Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:ADMINISTRATIVO
Data:09/05/2012
Processo:09141/12
Nº Processo/TAF:1427/12.0BELSB
Magistrado:Clara Rodrigues
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES.
TAXA DE JUSTIÇA.
ISENÇÃO.
SINDICATO.
Texto Integral:Tribunal Central Administrativo Sul

Proc. nº 09141/12 – Rec. Jurisdicional

2º Juízo/1ª Secção ( Contencioso Administrativo )


Venerando Juiz Desembargador Relator

A Magistrada do MºPº junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, notificada nos termos e para efeitos dos arts. 146º nº1 e 147º do CPTA, vem emitir parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, nos seguintes termos:

I – O presente recurso vem interposto pelo Sindicato, então Requerente, da decisão de fls. 66 e segs. do TAC de Lisboa, que indeferiu liminarmente o presente requerimento de intimação para prestação de informações.

Nas conclusões das suas alegações de recurso o recorrente imputa à sentença recorrida erro de interpretação da lei por o regime aplicável ser o estabelecido no art. 4º nº 1 al. f) do RCP, conjugado com o art. 5º als. a), f) e j) dos Estatutos da recorrente e art. 2º nº 7 al. a) da Lei nº 14/2002 de 19/02.

A Entidade ora recorrida não apresentou alegações de recurso jurisdicional.

II – Na decisão em recurso foram dados como provados os factos constantes dos pontos 1) a 3), de II, de fls. 66 a 70, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

III – Desde já, entendemos assistir razão ao Sindicato recorrente, estando, a nosso ver, o mesmo isento do prévio pagamento da taxa de justiça.

Com efeito, em questão está saber se, no caso presente, o Sindicato A. está ou não abrangido pela a isenção prevista no art. 4º nº 1 al. f) do RCP.

A decisão recorrida fundamentou - se essencialmente no Acórdão do Pleno do STA de 19/01/2012, Rec. 0220/11, que decidiu pela improcedência do pedido de reforma quanto à decisão de condenação em custas do Sindicato ali A., pelo Acórdão anteriormente proferido no mesmo processo, em 16/11/2011.

Fundamentou - se tal Acórdão na interpretação dos artigos 4º nº1 alínea f) do RCP e 310º nº2 e nº3 da Lei nº59/2008, de 11.09, que levou a concluir, em resumo, que «os sindicatos estão isentos de custas quando actuam na defesa dos direitos e interesses colectivos, mas não gozam de isenção de custas quando actuam na defesa colectiva dos direitos ou interesses individuais».

Aquela interpretação, que mereceu um voto de vencido, voto este com o qual em grande parte (mas não completamente), estamos de acordo, não se mostra assim unânime nem é vinculativa, pelo que sendo outro o nosso entendimento, não seguimos o mesmo.

Por outro lado, a questão a que se reporta o acórdão do STA de 22 de Junho de 2010, Rec. 0279/10, também citado pela decisão de 1ª instância, não tem a ver com a isenção de custas por parte de Sindicato, mas antes com a isenção de custas da ali A., particular, nos termos da al. h) do nº 1 do art. 4º do RCP, no âmbito de uma intimação para prestação de informações, não estando ainda em causa a defesa dos direitos profissionais ou laborais.

Assim, passamos a seguir de perto o parecer por nós emitido no processo deste TCAS nº 07785/11 que passamos a transcrever na parte que nos importa:
“(…) esta questão foi já decidida por este TCAS, no Acórdão de 23.03.2011, Rec. 07307/11, proferido em situação em tudo idêntica à dos presentes autos (…) com cujos fundamentos estamos em plena consonância.

Também no Acórdão proferido pelo TCAN, em 26.11.2009, Rec. 00005/09.6BCPRT, (…) se decidiu, em situação igualmente em tudo idêntica à dos presentes autos, que «A defesa, pelo Sindicato ...., do direito à informação de uma sua associada, traduz o exercício de um fim que lhe está especificamente confiado pelo seu estatuto, e que por via disso cabe na isenção subjectiva de custas, condicional e não absoluta, que aproveita às pessoas colectivas públicas sem fins lucrativos.».

São fundamentos deste último Acórdão os seguintes, que passamos a citar:
«A nossa Lei Fundamental, no capítulo dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores, estipula que compete às associações sindicais defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representem [artigo 56º nº1 da CRP].
No dizer de avalizada doutrina, na CRP as associações sindicais não aparecem como associações meramente lícitas, mas como associações necessárias, caracterizadoras do nosso sistema politico-constitucional [Jorge Miranda, Revisão Constitucional de Democracia, Lisboa, 1983], e como se diz num aresto do nosso Tribunal Constitucional, elas são qualificáveis como associações de natureza privada que assumem uma função constitucional relevante [AC TC 250/2008, AD, nº563º].
Está hoje bastante adquirido, na jurisprudência constitucional e administrativa, que a CRP impõe que seja reconhecida às associações sindicais, como tais, legitimidade activa para exercer a tutela jurisdicional efectiva, em nome próprio, dos direitos e interesses individuais legalmente protegidos dos trabalhadores que representem, ou seja, assistir-lhes-á legitimidade processual activa mesmo quando se trate da defesa singular dos direitos e interesses particulares de um trabalhador, independente dos demais [ver, a este respeito, entre outros, AC. TCAN de 13.07.2006, Rº00324/05.0BEPRT; AC TCAN de 11.01.2007, Rº1128/06.9BEPRT; AC TCAN de 01.03.2007, Rº1927/04.6BEPRT; AC TCAN de 17.05.2007, Rº172/06.0BEBRG; AC TCAN de 13.09.2007, Rº1127/06.BEPRT; AC TCAN de 11.10.2007, Rº720/05.3BEPRT; AC TCAS de 25.05.06, Rº01502/06; AC TCAS de 28.09.06, Rº01684/06; AC TCAS de 25.01.07, Rº02057/06; AC TCAS de 30.01.07, Rº02095/06; AC STA de 22.10.2003, Pº655/03; AC STA/Pleno de 06.05.2004, Pº01888/03; AC STA de 21.09.2004, Pº01970/03; AC STA de 28.04.2005, Pº0271/05; AC STA/Pleno de 05.07.2005, Pº0190/04; AC STA/Pleno de 06.10.2005, Pº01887/03; AC STA/Pleno de 25.10.2005, Pº01945/03; AC STA/Pleno de 06.12.2005, Pº02018/03; AC STA de 14.12.2005, Prº0926/05; AC STA/Pleno de 02.03.2006, Pº0461/05; AC STA/Pleno de 02.03.2006, Rº0461/05; AC STA/Pleno de 29.03.2007, Rº89/07-20; AC TC nº75/85 de 06.05.1985, Pº8.584, DR I Série de 23.05.1985, páginas 1416 e seguintes; AC TC nº118/97 de 19.02.1997, Pº31/94, DR I-A, de 24.04.1997; AC TC nº160/99 de 10.03.1999, Pº197/98; AC TC nº103/2001 de 14.03.2001, Pº421/00; e AC TC nº636/2006, de 21.11.2006, Pº445/2005].
Tendo presente esta visão doutrinária e jurisprudencial atinente ao padrão constitucional aqui relevante, abordemos a lei ordinária.
Em 01.01.2009 entrou em vigor o RCTFP [Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, aprovado pela Lei nº59/2008 de 11.09 – ver os seus artigos 1º nº1 e 23º], que revogou o DL nº84/99 de 19.03 [que assegurava a liberdade sindical dos trabalhadores da Administração Pública e regulava o seu exercício] e que dispõe sobre os direitos das associações sindicais, para além do mais, o seguinte: É reconhecida às associações sindicais legitimidade processual para defesa dos direitos e interesses colectivos e para a defesa colectiva dos direitos e interesses individuais legalmente protegidos dos trabalhadores que representem [artigo 310º nº2]; As associações sindicais beneficiam da isenção do pagamento das custas para defesa dos direitos e interesses colectivos, aplicando-se no demais o regime previsto no Regulamento das Custas Processuais [artigo 310º nº3].
Em 20.04.2009 entrou em vigor o RCP [Regulamento das Custas Processuais, aprovado pela DL nº34/2008 de 26.02 – ver seu artigo 26º nº1 na redacção dada pelo artigo 156º nº1 da Lei nº64-A/2008 de 31.12, diploma que aprova o Orçamento de Estado para 2009], que veio estabelecer, além do mais, que estão isentas de custas as pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos, quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável [artigo 4º nº1 alínea f)].
Esta isenção - escreve o Juiz Conselheiro Salvador da Costa - é motivada pela ideia de estímulo ao exercício de funções públicas por particulares que, sem espírito de lucro, realizam tarefas em prol do bem comum, o que à comunidade aproveita e ao Estado cumpre facilitar, e trata-se de uma isenção de custas condicional, na medida em que só funciona em relação aos processos concernentes às suas especiais atribuições ou para defesa dos interesses conferidos pelo seu estatuto ou pela própria lei [Regulamento das Custas Processuais, Almedina, 2009, comentando a alínea f) do nº1 do artigo 4º a página 149].
E, note-se ainda, para além de uma isenção condicional trata-se também de isenção que não é absoluta, porque a pessoa colectiva beneficiária da isenção de custas é responsável pelo seu pagamento, nos termos gerais, quando se conclua pela manifesta improcedência do pedido, e é responsável, a final, pelos encargos a que deu origem no processo, quando a respectiva pretensão for totalmente vencida [artigo 4º nº5 e nº6 do RCP].
O S… é uma pessoa colectiva privada, sem fins lucrativos, que tem por finalidade especial, além do mais, defender e promover, por todos os meios ao seu alcance, os interesses colectivos e individuais dos associados, sejam de ordem moral ou material, sendo direito dos seus associados, por via disso, beneficiar dos serviços prestados pelo sindicato e beneficiar da acção desenvolvida pelo sindicato em defesa dos interesses profissionais, económicos e culturais comuns a toda a classe ou dos seus interesses específicos [ver artigos 1º, 7º alínea a), e 12º alíneas c) e d), do Estatuto do S…, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 3ª série, nº16, 30.08.1996].
Temos, assim, que o legislador do RCTFP, certamente ciente do âmbito da legitimidade processual activa que a nossa jurisprudência vinha reconhecendo às associações sindicais, pretendeu, ele próprio, fixar com toda a certeza e de forma absoluta uma isenção subjectiva de custas, sempre que fosse objecto do processo a defesa de direitos e interesses colectivos.
Todavia, quanto à defesa de direitos e interesses particulares, colectiva ou não, o legislador do RCTFP não se quis comprometer, e deixou que a respectiva destrinça ficasse para o RCP. Efectivamente, se a defesa de direitos e interesses colectivos constituía núcleo duro da isenção, e tinha indubitável assento constitucional, já a defesa de direitos e interesses particulares era bastante mais fluida [lembremos a hipótese de litigância em acção que tenha por objecto obrigações ou litígios derivadas de contratos celebrados pela associação sindical].
É assim que no demais [no restante], a isenção de custas por parte das associações sindicais cai no regime geral da isenção prevista para todas as pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos, segundo o qual estas estarão isentas do pagamento de custas quando actuem […] para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável [artigo 4º nº1 alínea f) do RCP], mas devê-las-ão pagar, nos termos gerais, quando se conclua pela manifesta improcedência do pedido, e pagarão os encargos que lhe sejam objectivamente imputáveis quando, a final, a respectiva pretensão for totalmente vencida [artigo 4º nº5 e nº6 do RCP].
Resulta, portanto, que a defesa do direito à informação da sua associada [A…], traduz o exercício, pelo S…, de um fim que lhe está especificamente confiado pelo seu estatuto [artigo 7º alínea a)], e que por via disso cabe na isenção subjectiva de custas, condicional e não absoluta, que aproveita às pessoas colectivas públicas sem fins lucrativos.
Cremos ser esta a melhor interpretação a dar às normas legais em causa, lidas conjugadamente, atendendo ao seu texto e ao seu devir temporal, presumindo sempre que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados [artigo 9º do CC].» (bold nosso).”

Também no caso dos presentes autos, tendo em conta os fundamentos deste Acórdão e do proferido neste TCAS atrás mencionado, in http://www.dgsi.pt/ e preenchendo o Sindicato recorrente, no caso em apreço, os requisitos da referida al. f) do nº 1 do art. 4º do RCP, que o mesmo beneficie de isenção subjectiva de custas e, consequentemente, do pagamento prévio da taxa de justiça.

Enfermando a decisão recorrida, de errada interpretação e aplicação do direito, com violação das disposições legais que lhe são imputadas.

III – Pelo que, em face do exposto e em conclusão, emito parecer no sentido de ser dado provimento ao recurso, revogando - se a decisão recorrida e determinando - se a baixa dos autos ao Tribunal de 1ª instância para prosseguimento nos termos legais, com benefício de isenção do pagamento de taxa de justiça pela Requerente.


Lisboa, 2012 - 09 - 05

A Procuradora Geral Adjunta



( Clara Rodrigues )