14 de Maio de 2010 o Autor foi chamado para uma reunião com a Comissão Executiva, onde foi informado que iriam proceder a algumas averiguações dentro do Serviço em que o mesmo era Director e que por decisão da Comissão Executiva, a partir daquela data – a 14 de Maio de 2010 - , a Direcção de Serviço de O… passava a ser assumida interinamente pelo Presidente do Colégio Clínico, Dr. MC.
6. A 26 de Maio de 2010, o Autor foi confrontado com um comunicado interno assinado pelo Presidente da Comissão Executiva, HAAM, indicando que “[...] o Dr. FV integra a partir de Junho a equipa de O… como Director de Serviço com a missão de liderar o desenvolvimento da actividade e de potenciar a diferenciação contínua deste Serviço.”.
7. A presente acção foi intentada neste TAF de Braga a 14.10.2010.
*
O direito
I) – Da caducidade
Manteve o tribunal a quo a decisão reclamada, que teve o seguinte discurso fundamentador:
O Autor (A.) pede que se declare a nulidade o acto do Presidente da Comissão Executiva, HAAM, segundo o qual “[...] o Dr. FV integra a partir de Junho a equipa de O como Director de Serviço com a missão de liderar o desenvolvimento da actividade e de potenciar a diferenciação contínua deste Serviço.”.
Em relação à impugnabilidade do (alegado) acto, teremos de ter em conta que, embora se trate de acto atípico, subjacente à comunicação do Presidente da Comissão Executiva está uma decisão: a cessação da comissão do A. como Director de Serviço do A. e a nomeação de um novo Director de Serviço.
Efectivamente, há um quê de externalidade, de lesividade que, independentemente da natureza pública ou privada da entidade gestora EB, produz efeitos na esfera jurídica do aqui A., fazendo cessar um anterior comissão de serviço que remonta ao tempo da anterior Administração do Hospital de São M....
Ter-se-á de entender, portanto, que o acto em questão é impugnável, improcedendo a primeira excepção divisada/suscitada.
Quanto à caducidade do direito de agir:
O novo contencioso administrativo não de estrita anulação mas antes de condenação à prática do acto devido. Extirpa-se da ordem jurídica um acto inquinado de um qualquer vício, mas apenas com a finalidade de o substituir por um outro que reponha a legalidade.
Aqui, o Autor visa que o tribunal determine o réu a praticar um acto que reponha a legalidade, neste caso a sua reinstituição como Director de Serviço.
Para tal será necessário, no entanto, extirpar da ordem jurídica o acto praticado pela Comissão Executiva, aliás pelo seu Presidente, comunicado ao A. em 26.05.2010, segundo o qual o A. seria substituído nessas funções pelo Dr. FV. Tal acto vem na sequência do seu afastamento dessas funções, fruto da deliberação da Comissão Executiva, em 14.05.2010.
Ora:
A acção administrativa especial deve ser intentada no prazo de três meses após a notificação (ou conhecimento do mesmo, nos termos das alíneas do nº 3 do art.º 59º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) do acto em crise – cfr. nº 2 do art. 58º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
O Autor pretende que o acto em crise é, em primeira linha nulo, alegando que o mesmo carece em absoluto de forma legal.
O Código do Procedimento Administrativo, de resto, neste seu art.º 133º tem o elenco dos actos que se poderão reputar de nulos:
“1 – São nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade.
2 – São, designadamente, actos nulos:
a) Os actos viciados de usurpação de poder;
b) Os actos estranhos às atribuições dos ministérios ou das pessoas colectivas referidas no artigo
2.° em que o seu autor se integre;
c) Os actos cujo objecto seja impossível, ininteligível ou constitua um crime;
d) Os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental;
e) Os actos praticados sob coacção;
f) Os actos que careçam em absoluto de forma legal;
g) As deliberações de órgãos colegiais que forem tomadas tumultuosamente ou com inobservância do quórum ou da maioria legalmente exigidos;
h) Os actos que ofendam os casos julgados;
i) Os actos consequentes de actos administrativos anteriormente anulados ou revogados, desde que não haja contra-interessados com interesse legítimo na manutenção do acto consequente.”
(negrito, itálico e sublinhados serão sempre nossos)
Conclui-se, no entanto, que o vício em questão não está correctamente enquadrado, uma vez que inexiste qualquer forma própria/legalmente prescrita para o acto em crise. O mesmo adoptou uma forma, uma sequência (procedimental) própria, que foi idónea a prosseguir os efeitos pretendidos: afastar o A. das funções que vinha desempenhando.
Questão diferente é se a tramitação seguida para consecução do objectivo visado foi observada. No entanto, tal consubstanciará, mera e potencialmente, uma anulabilidade do acto em crise. Está subjacente o mesmo raciocínio acima empreendido no tocante à conclusão pela impugnabilidade do acto sindicado.
Isto posto, não estando em causa, portanto, um caso de nulidade, teremos de nos reconduzir à mera anulabilidade, nos termos do disposto no art.º 135º do Código do Procedimento Administrativo que nos diz que:
“São anuláveis os actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção.”
Teremos, por isso, de atentar no que nos diz, não o n.º1, mas sim o n.º 2 do art.º 58º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, em relação ao prazo de impugnação de actos anuláveis:
(…)
2 - Salvo disposição em contrário, a impugnação de actos anuláveis tem lugar no prazo de:
a) Um ano, se promovida pelo Ministério Público;
b) Três meses, nos restantes casos.
(…)
Conforme se retira dos factos provados, acima, o(s) acto(s) em crise, datam de 14.05.2010 e 26.05.2010, tendo, na pior das hipóteses, chegado ao conhecimento do Autor nessas mesmas datas como o mesmo admite, quer na p.i. quer no articulado de resposta às excepções aventadas.
Por sua vez, a p.i. que deu origem à presente acção só foi remetida a este T.A.F. em 14.10.2010 (excedido, portanto, o prazo de três meses legalmente previsto, nos termos supra, que terminaria a 11.10.2010, se contássemos que o prazo contaria somente desde 26.05.2010, data da comunicação ao A. do “último acto”).
Isto posto:
Conclui-se, assim, que deve proceder a excepção dilatória de caducidade do direito de agir, equacionada.
Esta conclusão determina, forçosamente, a impossibilidade de apreciação dos demais pedidos, cumulativamente deduzidos, porque dependentes da prévia apreciação/procedência da (i)legalidade daquele(s) acto(s).
Deste modo:
Porque se afere que a presente acção se mostra intempestivamente deduzida neste Tribunal, procede a suscitada excepção atinente à caducidade do direito de acção, nos termos do disposto no art.º 89º, nº 1, al. h), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, com a consequente absolvição do(s) Réu(s) da instância.

Um primeiro ponto de ordem.
Qual o acto impugnado?
O art.º 78º, nº 2, d), do CPTA, dá comando para que na petição, deduzida por forma articulada, deva o autor identificar o acto jurídico impugnado, quando seja o caso.
O autor - e não interessa agora com que apuramento de intenção assim aconteceu - não o fez.
E o tribunal “a quo”, na economia com que decidiu, também não sentiu necessidade de convidar ao esclarecimento, supondo indistintamente o que vem em 6. do probatório ou também cumulativamente o que aí vem em 5., para o efeito de aferir da tempestividade da acção.
No que vem em p. i. só em extrapolação se descortina alguma luz quando a propósito do que se passou a 14/05/2010 o autor expressa ter entendido “que esta seria uma situação provisória (…)”(artºs. 31º da p. i.) até se ver confrontado com o comunicado de 26 de Maio de 2010 “O que espantou o ora Autor! Que nunca foi informado que iria sair de Director de Serviço” (artºs. 36º e 37º da p. i.), e só em resposta que deu às excepções e no corpo de alegações de recurso dá o autor decisiva nota, quando refere que “o acto foi praticado em 26/05/2010” (ponto 3º de req. de resposta) e que “tomou primeiro contacto com a decisão que constitui o objecto da presente Acção – que o removeu das suas funções directivas – através de um comunicado interno, divulgado em 26 de Maio de 2010, atribuído à Comissão Executiva” (ponto 8º das alegações).
Pelo que, coerentemente, não pode ter-se como acto impugnado aquele em que a “a 14 de Maio de 2010 o Autor foi chamado para uma reunião com a Comissão Executiva, onde foi informado que iriam proceder a algumas averiguações dentro do Serviço em que o mesmo era Director e que por decisão da Comissão Executiva, a partir daquela data – a 14 de Maio de 2010 -, a Direcção de Serviço de O passava a ser assumida interinamente pelo Presidente do Colégio Clínico, Dr. MC”.
Se teve primeiro contacto com a decisão que constitui o objecto da presente acção em 26 de Maio de 2010, excluído está que possa querer referir-se ao que lhe foi comunicado em 14 de Maio de 2010.
No que é princípio da auto-responsabilidade das partes, conformador da verdade material e da realização da justiça - na medida em que as próprias partes também aí contribuam -, é então por referência ao que o autor/recorrente adquiriu em notícia a 26 de Maio de 2010, que teremos que averiguar da tempestividade da acção, hipótese que, para o efeito, acabou por ser (também, e no que mais favorável, no ponto, poderia ser para o autor) concretamente levada em linha de conta, de entre o que se podia cogitar, pelo tribunal “a quo”.
Que o recurso não impugna, e a que, antes pelo contrário, como se viu, dá acolhimento.
Posto isto.
Considerou o tribunal “a quo” «O Autor (A.) pede que se declare a nulidade o acto do Presidente da Comissão Executiva, HAAM, segundo o qual “[...] o Dr. FV integra a partir de Junho a equipa de O… como Director de Serviço com a missão de liderar o desenvolvimento da actividade e de potenciar a diferenciação contínua deste Serviço.”.».
Não é, assinale-se, exactamente assim, ou com a aparência que um olhar mais ao de leve se deixe sugestionar.
O que o autor peticionou a final da acção foi “A DECLARAÇÃO DE NULIDADE DA DECISÃO DE CESSAÇÂO DA COMISSÃO DE SERVIÇO (…)”.
E há um “distinguo” a fazer, que o próprio autor também não deixa de estabelecer quando refere que o dito “primeiro contacto com a decisão que constitui o objecto da presente acção” teve-o quando “foi confrontado com um comunicado interno” (art.º 34º da p.i.) “divulgado em 26 de Maio de 2010, atribuído à Comissão Executiva” (ponto 8º das alegações).
Não peticionou a nulidade do próprio comunicado (acto instrumental), antes a decisão que por ele diz ter adquirido primeira notícia.
E que, tanto quanto se extrai (pela configuração com que as coisas vêm narradas em p. i. não existiu um acto a se, expressamente declarando cessada a comissão de serviço), fazendo coincidir o que apelida de remoção de funções com a designação do Director de Serviço a que a aludida comunicação interna se refere.
Imputou-lhe, entre o mais (não cuidou a decisão de ter em atenção o que em causa mais também vinha em sustento de nulidade), nulidade por carência de forma legal.
O tribunal “a quo” entendeu que «o vício em questão não está correctamente enquadrado, uma vez que inexiste qualquer forma própria/legalmente prescrita para o acto em crise».
Mas a lógica de decisão não podia ter enveredado por tal caminho.
Que em conhecimento de meritis o tribunal possa, ou não, vir a concluir que “inexiste qualquer forma própria/legalmente prescrita” isso é sustento que (já) não respeita à questão da tempestividade.
«Se o recorrente assevera que os vícios por si arguidos acarretam a nulidade do acto, deve a extemporaneidade do recurso averiguar-se através da formulação de um juízo hipotético, sob forma condicional, em que se determine qual é, na eventualidade de os vícios existirem, a forma de invalidade que lhes corresponde» - cfr. Acs. do STA : Pleno, de 13-10-2004, proc. nº 0424/02; de 02-06-2005, proc. nº 307/2005; de 05-05-2007, proc. nº 0275/07.
Ora, como resulta da própria decisão sob recurso, entre as causas que avultam como razão de nulidade está a carência em absoluto de forma legal (art.º 133º, nº 2, e), do CPA).
Assim, não pode concluir-se pela caducidade do direito de acção.
II) – Da Inimpugnabilidade
Já quanto à ampliação do recurso a requerimento da recorrida, tocando a questão da inimpugnabilidade em que ficou vencida, julga-se não ter razão.
A recorrida faz defesa de não existir qualquer acto administrativo e impugnável, por a recorrida ser uma entidade privada, a qual após a celebração do Contrato de Gestão e a subsequente transmissão do estabelecimento hospitalar, apenas pratica actos de gestão privada, nunca lhe tendo sido atribuídos quaisquer poderes públicos de modo a que pudesse exercer uma actividade materialmente administrativa.
Dita o art.º 51º, nº 2, do CPTA que são igualmente impugnáveis as decisões materialmente administrativas proferidas por autoridades não integradas na Administração Pública e por entidades privadas que actuem ao abrigo de normas de direito administrativo.
Esta equiparação cabe ao caso.
No modo de agir da demandada tem ela de seguir bitola dada pelo Decreto-Lei n.º 185/2002, de 20 de Agosto («Define o regime jurídico das parcerias em saúde com gestão e financiamentos privados»), com as suas alterações, que vincula que “O estabelecimento afecto ao contrato de gestão deve garantir, nomeadamente, a aplicação do regime disposto em diplomas que definam o regime legal de carreira de profissões da saúde (…)” (art.º 9º, nº 2).
Esta, a par de outras, “«grosso modo», regras atributivas de competência para o exercício do «jus imperii» (cf. Esteves de Oliveira, CPA Comentado, 2.ª ed., pág. 560)”, na expressão do Ac. do STA de 03-04-2014, proc. nº 01734/13 (no qual a recorrida também aí foi parte, a respeito de questão de pessoal).
Recorde-se que o autor integrava os quadros do Hospital; foi o A. empossado na Direcção do Serviço de O…; advindo agora um acto de gestão praticado no âmbito dos poderes da demandada na relação jurídica de emprego público.
Regulava o DL nº 73/90, de 6/03 (diploma relativo ao regime legal das carreiras médicas dos serviços e estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde), aquando desse provimento em comissão de serviço (cfr. DR junto com a p. i., de 21/03/2006, II Série, Aviso nº 767/2006, assinalando “efeitos a partir de 1 de Fevereiro de 2006”).
Vindo a suceder-se novo regime legal.
A actuação da recorrida agora sindicada em juízo, que o autor tem como interferindo na continuidade/cessação da comissão de serviço, implica com questão de estatuto que indubitavelmente faz apelo de aplicação a normas de direito administrativo, que à ré cumpre observar.
Se, na verdade, o acto impugnado ditou dessa cessação, ou se, como assinala o tribunal “a quo”, antes resulta de pretérito o “afastamento dessas funções, fruto da deliberação da Comissão Executiva, em 14.05.2010”, ou mesmo se nenhum “afastamento” existiu por a comissão de serviço ter atingido, pelo decurso do tempo, caducidade (ou, noutra hipótese, ponderando em que medida o Contrato de Gestão, influindo na estrutura organizativa, possa ter ditado uma impossibilidade de manutenção dessa comissão de serviço), na ausência de comprovada renovação, apenas se mantendo o autor em funções de forma não titulada, precária, isso são contas doutro rosário, já de mérito, que não decidem da impugnabilidade.
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Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso do autor, negando provimento à requerida ampliação da ré.
Custas: pela recorrida.
Porto, 6 de Novembro de 2014.
Ass.: Luís Migueis Garcia
Ass.: Frederico Branco
Ass.: João Beato Sousa