Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00490/14.4BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/11/2015
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Esperança Mealha
Descritores:CONTRATAÇÃO PÚBLICA;
SANAÇÃO IRREGULARIDADE FORMAL;
ASSINATURA ELECTRÓNICA;
PODERES REPRESENTAÇÃO
Sumário:I – A falta de apresentação da procuração (pela qual o concorrente outorgou ao procurador os poderes necessário para agir nos termos dos artigos 57.º/1-a)/4 do CCP e 27.º/3 da Portaria n.º 701-G/2008) constitui uma irregularidade formal que deve poder ser sanada, em vez de conduzir irremediavelmente à exclusão da proposta, por estar em causa uma formalidade ad probationem cujo cumprimento tardio não tem a virtualidade de alterar a proposta, não afetando a sua intangibilidade ou, pelo menos, à qual não deve ser atribuída força invalidante.
II – A referida irregularidade formal não se inclui no elenco de causas de exclusão da proposta, estipulado no artigo 146.º/2 do CCP, e a sua sanação não afeta a tipicidade do procedimento de concurso público, não exigindo a criação de uma etapa procedimental, não prevista.
III – Os princípios da proporcionalidade e do “favor” do procedimento, apontam para a necessidade de afastar, como norma do caso, uma solução de exclusão da proposta que, em concreto, se mostra irrazoável, desnecessária e desadequada e determinam uma interpretação das regras do Código dos Contratos Públicos e da Portaria n.º 701-G/2008 no sentido de admitirem “válvulas de escape”, que permitam evitar a exclusão de uma proposta cuja valia não vem questionada e a exclusão de um concorrente cuja vontade firme de contratar não é posta em causa, apenas como decorrência de uma irregularidade formal.*
*Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:C-Construções, SA
Recorrido 1:Município de L... e Outro(s)...
Votação:Maioria
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte
1. Relatório
1.1. C...-CONSTRUÇÃO S.A, interpõe recurso jurisdicional do acórdão do TAF de Coimbra que julgou improcedente a ação de contencioso pré-contratual que intentou contra o MUNICÍPIO DA L..., absolvendo-o do pedido, e em que indicou como contrainteressados Ctc...- Construção e Engenharia S.A, ICS, Lda; CG – Obras Públicas, Construção Civil e Montagens Eléctricas, Lda: A.M.C. & B…, Lda; JRS e Filhos, Lda; CV...- Obras Públicas, S.A, Sociedade de Construções E..., Lda; e DJM & Irmão, Lda.
A Recorrente termina as respetivas alegações com as seguintes conclusões:
1. Atenta a matéria de facto dada como provada [factos provados 3 e 4] não há fundamento para se excluir a proposta da Recorrente, porquanto esta apresentou junto com a sua proposta a declaração a que se refere o art.º 57º, n.º 1, alínea a), do CCP e cumpriu o disposto no n.º 4 da mesma norma, pois a Sr.ª CJDF tinha poderes para assinar a referida declaração.
2. O documento a que se refere o art.º 27º, n.º 3, da Portaria n.º 701-G/2008, de 29 de Julho, não constitui um documento de apresentação obrigatória com a proposta, ao contrário do que refere o Tribunal a quo, nem constitui motivo de exclusão da proposta.
3. Como já decidiu este Tribunal (Acórdão de 22-06-2011, processo n.º 00770/10.8BECBR), o ónus de submeter na plataforma o documento a que se refere o 27°, n.° 3 da Portaria n.° 701-G/2008, “não constituiu um requisito de validade material e intrínseca da proposta mas apenas uma exigência formal”, sendo que é a violação da exigência substantiva, essa sim, que constitui motivo de exclusão da proposta e no caso da proposta da Recorrente sempre esteve cumprida (cfr. artigos 57º, n.º 4 e 146º, n.º 2, alínea e) do CCP).
4. Como tal, não estamos perante um documento cuja apresentação seja obrigatória no momento da submissão da proposta, sendo possível ao concorrente juntá-lo após pedido de esclarecimento do júri do concurso, se for o caso, ou por maioria de razão, em sede de audiência prévia ao segundo relatório preliminar, nos termos do art.º 72º do CCP.
5. De facto, não só o art.º 72º do CCP constitui um verdadeiro poder-dever da entidade adjudicante, como, fundamentalmente, no caso em apreço, ao abrigo do que ali se dispõe, a Recorrente poderia apresentar, como apresentou, na audiência prévia do concurso a procuração exigida para confirmar os poderes de representação do assinante da sua proposta, uma vez que tal procuração apresentada nesse momento não contraria os elementos constantes dos documentos que constituem a proposta, não altera ou completa os respectivos atributos da proposta, nem visa suprir omissões que determinam a exclusão da sua proposta nos termos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 70º.
6. O instrumento de mandato a fls. 61 é claro ao conferir, por quem tem poderes para obrigar a Sociedade, designadamente o Presidente do Conselho de Administração, à mandatária os poderes para apresentar e assinar a declaração de aceitação do conteúdo do Caderno de Encargos, utilizando para o efeito o seu certificado de assinatura electrónica qualificada.
7. Em qualquer caso, mesmo que a Sr.ª CJDF não tivesse poderes para assinar a declaração do art.º 57º, n.º 1, alínea a) do CCP, o que não é o caso, deveria o júri do concurso também aí ter dado cumprimento ao disposto no art.º 72º, n.º 1, do CCP, em vez excluir a proposta da Recorrente sob pena de tal decisão ser manifestamente desproporcional e consequentemente violadora dos artigos 266º, nº 3, da CRP e 5º, nº 2, do CPA, como também já decidiu este Tribunal no Acórdão datado de 22-10-2010, no processo n.º 00323/10.0BECBR.
8. De resto, tal mais não seria do que, além de se dar cumprimento ao disposto no art.º 72º, nº 1, do CCP e ao princípio da proporcionalidade, aceitar, até e no limite, a ratificação pela Recorrente do acto praticado pelo procurador, nos termos gerais previstos para os negócios jurídicos nos artigos 268º ou 471º do Código Civil.
9. Por fim, o acórdão proferido pelo STA em 09.04.2014 no processo nº 40/14 citado pela sentença recorrida não se aplica nos autos, porquanto no caso aí em apreço no STA a declaração a que se refere o art.º 57º, nº 1, alínea a), do CCP foi emitida pela gerência do concorrente, mas apresentada por procurador; no caso dos autos, a declaração a que se refere o art.º 57º, nº 1, alínea a), do CCP foi emitida por procurador com poderes outorgados pelo Presidente do Conselho de Administração da Recorrente precisamente para esse efeito, cf. resulta dos docs. 2, 5 (procuração no fim) e 7 juntos com a PI.
10. Termos em que, a sentença recorrida, mantendo o acto de exclusão da proposta da Recorrente com os fundamentos nela constantes, violou o disposto nos artigos 146º, n.ºs 1 e 2, 57º, n.ºs 1, alínea a), e 4, do CCP e 27º, n.º 3, da Portaria n.º 701-G/2008, de 29 de Julho, bem como o princípio da legalidade, previsto no art.º 3º, n.º 1, do CPA, e o princípio da proporcionalidade previsto nos artigos 5.º, n.º 2, do CPA e 266º, n.º 3, da CRP, e ainda os artigos 268º ou 471º do Código Civil.
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1.2. O Recorrido Município da L... contra-alegou, concluindo o seguinte:
1. A Apelante entende que, ao ter apresentado a procuração junta como Doc. 8 da p.i., tal constituiria documento idóneo para atestar a qualidade de quem assinou a proposta, sanando assim a evidente falta de legitimidade da sua subscritora.
2. Acontece que, da análise cuidada do teor literal da procuração junta como Doc. 8 da P.I., datada de 28-02-2014, retira-se que a mesma não constitui documento idóneo para aferir dos poderes de representação da subscritora da proposta.
3. De facto, tanto a declaração de aceitação do conteúdo do caderno de encargos como a proposta apresentada pela ora Apelante, vêm elaborados e subscritos por CJDF na qualidade de sua representante legal.
4. Ou seja, a declarante surge nesses documentos como se fosse administradora da Apelante, nunca sendo mencionada a qualidade que viria posteriormente a ser invocada – a de mera procuradora.
5. Em face da observação e análise da certidão permanente da Apelante, e perante a constatação de que efetivamente a sua alegada “representante legal” da Apelante, o não era, o júri pugnou pela exclusão da proposta da ora Apelante, nos termos expressamente previstos no artigo 146.º n.º 2 alínea e) do CCP.
6. Só nessa sequência, e após relatório preliminar, é que a Apelante veio apresentar uma procuração emitida em favor da pessoa que subscreveu e submeteu os documentos na qualidade de “legal representante”.
7. Acontece que essa procuração apenas confere poderes para proceder à apresentação e assinatura electrónica da proposta e dos documentos que a acompanham, designadamente a declaração de aceitação do conteúdo do caderno de encargos, utilizando para o efeito a sua assinatura electrónica qualificada.
8. Pelo que resulta claro e inequívoco que a procuração apresentada se limitava a conferir poderes para submeter documentos na plataforma electrónica onde correria o procedimento contratual, não conferindo à procuradora o poder de, isoladamente e por mão própria, obrigar a sociedade.
9. Razão pela qual, ainda que se entendesse que tal procuração pudesse sanar a exigência imposta pelo artigo 27.º n.º 3 da Portaria n.º 701-G/2008, de 29/7, jamais a mesma seria idónea para poder considerar cumprido o dever imposto no artigo 57º, n.º 4, do CCP, atinente à vinculação da vontade da Apelante, ou seja, poderes para a vincular e obrigar.
10. De facto, não é confundível a assinatura da declaração prevista no art. 57º, n.º 1, al. a), do CCP, indispensável à enunciação da vontade de contratar, com a assinatura digital dos documentos por terceiro, necessária para carregá-los na plataforma electrónica.
11. Acresce que a questão da legitimidade para vincular o concorrente é um requisito essencial, estando vedado ao Júri do concurso a possibilidade de convidar o concorrente a corrigir a sua proposta, pois tal está desde logo vedado pela lei.
12. Com efeito, do artigo 72° do CCP resulta a possibilidade de o Júri pedir quaisquer esclarecimentos sobre as propostas apresentadas que considere necessários para a sua análise e avaliação, desde que, “não contrariem os elementos constantes dos documentos que as constituem, não alterem ou completem os respetivos atributos, nem visem suprir omissões que determinam a sua exclusão nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 70.º”.
13. Ora, a falta de cumprimento do disposto no n° 4 do artigo 57° do CCP, determina precisamente a exclusão da proposta, nos termos expressos no artigo 146°, n.º 2 alíneas d) e e).
14. Uma vez apresentada uma proposta, a mesma não pode ser alterada, e ainda que seja objeto de esclarecimentos, estes, como vimos, jamais podem alterar os atributos ou contrariar os elementos constantes das propostas.
15. Pelo que no caso em apreço, convidar o concorrente, ora Apelante, a juntar novo documento (procuração idónea) seria ultrapassar os limites dos esclarecimentos previstos no artigo 72° do CCP em clara violação dos princípios da intangibilidade das propostas e da igualdade dos concorrentes.
16. Pelo exposto, e com o devido respeito, entende o Apelado que nenhuma censura pode ser assacada ao Tribunal a quo, devendo o presente recurso ser julgado igualmente improcedente e confirmada a sentença recorrida.
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1.3. A Recorrida CTC... - Construção e Engenharia, S.A., contra-alegou e formulou as seguintes conclusões:
A. Da análise do n.º 3 do artigo 27º, da Portaria 701-G/2008 com o n.º 4 do artigo 57º e n.º 1 e 4 do artigo 62º do CCP, resulta inequivocamente a obrigatoriedade dos concorrentes submeterem a declaração de aceitação do conteúdo do caderno de encargos assinada electronicamente pela pessoa que tenha poderes para obrigar, sendo que nos casos em que o assinante do documento não possa ser directamente relacionado com a sua função e poder de assinar deve ser junto documento electrónico oficial onde constem os poderes de representação;
B. Estando esta exigência relacionada com a importância do conteúdo do documento a que alude a al. a) do n.º 1 do artigo 57º do CCP, desde logo, em observância ao disposto nos artigos 57º, n.º 1, al. a) e n.º 4, 146º, n.º 1 e 2, ambos do CCP e 27º, n.º 3 da Portaria 701-G/2008, de 29 de Julho, a inexistência de tal documento na proposta apresentada conduz à exclusão do concorrente;
C. O documento “Procuração” não apresentado em sede de apresentação de proposta, não poderia ser apresentado em momento posterior nem poderia ser objecto de pedido de esclarecimentos por parte da entidade adjudicante, sob pena de violação dos princípios da legalidade, da igualdade, da concorrência;
D. O documento “Procuração” apresentado pela Recorrente não confere poderes à mandatária para vincular a Sociedade concorrente ao conteúdo do caderno de encargos, mas tão só para “proceder à apresentação e assinatura electrónica da proposta e dos documentos que a acompanham”, não resultando do documento que a Senhora CJDF tinha poderes para vincular a sociedade, como a al. a) do n.º 1 e n.º 4, do artigo 57º do CCP exige, razão pela qual a proposta do ora Recorrente não cumpriu o disposto no Art.57º nº4 do CCP, bem tendo decidido a D. Sentença Recorrida ao manter a exclusão da proposta da ora Recorrente.
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1.4. O Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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2. Objeto do recurso
No presente recurso cabe decidir se o acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento, quando confirmou (não julgando inválido) o ato do júri do concurso que excluiu a proposta apresentada pela Recorrente ao concurso de empreitada de obras públicas referente à “Construção de Acesso às Instalações da Nova Escola”. A proposta da Recorrente foi excluída, ao abrigo do artigo 146.º/1-e) do CCP, com dois fundamentos distintos: por um lado, considerou-se que a proposta da Recorrente violava o artigo 57.º/1-a)/4 do CCP por ter sido apresentada e assinada na plataforma electrónica, não pela própria, mas por terceira pessoa, que invocou a qualidade de representante legal, que não detinha, e a quem fora outorgada procuração que não conferia os poderes necessários para vincular a concorrente, subscrevendo a declaração de concorrente de aceitação do conteúdo do caderno de encargos; e, por outro lado, entendeu-se que a proposta da Recorrente infringiu o citado artigo 57.º/1-a)/4 do CCP e também o artigo 27.º/3 da Portaria n.º 701-G/2008, porque a dita procuração não foi incluída com os documentos da proposta, submetidos na plataforma electrónica, mas apresentada tardiamente no decurso do procedimento, pelo que essa falta sempre determinaria a exclusão da proposta.
São estas as duas questões que cumpre apreciar no presente recurso.
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3. Factos
3.1. O acórdão recorrido deu como assentes os seguintes factos:
1) Foi publicitado no DR, II série, de 7 de Fevereiro de 2014, anúncio de procedimento n.º 599/2014, referente a uma empreitada designada: “ Construção do Acesso às Instalações da Nova Escola” (fls. 23 e sgs, que aqui se dão como inteiramente reproduzidas);
2) Foi junta, a fls. 23 e sgs., que aqui se dão como inteiramente reproduzidas, Certidão Permanente de Registo Comercial referente à Autora;
3) A Autora foi opositora ao concurso e apresentou declaração de concorrente de fls. 57 e sgs. onde se refere “1. CF [e não “Catarina”, como por lapso se refere no acórdão recorrido] JDF, portadora do cartão de Cidadão n.º 1... e residente….tendo tomado inteiro e perfeito conhecimento do caderno de encargos relativo à execução do contrato a celebrar na sequência do procedimento de “Construção do Acesso às instalações da Nova escola”, declara, sob compromisso de honra que se obriga a executar o referido contrato em conformidade….”. A assinatura digital consta a fls. 60 (fls. 57-60 que aqui se dão como inteiramente reproduzidas);
4) Com data de 28 de Fevereiro de 2014 foi emitida Procuração pela Autora a favor de CF [e não “Catarina”, como por lapso se refere no acórdão recorrido] JDF, de fls. 61 e que aqui se dá como inteiramente reproduzida;
5) No âmbito do concurso referido em 1. foi elaborado relatório preliminar, tendo a Autora sido ordenada em primeiro lugar com o valor da sua proposta; € 142 562,46 (fls. 33 e sgs.);
6) No âmbito do concurso referido em 1 foi elaborado segundo relatório preliminar onde consta:…4. Da declaração a que alude a alínea a) do n.º 1 do artigo 57º do CCP. O artigo 57º, n.º 1 alínea a) dispõe que a proposta é constituída pelos seguintes documentos: a) declaração do concorrente de aceitação do conteúdo do caderno de encargos, elaborada em conformidade com o modelo constante do anexo I ao presente código, do qual faz parte integrante”…No caso em estudo a declaração a que se refere a al. a) do n.º 1 do artigo 57º do CCP, da concorrente C...- construção SA foi assinada por CJDF, “na qualidade de representante legal”. Todavia foi utilizado para assinatura o certificado qualificado do cartão de cidadão. Nos termos do n.º 3 do artigo 27º da Portaria n.º 701-G/2008, de 29 de Julho, “nos casos em que o conteúdo digital não possa relacionar directamente o assinante com a sua função e poder de assinatura deve a entidade interessada submeter à plataforma um documento electrónico oficial indicando o poder de representação e assinatura do assinante. Tal documento não foi junto pelo concorrente C...- Construção SA”;… Face a todo o exposto, tendo em consideração o afirmado no ponto 4. do presente documento, relativo à declaração a que alude a alínea a) do n.º 1 do artigo 57º do CP e com fundamento no n.º 1 do artigo 148º do CCC o júri deliberou: a) excluir a proposta apresentada pelo concorrente C...- Construção SA” (fls. 38-46);
7) A Autora exerceu o seu direito de audiência prévia como consta a fls. 47 e sgs;
8) Foi elaborado Relatório Final onde se refere: “….Face a todo o exposto, mostrando-se o relatório final elaborado pelo júri, em conformidade com o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Administrativo, entende o Júri manter a exclusão do concorrente C...– Construção SA, com fundamento na alínea e) do n.º 2 do artigo 146º em conjugação com o n.º 4 do artigo 57º , ambos do CCP…” ( fls. 52 e sgs)”.
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3.2. Ao abrigo dos artigos 662.º/1 e 665.º/1/2 do CPC/2013, aditam-se os seguintes factos, que se encontram documentados nos autos e são relevantes para a decisão:
9) A “Declaração de Concorrente”, acima referida no ponto 3), tem data de 28.02.2014 e o seguinte teor, na parte relevante:
DECLARAÇÃO DE CONCORRENTE
[a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 57.º do CCP, com as alterações introduzidas pelo DL 149/2012 de 12 de Julho]
1 - CJDF, portadora do Cartão de Cidadão nº 1... e residente em …, na qualidade de representante legal de C...- Construção, S.A., com número de identificação fiscal 5... e sede em Aldeia de Nogueira, titular do Alvará de Construção n.º 29317, tendo tomado inteiro e perfeito conhecimento do caderno de encargos relativa a execução do contrato a celebrar na sequência do procedimento de "Construção do Acesso às Instalações da Nova Escola", declara, sob compromisso de honra, que se obriga a executar o referido contrato em conformidade com o conteúdo do mencionado caderno de encargos, relativamente ao qual declara aceitar, sem reservas, todas as suas cláusulas.
2- Declara também que executará o referido contrato nos termos previstos nos seguintes documentos, que junta em anexo: (...)” (cfr. doc. fls. 57/60 dos autos em suporte de papel)
10) A procuração, acima referida no ponto 4), tem data de 28.02.2014 e o seguinte teor:
“PROCURAÇÃO
C...- Construção, S.A,, pessoa colectiva n.º 5..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de OH, com o capital social de 600.000,00€, com, sede em …, titular do alvará de construção n9 29317, neste acto devidamente representada por CMIP, na qualidade de Presidente do Conselho de Administração, confere a CJDF, titular do Cartão de cidadão n.º 1..., válido até 28 de julho de 2014, com o número de identificação fiscal 2...,com domicílio profissional na sede da mandante, os poderes necessários para, em nome e representação da mandante, proceder à apresentação e assinatura electrónica da proposta e dos documentos que a acompanham, designadamente a declaração de aceitação do conteúdo do caderno de encargos, no âmbito do Concurso Público Construção do Acesso às instalações da Nova Escola, utilizando para o efeito a sua assinatura electrónica qualificada, nos termos previstos no Código dos Contratos Públicos.
OH, 28 de fevereiro de 2014
Assinatura (CMIP)” (cfr. doc. fls. 61 dos autos em suporte de papel).
11) Em 19.03.2014 o júri do concurso elaborou “Relatório Preliminar”, no qual, além do mais, propôs que em função do critério de adjudicação (“Mais baixo preço”) fosse graduada em 1.º lugar a aqui Recorrente C..., SA, e em 2.º lugar a aqui contra-interessada Ctc..., SA; e determinou que se procedesse à audiência prévia dos concorrentes, nos termos do artigo 147.º do CCP (cfr. doc. fls. 33/36 dos autos em suporte de papel).
12) Em 26.03.2014 a concorrente Ctc..., SA, pronunciou-se em sede de audiência prévia, invocando, além do mais, que “Analisada a declaração junta pelo concorrente C..., SA, verificamos que a mesma vem assinada pela Exma. Senhora CJDF. Não obstante o concorrente não juntar certidão permanente, verificamos que a pessoa indicada não é administradora do concorrente, nem é junta procuração que habilite a signatária da declaração para obrigar o concorrente nos termos mencionados, concluindo-se que a declaração constante do Anexo I ao CCP foi assinada por quem não tinha poderes para vincular o concorrente, em clara violação do n.º 4 do artigo 57.º do CCP” (cfr. doc. fls. 39 dos autos em suporte de papel).
13) Em 23.05.2014 o júri do concurso elaborou “Segundo Relatório Preliminar” no qual, em apreciação da pronúncia da concorrente Ctc..., SA, conclui, além do mais, o seguinte:
4. Da declaração a que alude a alínea a) do n.º 1 do artigo 57.º do CCP
O artigo 57.º, n.º 1, al. a) dispõe que a proposta é constituída pelos seguintes documentos:
“a) Declaração do concorrente de aceitação do conteúdo do caderno de encargos, elaborada em conformidade com o modelo constante do anexo I ao presente código, do qual faz parte integrante;”
O n.º 4 da mesma disposição legal acrescenta “ A declaração referida na alínea a) do n.º 1 deve ser assinada pelo concorrente ou por representante legal que tenha poderes para o obrigar”.
O artigo 146.º, n.º 2, al. e), do CCP prescreve que no relatório preliminar o júri deve propor, fundamentalmente, a exclusão da proposta:
“d) Que não cumpram o disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 57.º ou nos n.ºs 1 e 2 do artigo 58.º;”
No caso em estudo a declaração a que se refere a al. a) do n.º 1 do artigo 57.º do CCP, da concorrente C...– Construção S.A., foi assinada por CJDF, “na qualidade de representante legal”. Todavia, foi utilizado para assinatura o certificado do cartão de cidadão.
Nos termos do n.º 3 do artigo 27.º da Portaria n.º 701-G/2008, de 29 de julho, “Nos casos em que o certificado digital não possa relacionar diretamente o assinante com a sua função e poder de assinatura, deve a entidade interessada submeter à plataforma um documento electrónico oficial indicando o poder de representação e assinatura do assinante.”
Tal documento não foi junto pelo concorrente C...– Construção, S.A.” (cfr. doc. fls. 38/46 dos autos em suporte de papel).
14) A concorrente C..., SA, pronunciou-se sobre este segundo relatório preliminar em sede de audiência dos interessados e com a sua exposição juntou a procuração acima referida nos pontos 4) e 10) (cfr. doc. fls. 47/50 dos autos em suporte de papel).
15) Em 25.06.2014 o júri do concurso elaborou o Relatório Final, no qual analisou as alegações da C..., SA, e manteve a decisão de exclusão, nos termos acima referidos no ponto 8) (cfr. doc. fls. 52/56 dos autos em suporte de papel).
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4. Direito
4.1. Poderes da “representante” da concorrente
4.1.1. No acórdão recorrido considerou-se que a procuração outorgada pela Recorrente a favor de CF (que foi quem subscreveu a Declaração de Concorrente a que se refere o artigo 57.º/1-a) do CCP) não lhe atribui os poderes para, em nome da concorrente, declarar a aceitação do caderno de encargos. Concretamente, entendeu-se que “apenas foram conferidos poderes para proceder à apresentação e assinatura electrónica da proposta e não para obrigar a concorrente no que quer que seja para além disso mesmo. Dito de outro modo, apenas foram conferidos poderes para representar a sociedade para efeitos de contratação electrónica, ou seja, para apresentar a documentação necessária a concurso, mas tal Procuração não confere poderes à pessoa a quem foi emitida, que levem a que possa vincular a sociedade concorrente no que se refere à vontade de contratar, o que se pretende com a declaração em causa.
A Recorrente insurge-se contra este entendimento, alegando que a CF tinha poderes para assinar a declaração a que se refere o artigo 57.º/1-a) do CCP e, por isso, cumpriu o disposto no n.º 4 do mesmo preceito legal, uma vez que o instrumento de mandato (procuração) foi emitido por quem tem poderes para obrigar a sociedade e confere à mandatária os poderes para apresentar e assinar a declaração de aceitação do conteúdo do caderno de encargos, utilizando para o efeito o seu certificado de assinatura electrónica qualificada. Mais invoca a inaplicabilidade ao presente caso da jurisprudência contida no Acórdão do STA, de 09.04.2014, P. 040/14, dada a diferença do caso aí tratado e alega que, mesmo que a procuração não conferisse poderes, a proposta da Recorrente não podia ter sido excluída sem que a mesma tivesse sido convidada a ratificar os atos da procuradora, nos termos do artigo 72.º do CCP e dos artigos 268.º a 471.º do CCiv. Conclui que a exclusão da proposta viola os preceitos citados e o princípio da proporcionalidade.
Os Recorridos contrapõem, em síntese, que a decisão recorrida não padece do erro de julgamento de direito que lhe é assacado, uma vez que, quer a declaração de aceitação do conteúdo do caderno de encargos, quer a proposta apresentada pela ora Recorrente, vinham assinadas por CJDF na qualidade de sua representante legal, quando, em face da certidão permanente, o júri constatou que aquela não detinha essa qualidade, razão pela qual o júri do concurso pugnou pela exclusão da proposta em causa, nos termos consignados pelo artigo 146.º/2-e) do CCP. Acrescentam que a procuração apresentada, após o relatório preliminar, apenas confere poderes para proceder à apresentação e assinatura electrónica da proposta e dos documentos que a acompanham e não para vincular a concorrente nos termos exigidos pelo artigo 57.º/1-a)/4 do CCP. Por fim, referem não ser confundível a assinatura da declaração, prevista neste artigo 57.º/1-a), com a assinatura digital dos documentos por terceiro, necessária para carregá-los na plataforma electrónica.
4.1.2. Dos factos provados retira-se o seguinte, na parte aqui relevante:
– A Recorrente C..., SA, concorreu ao concurso público aqui em causa, tendo a respetiva proposta sido submetida na plataforma electrónica por CJDF, que assinou os documentos respetivos, incluindo a declaração de concorrente, datada de 28.02.2014, tendo utilizando nessa assinatura o certificado qualificado do cartão de cidadão;
– Na referida Declaração de Concorrente, a citada CF invocou a qualidade de “representante legal” da Recorrente, fazendo constar que “tendo tomado inteiro e perfeito conhecimento do caderno de encargos relativa a execução do contrato a celebrar na sequência do procedimento de "Construção do Acesso às Instalações da Nova Escola", declara, sob compromisso de honra, que se obriga a executar o referido contrato em conformidade com o conteúdo do mencionado caderno de encargos, relativamente ao qual declara aceitar, sem reservas, todas as suas cláusulas.// 2- Declara também que executará o referido contrato nos termos previstos nos seguintes documentos, que junta em anexo”,
– Com a mesma data de 28.02.2014 a Recorrente, através do Presidente do seu Conselho de Administração, outorgou procuração a favor da CF, através da qual lhe conferiu os “os poderes necessários para, em nome e representação da mandante, proceder à apresentação e assinatura electrónica da proposta e dos documentos que a acompanham, designadamente a declaração de aceitação do conteúdo do caderno de encargos, no âmbito do Concurso Público Construção do Acesso às instalações da Nova Escola, utilizando para o efeito a sua assinatura electrónica qualificada, nos termos previstos no Código dos Contratos Públicos.
4.1.3. Desta factualidade resulta, desde logo, que a procuração outorgada pela concorrente, aqui Recorrente, a favor da referida CF, foi emitida na mesma data em que foi apresentada a proposta, pelo que, quando assinou os documentos da proposta e os submeteu na plataforma electrónica, a referida CF encontrava-se mandatada para o efeito, por ato jurídico materializado na mencionada procuração.
Importa, por isso, saber se a dita procuração conferia à CF todos os poderes necessários para atuar, em nome da Recorrente, apresentando a proposta desta no concurso público (como já referido, o problema da junção tardia da procuração e suas consequências será analisado no ponto seguinte).
Não há dúvidas (nem tal foi questionado no acórdão recorrido) que esta procuração conferia poderes à CF para apresentar e assinar eletronicamente a proposta e os documentos que a acompanham, no âmbito do concurso público em causa, pelo que esta procuração consubstancia um documento que indica o poder de representação e assinatura da referida CF, nos termos e para os efeitos do artigo 27.º/3 da Portaria n.º 701-G/2008 (na medida em que relaciona o assinante e titular do certificado digital com a sua função e poder de assinatura). Acresce que, no caso, não está em causa a genuinidade da assinatura digital da referida CF, a qual não foi questionada. Assim, a este respeito só resta saber se a não inclusão da procuração com os documentos que acompanharam a proposta, apresentada na plataforma electrónica, consubstancia uma violação do citado artigo 27.º/3 e determina a consequente exclusão da proposta (questão abaixo analisada).
Mas, além disso, resulta dos factos provados que esta procuração também conferia expressamente poderes a CF para apresentar e assinar a declaração de aceitação do conteúdo do caderno de encargos, ou seja para apresentar e assinar a declaração a que se refere o artigo 57.º/1-a) do CCP. Ora, ao conferir tais poderes de “apresentar e assinar” a dita “declaração de aceitação”, a Recorrente não estava senão a conferir à sua mandatária os poderes para, em seu nome, aceitar o conteúdo do caderno de encargos, pois outro não pode ser o sentido útil da expressão utilizada. Na verdade, quando se confere poderes para “assinar” uma declaração, cujo conteúdo se identifica como sendo o de uma “declaração de aceitação”, está-se necessariamente a conferir poderes para “aceitar” aquilo que é declarado, ou seja, para vincular o mandante ao objeto da declaração de aceitação do mandatário.
Por isso, tem de concluir-se que, através daquela procuração, a Recorrente também conferiu poderes à CF para, em seu nome, subscrever o compromisso de aceitação do conteúdo do caderno de encargos (em que se traduz a referida declaração de concorrente).
Saliente-se que, nos termos do disposto no artigo 57.º/4 do CCP, a aludida declaração de concorrente pode ser subscrita pelo próprio concorrente ou por um seu “representante que tenha poderes para o obrigar”. Como se salienta, no Acórdão do STA, de 09.04.2014, P. 040/14, esta segunda hipótese refere-se, desde logo, aos concorrentes que sejam pessoas coletivas, uma vez que estas agem através dos titulares dos seus órgãos, com poder de representação (em regra os gerentes ou administradores, consoante o tipo de sociedade comercial em causa), que não podem abdicar desse cargo de representação, embora tal não exclua que “possam fazer-se substituir, ad hoc, por um procurador na expressão da sua prévia vontade de contratar” (na expressão do aresto citado).
No caso em apreço, a sociedade concorrente é uma sociedade anónima, cujos representantes legais são os seus administradores (cfr. artigos 390.º e 391.º do CSC), os quais, embora não possam fazer-se representar no cargo (ressalvados os casos previstos no artigo 391.º/6 do CSC), mantêm a faculdade de nomear mandatários ou procuradores para a prática de determinados atos ou categorias de atos (cfr. artigo 391.º/7 do CSC). No presente caso, foi precisamente o presidente do conselho de administração da Recorrente que, nessa qualidade e em representação da sociedade, outorgou a procuração a favor da mencionada CF, que assim foi constituída como “representante voluntária” (cfr. artigos 262.º e s. do CCiv.) da concorrente para a prática daqueles atos relacionados com a apresentação e assinatura da sua proposta ao concurso público.
Tudo o que ficou dito aponta num único sentido: que, tal como alegado pela Recorrente, a procuração em análise confere poderes à CF, como representante (voluntária) da Recorrente, para subscrever a declaração de concorrente, obrigando a sua representada na aceitação do caderno de encargos, tal como exigido no artigo 57.º/4 do CCP.
A esta conclusão não obsta a circunstância de a procuradora CF ter invocado, na dita declaração de concorrente, a qualidade de “representante legal” da Recorrente. Essa afirmação consubstancia um erro de escrita (artigo 249.º do CCiv), pois quando a referida CF invocou a qualidade de “representante legal” da Recorrente, queria, na verdade, invocar a qualidade de sua “representante” (procuradora ou mandatária), que de facto detinha. Sublinhe-se que tal afirmação errónea ficou confinada ao lapso cometido naquela declaração, pois em nenhum outro documento do concurso a referida CF se intitulou como “representante legal” da concorrente. Trata-se de um erro sobre o conceito técnico-jurídico de “representante legal” ou até de um mero erro de escrita, que não é suscetível de alterar o facto que lhe subjaz e que aqui é determinante: que a CF era efetivamente “representante” da Recorrente e tinha poderes para subscrever a declaração a que se refere o artigo 57.º/1-a) do CCP, vinculando a sua representada à aceitação do conteúdo do caderno de encargos, nos termos do n.º 4 do mesmo preceito legal.
Note-se, ainda, que, como invocado pela Recorrente, o presente caso apresenta dissemelhanças factuais relativamente à situação que foi objeto do citado Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 09.04.2014, P. 040/14. No caso analisado neste aresto discutia-se se uma procuração que conferia “poderes para representar a sociedade para efeitos de contratação electrónica”, conferia os necessários poderes ao representante: em segunda instância, o Acórdão do TCAS, de 07.11.2013, P. 10131/13, entendeu que sim, considerando que a expressão ´contratação electrónica´ constante do texto da procuração carregada na plataforma electrónica para efeitos de instrução documental da proposta apresentada a concurso por um concorrente, atento o disposto no artigo 238.º/1 do CCiv, vale com o sentido de a sociedade comercial ali mencionada conferir poderes bastantes a favor do procurador para representar e obrigar a sociedade nos actos próprios do procedimento pré-contratual referente ao concurso público para adjudicação da empreitada de obras públicas, de acordo com o regime de contratação electrónica do Código dos Contratos Públicos. Mas esta decisão veio a ser revogada pelo citado Acórdão do STA, de 09.04.2014, P. 040/14, no qual se concluiu que tal procuração cingia-se à função de submeter documentos na plataforma electrónica onde correria o procedimento pré-contratual, não conferindo ao procurador o poder de, por si, obrigar a sociedade, nomeadamente subscrevendo a declaração de aceitação do conteúdo do caderno de encargos, cujo texto fora redigido como se ela emanasse da gerência daquela sociedade.
Ora, no caso vertente, tal problema não se coloca, pois, pelas razões referidas, a procuração confere expressamente poderes ao procurador, não apenas para apresentar e assinar a proposta e documentos na plataforma electrónica, mas também para subscrever a declaração de concorrente a que se refere o artigo 57.º/1-a) do CCP e, portanto, para vincular a Recorrente à aceitação do caderno de encargos. Além de que, neste caso, a declaração de aceitação do caderno de encargos foi apresentada e assinada pela procuradora da concorrente, que emitiu tal declaração na qualidade de representante da sociedade concorrente (sendo de desvalorizar, pelos motivos mencionados, o lapso de escrita na sua identificação como “representante legal” em vez de mera “representante”).
Assim, independentemente de aderirmos, ou não, à posição que fez vencimento naquele Acórdão do STA, de 09.04.2014, teremos de assentar que a mesma é inaplicável ao caso em apreço, atentas as diferenças quanto ao teor das procurações que, ali e aqui, foram outorgadas pelos concorrentes a favor dos respetivos representantes, que submeteram a proposta na plataforma electrónica.
4.1.4. Em suma, tendo-se demonstrado que, no caso em apreço, (i) a Recorrente outorgou procuração que conferia à sua representada os poderes necessários para, na data em causa, apresentar a concurso a proposta da Recorrente, assinar eletronicamente todos os documentos da mesma e subscrever a declaração de concorrente contendo o compromisso de aceitação do caderno de encargos; e que (ii) a procuradora da Recorrente subscreveu a declaração de concorrente nessa qualidade de representante (voluntária) e só por erro de escrita ou lapso manifesto, insuscetível de comprometer a validade da declaração, se intitulou sua “representante legal”; inevitável é considerar que o acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento quando considerou que a referida CF não tinha poderes para subscrever a declaração de concorrente, a que se refere o artigo 57.º/1-a)/4 do CCP vinculando a sociedade concorrente no que se refere à vontade de contratar.
Pelo que a proposta da Recorrente não podia ser excluída com fundamento na falta de poderes de representação, que não se verifica, procedendo o recurso nesta parte.
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4.2. Apresentação tardia da procuração – delimitação do problema
Pelas razões expostas no ponto anterior, concluiu-se que a proposta da Recorrente foi apresentada e assinada eletronicamente por terceira pessoa, mandatada para o efeito através de procuração que foi outorgada na mesma data e que conferia os poderes necessários para o mandatário agir em nome do concorrente, aqui Recorrente, concretamente, para, nos termos dos artigos 57.º/1-a)/4 do CCP e 27.º/3 da Portaria n.º 701-G/2008, vincular o concorrente ao compromisso de aceitação do caderno de encargos do concurso público e para apresentar e assinar eletronicamente a proposta e os documentos que a acompanham.
Contudo, ficou também provado que a mencionada procuração não foi junta com os documentos da proposta e apenas em sede de audiência prévia ao teor do segundo relatório preliminar do júri (elaborado na sequência de exposição da contrainteressada que inicialmente ficara graduada em 2.º lugar, atrás da aqui Recorrente) veio a Recorrente apresentar resposta, na qual anexava a mencionada procuração.
O acórdão recorrido considerou que tal circunstância determinava a exclusão da proposta, em suma, porque ao não apresentar atempadamente o documento a que se refere o artigo 27.º/3 da Portaria n.º 701-G/2008, a Recorrente infringiu esta regra; e porque, como decidido, nomeadamente, no Acórdão do STA, de 06.02.2011, P. 01901/11, a audiência prévia não serve para suprir diligências obrigatórias nem permite a junção de documentos que deviam ter sido apresentados em momento anterior; entendendo, ainda, que a situação dos presentes autos não se confunde com a que foi relatada no Acórdão do TCAN, de 22.06.2011, P. 00770/10.8BECBR, porque em tal caso a declaração a que se refere o artigo 57.º/1-a) do CCP fora apresentada por representante legal da concorrente, tendo o júri confirmado tal facto através de elementos extraconcursais.
A Recorrente contesta este entendimento, alegando que o documento a que se refere o artigo 27.º/3 da Portaria n.º 701-G/2008 não constitui um documento de apresentação obrigatória com a proposta, sendo possível a sua junção posterior em sede de esclarecimentos do júri do concurso, nos termos do artigo 72.º do CCP ou, por maioria de razão, em sede de audiência prévia; e que, tal como decidido naquele acórdão do TCAN, o ónus de submeter na plataforma o referido documento “não constitui um requisito de validade material e intrínseca da proposta”. Conclui que a exclusão da Recorrente viola os artigos 57.º/1-a)/4, 72.º e 146.º/1 do CCP, o artigo 27.º/3 da Portaria n.º 701-G/2008, os artigos 268.º a 471.º do CCiv e os princípios da legalidade e da proporcionalidade (artigos 3.º e 5.º do CPA e 266.º da CRP).
Por seu turno, os Recorridos defendem que uma vez apresentada a proposta, a mesma já não pode ser alterada e ainda que seja objeto de esclarecimentos, estes jamais podem alterar os atributos ou contrariar os elementos constantes das propostas, pelo que o documento “procuração”, não apresentado com a apresentação da proposta, não poderia ser apresentado em momento posterior nem podia ser objeto de pedido de esclarecimentos, por tal ultrapassar os limites dos esclarecimentos previstos no artigo 72.º do CCP e violar os princípios da legalidade, da igualdade e da concorrência.
Ficou provado, sem margem para dúvida, que a Recorrente (rectius, a representante da Recorrente que submeteu a proposta e assinou os respetivos documentos na plataforma electrónica) não juntou, com os documentos da proposta, a procuração os poderes de representação da procuradora para apresentar a proposta a concurso, assinar os documentos respetivos na plataforma electrónica e subscrever a declaração de concorrente. Mais se provou que essa falha não foi inicialmente detetada, tendo a Recorrente sido graduada em 1.º lugar no primeiro relatório preliminar do júri. Alertado o júri para a situação, através de exposição da contrainteressada inicialmente graduada em 2.º lugar, veio o mesmo emitir segundo relatório preliminar no qual avançava com a exclusão da proposta da Recorrente por considerar que a mesma violava o disposto nos citados artigos 57.º/1-a)/4 do CCP e 27.º/3 da Portaria n.º 701-G/2008. Perante este segundo relatório preliminar, a Recorrente pronunciou-se em sede de audiência prévia, anexando a procuração acima referida e pugnando pela manutenção da sua proposta no concurso, o que não veio a ser atendido, tendo o júri decidido excluir a Recorrente.
Ou seja, o que faltou na proposta da Recorrente – e que esta supriu em sede de audiência dos interessados – foi a entrega do documento onde se materializou o ato jurídico mediante o qual a Recorrente atribuiu poderes de representação à apresentante da proposta, ou seja, faltou o documento que prova a legitimidade da intervenção de um representante na apresentação da proposta.
Note-se que, no direito civil, a falta de comprovação dos poderes de representação não é suscetível de afetar a validade da declaração negocial proferida pelo representante em nome do seu representado, antes confere ao destinatário da declaração o poder de exigir ao representante que faça prova dos seus poderes, sob pena de a declaração não produzir efeitos (artigo 260.º/1 do CCiv), devendo entender-se que, caso o destinatário da conduta não exija essa comprovação, tal significa que aceitou o representado a praticar o ato, que assim produz efeitos na sua esfera jurídica (v. neste sentido o Acórdão do TRE, de 27.03.2014, P. 1196/10.9TBALR-A.E1).
Tal entendimento não é inteiramente transponível para os procedimentos de contratação pública, onde é exigível que a prova dos poderes de representação seja feita no momento da apresentação da proposta a concurso: essa exigência está subentendida na norma do artigo 57.º/4 do CCP e é expressamente convocada pelo artigo 27.º/3 da Portaria n.º 701-G/2008. Tal não significa, contudo, que o incumprimento dessa exigência seja suscetível de afetar a validade da declaração proferida pelo representante em nome do concorrente, pois a natureza da formalidade preterida mantém-se, quer estejamos no âmbito de relações jurídicas privadas, quer num procedimento administrativo de contratação pública: trata-se, em ambos os casos, da não apresentação do documento capaz de provar os poderes de representação e não de um qualquer vício que afete a validade da representação e, consequentemente, a validade da declaração efetuada pelo representante em nome do representado.
Assim, não sendo a validade da declaração afetada pela falta de prova simultânea dos poderes de representação, o problema que aqui se coloca é o de saber se o incumprimento de tal formalidade deve conduzir inexoravelmente à exclusão da proposta ou se é admissível que a Recorrente possa corrigir essa irregularidade formal, como de facto fez, ao juntar posteriormente a procuração que havia outorgado a favor da pessoa que submeteu a proposta na plataforma electrónica.
Questões semelhantes a esta não têm merecido resposta unânime dos tribunais administrativos e, num número considerável de casos, foi entendido que o incumprimento de certas formalidades relacionadas com a apresentação e assinatura da proposta na plataforma electrónica determinam a exclusão da mesma. Reconheça-se também que a arquitetura legal dos procedimentos de contratação pública, adoptada pelo Código dos Contratos Públicos, é avessa à sanação de irregularidades formais, por muito insignificantes ou inconsequentes que as mesmas sejam.
Contudo, pelas razões que a seguir procuraremos demonstrar, não podemos aderir a um entendimento assente na inevitabilidade de exclusão da proposta, sem qualquer ponderação da proporcionalidade dessa consequência face à natureza e ao tipo de irregularidade concretamente em causa e, precisamente, no caso em apreço, entendemos que a irregularidade formal cometida pela Recorrente é suscetível de sanação, sem que tal belisque as regras ou os princípios gerais que regulam o concurso público de empreitada de obras públicas. Salvo o devido respeito pela posição contrária, afigura-se que outra não pode ser a solução a extrair do regime legal, interpretado à luz dos princípios fundamentais da contratação pública.
Uma vez que a irregularidade aqui em causa se insere num contexto de contratação pública electrónica, é importante começar por lembrar que a plataforma electrónica é um campo fértil para originar irregularidades formais nos procedimentos de contratação pública, sendo já numerosa a jurisprudência produzida a esse respeito. Depois, far-se-á o enunciado das razões pelas quais consideramos que a situação em apreço constitui um dos casos excecionais em que pode admitir-se a sanação da irregularidade formal, sem que tal infrinja as regras e princípios do procedimento de concurso público. Finalmente, haverá que verificar porque é que esta solução, em detrimento da exclusão do concorrente, se impõe por interferência dos princípios da contratação pública, em especial da proporcionalidade e do “favor” do procedimento.
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4.2.1. Irregularidades formais em ambiente de contratação pública electrónica
São conhecidas as vantagens da desmaterialização dos procedimentos de contratação pública (Electronic Public Procurement ou E-Procurement): para além de se inserir numa tendência mundial de generalização do Comércio Electrónico e permitir uma diminuição não desprezível do consumo de papel, a principal razão subjacente à utilização desta forma desmaterializada de contratação prende-se com a transparência que as soluções tecnológicas conferem ao procedimento (cfr. a Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões – Plano de ação para a aplicação do quadro jurídico no domínio dos contratos de direito público por via electrónica, de 13.12.2004; e Manuel Lopes Rocha e Outros, A Contratação Electrónica e o Guia do Código dos Contratos Públicos, Lisboa, s.d., 11 e s.).
Contudo, as técnicas (e tecnologias) associadas aos meios electrónicos não deixam de trazer novos problemas, ligados às particulares exigências (formais) do mundo digital, que constituem terreno fértil para a ocorrência de irregularidades. Como recentemente alertou Vera Eiró, “Quem não sabe assinar não pode participar?” (Anotação ao Acórdão do STA, de 09.04.2014, P. 040/14), CJA, 108, 31-42, os trâmites complexos da “assinatura electrónica” e dos “certificados digitais de assinatura electrónica qualificada” têm originado frequentes irregularidades formais, que têm sido motivo de exclusão de propostas em procedimentos de contratação pública electrónica.
Chamados a pronunciar-se sobre diversas irregularidades em torno da assinatura electrónica das propostas, os tribunais administrativos têm muitas vezes entendido que as mesmas são motivo de exclusão da proposta, designadamente, nas seguintes situações: quando na assinatura da proposta foi utilizada uma “assinatura electrónica avançada”, em vez da “assinatura electrónica qualificada” (Acórdão do STA, de 20.06.2012, P. 0330/12); quando foi utilizado um “certificado de autenticação” em vez da “assinatura electrónica qualificada” (Acórdão do TCAS, de 13.09.2012, P. 09080/12); quando a proposta de um agrupamento não foi assinada digitalmente por todos os seus membros, nem foi junto instrumento de representação a favor do assinante (Acórdão do STA, de 08.03.2012, P. 01056/11); quando a assinatura digital foi aposta num ficheiro “zipado” ou comprimido e não nos documentos incluídos nesse ficheiro ou “pasta” (Acórdão do STA de 30.01.2013, P. 01123/12); ou quando a assinatura da proposta, na parte onde constam os preços unitários, foi efetuada com recurso a assinatura electrónica “não qualificada” (Acórdão do STA de 14.02.2013, P. 01257/12).
Em sentido diverso, contudo, podem ler-se os votos de vencido apostos nos citados Acórdãos do STA, de 08.03.2012 e de 30.01.2013, onde, nomeadamente, se salienta a desproporcionalidade (em termos constitucionais) da sanção da exclusão face à irregularidade formal em causa, facilmente suprível. Também no sentido da possibilidade de sanar certas irregularidades formais, relacionadas com a assinatura electrónica, podem ler-se: o Acórdão do TCAN, de 22.10.2010, P. 00323/10.0BECBR, que considerou dever ser objeto de esclarecimento ou convite à correção a detectada falta de assinatura electrónica da declaração de aceitação do caderno de encargos, por parte de um dos gerentes da sociedade concorrente; o Acórdão do TCAS, de 26.01.2012, P. 8164/11, que considerou que a assinatura electrónica da proposta, através do tipo errado de assinatura constituía o incumprimento de uma formalidade não essencial (tendo este aresto sido revogado pelo citado Acórdão do STA, de 20.06.2012, P. 0330/12); e o Acórdão do TCAN de 27.04.2012, P. 00619/11.4BEAVR, que concluiu que a falta de assinatura electrónica em cada um dos documentos contidos numa pasta digital compactada, por seu turno assinada, constitui uma formalidade não essencial.
Ainda quanto aos problemas suscitados pela assinatura electrónica, em si mesma, ou pela circunstância de as sociedades concorrentes serem representadas por um procurador, que é o titular da assinatura electrónica qualificada, vejam-se os citados Acórdãos do TCAS, de 07.11.2013, P. 10131/13, e do STA, de 09.04.2014, P. 040/14, onde se discutiu o sentido e alcance dos poderes conferidos pela procuração; e, mais recentemente, o Acórdão do TCAS, de 15.01.2015, P. 11671/14, que se pronunciou sobre qual é o momento relevante para a aposição da assinatura, tendo-se concluído que é o da submissão da proposta na plataforma electrónica, não se exigindo a prévia assinatura electrónica do texto dos ficheiros carregados na dita plataforma.
Sobre situações mais próximas dos presentes autos destaca-se o Acórdão do TCAN, de 22.06.2011, P. 00770/10.8BECBR, onde se entendeu que não deve levar à exclusão da proposta o facto de um candidato não ter submetido à plataforma documento electrónico oficial apto a atestar a qualidade de quem assinou a sua proposta, se efetivamente quem assinou a proposta tinha poderes para representar e obrigar a mesma concorrente, facto que o júri do concurso comprovou por elementos extra concursais de que dispunha e por a empresa em causa, em momento ulterior, ter procedido à apresentação da Certidão Permanente. Em sentido contrário, contudo, veja-se o Acórdão do TCAN, de 16.09.2011, P. 00102/11.8BEPRT, onde se conclui que o artigo 27.º/3 da Portaria n.º 701-G/2008 exige que seja junto um documento electrónico oficial, reconhecendo poderes de representação para assinar documentos em nome da entidade concorrente e que, estando em falta um documento de mandato, tal irregularidade não é suprível mediante simples convite à regularização.
A realidade factual subjacente aos arestos citados é bem ilustrativa dos problemas formais que rodeiam a assinatura electrónica de propostas (quanto ao tipo e qualidade da assinatura, quanto à possibilidade de assinar manuscritamente as declarações referidas no CCP, ou quanto ao momento ou ao modo de aposição da assinatura), bem como das insuficiências tecnológicas que muitas empresas concorrentes revelam, com a inerente necessidade de recorrerem a uma terceira pessoa (titular do certificado digital de assinatura electrónica qualificada) para, em seu nome, apresentar e assinar eletronicamente as propostas, com todos os problemas daí advenientes. Também no caso que nos ocupa a desmaterialização do procedimento de concurso público não é alheia ao erro formal cometido pela Recorrente: não fora a imposição de submeter a proposta em plataforma electrónica, com a exigência de assinatura electrónica qualificada dos documentos respetivos, e certamente Recorrente teria optado por apresentar e assinar manuscritamente a proposta, através dos seus representantes legais, e não teria tido necessidade de se socorrer de uma terceira pessoa para apresentar e assinar eletronicamente a sua proposta.
Se é certo que não pode afirmar-se que a irregularidade cometida pela Recorrente deve ser sanável apenas por ser imputável, em certa medida, às acrescidas exigências formais do modelo electrónico de contratação pública, não menos certo é que o julgador não pode desatender as circunstâncias concretas do caso, nem desconsiderar a facilidade com que irregularidades do mesmo tipo tendem a ocorrer neste meio digital. Este circunstancialismo terá, pelo menos, de pesar no grau e na medida em que, como veremos, se mostra desproporcionada uma solução rígida de exclusão forçosa da proposta.
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4.2.2. Admissibilidade de sanar a irregularidade formal sem infração das regras e princípios do concurso público
A procuração aqui omitida comprova ou “certifica” que, à data da apresentação da proposta, a representante da concorrente tinha poderes para apresentar e assinar electronicamente os documentos da proposta, bem como para subscrever a declaração de concorrente, aceitando o conteúdo do caderno de encargos. Isto significa que, em rigor, a posterior junção da procuração não introduz qualquer alteração ao conteúdo da declaração de aceitação do caderno de encargos ou da proposta no seu todo (entendida como “declaração pela qual o concorrente manifesta à entidade adjudicante a sua vontade de contratar e o modo pelo qual se dispõe a fazê-lo” – artigo 56.º do CCP). Da mesma forma, a junção tardia da procuração não opera qualquer alteração subjetiva no concurso, mantendo-se a mesma concorrente e a mesma representante da concorrente. A junção da procuração ao procedimento de concurso consubstancia uma formalidade ad probationem, através da qual se comprova que os poderes exercidos pela representante lhe foram efetivamente conferidos pela sua representada, podendo tal documento fazer prova plena das declarações atribuídas ao seu autor, nos termos do artigo 376.º do CCiv.
Assim, ao admitir-se a possibilidade de o concorrente juntar a procuração depois da apresentação da proposta, não está a atentar-se contra o princípio da intangibilidade da proposta nem contra a estabilidade subjetiva dos concorrentes, uma vez que essa junção tardia é incapaz de produzir qualquer alteração nos elementos da proposta e do concurso. Note-se que a prova tardia dos poderes de representação não tem a virtualidade de alterar a proposta apresentada ou os seus atributos, mostrando-se o teor da procuração irrelevante para a apreciação ou ordenação das propostas, pois apenas prova documentalmente um dado objetivo (os poderes de representação) que já era certo à data da entrega da proposta. A junção tardia da procuração é também insignificante em relação à firmeza do compromisso assumido, não sendo questionada, nem a identidade da concorrente e da sua representante, nem a vontade firme de contratar. Além disso, não contende com a igualdade dos concorrentes entre si, uma vez que exigência de comprovar os poderes de representação é uma formalidade estabelecida essencialmente em benefício e no interesse da entidade adjudicante (por ser esta a destinatária da declaração negocial) e não no interesse dos demais concorrentes, a que acresce a circunstância de, no caso, ter sido cumprida a razão de ser de tal exigência, uma vez que a Recorrente comprovou que, na data relevante, a sua representante detinha os necessários poderes de representação.
Mas ainda que assim se não entendesse, i.e., mesmo que se considerasse que, por ser um documento de entrega obrigatória, a junção tardia procuração opera uma alteração (formal) da proposta (porque adiciona um documento que devia inicialmente ter instruído a proposta), ainda assim sempre o caso dos autos teria de se incluir no conjunto de situações em que excecionalmente se impõe admitir desvios ao princípio da intangibilidade das propostas, sendo certo que esta possibilidade não é uma ideia inovadora ou isolada.
Num plano diverso – o das formalidades associadas à apresentação dos termos de suprimento de erros e omissões na fase de formação de contratos de empreitada de obras públicas – o Tribunal de Contas tem desenvolvido jurisprudência no sentido de restringir a possibilidade de exclusão de propostas com fundamento no incumprimento de formalidades menores, apelando, nomeadamente, à adopção de uma interpretação que favoreça a concorrência e convocando a regra da prevalência da substância sobre a forma (v. jurisprudência citada em Miguel Ângelo Crespo, “O modo de apresentação dos termos de suprimento de erros e omissões na fase de formação de contratos de empreitada de obras públicas”, Publicações Cedipre online 4, http://www.cedipre.fd.uc.pt, Novembro 2010). No mesmo sentido, apreciando a mesma questão, Miguel Ângelo Crespo, ob.cit., 13, defende a aplicabilidade a estes casos da teoria das formalidades não essenciais e do princípio do aproveitamento dos atos, apto a funcionar também em relação aos atos praticados por terceiros, exteriores à Administração.
Em termos gerais, Rodrigo Esteves de Oliveira, “Os princípios gerais da contratação pública”, Estudos de Contratação Pública, I, cit., 51-113, 80 e s., admite que, sem prejuízo do regime rigoroso do artigo 72.º do CCP, pode consentir-se excecionalmente a correção, emenda ou alteração (em sentido amplo) das propostas. Para além de defender a possibilidade de retificação de erros manifestos, de cálculo ou de escrita, nos termos do artigo 249.º do CCiv, considera que deve admitir-se a “prestação de informações supervenientes dos concorrentes em ordem a suprir uma omissão (mesmo que ilegal) da sua proposta, quando se trate de informação objetiva, cujo conteúdo, por exemplo, já era certo à data do termo do prazo para a entrega das propostas”; assim como entende possível a junção de “documentos supervenientes, não integrantes da proposta propriamente dita, quando isso resulte de circunstâncias especiais” (sendo um desses “casos especiais” o relatado no Acórdão do STA, de 17.10.2003, P. 15/03, no qual se admitiu a substituição do documento de autorização de acesso ao local de extração de inertes, na sequência da alteração superveniente do respetivo proprietário).
Também Mário Esteves de Oliveira/ Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos e outros procedimentos de contratação pública, Coimbra, 2014, 241, defendem uma “relativa e teleológica desconsideração de certas formalidades (formalidades menores, digamos assim) dos procedimentos de contratação pública, sobretudo quando não constem da lei e, em certa medida, também – tão formalista e burocrático poderia revelar-se o cumprimento rigoroso ou sacralizado das próprias prescrições procedimentais na matéria – adeptos da sua ´desliteralização, no sentido de as respetivas normas nem sempre deverem ser lidas ou aplicadas no rigor da respetiva expressão”.
Na mesma linha, Miguel Nogueira de Brito, Os Princípios Jurídicos dos Procedimentos Concursais, 2011, disponível em http://www.icjp.pt/sites/default/files/media/1024-2234.pdf, 21-22, admite algumas cedências ao princípio da intangibilidade das propostas: a primeira em homenagem ao princípio do aproveitamento dos atos; a segunda cedência em homenagem ao princípio da proporcionalidade, nomeadamente, quando se revele excesso excluir uma proposta com base em falta de certa informação quando esta se revele objetiva ou para admitir alterações a uma proposta que consistam em simples operações de matemática ou raciocínios lógicos; e a terceira cedência verifica-se em relação à regra contida no artigo 249.º do CCiv, nos termos do qual é sempre possível a correção de erros de cálculo ou de escrita, desde que revelados no próprio contexto da proposta.
Aderindo a este posicionamento, caso aqui se considerasse haver uma alteração da proposta (o que acima afastámos), sempre se mostraria necessário e adequado admitir um desvio ao princípio da intangibilidade das propostas e desconsiderar a eventual força invalidade desta irregularidade formal (que, em rigor, apenas respeita ao momento em que devia ter sido apresentada a procuração), admitindo-se a sua sanação (veja-se, também no sentido de não admitir eficácia invalidante a uma irregularidade formal ad probationem, embora diversa da que nos ocupa, o citado Acórdão do TCAN, de 27.04.2012, P. 00619/11.4BEAVR).
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Cumpre agora verificar se a sanação de tal irregularidade contende com a tramitação estabelecida para o procedimento de concurso público.
Na verdade, os procedimentos de contratação pública são procedimentos formais, cuja tramitação está tipificada na lei, estando as entidades adjudicantes obrigadas a seguir o modelo de procedimento (sem prejuízo de alguma margem de discricionariedade procedimental – cfr. artigo 132.º/4 do CCP). Deve, por isso, questionar-se se é possível admitir a sanação de uma irregularidade formal num procedimento de concurso público, quando o Código dos Contratos Públicos nada prevê a esse respeito, nem contempla qualquer fase de saneamento do procedimento.
É sabido que o Código dos Contratos Públicos veio modificar a sequência procedimental do concurso público, sendo a principal novidade a eliminação da fase inicial de admissão e habilitação dos concorrentes, que anteriormente ocorria com a realização do ato público do concurso (cfr., no caso das empreitadas de obras públicas, os artigos 85.º e s. do Decreto-Lei n.º 59/99). O legislador não apenas eliminou o tradicional “ato público” nos procedimento concursais (entre outras, por razões que se prendem com a obrigatoriedade de apresentação das propostas eletronicamente), como deixou de prever a possibilidade de “admissão condicional” da proposta, e não introduziu qualquer outra fase destinada ao suprimento de irregularidades meramente formais, nomeadamente à sanação de faltas ou falhas nos documentos. Como refere Margarida Olazabal Cabral, “O concurso público no Código dos Contratos Públicos” in Pedro Gonçalves (org.), Estudos de Contratação Pública – I, Coimbra, 2008, 181-227, 198, o ato público tinha a “vantagem para os concorrentes que era a de permitir a sanação de faltas ou falhas nos documentos de habilitação ou de demonstração da capacidade, uma vez que as mesmas davam lugar, em muitos casos, a admissão condicional, com prazo para a regularização.” Assim, no atual Código dos Contratos Públicos, os concorrentes só ficarão a conhecer a decisão (projeto de decisão) sobre a admissão ou a exclusão da sua proposta (mesmo quando ditada por razões formais) concomitantemente com a decisão de avaliação das proposta e a proposta de adjudicação, uma vez que todas estas decisões passam a estar contidas no relatório preliminar do júri, nos termos do artigo 146.º do CCP (e a apresentação dos documentos de habilitação e demonstração da capacidade técnica e financeira do concorrente passou a ter lugar só depois da adjudicação – cfr. artigos 81.º e s. do CCP).
Não é isenta de críticas esta opção legislativa de não separar a análise (formal) das propostas da respetiva avaliação e de não prever uma fase de saneamento do concurso, nem a possibilidade de admissão condicional, que claramente permitisse a sanação de algumas irregularidades formais e assim evitasse que os concorrentes pudessem ser “drasticamente excluídos por razões menores” (v. Margarida Olazabal Cabral, ob. cit., 200).
Contudo, a omissão de uma tal fase de saneamento não significa uma proibição legal de suprir toda e qualquer irregularidade ou de admitir que, por muito irrelevante ou menor que seja tal irregularidade formal, a mesma sempre terá de conduzir à exclusão do concorrente. Sendo claríssimo que os procedimentos de contratação pública se guiam por um princípio de formalismo, com as inerentes razões de certeza e segurança, não pode deixar de se atender que, a par da rigidez formal, o ordenamento jurídico oferece “válvulas de escape” destinadas a mitigar ou a situar no plano teleologicamente adequado os vícios meramente formais (ou procedimentais), que não devam determinar inexoravelmente a exclusão da proposta. O que não pode deixar de significar que o modelo de procedimento pré-definido, bem como a rigidez do regime de esclarecimentos contemplado no artigo 72.º do CCP (que, cumpre frisar, será em regra adequado, mas não foi pensado para as situações limite a que nos referimos), não pode constituir obstáculo à concretização dos princípios fundamentais em que assenta o regime de contratação pública, não podendo, nomeadamente, conduzir a uma solução manifestamente desproporcionada, em que se traduziria a solução de excluir uma proposta que apresenta uma irregularidade formal irrelevante para os valores em jogo, apenas com fundamento na circunstância de o legislador não ter previsto uma fase especificamente direcionada ao saneamento do procedimento.
Sem prejuízo, afigura-se que no caso vertente a sanação da irregularidade em causa nem sequer implica qualquer desvio ao princípio da tipicidade do procedimento, porquanto não se mostra necessário introduzir um desvio ao procedimento legalmente fixado. Relembre-se que a sanação da irregularidade partiu da iniciativa da concorrente, que juntou a procuração em sede de audiência prévia ao segundo relatório preliminar do júri, ou seja, no âmbito de uma etapa do procedimento expressamente prevista no artigo 147.º do CCP.
Contrariamente ao defendido pelos Recorridos, também não cabe aqui perguntar se o júri podia, ao abrigo do artigo 72.º do CCP, pedir esclarecimentos à concorrente, aqui Recorrente, sobre os poderes da sua representante, uma vez que tal ato (pedido de esclarecimentos) não foi praticado pelo júri, nem se revela necessário que o seja.
Não obstante, sempre se dirá que tal pedido de esclarecimentos não estava vedado pelo artigo 72.º/2 do CCP, nem afetaria os valores protegidos pelo regime rigoroso quanto a esclarecimentos (não afetando a transparência do procedimento, a igualdade concorrencial dos participantes ou a intangibilidade das propostas, mas limitando-se a permitir a sanação de uma irregularidade na comprovação dos poderes de representação da sociedade, feita de forma objectiva e transparente, sem qualquer interferência nos juízos ou valorações de mérito já enunciados pelo júri do concurso no relatório preliminar). Neste sentido, veja-se o citado Acórdão do TCAN, de 22.10.2010, P. 00323/10.0BECBR, onde, perante a falta de assinatura da declaração de concorrente por um dos dois gerentes que obrigavam a sociedade concorrente, se interpretou conjugadamente os artigos 67.º/1, 70.º, 72.º, 146.º e 148.º do CCP e 56.º do CPA, concluindo-se que não resultava impedimento a que “face à constatação, ou à dúvida, sobre a necessidade da assinatura dos dois gerentes da sociedade, o júri, aquando do relatório preliminar ou até do relatório final, tivesse pedido esclarecimento à concorrente, ou até a convidasse a juntar declaração assinada pelos dois gerentes sob pena de ver excluída a proposta” (em sentido idêntico, embora à luz do regime legal anterior ao Código dos Contratos Públicos, veja-se o Acórdão do TCAN, de 14.06.2007, P. 01657/05.1BEPRT).
Também no caso vertente seria de admitir que o júri pedisse esclarecimentos sobre uma formalidade que não respeita à proposta ou aos seus atributos, antes se destina a esclarecer (a provar) a relação de representação estabelecida entre a concorrente e uma terceira pessoa, que figura como apresentante da proposta num contexto de submissão obrigatória das propostas por via de uma plataforma electrónica, que exige uma assinatura electrónica qualificada, de cujo certificado é titular, não a concorrente, mas aquela terceira pessoa.
Contudo, como já referido, a possibilidade ou admissibilidade desse pedido de esclarecimentos está neste caso ultrapassada, pois, na sequência do segundo relatório preliminar do júri, a Recorrente juntou a procuração em falta, em anexo à sua pronúncia em sede de audiência prévia sobre o mesmo. Saliente-se que este entendimento não contende com os princípio da imparcialidade (do júri) e da igualdade (dos concorrentes), uma vez que apenas está em causa admitir que o concorrente junte documento que comprova, de forma objetiva e transparente, um facto passado, assim sanando a irregularidade formal suscitada por uma das concorrentes e acolhida no relatório preliminar do júri, sobre o qual há lugar a audiência prévia de todos os concorrentes (artigo 147.º do CCP).
Pelo que, sem necessidade de qualquer trâmite adicional e sem que pusesse em causa a sua imparcialidade e a igualdade dos concorrentes, o júri podia (e devia) ter considerado sanada a irregularidade formal, em vez de excluir a proposta da Recorrente.
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O que nos leva a um outro ponto, que é o de constatar que as causas de exclusão da proposta estão taxativamente previstas na lei e desse elenco não consta literalmente o facto que aqui motivou a exclusão da proposta da Recorrente.
Na verdade, o artigo 146.º/2-e) do CCP determina a exclusão da proposta que não cumpra o disposto no artigo 57º/4 que, por seu turno, exige que a “declaração referida na alínea a) do n.º 1 deve ser assinada pelo concorrente ou por representante que tenha poderes para o obrigar”. No caso em apreço a referida declaração foi assinada por quem tinha poderes para obrigar a concorrente, apenas não foi junto o documento onde estava materializada a outorga desses poderes de representação. Ou seja, não faltavam os poderes para obrigar a concorrente, mas apenas faltava a prova documental desses poderes. Por isso, a situação dos autos não se inclui no âmbito de aplicação do artigo 146.º/2-e), conjugado com o artigo 57.º/4 do CCP, nem literalmente, nem teleologicamente, pois tendo esta irregularidade uma menor gravidade do que a aí expressamente prevista, justifica-se o seu tratamento diferenciado (a falta de poderes de representação determinará expressamente a exclusão da proposta; mas já será admissível a prova a posteriori desses poderes, quando efetivamente existiam).
Também a falta de comprovação do poder de representação e assinatura do titular da assinatura digital certificada a que se refere o artigo 27.º/3 da Portaria n.º 701-G/2008, não se inclui entre as causas de exclusão da proposta, tipificadas no artigo 146.º do CCP. É verdade que o citado artigo 27.º/3 estabelece a obrigatoriedade de “submeter à plataforma um documento electrónico oficial indicando o poder de representação e assinatura do assinante”, mas esta norma de natureza regulamentar não tem a virtualidade de adicionar novas causas de exclusão da proposta, não expressamente previstas na lei, que hierarquicamente se lhe sobrepõe. E, mais uma vez, a falta de apresentação do “documento electrónico oficial indicando o poder de representação e assinatura” não se inclui no elenco do artigo 146.º/2 do CCP, concretamente, não está prevista na sua alínea l), por referência ao artigo 62.º do CCP.
No mesmo sentido já se pronunciou o mencionado Acórdão do TCAN, de 22.06.2011, P. 00770/10.8BECBR, que, contrariamente ao invocado pelos Recorridos, não incidiu sobre caso substancialmente diferente da presente situação: ambos respeitam às consequências da falta de junção, com a proposta, do documento comprovativo dos poderes de representação de quem assinou e submeteu a proposta na plataforma electrónica; e em ambos os casos foi comprovada a existência de tais poderes (naquele aresto, os poderes de representação foram comprovados pelo júri, em elementos extraconcursais de que dispunha e também por certidão permanente apresentada pela concorrente; e, nos presentes autos, através da procuração apresentada pela Recorrente em audiência prévia).
Mas independentemente das diferenças factuais, o certo é que a jurisprudência aí fixada – que subscrevemos na íntegra – é inteiramente aplicável ao caso em apreço. Tal como aí se concluiu, também aqui entendemos que “o ónus de submeter à plataforma electrónica um documento, que permita aferir dos poderes de representação do assinante, não constituiu um requisito de validade material e intrínseca da proposta mas apenas uma exigência formal” e que alcançado o desiderato subjacente à consagração dessa formalidade, ou seja, comprovados os poderes de representação, “não se justifica excluir a proposta nos termos previstos no artigo 146.°, n.° 2, al. e) do Código dos Contratos Públicos, pois este preceito impõe a exclusão de uma proposta somente quando quem assina digitalmente a proposta não tem poderes para representar e obrigar a mesma concorrente”.
Como já referido, a lista de causas de exclusão da proposta constante do artigo 146.º/2 do CCP – especialmente, quando interpretada como prevendo situações que determinam irremediavelmente a exclusão da proposta, sem possibilidade de qualquer retificação ou sanação – não pode deixar de ser entendida como um elenco fechado e taxativo, sob pena de violação da tipicidade das causas de exclusão, que, além do mais, se impõe como decorrência do aludido princípio da tipicidade procedimental e da exigência de uma prévia definição e fixação das “regras do jogo” nos procedimentos de contratação pública (v. a este respeito Cláudia Viana, Os princípios comunitários na contratação pública, Coimbra, 2007, 124 e s.).
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4.2.3. Admissibilidade da sanação desta irregularidade formal como exigência dos princípios da contratação pública
Pelas razões expostas, considera-se que regras da contratação pública consentem a interpretação acima defendida, no sentido de não haver lugar à exclusão obrigatória de uma proposta que padeça da irregularidade formal aqui em causa (falta de junção, no momento de submissão da proposta por meios electrónicos, de procuração que ateste os poderes da apresentante enquanto representante do concorrente), antes devendo admitir-se a sanação de tal irregularidade através da junção do documento (procuração) em falta.
Além disso, e mais importante, este entendimento é corroborado pela interpretação daquele regime legal à luz dos princípios da contratação pública.
Contrariamente às regras jurídicas (que encerram comandos gerais e abstractos, através de uma previsão e de uma estatuição), os princípios “apenas indicam um sentido de regulação” (na expressão de David Duarte, A Norma de Legalidade Procedimental Administrativa - A Teoria da Norma e a Criação de Normas de Decisão na Discricionariedade Instrutória, Coimbra, 2006, 129), pelo que raramente serão aptos a constituir “norma do caso”, sem a intermediação de regras, sob pena de se pôr em causa a segurança jurídica (v. Miguel Nogueira de Brito, Os Princípios Jurídicos..., cit., 6). No caso em apreço, os referidos princípios devem interferir valorativamente na concretização do regime legal, indicando (ou confirmando) a interpretação encontrada e afastando uma regra de exclusão da proposta, como norma do caso, uma vez que tal solução drástica conflitua com os valores e interesses que estão subjacentes aos referidos princípios (admitindo a existência de conflitos entre regras e princípios v. Miguel Nogueira de Brito, Os Princípios Jurídicos..., cit., 6).
Quer com isto dizer-se que os princípios em que assenta o regime de contratação pública apontam para a necessidade de interpretar as regras do Código dos Contratos Públicos e da Portaria n.º 701-G/2008 no sentido de admitirem “válvulas de escape”, que permitam evitar a exclusão de uma proposta cuja valia não vem questionada e a exclusão de um concorrente cuja vontade firme de contratar não é posta em causa, apenas como decorrência de uma irregularidade formal consubstanciada no incumprimento do ónus de submeter à plataforma electrónica um documento que permite aferir dos poderes de representação do assinante e apresentante da proposta, quando é certo que tais poderes de representação foram comprovados, tendo-se alcançado o objetivo subjacente à consagração dessa formalidade.
A exigência de tais “válvulas de escape” decorre desde logo do princípio da proporcionalidade, que constitui um princípio geral (e constitucional) da atividade administrativa (artigos 266.º/2 da CRP e 5.º do CPA/2015) e é também um vetor fundamental da contratação pública, com diversas projeções, entre as quais, no que aqui diretamente interessa, como exigência de avaliação e ponderação, por parte da entidade adjudicante ou do júri, da adequação e proporcionalidade dos meios utilizados em relação aos fins prosseguidos, nomeadamente quando esteja em causa a valorização de irregularidades das propostas. Neste mesmo sentido pronunciam-se Mário Esteves de Oliveira/ Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos..., cit., 228, admitindo que “a exclusão de uma proposta ou de uma candidatura por razões meramente formais e de pormenor relativas ao modo de apresentação de propostas, por exemplo, pode ser desproporcionada”.
No caso em apreço, decorre de tudo o que ficou dito que a exclusão da proposta da Recorrente se apresenta desproporcionada, quer por ser irrazoável (proporcionalidade em sentido estrito), implicando uma consequência cuja gravidade não tem correspondência no desvalor jurídico da irregularidade encontrada (meramente formal e ad probationem), quer por se mostrar desnecessária e desadequada, na medida em que o objetivo subjacente à formalidade incumprida foi atingido (foram comprovados os poderes de representação) e, como tal, a exclusão é uma medida dispensável.
Também neste sentido, embora pronunciando-se sobre a omissão de assinatura electrónica, Vera Eiró, “Quem não sabe...”, cit., 41, defende que o suprimento dessa omissão mantém a proposta inalterada, havendo apenas a sanação de uma irregularidade formal e que neste âmbito (de irregularidade da assinatura) “assume particular relevância o princípio da prossecução do interesse público e do favor do procedimento – associado à necessidade de garantir o maior número de proposta a concurso – e o princípio da proporcionalidade” (idem, 42).
O referido princípio do “favor” do procedimento constitui uma posição hermenêutica e prática de princípio no sentido da manutenção do procedimento, dos concorrentes e das propostas (v. Rodrigo Esteves de Oliveira, Os princípios..., 113), que, no caso em apreço, não pode deixar de significar um entendimento pro concorrente, por se mostrar materialmente injustificada e desproporcionada a exclusão da sua proposta, a qual não se mostra inquinada por qualquer desvalor relevante, nem, pelas razões referidas, a sua manutenção atenta contra os valores fundamentais da concorrência, da transparência, da imparcialidade e da igualdade no procedimento de contratação pública.
Contrariamente ao invocado pelos Recorridos, a admissibilidade de sanar a irregularidade formal da proposta da Recorrente é insuscetível de contender com o princípio da concorrência. Cumpre lembrar que, em sede de contratação pública, a alusão à concorrência não se dirige às regras de concorrência (jurídico-privadas) de que são destinatárias as empresas, mas sim à concretização dos princípios da igualdade e das liberdades comunitárias que vinculam os Estados-membros na construção do mercado interno e na sua relação com os particulares (Cláudia Viana, Os princípios comunitários..., cit., 170-172). Na verdade, a política comunitária de contratação pública (que se inscreve no primeiro pilar da política económica da UE) é um dos instrumentos de construção do mercado interno, contribuindo para a eliminação de barreiras às trocas entre os Estados-membros (Vera Eiró, A obrigação de indemnizar das entidades adjudicantes, Fundamentos e pressupostos, 2013, 40 e s.).
Assim sendo, está longe de ser imediata a força irradiante do princípio da concorrência (artigo 1.º/4 do CCP) sobre o problema que nos ocupa. Em termos muito sintéticos, dir-se-á apenas que a concorrência enquanto umbrella principle da contratação pública (na expressão de Rodrigo Esteves de Oliveira, Os princípios..., cit., 67), releva-se, além do mais, na garantia do mais amplo acesso aos procedimentos por parte dos interessados em contratar (v., entre outros, Marcelo Rebelo de Sousa/ André Salgado de Matos, Contratos Públicos, Direito Administrativo Geral, T. III, 2.ª ed., 2009, 83; Rodrigo Esteves de Oliveira, Os princípios..., cit., 68; Miguel Nogueira de Brito, Os princípios..., cit., 16). O que não pode deixar de significar, acrescentamos nós, que esse “amplo acesso” não pode ser restringido através de um regime de causas de exclusão das propostas, absolutamente rígido, que admita a exclusão de propostas por irregularidades formais, mesmo quando se mostrem insignificantes, inconsequentes e de fácil resolução. Portanto, se alguma orientação para o caso em apreço pode ser retirada do princípio da concorrência, será sempre no sentido da solução que perfilhamos, em detrimento da exclusão da proposta.
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Por todas as razões elencadas, deve o recurso proceder.
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5. Decisão
Nestes termos, acordam em conceder provimento ao recurso, e, em consequência revogar o acórdão recorrido e, em sua substituição, julgar procedente a ação, condenando-se os RR. no pedido.
Custas pelos Recorridos em ambas as instâncias.
Porto, 11.02.2015
Ass.: Esperança Mealha (por vencimento)
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Helena Ribeiro - com o seguinte voto de vencido:
Relativamente à questão referente à declaração a que se reporta a alínea a) do n.º1 do artigo 57.º do CCP, provou-se que a mesma foi subscrita por CF invocando a qualidade de “ representante legal” da concorrente, vindo a entidade adjudicante a apurar, já em sede de audiência prévia, pela análise da certidão de matrícula da concorrente, que aquela CF não era representante legal da concorrente. Mais se apurou que aquando da resposta que apresentou no âmbito da audiência prévia ao segundo relatório preliminar, a concorrente aproveitou esse momento para anexar uma procuração, com a mesma data da apresentação da proposta, da qual consta que conferiu poderes á dita CF para em seu nome apresentar e assinar eletronicamente aquela proposta bem como a declaração a que se refere a alínea a) do n.º1 do art.º 57.º do CCP.

Está assim em causa saber, em primeiro lugar, se com a falta de junção de procuração no momento da apresentação da proposta, ou seja, no momento em que a mesma foi submetida à plataforma eletrónica, da qual constasse a atribuição de poderes legais bastantes para que a referida CF vinculasse a concorrente à aceitação das condições constantes do caderno de encargos, declaração que é exigida pela alínea a) do n.º1 do art.º 57.º do CCP, a concorrente violou ou não a formalidade exigida pelo n.º4 do art.º 57.º do CCP e, na positiva, se a violação dessa formalidade conduz inexoravelmente à exclusão da proposta assim apresentada, tendo em conta o disposto na alínea e) do n.º2 do artigo 146.º do CCP ou se, uma proposta apresentada nos moldes em que o foi a apresentada pelo Recorrente, pode ser como que admitida “condicionalmente”, sendo imposto ao júri o dever de convidar o concorrente interessado a juntar documento que ateste a legitimidade de quem subscreveu a proposta, o mesmo é dizer, reconhecido ao interessado o direito de, veja-se, em sede de audiência prévia, aproveitar esse momento, como sucedeu in casu, para anexar o documento em falta.

Quanto a esta questão, embora de iure condendo a posição que fez vencimento mereça a nossa simpatia, o certo é que de iure condito não cremos que a mesma seja compatível com a solução normativa prevista no Código da Contratação Pública, que a nosso ver não deixa espaço hermenêutico ao aplicador para a “admissão condicional” de propostas que não cumpram os requisitos formais nele estabelecidos.

Não ignoramos que por força designadamente, do princípio da concorrência, a entidade adjudicante deva providenciar no sentido de garantir aos interessados em contratar o mais amplo acesso aos procedimentos pré-contratuais, porém deve-o fazer, com respeito pelos limites traçados por regras imperativas e pelos princípios a que devem obedecer os procedimentos administrativos relativos à formação dos contratos públicos [cfr., neste sentido, Acórdão do STA, de 30.09.2009, processo n.º0703/09].

Perante irregularidades de ordem formal, decorrentes de lapsos ligeiros ou de esquecimentos dos concorrentes, que revelem pequenas falhas no formalismo que rodeia a apresentação das propostas aos procedimentos de contratação pública, não somos adversos à consagração legal de soluções normativas que permitam ao aplicador a adoção de expedientes que viabilizem a sanação das deficiências formais dos documentos apresentados pelos concorrentes em procedimentos de contratação pública, ou quiçá, a sua própria apresentação em momento ulterior.

Porém, como salienta MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, in “Teoria Geral do Direito Administrativo: temas nucleares”, Almedina, 2014, pág.207 se é certo que “ Em princípio, a lei não se pronuncia sobre o momento em que os trâmites procedimentais legalmente exigidos devem ter lugar (...) Salvaguardam-se, naturalmente, os casos em que as normas estabeleçam um momento fixo para a prática de determinado ato ou para a realização de determinada diligência, ou mesmo uma sequência cronológica para os diferentes trâmites do procedimento, como sucede em certos procedimentos rígidos, que são objeto de disciplina legal típica”.

É o caso, quanto a nós, do procedimento previsto no CCP e aqui em discussão, do qual resulta, a nosso ver, a imperatividade da exclusão das propostas se verificada algumas das circunstâncias previstas no artigo 146.º, n.º2 do CCP que determinem essa consequência, como é o caso da circunstância prevista na al.e) do mesmo, situação em que ao júri do concurso não é consentido que convide os concorrentes a corrigirem as deficiências verificadas nas suas propostas, ou que aceite correções apresentadas ex voluntate pelos concorrentes, não lhe sendo, por conseguinte, permitida a admissão condicional das mesmas, diferentemente do que sucedia no âmbito do anterior regime legal da contratação pública.

De facto, não pode o aplicador deixar de valorar e atribuir o devido relevo à circunstância de, diferentemente do que resultava do disposto no artigo 92.º, n.º3 do D.L. n.º 59/99 e no artigo 101.º, n.º 4 do D.L n.º 197/99, em que se permitia a admissão condicional de propostas quando se verificassem certas irregularidades formais ou documentais da proposta, o CCP, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, não referir essa possibilidade quanto a ilegalidades da proposta de natureza formal.

A este respeito, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, in “Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública”, pág.958/959 escrevem que: “ Questiona-se pois se essa omissão da lei constitui ou não um obstáculo a que o júri, em certos casos ou circunstâncias, em vez de propor a exclusão liminar de propostas ilegais, consinta aos respectivos concorrentes, em prazo necessariamente apertado, que supram ou corrijam a falta ou deficiência verificadas, admitindo condicionalmente, no ínterim, a respectiva proposta”. E prosseguem os referidos autores, afirmando que “ Dada a inexistência actual de previsão legal, convém mesmo, na verdade, se quiser fazer-se passar a figura, começar por centrar a discussão em casos formais contados sobre cuja razoabilidade lógica não se suscitem dúvidas, como sucede com as omissões ou deficiências ligeiras e claramente desculpáveis ou em relação às quais existam, na própria proposta, elementos demonstrativos de se tratar de um mero lapso ou esquecimento”. Como exemplo, apontam o “ caso de faltar a assinatura, por parte de um membro de um agrupamento concorrente, da declaração a que se refere o art. 57.º/5, não obstante existirem na proposta outros documentos por si assinados revelando a vontade de concorrer”. E afirmam que “quando, se quisesse admitir tal incidente, o legislador não poderia deixar de o prever ao regular a matéria da exclusão de propostas, até porque hoje em dia, tendo desaparecido a fase do acto público, as ilegalidades que poderiam dar lugar a uma decisão de admissão condicional só são detectadas na fase de análise das mesmas pelo júri e só depois disso, portanto, poderia abrir-se tal incidente.

Ao que acresce o facto de, posteriormente, nem o Decreto-Lei n.º 143-A/2008, nem a Portaria n.º 701-G/2008, sobre o procedimento electrónico de contratação pública, conterem uma qualquer referência ou espaço para a introdução da figura.

…a recusa do legislador em seguir a tradição expressa do nosso Direito em matéria de admissão condicional de propostas tem, a favor da sua concludência, a vantagem de assim se pôr termo às dúvidas que a delimitação dos casos concretos da sua permissão suscitava, com reflexos negativos na sequência estabilizada dos procedimentos pré-contratuais públicos”.

Dizem ainda os referidos autores ser «um prejuízo grave para o interesse da entidade adjudicante e dos concorrentes em geral ter que se excluir propostas por falhas formais menores, rápida e facilmente sanáveis» para concluírem que se justifica «por isso a ponderação da admissibilidade ou legitimidade da figura da admissão condicional desde que prevista no programa do procedimento e cingida a casos expressamente regulados e que não ponham em questão, de maneira sensível, os valores da concorrência e da igualdade» (sublinhado meu).

Também sobre a questão da admissibilidade condicional ou não admissibilidade de propostas com irregularidades de natureza formal à luz do atual CCP, veja-se MARGARIDA OLAZABAL CABRAL, in “Estudos da Contratação Pública”, a qual refere que “o CCP regula com detalhe todos os passos do procedimento e concluímos, com facilidade, que o legislador quis pré-definir o caminho do aplicador em vez de lhe indicar apenas as coordenadas por onde devia seguir”. Porém, afigura-se-lhe, ainda assim, possível “que um concreto programa de concurso estabeleça regras de admissão condicional das propostas- dando aos concorrentes, e obviamente a todos em condições de igualdade, a possibilidade de regularizarem falhas na sua proposta (como a junção de uma tradução ou de um outro documento em falta) desde que, findo o prazo para as propostas admitidas condicionalmente suprirem as falhas, sejam excluídas todas as propostas que se encontrem numa das situações previstas no supra referido artigo 146.º, n.º2. Tratar-se-á neste caso, sem contrariar o CCP, de introduzir uma regra específica no programa de concurso sobre o procedimento de concurso público, que não tem certamente por efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência”.

MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, in ob. cit., pág. 286, referindo-se à questão da admissão condicional de propostas que padeçam de meras irregularidades formais «fruto normalmente de meros esquecimentos ou lapsos» referem tratar-se de uma «figura admitida no direito anterior ao Código, mas sobre a qual este não disse uma palavra, não deixou um vestígio». Afirmam que «se estivermos aí perante uma atitude de pura indiferença legislativa, podia a entidade adjudicante, ao abrigo do citado art.132.º/4,no exercício dos seus poderes de auto-regulação, incluir no programa do procedimento uma disposição a admitir e a regular a admissão condicional; caso contrário, se tal silêncio ou omissão corresponder a um corte com o direito anterior, à intenção de fazer valer em todo o seu rigor o programa normativo de conformidade e completude das candidaturas e propostas tal inclusão traduzir-se-ia numa ilegalidade». E concluem tratar-se «de uma questão há-de ser resolvida em função da interpretação que ser der ao silêncio do legislador, sobre representarem as omissões do Código questões que ele entendeu não terem dignidade ou relevo jurídico legislativo ou, antes, verdadeiras regulamentações negativas da respectiva matéria».

No que nos respeita, cremos que o legislador do CCP, ao não prever a possibilidade da admissão condicional de propostas, anteriormente prevista na legislação revogada pelo CCP, quis negar essa possibilidade, estabelecendo uma verdadeira “regulamentação negativa” dessa matéria. Não pode duvidar-se que o legislador conhecia as inúmeras questões que ao abrigo desse anterior regime foram sendo colocadas, ”com reflexos negativos na sequência estabilizada dos procedimentos pré-contratuais públicos” daí decorrentes, donde a não previsão dessa possibilidade, num claro tributo aos interesses da segurança e da certeza jurídicas.

Isto dito, o artigo 57.º, nº1, alínea a) do CCP preceitua que a “ declaração do concorrente de aceitação do conteúdo do caderno de encargos, elaborada em conformidade com o modelo constante do anexo I ao presente código, do qual faz parte integrante” é um elemento integrante da proposta, dela fazendo parte. Trata-se da declaração pela qual o concorrente manifesta a aceitação do conteúdo do caderno de encargos, e com a qual o legislador pretendeu assegurar, de forma clara e inequívoca, que o concorrente, ao subscrevê-la, se vinculou expressamente a observar as condições que a entidade pública estabelece no caderno de encargos.

Por seu turno, o n.º 4 do art.º 57.º, do CCP estabelece que “ a declaração referida na alínea a) do n.º1 deve ser assinada pelo concorrente ou por representante que tenha poderes para o obrigar”.

A violação do disposto no n.º4 do citado art.º 57.º é cominada com a exclusão da respetiva proposta, conforme consignado no artigo 146º, nº 2, al. e) do CCP, onde se estabelece que o júri deve propor no relatório preliminar a exclusão das propostas “Que não cumpram o disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 57.º ou nos n.ºs 1 e 2 do artigo 58.º”.

Ora, resulta do disposto no n.º4 do art.º 57.º do CCP, que não tendo a declaração a que se reporta a alínea a) do nº1 do mesmo artigo, sido assinada pela administração da sociedade que foi opositora ao concurso, mas por terceiro, impunha-se que com a apresentação da proposta tivesse sido junto o documento do qual resultasse a demonstração dos poderes do subscritor da referida declaração, para obrigar a sociedade concorrente, o que, de todo, no caso não sucedeu, sendo a lei é clara e expressa, para situações como a descrita, em determinar a exclusão da proposta ao abrigo do art.º 146.º, n.º2, al. e) do CCP, sem que a correção de tal deficiência seja suprível pelo mecanismo dos esclarecimentos do art.º 72.º do CCP.

Sendo assim, o júri do concurso, de acordo com o disposto na alínea e) do n.º2 do artigo 146.º do CCP estava legalmente constrangido a propor, fundamentadamente, a exclusão da proposta apresentada pela autora, ora Recorrente, como fez.

E diferentemente do que se sustenta na posição que fez vencimento, entendemos que embora nos termos do disposto no n.º1 do artigo 72.º do CCP o júri possa pedir aos concorrentes quaisquer esclarecimentos sobre as propostas apresentadas que considere necessários para efeito de análise e avaliação das mesmas, a verdade é que no caso, ao júri do concurso não se mostrava autorizada a iniciativa de convidar a autora a apresentar documentos em substituição dos inicialmente apresentados ou documentos adicionais, e por conseguinte, de aceitar a sua junção em sede de audiência prévia, por iniciativa da ora Recorrente, tendo em conta o comando expresso contido no art.º 146.º, n.º2, al. e) do CCP.

No sentido de que a declaração do concorrente de aceitação do conteúdo do caderno de encargos em conformidade com o modelo constante do anexo I ao CCP, enquanto documento integrante das peças da candidatura/proposta apresentada no procedimento concursal, deve ser assinada pelo concorrente ou por representante que tenha poderes para o obrigar (cfr. artigo 57.º, n.º1, al.a) e n.ºs 4 e 5 do CCP), sendo causa de exclusão da proposta a sua ausência, aponta-se a jurisprudência constante dos Acórdãos deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 16/09/2011, proc.º n.º 00102/11.8BEPRT e de 25/11/2011, proc.º n.º 02389/10.4BELSB e, bem assim o Ac. do STA de 08/03/2012, proc.º n.º 01056/11, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.

Também MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA E RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA in “Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública”, Almedina, 2011, pág. 945, afirmam que “A violação das exigências dos n.ºs 4 e 5 do art.º 57.º, quanto à assinatura da declaração do modelo anexo I do Código por concorrentes isolados ou agrupados, e dos n.ºs 1 e 2 do art. 58, quanto ao idioma ou idiomas dos documentos da proposta…dá lugar à exclusão das propostas como o determina a alínea e) do art.146.º/2”. E a págs. 954/955, esclarecem que “ A larguíssima maioria das causas de exclusão de propostas previstas na lei, uma vez fixado…o sentido com que devem valer verificada a existência dos respectivos pressupostos, são de aplicação vinculada e obrigatória pelo júri e pela entidade adjudicante…As expressões usadas são portanto claras quanto ao dever em que os órgãos do procedimento estão constituídos de, detectada numa proposta a existência de uma qualquer falta ou deficiência subsumível numa das referidas normas, propor (o júri) e decretar (o órgão adjudicante) a exclusão da respectiva proposta.
A vinculação dos órgãos competentes nesta matéria não comporta portanto excepções legais no que respeita ao dever de exclusão das propostas, uma vez que se tenham como existentes os respectivos pressupostos legais”.

Assim, pelas razões que se aduziram, confirmaria a validade do ato de exclusão da proposta da autora, ora Recorrente, e improcedentes as conclusões de recurso apresentadas pela Recorrente a este respeito.

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DA VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO ART.º 27.º, N.º3 DA PORTARIA N.º 701-G/2008.

De acordo com o disposto no artigo 62.º, n.º1 do CCP “os documentos que constituem a proposta são apresentados directamente em plataforma electrónica utilizada pela entidade adjudicante”.

Os requisitos e condições a que deve obedecer a utilização de plataformas eletrónicas encontram-se definidos na Portaria n.º 701-G/2008, de 29 de julho.

No artigo 26.º, n.º1 dessa Portaria começa por se dispor que “ a identificação de todos os utilizadores perante as plataformas electrónicas efectua-se mediante a utilização de certificados digitais”, estabelecendo-se nº n.º2 desse preceito que para efeitos de autenticação, os utilizadores podem utilizar certificados digitais próprios ou os disponibilizados pela plataforma.

Por seu turno, determina-se no n.º1 do art.º 27.º da Portaria em causa que “ todos os documentos carregados nas plataformas electrónicas deverão ser assinados electronicamente mediante a utilização de certificados de assinatura electrónica qualificada”.

Nesse sentido veja-se ainda o artigo 11.º do D.L. 143-A/2008, de 25 de julho, onde se preceitua que as propostas devem ser autenticadas através de assinaturas eletrónicas às quais se exige o nível de segurança mais elevado e mais exigente que em termos tecnológicos seja possível à data da submissão da candidatura.

Ainda no que concerne à assinatura eletrónica estabelece o n.º 3 da Portaria 701-G/2008, de 29 de julho que “ Nos casos em que o certificado digital não possa relacionar directamente o assinante com sua função e poder de assinatura deve a entidade interessada submeter à plataforma um documento electrónico oficial indicando o poder de representação e assinatura do assinante”.

Resulta comprovado nos autos que a proposta da autora, ora Recorrente, foi apresentada e assinada eletronicamente pela referida CF, ou seja, por terceira pessoa, titular da assinatura digital, não permitindo o certificado digital relacionar diretamente o assinante com a sua função e poder de assinatura.

A falta de assinatura digital por parte dos concorrentes não constitui impedimento a que os mesmos se apresentem a concurso, bastando para tal que os documentos a carregar na respetiva plataforma eletrónica sejam assinados por um terceiro, titular de assinatura eletrónica (cfr. Artigo 27.º, n.º1 da Portaria n.º 701-G/2008, de 29/07).

Em tais casos, prevê o n.º3 do artigo 27.º da Portaria n.º 701-G/2008, que o interessado deve submeter à plataforma um documento oficial indicando o poder de representação e assinatura do assinante, ou seja, procuração idónea.

Ora, no caso, resulta comprovado que com a apresentação da proposta não foi junto o documento a que se reporta o n.º3 do art.º 27.º da Portaria n.º 701-G/2008.

Tal documento, vulgo, a necessária procuração, apenas veio a ser junta aquando da realização da audiência prévia ao segundo relatório preliminar do júri, aproveitando a Recorrente o momento da apresentação da sua resposta, para anexar a necessária procuração.

A falta da junção da procuração nos termos preceituados pelo n.º3 do artigo 27.º da dita Portaria constitui a preterição de uma formalidade essencial, que não pode se degradada em mera irregularidade. Nesse sentido veja-se, entre outros, o Acórdão do TCAN, de 16/09/2011, processo n.º 102/11 no qual se sumariaram as seguintes conclusões: «1- Nos termos do número 3 do artigo 27.º da Portaria n.º 701-G/2008, se o certificado digital não conseguir determinar a função e poder de assinatura do assinante é necessário que cada vez que utilize um certificado nessas condições se anexe igualmente um documento electrónico oficial, emitido por entidade oficial ou pelos representantes legais da entidade que está a representar, reconhecendo poderes de representação para assinar documentos em nome da entidade», aí se afirmando também que «2-Estando em causa a falta de um documento de mandato, não podemos falar de uma irregularidade suprível mediante simples convite à regularização».

A exclusão da proposta, no caso em discussão, é expressamente cominada pela alínea l) do n.º2 do art.º 146.º do CCP, no qual se consigna que o júri, no relatório preliminar, deve propor a exclusão das propostas «Que não observem as formalidades do modo de apresentação das propostas fixadas nos termos do disposto no artigo 62.º».

No sentido de que a falta de assinatura electrónica da proposta, nos termos determinados pelos artigos 62.º e ss do CCP, D.L.143-A/08 e Portaria n.º 701-G/08 constitui, em face do CCP, a preterição de uma formalidade essencial, insuscetível de degradação em mera irregularidade, cujas razões são também válidas para o caso em análise, vejam-se ainda os Acórdãos do TCAS de 12/04/2012, proc. n.º 08592/12 e de 13.09.2012, proc. n.º 09080/12 e os Acórdãos do STA, de 20/06/2012, proc. n.º 0330/12; de 30/01/2013, proc. 01123/12 e de 14/02/2013, proc.01257/12.

Assim, acompanhando a vasta jurisprudência que neste âmbito tem sido produzida, entendemos que a preterição da formalidade prevista na segunda parte do artigo 27.º, n.º3 da referida Portaria constitui a preterição de uma formalidade essencial, que não pode degradar-se em mera irregularidade, razão pela qual a sua inobservância conduz à exclusão da proposta que a tenha violado, nos termos impostos pelo artigo 146.º, n.º2, alínea l) do CCP.

Por fim, não podemos deixar aqui de recordar que todo o regime estabelecido pelo Código da Contratação Pública está imbuído de uma forte preocupação de conferir celeridade ao procedimento de contratação pública, através da definição clara e detalhada dos procedimentos a observar, quer pelos concorrentes, quer pelas entidades adjudicantes, de forma a obviar a contratempos, imprimindo celeridade e impondo o respeito pelas prescrições legais.
Deste modo, negaria provimento ao recurso e confirmaria o acórdão recorrido.”