Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00134/14.4BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/07/2016
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:ISENÇÃO DE IMI
CENTROS HISTÓRICOS INCLUÍDOS NA LISTA DO PATRIMÓNIO MUNDIAL DA UNESCO
MONUMENTO NACIONAL
Sumário:1 - Estão isentos de imposto municipal sobre imóveis: os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável – cfr. artigo 44.º, n.º 1, alínea n) do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
2 - Os imóveis situados nos Centros Históricos incluídos na Lista do Património Mundial da UNESCO classificam-se como sendo de interesse nacional, inserindo-se na categoria de “monumentos nacionais” – cfr. artigo 15.º, n.º 3 e n.º 7 da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro.
3 - Os prédios inseridos nos Centros Históricos Classificados beneficiam de isenção de imposto municipal sobre imóveis.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:J...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

J…, NIF 1…, com residência e domicílio fiscal na Rua…, 4690.632 Souselo, Cinfães, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 27/01/2016, que julgou improcedente a acção administrativa especial deduzida contra o despacho proferido pelo Serviço de Finanças do Porto 5, que lhe foi notificado em 25.11.2013, que revogou a isenção de Imposto Municipal sobre Imóveis de que vinha usufruindo desde 2004, relativamente aos prédios com os artigos matriciais 4… e 6… (antigos artigos 1… e 1…) da União de Freguesias de Cedofeita, Santo Ildefonso, Sé, Miragaia, S. Nicolau e Vitória.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso com as conclusões que se reproduzem de seguida:
i) É nula a sentença que julgou improcedente a presente acção administrativa;
ii) A sentença não conheceu de questões que devia conhecer, nomeadamente, os vícios de violação de lei articulados pelo Autor nos artigos 68º a 87º (da violação dos direitos adquiridos), 88º a 95º da PI (da violação do artigo 141º do CPA) e 96º a 115º da PI (violação dos artigos 3º, 5º, 6º, 6º - A do CPA e 2º da CRP);
iii) A verificação de qualquer um destes fundamentos da acção administrativa especial implicaria a sua procedência e a anulação do acto administrativo praticado pelo Chefe do Serviço de Finanças do Porto 5, que revogou a isenção de IMI que o Autor vinha usufruindo desde 2004 relativamente aos prédios com os artigos matriciais nº 4… e 6…;
iv) Também deveria o tribunal recorrido ter levado à fundamentação de facto os alegados nos artigos 6º e 7º da PI, por relevantes para a boa decisão da causa, nomeadamente, para a apreciação e decisão do vício de violação de lei invocado pelo Autor nos artigos 96º a 115º da PI, o qual não foi conhecido pelo tribunal, como devia;
v) Declarada a omissão de pronúncia, por violação dos artigos 615º, nº1, al. d) do CPC, 95º, nº1 e 95º, nº2 do CPTA, deve a sentença ser revogada, ou por via de reparação do despacho (art. 617º, nº1 do CPC) ou por via de procedência do presente recurso;
vi) Verifica-se erro de julgamento por parte do tribunal recorrido na correcta interpretação e aplicação do artigo 44º, nº1, al. n) do EBF e artigo 15º, nº1, 3 e 7 da Lei 107/2001, de 8 de Setembro;
vii) Os prédios do Autor mostram-se classificados como “monumento nacional” pela entidade competente para a respectiva classificação;
viii) Classificados os prédios do Autor como “monumento nacional”, é inequívoco que os mesmos gozam da isenção de IMI, conforme primeira parte do artigo 44º, nº1, al. n) do EBF, que refere que “estão isentos de imposto municipal sobre imóveis, os prédios classificados como monumento nacional...”;
ix) O único requisito necessário para a isenção de IMI é que a prédio encontre-se classificado como «monumento nacional»;
x) Os bens imóveis incluídos na lista do património mundial integram, para todos os efeitos e na respectiva categoria, a lista dos bens classificados como de interesse nacional - cf - art. 15º, nº7 da lei 107/2001;
xi) De acordo com o artigo 15º, nº3 da mesma lei, para os bens imóveis classificados como de interesse nacional, sejam eles monumentos, conjuntos ou sítios, adoptar-se-á a designação «monumento nacional»;
xii) A tónica da isenção prevista no artigo 44º, nº1, al. n) do EBF é a classificação como “monumento nacional” e nada mais;
xiii) Um “conjunto” é considerado e designado «monumento nacional», quando de interesse nacional - e para todos os efeitos legais -, o que é o caso;
xiv) Os prédios do Autor encontram, portanto, isentos de IMI, nos termos do artigo 44º, nº1, al. n) do EBF;
xv) Sendo o Centro Histórico do Porto património mundial da Unesco e constituído pelo conjunto de imóveis aí existentes, claro está que todos os imóveis que dele fazem parte são considerados «monumentos nacionais»;
xvi) Mostra-se errada a interpretação vertida na sentença recorrida, que não tem qualquer acolhimento na lei nem no seu espírito;
xvii) Incorreu o tribunal em erro de julgamento, por violação dos artigos 44º, nº1, al. n) do EBF e artigo 15, nº1, 3 e 7 da Lei 107/2001;
xviii) Deve o tribunal de recurso conhecer da questão articulada e fundamentada nos artigos 68º a 87º da PI e 87º a 115º das alegações escritas, o que o tribunal recorrido não fez;
xix) Está aqui em causa a violação dos artigos 12º da LGT, 10º, 11º, 12º e 14º do EBF e 14º, nº1, al. b) do CPA;
xx) Deve o tribunal de recurso conhecer da questão articulada e fundamentada nos artigos 88º a 95º da PI e 116º a 124º das alegações escritas;
xxi) Está aqui em causa a violação do artigo 141º do CPA;
xxii) Deve o tribunal de recurso conhecer da questão articulada e fundamentada nos artigos 96º a 115º da PI e 125º a 146º das alegações escritas;
xxiii) Está aqui em causa a violação dos artigos 3º, 5º, 6º, 6º-A do CPA e 2º da CRP;
xxiv) Para o conhecimento desta questão, devem ser aditados aos factos provados os constantes dos artigos 6º e 7º da PI, conforme explicado na arguição de nulidade da sentença, acima articulada.
Termos em que, na procedência da arguição de nulidade e do recurso, deve ser revogada a sentença que julgou improcedente a presente acção administrativa especial, determinando-se, em consequência, a anulação do acto administrativo praticado pelo Chefe do Serviço de Finanças do Porto 5, que revogou a isenção de IMI que o Autor vinha usufruindo desde 2004 relativamente aos prédios com os artigos matriciais nº 4… e 6….
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal não se pronunciou sobre o mérito do recurso, no entendimento de que a relação jurídico-material controvertida não implica direitos fundamentais dos cidadãos, interesses públicos especialmente relevantes ou valores constitucionalmente protegidos como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das Autarquias Locais (artigo 9.º, n.º 2, 85.º, n.º 2 e 146.º, n.º 1 do CPTA).
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida enferma de nulidade, por omissão de pronúncia, e de erro de julgamento, por violação de lei – infracção ao disposto no artigo 44.º, n.º 1, alínea n) do Estatuto dos Benefícios Fiscais, no artigo 15.º, n.º 1, 3 e 7 da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro: isenção de IMI de prédios classificados, nos artigos 3.º, 5.º, 6.º, 6.º-A e 141.º do Código de Procedimento Administrativo (violação dos princípios da protecção da confiança, boa-fé, legalidade e justiça), no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa e da violação dos direitos adquiridos.

III. Fundamentação

1. Matéria de facto
Na sentença prolatada em primeira instância, foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
Factos provados:
1. Por despacho de 12.11.2003, o Serviço de Finanças do Porto 2, deferiu os pedidos de isenção de Contribuição Autárquica, a partir do ano de 2004 referente aos artigos 1… e 1… da freguesia da Sé, Porto – cf. notificações realizadas ao autor e que fazem fls. 28 e 29 dos autos (numeração referente ao processo físico), documentos n.º4 e 5 da Petição Inicial;
2. Pela Direcção Regional de Cultura do Norte, em 03.12.2013, foi emitida a certidão constante de fls. 20 e 25 dos autos, onde se certifica que os prédios sitos na Rua de Pelames… e Escadas do Codeçal,…Porto, estão classificados como Monumentos Nacionais, de acordo com a Lei 107/2001 de 08.09.2001. Mais se certificou que os imóveis fazem parte integrante do conjunto denominado “Centro Histórico do Porto” – cf. certidões de fls. 20 e 25 dos autos, integrantes do documento 2 da Petição Inicial, para cujo teor se remete e o qual se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
3. Por ofício de 28.10.2013, foi o Autor notificado para, querendo exercer o seu direito de audição prévia, atendendo ao facto da entrada em vigor da lei 53-A/2006 de 29 de Dezembro, ora “(…) após a entrada em vigor daquele diploma (2007.01.01), foi introduzido um novo elemento literal no texto do mesmo preceito, a classificação individual do prédio, o qual, por configurar uma alteração dos pressupostos que permitiram o reconhecimento da isenção concedida, determina a cessação do benefício que vinha a usufruir, impondo a reposição da tributação e, consequentemente, a liquidação do imposto devido” – cf. notificação constante de fls. 39 dos autos, documento 8 da Petição Inicial, documento para o qual se remete e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
4. Exercido que foi o direito de audição, por ofício datado de 19.11.2013, o Autor foi notificado relativamente à cessação da isenção de Imposto Municipal sobre Imóveis de que vinha beneficiando relativamente aos prédios identificados pelos artigos 4… e 6… da União de Freguesias de Cedofeita, Santo Ildefonso, Sé, Miragaia, S. Nicolau e Vitória (anteriores 1… e 1… da freguesia da Sé): “após análise aos documentos entregues, verifica-se não terem sido juntos elementos novos a provar que os prédios reúnem os pressupostos à isenção, pelo que se mantém o projecto de decisão comunicado, com a liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis dos anos de 2009 a 2012, do que será notificado do valor a pagar (…)” – cf. notificação de fls. 15 dos autos (numeração referente ao processo físico), documento 1 da Petição Inicial, para o qual se remete e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
5. Em 16.01.2014 deu entrada neste Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto a presente Acção Administrativa Especial – cf. carimbo aposto no rosto da mesma a fls. 1 dos autos (numeração do processo físico).
Factos não Provados:
Inexistem factos não provados com relevância para a decisão a proferir.
Motivação:
A convicção do tribunal baseou-se nos documentos apresentados com a petição inicial e no processo administrativo junto pela ré com a contestação, como se indicou ao longo dos factos provados.”
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2. O Direito

Cumpre entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida a tarefa de indagar dos apontados motivos de nulidade da sentença, por omissão de pronúncia.
Sustenta o Recorrente que a sentença recorrida julgou improcedente a acção, porque entendeu que os prédios do Autor não se encontravam individualmente classificados, e como de interesse público, não gozando, portanto, do direito ao respectivo benefício fiscal (isenção de pagamento de IMI) nos termos referidos no artigo 44.º, n.º 1, alínea n) do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).
Por conseguinte, a sentença pronunciou-se sobre um dos vícios imputados ao acto impugnado, nomeadamente o articulado pelo Autor nos artigos 16.º a 67.º da sua petição inicial (vício de violação de lei, por infracção ao artigo 44.º, n.º 1, alínea n) do EBF); não se tendo pronunciado sobre os restantes vícios imputados ao acto, a saber:
- vício de violação de lei, articulado nos artigos 68.º a 87.º da PI e 87.º a 115.º das alegações escritas, nomeadamente, dos artigos 12.º da LGT, 10.º, 11.º, 12.º e 14.º do EBF e 140.º, n.º 1, alínea b) do Código de Procedimento Administrativo (CPA);
- vício de violação de lei, articulado nos artigos 88.º a 95.º da PI e 116.º a 124.º das alegações escritas, nomeadamente, do artigo 141.º do CPA;
- vício de violação de lei, articulado nos artigos 96.º a 115.º da PI e 125.º a 146.º das alegações escritas, nomeadamente, dos artigos 3.º, 5.º, 6.º, 6.º - A do CPA e 2.º da CRP.
Na óptica do Autor, a verificação de qualquer um destes fundamentos de impugnação implicaria a procedência da acção e a anulação do acto administrativo praticado pelo Chefe do Serviço de Finanças do Porto 5, de revogação da isenção de IMI que o Autor vinha usufruindo desde 2004 relativamente aos prédios com os artigos matriciais n.º 4… e n.º 6….
Concluiu que eram sempre questões a decidir pelo Tribunal recorrido, mesmo que julgado improcedente o vício articulado nos artigos 16.º a 67.º da PI, por não estarmos perante questões prejudiciais entre si. Logo, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar - cfr. artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil (CPC) e artigo 95.º, n.º 1 e n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).
A sentença/decisão pode padecer de vícios de duas ordens:
Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e, então, a consequência é a sua revogação;
Por outro lado, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artigo 615.º, do CPC.
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia ou a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, n.º 1, do CPPT, no penúltimo segmento da norma.
A nulidade por omissão/excesso de pronúncia traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 608.º, n.º 2 do CPC, que impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; e, por outro lado, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente.
Lembramos que ocorre nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do tribunal sobre questões a que esteja obrigado a pronunciar-se.
Nesta matéria, a jurisprudência tem reiteradamente afirmado que “só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio” (cfr. Acórdão do STA, de 19/09/2012, processo n.º 0862/12).
Por conseguinte, só há omissão de pronúncia “quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões” (cfr. Acórdão do STA, de 28/05/2014, processo n.º 0514/14).
Não residem dúvidas que o Recorrente pretendeu impugnar nos presentes autos o acto administrativo que pôs fim à isenção de IMI que o Autor vinha usufruindo desde 2004, invocando vários vícios para o efeito.
A sentença recorrida apreciou unicamente o direito de os prédios em causa beneficiarem de isenção de IMI, ao abrigo do artigo 44.º, n.º 1, alínea n) do EBF, tendo concluindo não estarem os mesmos abrangidos, julgando, por isso, a acção improcedente e mantendo o acto impugnado na ordem jurídica.
Nesta conformidade, o tribunal recorrido não explicou a sua motivação para não apreciar os restantes vícios invocados, tanto mais que a verificação de algum deles poderia, eventualmente, determinar a eliminação do acto impugnado da ordem jurídica.
Reiteramos que a apontada nulidade por omissão de pronúncia só ocorre nos casos em que o Tribunal “pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento. No entanto, mesmo que entenda não dever conhecer de determinada questão, o tribunal deve indicar as razões por que não conhece dela, pois, tratando-se de uma questão suscitada, haverá omissão de pronúncia se nada disser sobre ela” - Vide Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado e comentado, volume II, 6ª edição, 2011, Áreas Editora, pág. 363. Neste sentido, entre muitos outros, podem ver-se os acórdãos do STA de 13/07/11 e de 20/09/11, proferidos nos recursos n.º 0574/11 e n.º 0268/11, respectivamente.
A este propósito, importa recordar Alberto dos Reis, segundo o qual “uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção” - Vide Alberto dos Reis, CPC, anotado, Volume V, pág. 143.
Ora, manifestamente, verifica-se a invocada nulidade, dado que na sentença recorrida nenhuma razão é apontada para não avançar para a apreciação dos restantes vícios, que consubstanciam, claramente, questões sobre as quais o tribunal devia ter tomado posição.
Relembramos que estamos perante uma acção administrativa especial que tem em vista a impugnação de um acto administrativo; logo, nos processos impugnatórios, o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as causas de invalidade que tenham sido invocadas contra o acto impugnado - cfr. artigo 95.º, n.º 2 do CPTA.
Mas, mesmo que assim não fosse, o tribunal deve decidir, na sentença ou acórdão, todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras - cfr. artigo 95.º, n.º 1 do CPTA.
Assim, sem qualquer justificação, principalmente porque julgou a acção improcedente somente com base na apreciação do único vício analisado, o tribunal recorrido não tomou conhecimento das questões suscitadas pelo Autor na sua petição inicial, designadamente, omitiu pronúncia acerca dos vícios de violação de lei articulados nos respectivos artigos 68.º a 87.º, 88.º a 95.º e 96.º a 115.º.
A falta de apreciação e decisão sobre estas questões acarreta a nulidade da sentença recorrida, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC.

De seguida, o Recorrente solicitou que este tribunal tome também em consideração os factos referidos nos artigos 6.º e 7.º da petição inicial, com respeito a isenção de IMT com referência à aquisição de outro imóvel, aditando-os à fundamentação de facto da sentença. Contudo, como veremos, a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida apresenta-se suficiente para a decisão do presente recurso.

Não obstante impor-se a declaração de nulidade da sentença recorrida, passaremos a conhecer do objecto da causa, nos termos do artigo 149.º, n.º 1 do CPTA.
No entanto, previamente, uma vez que a factualidade apurada foi eliminada por força da declaração de nulidade, urge voltar a fixá-la, apropriando-nos da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida, mantendo-a, por ora, por se nos afigurar bastante.
De todo o modo, iniciaremos a análise pela questão apreciada na sentença recorrida.
Está em causa verificar se os prédios inseridos nos Centros Históricos Classificados como Património Mundial da Unesco, como o Centro Histórico do Porto, beneficiam de isenção de IMI.
A Convenção para a Protecção do Património Mundial, Cultural e Natural, que teve lugar em Paris, e foi aprovada pelo Decreto n.º 49/79, de 6 de Junho, procurou estabelecer quais os bens naturais e culturais que podem vir a ser inscritos na Lista do Património Mundial, fixando os deveres dos Estados-Membros quanto à identificação e protecção desses bens.
Nesta sequência, diversos monumentos, sítios ou conjuntos vieram a obter a classificação de Património Mundial da UNESCO, salientando-se, em particular, os conjuntos classificados, mais concretamente, os Centros Históricos classificados como Património Mundial da UNESCO, in casu, o Centro Histórico do Porto.
Os referidos conjuntos classificados como Património Mundial beneficiaram, durante vários anos, de isenção de IMI, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 44.º, n.º 1, alínea n) do Estatuto dos Benefícios Fiscais e 15.º, n.º 2, 3 e 7 da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro (Lei de Bases de Protecção do Património Cultural).
Com efeito, estabelece o artigo 44.º do Estatuto de Benefícios Fiscais, n.º 1: "Estão isentos de imposto municipal sobre imóveis: (...) n) Os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável".
Podemos verificar que este artigo é composto por duas previsões. Em primeiro lugar, estão isentos de imposto municipal sobre imóveis os prédios classificados como monumentos nacionais. Em segundo lugar, estão isentos do mesmo imposto os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal.
Por sua vez, o artigo 15.º da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro, consagra:
"1 - Os bens imóveis podem pertencer às categorias de monumento, conjunto ou sítio, nos termos em que tais categorias se encontram definidas no direito internacional, e os móveis, entre outras, às categorias indicadas no título VII.
2 - Os bens móveis e imóveis podem ser classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal.
3 - Para os bens imóveis classificados como de interesse nacional, sejam eles monumentos, conjuntos ou sítios, adoptar-se-á a designação «monumento nacional» e para os bens móveis classificados como de interesse nacional é criada a designação «tesouro nacional».
4 - Um bem considera-se de interesse nacional quando a respectiva protecção e valorização, no todo ou em parte, represente um valor cultural de significado para a Nação.
(...)
7 - Os bens culturais imóveis incluídos na lista do património mundial integram, para todos os efeitos e na respectiva categoria, a lista dos bens classificados como de interesse nacional."
Da articulação destes preceitos resulta que os imóveis situados nos Centros Históricos incluídos na Lista do Património Mundial da UNESCO classificam-se como sendo de interesse nacional, inserindo-se na categoria de “monumentos nacionais” e, beneficiando, por conseguinte, da isenção consagrada na alínea n), do n.º 1, do artigo 44.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
Esta formulação vem a ser reiterada no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de Outubro, referindo o seu artigo 3.º, n.º 1 que "um bem imóvel pode ser qualificado como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal", e acrescentando o n.º 3 que "a designação «monumento nacional» é atribuída aos bens imóveis classificados como de interesse nacional, sejam eles monumentos, conjuntos ou sítios".
Sucede, porém, que a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) revogou a isenção que os prédios em apreço vinham beneficiando (acto impugnado), sustentando que, com a entrada em vigor da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro - Lei do Orçamento do Estado para 2007, que introduziu alterações à norma do Estatuto dos Benefícios Fiscais aqui em análise, foi introduzido um novo elemento literal no texto do artigo 44.º, n.º 1, alínea n), do Estatuto dos Benefícios Fiscais – a classificação individual do prédio.
Com base neste argumento, a AT concluiu que, como é o conjunto Centro Histórico que, como um todo, se encontra classificado e, não os prédios que, em concreto, o compõem, estes não podem beneficiar da referida isenção. A sentença recorrida seguiu de perto este entendimento, apoiando-se no elemento histórico da interpretação.
Os imóveis em questão fazem parte da Zona Histórica do Porto, que foi inscrita na Lista do Património Mundial da UNESCO, conforme declarado pelo Aviso n.º 15173/2010, publicado no Diário da República, II Série, de 30 de Julho de 2010, emitido ao abrigo do n.º 3 do artigo 72.º do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de Outubro.
Como mencionámos, o artigo 15.º, n.º 7, da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro, refere expressamente que "os bens culturais imóveis incluídos na lista do património mundial integram, para todos os efeitos e na respectiva categoria, os bens qualificados como de interesse nacional".
É esse o caso da Zona Histórica do Porto, tendo sido alterada a sua classificação como imóveis de interesse público, que constava originariamente do Decreto n.º 67/97, de 31 de Dezembro.
Hoje, em face da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro, os prédios em questão são de interesse nacional, e não de interesse meramente público ou municipal, sendo, consequentemente, classificados como monumentos nacionais.
Efectivamente, e conforme consta do artigo 15.º da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro, e do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de Outubro, um bem classificado como de interesse nacional é designado como "monumento nacional", independentemente de se tratar de um único edifício, conjunto ou sítio, sendo claro que os imóveis que compõem o conjunto ou sítio são abrangidos por essa classificação.
O facto de poderem coexistir prédios individualmente classificados, em caso de delimitação de um conjunto ou de um sítio, nos termos do artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de Outubro, apenas tem relevo provisório para delimitar a zona de protecção desse imóvel até à publicação da classificação do conjunto ou do sítio (cfr. n.º 2).
Por esse motivo se compreende que o artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais distinga entre "prédio classificado como monumento nacional" e "prédio individualmente classificado como de interesse público ou municipal", só exigindo a individualização em relação a estas duas últimas categorias, não já à dos prédios de interesse nacional.
Neste sentido, encontram-se publicadas três decisões, proferidas pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no âmbito dos Processos n.º 256/2014-T, n.º 325/2014-T (este referido pelo recorrente) e n.º 76/2015-T.
Nestas decisões do CAAD, ficou expresso que, em face da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro, os prédios em questão são de interesse nacional, e não de interesse meramente público ou municipal, sendo, consequentemente, classificados como monumentos nacionais, independentemente de se tratar de um único edifício, conjunto ou sítio. Nesta senda, mais se acrescentou que o artigo em causa – o artigo 44.º, n.º 1, alínea n), do Estatuto dos Benefícios Fiscais – alude a duas realidades distintas: por um lado, estabelece que estão isentos de IMI os prédios classificados como monumentos nacionais (nada mais sendo exigido a este respeito); por outro, contempla semelhante isenção para os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal. Em abono da posição segundo a qual, quanto à categoria de monumentos nacionais (na qual se inserem os Centros Históricos), a lei não impõe uma classificação individualizada, foi ainda apontado o facto de o legislador não ter efectuado tal exigência, ao contrário do que se verificou, por exemplo, em sede de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), em que a alínea g), do artigo 6.º, do Código do IMT foi alterada, tendo deixado de abranger “as aquisições de prédios classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal, ao abrigo da Lei nº 107/2001, de 8 de Setembro” para passar apenas a contemplar “as aquisições de prédios individualmente classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável”.
Sucede, porém, que o legislador não alterou simultaneamente os benefícios fiscais em sede de IMI no mesmo sentido, apesar de ter procedido à modificação da redacção do próprio artigo 44.º do EBF, continuando a sua alínea n) a exigir a classificação individual para atribuição da isenção apenas no caso dos imóveis de interesse público ou municipal, mas não fazendo exigência semelhante para os monumentos nacionais.
Antes pelo contrário, a norma do n.º 5 do artigo 44.º, na redacção que lhe foi atribuída pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, dispõe expressamente que "a isenção a que se refere a alínea n) do n.º 1 é de carácter automático, operando mediante comunicação da classificação como monumentos nacionais ou da classificação individualizada como imóveis de interesse público ou de interesse municipal (…)". Resulta, pois, em termos muitos claros que a intenção do legislador foi dispensar a classificação individualizada para efeitos de isenção de IMI aos monumentos nacionais, apenas a exigindo em relação a imóveis de interesse público ou de interesse municipal.
Ora, estando os prédios em questão integrados na Zona Histórica do Porto, legalmente qualificada como monumento nacional, é manifesto que beneficiam da referida isenção de IMI, não podendo, por isso, o acto impugnado permanecer na ordem jurídica.
Tudo o exposto é suficiente para conceder provimento ao recurso, não havendo necessidade de apreciação dos restantes vícios do acto administrativo impugnado, dado que a acção administrativa especial sempre será julgada procedente, com anulação do acto impugnado – cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA.

Conclusões/Sumário

1 - Estão isentos de imposto municipal sobre imóveis: os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável – cfr. artigo 44.º, n.º 1, alínea n) do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
2 - Os imóveis situados nos Centros Históricos incluídos na Lista do Património Mundial da UNESCO classificam-se como sendo de interesse nacional, inserindo-se na categoria de “monumentos nacionais” – cfr. artigo 15.º, n.º 3 e n.º 7 da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro.
3 - Os prédios inseridos nos Centros Históricos Classificados beneficiam de isenção de imposto municipal sobre imóveis.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, declarando a sentença recorrida nula, e julgar a acção administrativa especial procedente, anulando o acto administrativo notificado ao autor em 25/11/2013.
Sem custas.
Porto, 07 de Dezembro de 2016
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Fernanda Esteves