Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01603/08.0BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/27/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Paulo Moura
Descritores:CUMULAÇÃO DE IMPUGNAÇÕES DE IMPOSTOS DIFERENTES; ARTIGO 3.º, N.º 2 DA LGT; DESVALORIZAÇÃO DE DEPOIMENTO TESTEMUNHAL DE FAMILIAR SUBORDINADO OU DEPENDENTE ECONOMICAMENTE;
SUA APRECIAÇÃO EM CONJUGAÇÃO COMA DEMAIS PROVA
Sumário:I – É admissível a cumulação de impugnações de diferentes impostos no mesmo processo, mesmo antes da alteração ao artigo 104.º do CPPT, efetuada pela Lei n.º 118/2019, de 19/09, por o conceito de tributos de diferente natureza se referir a impostos, taxas e demais contribuições financeiras e não a impostos entre si.

II – O depoimento de um familiar dependente economicamente de outro, deve ser apreciado com todas as cautelas e desvalorizado se não for coerente com a demais prova produzida, seja testemunhal, seja documental.
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:L.
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso merecer provimento.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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A FAZENDA PÚBLICA interpõe recurso da Sentença que julgou procedente a impugnação deduzida contra as liquidações de IVA e de IRS dos anos de 2003, 2004 e 2005, por L., por entender que ocorre erro de julgamento da matéria de facto e na matéria de direito no que respeita à aplicação do regime do artigo 104.º do CPPT.

Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
1. O presente recurso tem por objeto a douta sentença recorrida, proferida no processo supra referenciado, a qual julgou totalmente procedente, por provada, a impugnação judicial e, consequentemente, anulou as liquidações adicionais de IVA e de IRS dos anos de 2003, 2004 e 2005, impugnadas nos autos, no montante global de € 31.222,87.
2. Douta sentença essa que, a nosso ver, e salvo o devido respeito por melhor opinião, padece de erro de julgamento em matéria de facto (no que toca à apreciação e valoração dos factos relevantes para a boa decisão da causa) e em matéria de direito (no que toca à correta interpretação e aplicação das normas jurídicas do artigo 104º do CPPT e do artigo 104º da CRP).
3. A nosso ver, a douta sentença ora em crise enferma de erro de julgamento, em matéria de facto, na medida em que deu como provados os seguintes factos:
7. Após a morte de M. (pai do Impugnante), ocorrida em 2000, a sociedade [C., Lda.] prosseguiu a sua actividade com E. e H., sobrinho do aqui Impugnante.
(....)
19. Os registos dos serviços prestados constantes do dito livro respeitavam à sociedade C., Lda. com excepção daqueles que aludiam a facturas emitidas pelo Impugnante.”
4. Salvaguardado sempre o devido respeito, entendemos que, pelas razões referidas nos artigos 14º a 25º das alegações, em conjugação com os factos referidos no capítulo III do relatório de inspeção tributária de fls. 24/31 do PA, não poderiam os factos descritos nos pontos 7. e 19. do probatório ter sido dados como provados.
5. Ao que resulta da prova documental constante dos autos e da prova testemunhal produzida em sede de inquirição de testemunhas, os registos das vendas e dos serviços prestados constantes do livro de registos em causa no presente processo não respeitam à esfera jurídica da sociedade C., Lda., respeitando, outrossim, tal como se concluiu em sede do procedimento inspetivo, à esfera jurídica do ora recorrido.
6. Assim, a nosso ver, inexistem quaisquer razões, quer de facto quer de direito, para ser julgada procedente a presente impugnação judicial e, consequentemente, para serem anuladas, como o foram na douta sentença ora em crise, as liquidações adicionais de IVA e de IRS dos anos de 2003, 2004 e 2005 aqui impugnadas, devendo, outrossim, as mesmas manter-se integralmente válidas na ordem jurídica, o que se requer.
SEM PRESCINDIR:
7. Sem prescindir do antes alegado, e para o caso de vir a ser doutamente entendido nesse Venerando Tribunal que os registos das vendas e dos serviços prestados constantes do livro de registos aqui em causa respeitam à esfera jurídica da sociedade C., Lda. e não à esfera jurídica do recorrido, o que só por mera hipótese se admite, afigura-se-nos que só as liquidações adicionais de IVA deverão ser anuladas, o mesmo não devendo suceder com as liquidações de IRS aqui em causa.
8. Na verdade, respeitando a presente impugnação judicial a liquidações adicionais de IVA e a liquidações adicionais de IRS dos exercícios de 2003, 2004 e 2005, e tendo sido suscitada em sede de contestação a exceção da cumulação ilegal de impugnações, na sequência de notificação para o efeito, veio o recorrido declarar pretender ver apreciada apenas a impugnação das liquidações adicionais relativas a IVA.
9. Na douta sentença em crise, a M. ma Juíza, invocando os Acórdãos do STA de 2012.10.24 (processo 0747/12) e de 2013.03.06 (processo 01327/12), disponíveis em www.dgsi.pt, entendeu aderir a tal jurisprudência, que julgou transponível para o caso dos autos dado estar em causa “tributos com a natureza de impostos (IVA e IRS)”, pelo que concluiu pela improcedência da exceção invocada em sede de contestação (cumulação ilegal de impugnações), o que não se aceita.
10. É ilegal a cumulação das impugnações dos atos tributários de liquidação de IVA e IRS, (como sucede no caso que ora nos ocupa) por faltar a identidade de natureza dos dois tributos exigida pelo artº 104º do CPPT – nesse sentido, vide, entre outros, o Acórdão de 2002.03.13, recurso nº 26752; o Acórdão de 2003.03.26, recurso 131/03; o Acórdão de 2003.07.03, recurso nº 538/03; o Acórdão de 2004.04.10, recurso nº 1911/03;o Acórdão de 2005.03.10, recurso nº 01390/04; o Acórdão de 2005.04.27, recurso nº 1891/03; o Acórdão de 2005.05.25, recurso nº 0400/05; e o Acórdão de 2008.03.06, recurso nº 0879/07, todos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, e todos disponíveis em www.dgsi.pt.
11. Sendo a referência feita no artigo 104º do CPPT “à identidade de natureza dos tributos” reportada “às categorias de imposto previstas no art. 104.º da CRP” – nesse sentido, vide Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. II, 6ª Edição, 2011, Áreas Editora, páginas 180/181, anotações ao artigo 104º do CPPT – e estando em causa no presente processo diferentes categorias de impostos previstas no artigo 104º da CRP (na perspetiva constitucional o IVA é um imposto sobre a despesa, ao passo que o IRS é um imposto sobre o rendimento), imperava, a nosso ver, concluir, na douta sentença ora posta em crise, pela procedência da invocada exceção da cumulação ilegal de impugnações, e, em sequência, deveria apenas ter sido apreciada a impugnação respeitante ao IVA, e não (também) a impugnação respeitante ao IRS.
12. Tendo a douta sentença ora em apreço procedido também à apreciação da impugnação respeitante a IRS, e à subsequente anulação das liquidações adicionais de IRS referentes aos anos de 2003, 2004 e 2005, aqui em causa, violou a mesma o disposto no artigo 104º do CPPT e no artigo 104º da CRP, devendo, em consequência, a mesma ser revogada, nesta parte, com todas as legais consequências.
Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Ex. as, deverá o presente recurso ser julgado procedente, e, consequentemente, deve ser revogada a douta sentença recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA.

O Impugnante não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado procedente, entendendo haver erro de julgamento de facto, assim como erro de direito por não ser possível cumular a impugnação de IRS e de IVA, nos termos do artigo 104.º do CPPT.
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Foram dispensados os vistos legais, nos termos do n.º 4 do artigo 657.º do Código de Processo Civil, com a concordância das Exmas. Desembargadoras Adjuntas.
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Delimitação do Objeto do Recurso – Questões a Decidir.

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões [vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º, e artigo 281.º do CPPT] são as de saber se é possível a cumulação de impugnação de IVA e de IRS, assim como saber se ocorreu erro na apreciação da matéria de facto.
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Relativamente à matéria de facto, o tribunal, deu por assente o seguinte:

III- FUNDAMENTAÇÃO
III - A) Com relevância para a decisão da causa, mostram-se PROVADOS os seguintes factos:

1. O Impugnante encontra-se colectado, como empresário em nome individual, pela actividade de “Fabricação de artigos de plástico para construção” – CAE 25230, desde 30.09.1985, enquadrado em sede de IVA no regime normal trimestral desde 01.01.1986 e em sede de IRS, no regime simplificado desde 01.01.2001 – cfr. fls. 26 do processo administrativo apenso aos autos (doravante PA).
2. A actividade exercida consiste, essencialmente, na venda (com colocação) e pequenas reparações de estores – idem.
3. No exercício da sua actividade, o Impugnante utiliza a firma “E.” – cfr. facturas de fls. 125 e ss. do PA.
4. Em 19.12.1989 foi constituída a sociedade C., LDA., com sede em (…) e cujos sócios e gerentes eram M., J. e E., respectivamente, pai e irmãos do ora Impugnante – cfr. fls. 116 e ss. do PA.
5. A referida sociedade, conhecida como “E.”, tinha por objecto o “fabrico, montagem, reparação, manutenção e comercialização de estores para prédios urbanos” – fls. 26 e 116 e ss. do PA.
6. A mencionada sociedade era proprietária de um veículo automóvel ligeiro de mercadorias, marca Nissan, com a matrícula XX-XX-XX – cfr. fls. 120 do PA.
7. Após a morte de M. (pai do Impugnante), ocorrida em 2000, a sociedade prosseguiu a sua actividade com E. e H., sobrinho do aqui Impugnante.
8. A referida sociedade encontra-se cessada, para efeitos de IVA, desde 31.12.2002 – cfr. fls. 26 do PA.
9. Ao abrigo da Ordem de Serviço nº 01200700270, de 27.07.2007, o Impugnante foi sujeito a uma acção de inspecção tributária, com incidência nos exercícios de 2003, 2004 e 2005, levada a cabo pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Viana do Castelo, a qual teve início em 03.08.2007 e terminou em 10.08.2007 – cfr. fls. 26 do PA.
10. A acção em causa teve origem no processo de contra-ordenação nº 2348200606009379, instaurado em 13.02.2006 no Serviço de Finanças de Viana do Castelo, tendo por base uma denúncia efectuada, a qual inclui cópias de um livro de registo de serviços prestados, Modelo 19, em nome do sujeito passivo – cfr. fls. 26 do PA.
11. Em 01.08.2007, no âmbito do referido procedimento inspectivo, foi ouvido em declarações A. e lavrado o respectivo auto, do qual consta o seguinte:
“Inquirido sobre a relação comercial mantida com o fornecedor L. (...), o mesmo declarou:
Quando contactava com os “E.” fazia-o na pessoa do Sr. H. embora também estivesse, por vezes, na oficina o Sr. L.. Nos contactos estabelecidos a ideia que subsistia era que o Sr. H. seria empregado do Sr. L.. Que o Sr. H. desloca-se numa carrinha com publicidade aos “E.” sempre que vai efectuar algum serviço ou entregar material. Os pagamentos eram feitos em cheque que entregava ao Sr. H., não se lembrando, contudo, em nome de quem eram emitidos.” – cfr. fls. 33 do PA.
12. Na mesma data, foi ouvido em declarações P., na qualidade de responsável geral da sociedade C., Lda., e lavrado o respectivo auto, do qual consta o seguinte:
“Inquirido sobre a relação comercial mantida com o fornecedor L. (...), o mesmo declarou:
“Os contactos com a “Fábrica de E.” eram realizados com o Sr. H. (encomendas via telefone). Os materiais eram levantados na oficina e/ou entregues também na nossa oficina. A oficina dos “E.” localizava-se no lugar de (…).
Aquando do levantamento dos materiais, esporadicamente, era o Sr. L. que se encontrava na oficina. Normalmente, quem estava presente era o Sr. H..
Muitas das vezes, quem recepciona os pagamentos da CMP era o Sr. L.. Até finais de 2002, as facturas eram emitidas em nome da sociedade “C., Lda.”, passando em 2003 a serem emitidas em nome da “Fábrica de E. de L.” – cfr. fls. 334 do PA.
13. Em 02.08.2007, foi ouvido em declarações J., na qualidade de sócio-gerente da sociedade S., Lda., e lavrado o respectivo auto, do qual consta o seguinte:
“Inquirido sobre a relação comercial mantida com o fornecedor L. (...), o mesmo declarou:
Os contactos efectuados com este fornecedor eram feitos na pessoa do Sr. H.. As facturas a partir dos finais de 2002 eram emitidas em nome de “Fábrica de E. de L.”. Os pagamentos eram efectuados em cheque emitidos à ordem de “A.” por indicação do Sr. H.. As entregas eram efectuadas com uma carrinha com publicidade aos “E.” – cfr. fls. 35 do PA.
14. Em 03.09.2007 foi elaborado o relatório final de inspecção, do qual se extrai, com relevância para os presentes autos, o seguinte:
III - Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável

1. O sujeito passivo em causa exerce a actividade de “Fabricação de artigos de plástico para a construção”, CAE 25230, desde 1985/09/30, enquadrado em sede de IVA no regime normal trimestral desde 1986/01/01, e em sede de IRS no regime simplificado desde 2001/01/01.
A actividade exercida consiste, essencialmente, na venda (com colocação) e pequenas reparações de estores, tal como se depreende da consulta aos seus elementos de escrita, nomeadamente, facturação e imobilizado.

2. Das diligências levadas a cabo, foi averiguado que constam, do já referido livro de registo de serviços prestados (Modelo 19), em nome deste sujeito passivo, L., com termo de abertura datado de 1985/09/30, vendas e prestações de serviços efectuadas nos exercícios de 2003, 2004 e 2005, não registadas na sua contabilidade.
Ouvido em auto de declarações, O sujeito passivo declarou que essas vendas e prestações de serviços foram efectuadas pelo seu sobrinho, H., com o NIF (…);
O referido sobrinho, também ele ouvido em auto de declarações, confirmou as declarações do tio. Declarou ainda que, em tempos, trabalhou, sem qualquer vínculo laboral, para a sociedade “C., Lda” que exercia a mesma actividade do sujeito passivo, a Qual pertencia ao seu avô e dois tios. Esta sociedade, conhecida como "E.", encontra-se cessada, para efeitos de IVA, desde 2002/12/31;

3. Assumindo ter efectuado estas vendas e prestações de serviços, o sobrinho do sujeito passivo, procedeu à apresentação da declaração de inicio de actividade, reportada à data de 2003/01/01, para o exercício de actividade de “Fabricação de portas, janelas e elementos similares”, CAE 28.120. Procedeu, também, à entrega das respectivas declarações periódicas de IVA, bem como, das respetivas declarações de rendimentos de IRS, não tendo, contudo, efectuado o pagamento do imposto dai resultante. De Igual forma, procedeu à apresentação da declaração de cessação de actividade reportada à data de 2005/09/30, data a partir da qual, não consta do referido livro qualquer registo de venda ou prestação de serviço.

4. Verificou-se que o sobrinho do sujeito passivo, anteriormente, nunca apresentou qualquer declaração, quer para efeitos de IRS, quer para efeitos de IVA, sendo que, à data das operações, não se encontrava registado pelo exercício de qualquer actividade;

5. Da análise ao referido livro de registo de serviços prestados, verificámos o seguinte:
¾ São referidas várias vendas, bem como, pequenas reparações (atendendo ao valor registado) de estores, todas elas enquadráveis no tipo de actividade exercido pelo sujeito passivo;
¾ Das diversas vendas e serviços prestados constantes desse livro, algumas têm identificado O n.º das respectivas facturas, emitidas pelo sujeito passivo, L., as quais se encontram devidamente registadas na sua contabilidade;
¾ Nessas facturas o sujeito passivo é Identificado como “Fábrica de E. de: A.”, liquidando IVA à taxa normal;
¾ As restantes vendas e prestações de serviços não se encontram facturadas, nem registadas na sua contabilidade;
¾ Constam também alguns registos referentes a compras efectuadas pelo sujeito passivo a Espanha, as quais também estão devidamente registadas na sua contabilidade;
¾ São referidas algumas retiradas de dinheiro a favor do sobrinho, descritas como, “Ordenado H.”, “H. levou 355,00€”, “H. ... 300,00€ cheque + 175,00 dinheiro”, “H. 60,00 €”;
¾ É ainda referida uma retirada de dinheiro para despesas, descrita como, “Saiu 5 € para gasóleo”,

6. Contactados alguns clientes identificados no livro e de acordo com os autos de declarações prestados (Anexo I de 3 folhas), constatámos o seguinte:
¾ Estes identificam o fornecedor como sendo os “E.”, sendo que, até finais de 2002, as facturas eram emitidas pela sociedade “C., Lda” e a partir de 2003, com a cessação de actividade desta sociedade, passaram a ser emitidas pelo sujeito Passivo, L.;
¾ Os contactos efectuados com este fornecedor, “E.”, eram essencialmente efectuados na pessoa de H.:
¾ As entregas também elas eram essencialmente efectuadas pelo H., o qual utilizava, para o efeito, uma carrinha com publicidade aos “E.”;
¾ Sempre que os clientes contactavam com ambos, em simultâneo, ficavam com a ideia de que quem geria/comandava a oficina era o sujeito passivo L.;
¾ O sujeito passivo, L., só pontualmente aparecia junto dos clientes e quando o fazia era para efectuar os recebimentos;
¾ Após a cessação da sociedade “C., Lda”, sempre que havia emissão de factura esta era emitida pelo sujeito passivo e em seu nome, tal como acima referido;
¾ Os pagamentos, quando efectuados através de cheque, eram emitidos à ordem de “A.”, “E.” ou “Fábrica de E.”.

7. Pelo exposto e contrariamente ao inicialmente declarado, quer pelo sujeito passivo, quer pelo seu sobrinho H., podemos concluir o seguinte:
¾ O H. não possui a estrutura empresarial necessária ao exercício desta actividade. Efectivamente, não são conhecidos ao sobrinho quaisquer bens imóveis (próprios ou arrendados), onde pudesse exercer qualquer tipo de actividade. Também não possui qualquer tipo de veículo necessário ao desenvolvimento desta actividade;
¾ Consultada a base de dados da DGCI, verificou-se a inexistência de qualquer rendimento, à excepção dos agora declarados para os anos de 2003, 2004 e 2005. Tal situação vem confirmar o que foi declarado pelo próprio, relativamente à sua “relação laboral” com a sociedade "C., Lda".
¾ Dos elementos constantes do livro (nomeadamente as retiradas a favor do H.) e das averiguações efectuadas junto dos clientes, afigura-se-nos que existe um vínculo laboral entre este e o sujeito passivo seu tio;
¾ As anotações constantes do dito livro, e tal como referido pelo sobrinho em auto de Declarações, foram efectuadas pelo próprio, assemelhando-se tais anotações a uma espécie de prestação de contas do sobrinho perante o tio. Temos assim, anotações das vendas e dos respectivos recebimentos, das compras, do ordenado do sobrinho, do pagamento de despesas... ;
¾ A posição de dependência em que se encontra o H. perante o seu tio (reside numa casa que pertence ao tio sem pagamento, conhecido, de qualquer renda e não possui qualquer fonte de rendimento conhecida) e a inexistência de quaisquer bens em seu nome, parecem ser motivos suficientes para o facto de este ter assumido como dele as vendas/prestações de serviços constantes do referido livro, entregando as respectivas declarações de IRS e IVA, sem efectuar os devidos pagamentos, esquivando-se assim, à adopção de eventuais medidas cautelares pela Administração Fiscal.

8. Assim, conclui-se que, tudo o que consta do referido livro, foi efectuado pelo sujeito passivo ou por conta do mesmo. No entanto, verifica-se que apenas parte dessas vendas e prestações de serviços foram facturadas e declaradas.
9. Face ao atrás descrito, consideramos que o sujeito passivo omitiu proveitos, pelo que, são por nós efectuadas as seguintes correcções:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

15. Das correcções efectuadas à matéria tributável, na sequência da inspecção tributária referida, resultaram as liquidações adicionais de IRS e IVA dos anos de 2003, 2004 e 2005, ora impugnadas, no valor global de €31.222,87 – cfr. fls. 37 e ss. do PA.
16. Em 27.02.2008, o Impugnante deduziu reclamação graciosa contra as referidas liquidações, a qual veio a merecer despacho de indeferimento, por parte do Chefe de Divisão de Tributação e Cobrança, e de cuja fundamentação se extrai o seguinte:
Analisando e concluindo:
28. Da análise do relatório da Inspecção Tributária concluiu-se terem sido omitidos proveitos que originaram correcções em sede de IRS e IVA descritas em quadros sinópticos que reflectem os valores declarados, as correcções técnicas e os valores corrigidos;
29. Como é consabido, a audiência dos interessados, revela-se como uma figura geral do procedimento administrativo em geral e tributário em particular, concretizando a directiva constitucional de “participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito” (cfr. art.º 267/5.º da CRP, o que permite associar o sujeito passivo á tarefa de preparação da decisão final do procedimento através da evidência da sua perspectiva e demais pontos de vista sobre os factos)1
30. Ora, tendo o reclamante sido notificado para exercer o direito de audição, foi o Projecto de Relatório da Inspecção Tributária devolvido pelos CTT com a indicação de não reclamado.
31. Na petição inicial, o reclamante junta aos autos declarações de contribuintes, sustentando que, as mesmas contrariam o relatório da Inspecção (ponto 26 da petição inicial);
32. No entanto, em nosso entender, tais declarações apenas confirmam a existência de relações comerciais entre os declarantes e a firma “C.”, cuja cessação para efeitos de IVA ocorreu em 2002-12-31,contactos esses que, após o falecimento de M. (2000-02-20), passaram a ser feitos com o filho E. confirmando algumas, o já referido em auto de declarações no âmbito do procedimento da Inspecção Tributária, ou seja, que havia o “conhecimento de outra empresa distinta denominada E. de A. que funcionava no mesmo imóvel” (cf.doc.7) ou ainda “declaro conhecer o Sr. A. como sócio do mesmo ramo com o nome de E., Lda. (cf. doc.2);
33. Ora, relativamente ao ponto essencial sobre o qual, assentam as liquidações oficiosas (“As restantes vendas e prestações de serviço não se encontram facturadas, nem registadas na sua contabilidade – cfr. relatório da inspecção), o reclamante não aduz elementos que contrariem a posição da Administração ao efectuar correcções técnicas aos rendimentos declarados para os anos fiscais de 2003,2004 e 2005.
Termos em que, face ao exposto e tendo em consideração os elementos carreados nos autos, sou do parecer que os fundamentos invocados não são pertinentes, pelo que a reclamação não deverá merecer provimento.
[cfr. fls. 89 e ss. do PA].
17. Em 21.11.2008, o Impugnante interpôs recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, que veio a ser indeferido – cfr. fls. 107 e ss.
Mais se provou que:
18. Os registos e anotações constantes do “Livro de Registo dos Serviços Prestados (modelo 19)”, com excepção do 1º registo, datado de 11.11.1985, foram efectuados pelo sobrinho do Impugnante, H..
19. Os registos dos serviços prestados constantes do dito livro respeitavam à sociedade C., Lda., com excepção daqueles que aludiam a facturas emitidas pelo Impugnante.
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III - B) FACTOS NÃO PROVADOS:
Com interesse para a decisão da causa, inexistem.
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III - C) MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA:
Os factos dados como assentes tiveram por base, na sua generalidade, os documentos juntos aos autos e/ou não resultaram controvertidos.
A prova do facto descrito no ponto 7 resultou da conjugação dos documentos de fls. 13 a 18 do PA com o depoimento isento e convicto das testemunhas C. e J., que referiram ter mantido relações comerciais com a sociedade C., Lda. na pessoa do Sr. M. e, após a morte deste, com o Sr. E. e com o Sr. H. , pessoas com quem lidaram comercialmente, pelo menos, até 2003.
A convicção sobre esse facto foi, ainda, reforçada com o depoimento da testemunha H. , sobrinho do Impugnante, o qual afirmou que após a morte do avô prosseguiu a actividade da C., Lda. juntamente com o seu tio E..
Os factos a que aludem os pontos 18 e 19 foram considerados provados com base no depoimento coerente e assertivo da testemunha H. , o qual relatou ao Tribunal que aproveitou o livro deixado pelo tio L., que só tinha uma linha preenchida, para registar os movimentos da C., Lda.. Referiu, ainda, que havia alguns registos que respeitavam a vendas do tio L., facturadas por este, o que sucedia nos casos em que tinha falta de material e o tio o “desenrascava”, servindo aqueles registos de mero apontamento.
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Apreciação jurídica do recurso.

Em primeiro lugar compete saber se era possível ter sido efetuada a cumulação de impugnação do IRS, com a impugnação de IVA.

Relativamente a este aspeto a jurisprudência num primeiro momento entendeu que não era possível realizar-se no mesmo processo a cumulação de impugnação de impostos diferentes, por considerar que se estava diante de tributos de diferente natureza.

No entanto, essa jurisprudência foi-se alterando, passando a admitir a cumulação de impugnações, desde que se estivesse diante da mesma natureza de tributos, agora considerando já que os impostos são tributos da mesma natureza. Isto, ainda antes da alteração e aditamentos ao artigo 104.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), operada pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro.

Nos termos desta Lei foi aditado um n.º 2 ao artigo 104.º do CPPT, com a seguinte redação: «2 - Não obsta à cumulação ou à coligação referida no número anterior a circunstância de os pedidos se reportarem a diferentes tributos, desde que todos se reconduzam à mesma natureza, à luz da classificação prevista do n.º 2 do artigo 3.º da Lei Geral Tributária.».

Ora, a o n.º 2 do artigo 3.º da Lei Geral Tributária, classifica os tributos em impostos e outras espécies tributárias criadas por lei, como as taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas.

Portanto, afigura-se que o legislador admite a cumulação de impugnações de impostos diferentes, mas já não de impostos com taxas ou contribuições financeiras a favor de entidades públicas. Segundo esta análise, então tributos de diferente natureza não serão os diferentes impostos, pelo que, respeitando os demais requisitos do artigo 104.º, é possível cumular impugnações em relação a diferentes impostos. Os demais requisitos para admissão de cumulação de impugnações eram (e ainda são) o da identidade dos fundamentos de facto e de direito.

Segundo se depreende da matéria de facto, os fundamentos de facto são comuns ao IVA e ao IRS, uma vez que estarão em causa vendas e prestações de serviços não declarados, portanto, não faturadas em IVA, sendo que essas vendas e prestações de serviços conformariam os rendimentos do sujeito passivo, em sede de IRS. Desta forma, está em causa a apreciação dos mesmos factos que darão origem à liquidação destes dois impostos.

A questão de direito neste processo não é colocada, na medida em que a impugnação se baseia apenas no erro nos pressupostos de facto.

Conforme acima mencionado, ainda antes desta alteração legislativa, já a jurisprudência admitia a cumulação de impugnações em relação a diferentes impostos. Veja-se sobre o assunto os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo a seguir relatados pelos respetivos sumários:
Acórdão do STA, 2.ª SECÇÃO, de 06-03-2013, proc. n.º 01327/12, em:
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/7fc76ed125040f278 0257b41004f8fbd?OpenDocument)
I - O facto de a impugnação judicial respeitar a IVA e a IRC - sendo o IVA um imposto sobre a despesa e o IRC um imposto sobre o rendimento - não obsta ao prosseguimento dos autos, pois que em ambos os casos se está perante tributos com a natureza de impostos (art. 104.º do CPPT). II - Decorrendo as liquidações adicionais de um mesmo facto, que foi a alteração da matéria tributável, efectuada por métodos indirectos, e baseando-se a anulação das liquidações adicionais no mesmo fundamento de facto e de direito, exigências de racionalidade de meios, da celeridade da decisão e até para evitar decisões contraditórias, tudo aponta também no sentido das liquidações em causa serem analisadas na mesma acção, devendo o art. 104.º do CPPT ser interpretado à luz do princípio pro actione, corolário do direito à tutela judicial efectiva.

Acórdão do STA, 2.ª SECÇÃO, de 24-10-2012, proc. n.º 0747/12, em: http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d28da6bed6bfe6e48 0257aa800404442?OpenDocument)
I - A impugnação judicial é a forma processual adequada para apreciação da legalidade da decisão de indeferimento de recurso hierárquico interposto de decisão de improcedência de pedido de revisão de liquidações adicionais de IRC e IVA, estando a acção administrativa especial reservada para a impugnação de actos que não comportem a apreciação de actos de liquidação (als. a) e j) do art. 101.º da LGT e al. p) do n.º 1 do art. 97.º do CPPT).
II - A forma processual adequada à apreciação do pedido de anulação do acto de fixação da matéria tributável com fundamento em injustiça grave ou notória é, igualmente, a impugnação judicial (arts. 78.º n.º 3 da LGT e 97.º n.º 1 al. b) do CPPT). III - Tendo sido deduzidos pedidos principal e subsidiário e concluindo-se que a ambos cabe a mesma forma de processo, não há lugar a indeferimento liminar da Petição, ainda que se considerem incompatíveis, já que não é necessário que o pedido primário e o subsidiário sejam compatíveis (apenas se exigem os requisitos previsto no art. 469.º do CPC), embora seja indispensável que um e outro pedido estejam sujeitos à mesma forma, ou melhor, ao mesmo tipo de processo, e que para os dois pedidos seja competente, em razão da matéria e da hierarquia, o mesmo tribunal (cfr. Alberto dos Reis, CPC anotado, Vol. I, anotação ao art. 273.º, pag. 373.º). IV - O facto de as impugnações respeitarem a IVA e a IRC - sendo o IVA um imposto sobre a despesa e o IRC um imposto sobre o rendimento – não obsta ao prosseguimento dos autos, pois que em ambos os casos se está perante tributos com a natureza de impostos (artigo 104.º do CPPT). V – Sendo possível identificar os fundamentos do pedido não pode decidir-se indeferir liminarmente a impugnação por ausência ou ininteligibilidade da causa de pedir.

Face ao exposto, improcede o recurso nesta parte.
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Em segundo lugar, invoca a Recorrente que a Sentença incorreu em erro de julgamento de facto.

Para este efeito, a Recorrente não pretende propriamente a reapreciação da prova gravada, mas antes que os depoimentos prestados não são bastantes para dar como provados os pontos 7) e 19) da matéria de facto assente na Sentença, segundo a motivação da mesma, designadamente por não ser idóneo o depoimento prestado pelo sobrinho do Impugnante, na medida que está dependente economicamente do seu tio. Diz, ainda, a Recorrente os documentos constantes de fls. 13. a 18 do Processo Administrativo, não permitem concluir que a sociedade C., Lda., após a morte do pai do recorrido, ocorrida em 2000, prosseguiu a sua atividade com E. e H. e, muito menos, e com especial relevância para o caso concreto, que tal atividade tivesse sido exercida em 2003, 2004 e 2005.

Mais alega a Recorrente que testemunhas C. e J., atendendo a que os mesmos declararam que após a morte do Sr. M., passaram a lidar comercialmente (também) com o Sr. H. , pelo menos até 2003, tal depoimento em nada abala as conclusões a que se chegou em sede de procedimento inspetivo, na medida em que aí se apurou que quem estabelecia os contactos comerciais com os clientes do recorrido e quem efetuava as entregas era o referido H. .

Recorde-se a fundamentação exarada na Sentença para dar como provados os factos assentes n.º 7 e n.º 19: A prova do facto descrito no ponto 7 resultou da conjugação dos documentos de fls. 13 a 18 do PA com o depoimento isento e convicto das testemunhas C. e J., que referiram ter mantido relações comerciais com a sociedade C., Lda. na pessoa do Sr. M. e, após a morte deste, com o Sr. E. e com o Sr. H. , pessoas com quem lidaram comercialmente, pelo menos, até 2003.
A convicção sobre esse facto foi, ainda, reforçada com o depoimento da testemunha H. , sobrinho do Impugnante, o qual afirmou que após a morte do avô prosseguiu a actividade da C., Lda. juntamente com o seu tio E..
Os factos a que aludem os pontos 18 e 19 foram considerados provados com base no depoimento coerente e assertivo da testemunha H. , o qual relatou ao Tribunal que aproveitou o livro deixado pelo tio L., que só tinha uma linha preenchida, para registar os movimentos da C., Lda.. Referiu, ainda, que havia alguns registos que respeitavam a vendas do tio L., facturadas por este, o que sucedia nos casos em que tinha falta de material e o tio o “desenrascava”, servindo aqueles registos de mero apontamento.

Mais adiante a Sentença no segmento de Direito, refere ainda o seguinte:
No tocante às conclusões extraídas dos autos de declarações, é de assinalar que a firma “E.” era utilizada quer pelo Impugnante, quer pela sociedade C., Lda., facto que aliado à circunstância de as duas empresas se dedicarem à mesma actividade e pertencerem a elementos da mesma família dificulta sobremaneira a destrinça entre uma e outra. Tal dificuldade transpareceu nos depoimentos das testemunhas A. e J., os quais, contudo, afirmaram perante o Tribunal que mantiveram relações comerciais com a sociedade C., Lda., nunca tendo lidado com o Impugnante.

Apreciando.

Nesta última transcrição, a sentença parece valorar os depoimentos prestados em autos de declarações, mas conclui que não é possível fazer a destrinça entre a “E.” e a C., Lda.”. diz, ainda, que também resulta dos depoimentos testemunhais de A. e J., a dificuldade em destrinçar a atividade destas duas empresas.

Ora, se existia dificuldade em destrinçar a atividade das duas empresas, então não resulta como claro e lógico que se pudesse ter dado como assente o que ficou exarado no ponto 7 da matéria de facto.

Por outro lado, se a Sentença acaba por apreciar o que foi declarado em autos de declarações, então devia ter esclarecido porque é que os depoentes referiam que viam o Impugnante como gerente e que só aparecia para receber os pagamentos, assim como porque motivo consideravam o sobrinho como comercial, sendo que não está minimamente explicado este relacionamento. Ou seja, se o Impugnante era visto como gerente e recebia os pagamentos, não é muito coerente que se conclua que nada tinha a ver com a situação, pois quem recebe os pagamentos é quem controla as finanças do negócio; logo é quem tem o poder de decidir.

No que concerne ao depoimento do sobrinho do Impugnante (H.), verifica-se, que não está impugnada a matéria mencionada no Relatório da Inspeção de que o mesmo estava dependente economicamente do tio, nem que havia retiradas de dinheiro a seu favor, como um designado “ordenado”.
Assim, tal depoimento deveria e deve ser aferido com todas as cautelas, conforme é apanágio das situações familiares de dependência económica ou de subordinação. No sentido da cautela na apreciação de tais depoimentos já tem decidido este Tribunal, como se pode ver, designadamente nos Acórdãos proferido nos processos n.º 1331/19.1BEPNF, proferido em 28/01/2021 (que cremos ainda inédito) e n.º 259/14.6BEPNF, proferido em 13/07/2017 (em www.dgsi.pt).
Assim, no Acórdão do processo n.º 1331/19.1BEPNF, refere-se a dado passo o seguinte: Atenta a relação de parentesco existente entre a testemunha - de resto, a única arrolada - e o Recorrente e a proximidade de convivência que se revelou existir entre ambos, o respetivo depoimento tem de ser encarado e analisado com especial cautela, não sendo apto, por si só e sem mais, a provar a realização do empréstimo em causa, sem que existam evidências adicionais dessa alegada realidade. - cfr. neste sentido o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 13.07.2017, proferido no Proc. n.º 259/14.6BEPNF, disponível em www.dgsi.pt, de acordo com o qual “para além da falibilidade própria da prova testemunhal, os depoimentos de familiares próximos devem ser encarados e analisados com redobrada cautela (a decorrente da falibilidade da prova testemunhal e a da natural tendência para a “proteção da família)”.

Mais adiante refere, ainda o seguinte: E concordamos com a sentença recorrida, pela sua correcta fundamentação. Desde logo as declarações da testemunha inquirida. É certo que a relação de parentesco não constitui nenhuma inabilidade para depor de acordo com o disposto no artigo 495.º n.º 1 do CPC, nem foi isso que a sentença afirmou. Todavia, como se afirmou no Acórdão deste TCA Norte, processo n.º 259/14.6BEPNF, de 13.07.2017, citado na sentença, e que a aqui Relatora subscreveu como 1.ª adjunta, “(…) acrescido à falibilidade própria da prova testemunhal, os depoimentos de familiares próximos devem ser encarados e analisados com redobrada cautela (a decorrente da falibilidade própria da prova testemunhal e a natural tendência para a “proteção da família”).

Ora, a testemunha em apreço, sobrinho do Impugnante, sem rendimentos conhecidos, vivendo na casa deste, encontra-se numa situação de vulnerabilidade, daí que o seu depoimento esteja deveras enfraquecido. Desta forma, o seu depoimento só por si não vale para sustentar a alegação do Impugnante, se estiver em desacerto com os demais elementos de prova produzida.

Quanto à demais prova testemunhal, a mesma não foi assertiva, ou seja, não logrou ser coerente e congruente de molde a infirmar as relações entre tio e sobrinho e explicar cabalmente afinal quem era quem nos negócios aqui em apreço.

Também não deixa de ser pertinente que, tendo sido inquiridas pelo Tribunal seis testemunhas, na Sentença apenas sejam valorados os depoimentos de quatro testemunhas (C., J., H. e A.), desconhecendo-se o que motivou a exclusão na fundamentação da decisão das outras duas testemunhas. Aliás, a motivação em relação aos depoimentos testemunhais é deveras minimalista e não conjuga tais depoimentos com a prova documental.

No que concerne à prova documental, também não está explicado o que é que afinal o tio desenrascava ao sobrinho, desconhecendo-se qual seria o material em falta, para poder estar assente num livro de modo tão recorrente. É que salvo melhor opinião, o desenrascanço afigura-se ser ocasional e não frequente. Para além disso, tal livro continha a indicação de cerca de mil e cem vendas e prestações de serviços, como inúmeras reparações (vide págs. 91 do SITAF, fls. 73 a 134 do suporte físico do processo), com a indicação de trabalhos realizados e nome dos clientes, pelo que não colhe o argumento que se tratava de fornecimento de material, pois que se assim fosse, então constaria apenas o nome da pessoa a quem era efetuado o fornecimento e não de dezenas ou centenas de pessoas, empresas ou entidades, assim como o tipo de trabalhos efetuados, tais como reparações.

Aliás, veja-se a título de exemplo o que consta, por exemplo no dia 08/04/03 (fls. 124 do processo físico), onde está mencionado por quatro vezes «Estores laminados N.», embora com três referências distintas, assim como «Estores laminados P.», ou «Estores Laminados A.», ou ainda, «Estores Laminados C.». o mesmo se passa noutras datas com diversos fornecimentos no mesmo dia à mesma pessoa ou entidade, pelo que não se pode aceitar tratar-se de fornecimento e material para desenrascar ocasionalmente.

Ora, conforme se pode ver, tratam-se de vendas e de, pelo menos uma obra, sendo que as menções a reparações são diversas ao longo do Livro. Assim, não é plausível o alegado desenrascanço de material para socorrer alguém numa ocasião.

Para além disso, deteta-se no Livro nalgumas situações a menção, uma vezes a seguir ao nome de «Factura n.º», outras vezes no Quadro encimado por «Observações» também algumas vezes «Factura n.º …», estando a maior parte com «Not …» ou sem nada. Verifica-se, por exemplo, a fls. 127 do processo físico a seguinte menção: «7/4/03 a 3/9/06 … Facturamos …».

Por aqui também se percebe a existência deste Livro.
Resulta, ainda, que alguns dos nomes mencionados no Livro também constam das vinte e uma faturas juntas aos autos (págs. 91 do SITAF, fls. 135 a 145 do processo físico), para além de constarem do Livro inúmeros nomes de pessoas e firmas, dos quais não se deteta qualquer fatura, pelo que conjugadas estas duas realidades, pode concluir-se que as indicações efetuadas no Livro tratavam-se de vendas e prestações de serviços que não eram faturadas, pois não são apresentadas tantas faturas quantas as menções apostas no Livro. Aliás, conforme acima referido, o Livro fazia a distinção das situações em que era mencionada «Factura n.º», sendo que na maior parte das vezes nada consta sobre faturas.

Da mesma forma, não estão explicadas as verbas destinadas ao sobrinho H., tal como a que se refere a “Ordenado”.

Em face do exposto, verifica-se que o depoimento do sobrinho H., não se afigura suficiente, ou até mesmo credível, para que pudesse ser dado como provada a matéria que ficou assente nos pontos 7 e 19.

Destarte, o Impugnante não logrou infirmar a factualidade apurada pela Administração Tributária e as conclusões extraídas em sede inspetiva e que fundamentam as liquidações postas em crise.

Desta forma, não logrando ficar demonstrado que: (7) Após a morte de M. (pai do Impugnante), ocorrida em 2000, a sociedade prosseguiu a sua actividade com E. e H., sobrinho do aqui Impugnante; e que (19) Os registos dos serviços prestados constantes do dito livro respeitavam à sociedade C., Lda., com excepção daqueles que aludiam a facturas emitidas pelo Impugnante, tal factualidade tem de ser eliminada do probatório.

Termos em que procede o recurso na parte em que se invoca erro de julgamento da matéria e facto, e, expurgados os pontos 7 e 19, verifica-se que a Impugnação tem de soçobrar.

Em face do exposto, são de manter também os fundamentos de direito que fundamentam as liquidações, uma vez que se tratam de meras correções aritméticas, que visam corrigir as inexatidões das vendas e prestações de serviços não faturadas, tendo o Impugnante contrariado o disposto no artigo 116.º do Código do IRS e do artigo 50.º do Código do IVA.
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Nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte sumário:

I – É admissível a cumulação de impugnações de diferentes impostos no mesmo processo, mesmo antes da alteração ao artigo 104.º do CPPT, efetuada pela Lei n.º 118/2019, de 19/09, por o conceito de tributos de diferente natureza se referir a impostos, taxas e demais contribuições financeiras e não a impostos entre si.

II – O depoimento de um familiar dependente economicamente de outro, deve ser apreciado com todas as cautelas e desvalorizado se não for coerente com a demais prova produzida, seja testemunhal, seja documental.
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Decisão

Termos em que, acordam em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação improcedente.
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Custas a cargo do Recorrido, não sendo devida taxa de justiça nesta instância, por não ter contra-alegado.
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Porto, 27 de maio de 2021.

Paulo Moura
Cristina da Nova
Ana Paula Santos