Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02454/07
Secção:Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/10/2007
Relator:Elsa Pimentel
Descritores:PROVIDÊNCIA NÃO ESPECIFICADA - REVOGAÇÃO DE PROVIDÊNCIA ADOPTADA
Sumário:
I- Em conformidade com o art. 124º do CPTA, a decisão tomada no sentido da adopção de uma providência pode ser revogada, alterada ou substituída na pendência da causa principal com fundamento na alteração das circunstâncias inicialmente existentes.

II- Um estudo hidroecológico e hidrogeoquímico que assentou num trabalho de campo efectuado apenas nos meses de Fevereiro e Março e que reconhece que a evolução temporal dos corpos e processos hídricos naturais recomendava que esse estudo tivesse sido feito pelo menos ao longo de um ano hidrológico, deixa inalterados os fundamentos que justificaram a adopção da providência de “interdição da realização de qualquer funeral, com o consequente enterramento de cadáveres”, tomada ao abrigo da al. b) do nº 1 e nº 2 do art. 120º do CPTA (não ser flagrante a falta de fundamento para a pretensão formulada no processo principal; existir risco de contaminação de lençóis freáticos pela decomposição de cadáveres se for efectuado o seu enterramento no cemitério em questão até à decisão do processo principal; prevalecerem, nos interesses em conflito, os dos Requerentes).

III- Mantendo-se inalterado o circunstancialismo que determinou a decisão de adopção daquela providência, não podia a sentença recorrida tê-la revogado ao abrigo do nº 1 do art. 124º do CPTA.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª SECÇÃO DO 2º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I- RELATÓRIO
CELESTINO … e OUTROS, todos residentes na …, Pombal, vêm interpor recurso jurisdicional da sentença que, em 5-01-2007 (fls 590 a 596), nos autos da PROVIDENCIA CAUTELAR NÃO ESPECIFICADA interposta ao abrigo do art 381°, n°l do CPC, por força do art. 112° n° l do CPTA, contra o MUNICÍPIO DO …, para suspensão imediata das obras de construção do cemitério do Casal ..., decidiu indeferir a providência requerida com fundamento em que se encontravam satisfeitas todas as condições impostas pela decisão de 4-11-04 e se verificava ainda que dessas condições não resultava qualquer impedimento que obstasse a esse indeferimento.
Nas alegações de recurso, os ora Agravantes requerem que a sentença recorrida seja revogada e substituída por outra que mantenha a decisão proferida no dia 4 de Novembro de 2004 e, ainda, que “seja fixado efeito suspensivo ao presente recurso, para o que formulam designadamente as seguintes conclusões:
-“... a decisão recorrida não cumpriu nos seus precisos termos o douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 13 de Setembro de 2006, que declarou nula a sentença recorrida de 4 de Novembro de 2004, uma vez que não foram promovidas diligências de prova que se mostrassem necessárias à cabal indagação dos factos convertidos essenciais para a resolução do litígio, nomeadamente a qualidade da água da fonte da ... e consequente impacto negativo do cemitério sobre a mesma, bem como sobre o aquífero que se encontra situado debaixo do solo, sob o cemitério”;
- “Também a fundamentação que é dada à decisão recorrida é insuficiente para a decisão de levantar a providência, o que na prática equivale à falta de fundamentação da sentença recorrida sendo a mesma nula. Nulidade que expressamente se invoca”;
- “A decisão recorrida não protege nem a água da fonte ancestral objecto dos presentes autos, nem a água do aquífero situado por baixo do cemitério”;
-A fonte da ... existe e milhares de crianças e de pessoas bebem daquela água”;
- “Para que se possa levantar esta providência, das duas uma, ou suspende-se a actividade fúnebre no cemitério ou fecha-se a fonte da ... de Pombal, sendo certo que se enterrar cadáveres no dito cemitério as águas ficarão irremediavelmente contaminadas”;
--“A decisão recorrida torna praticamente inútil a decisão eventualmente procedente a proferir na acção principal” porque “Na altura que a decisão a proferir na acção principal transitar em julgado já terão sido enterrados muitos corpos e a contaminação das águas já será uma infeliz realidade sem retrocesso”;
-Em suma, a implantação do cemitério em Casal ... é contrária ao principio geral vertido na Lei de Bases do Ambiente e a alguns princípios específicos plasmados na lei anterior, nomeadamente, o princípio da prevenção, o princípio do equilíbrio e o princípio da recuperação”, pelo que “o cemitério dos autos nunca poderá ser viabilizado”;
- “... foram violados entre outras as normas do art. 66°, n° 1 e al. m) do art. 88° ambos da Constituição, arts. 26° art. 10°, n° 3, alíneas a) e b), 11°, n° 2, 30°, n° 1 da Lei de Bases do Ambiente, a Directiva Comunitária n° 2000/60/CE de 23/10/00 designada por "Directiva Quadro sobre a Água", o Decreto-Lei n° 236/98 de 1 de Agosto, o Decreto-Lei n° 69/2000 de 3 de Maio (Lei de Avaliação de Impacte) e o Decreto-Lei n° 382/99 de 22 de Setembro».
O ora Agravado contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
«a) o estudo geoquímico da Água da Fonte da ... conclui que a instalação do cemitério no local objecto dos presentes autos, não tem como consequência a contaminação das suas águas subterrâneas;
b) o Instituto Geológico e Mineiro assevera que a água da Fonte da ... "evidencia actualmente forte contaminação micróbiológica e é imprópria para consumo humano";
c)a Resolução do Conselho de Ministros n° 34/2006 publicada no DR de 28 de Março corrente, definiu o perímetro de protecção das captações de águas existentes na zona objecto dos presentes autos, para os fins convenientes e dela se depreende que a implantação do cemitério se encontra fora de qualquer zona de protecção;
d) o Cemitério de Casal ... foi homologado pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, a 30 de Novembro de 2006, muito embora esta questão não esteja em causa nestes autos;
e) o Cemitério de Casal ... foi aprovado pela Autoridade de Saúde de ... em oficio datado de 22 de Novembro de 2006 e aprovado na reunião da Câmara Municipal de Pombal a 19 de Dezembro de 2006, muito embora também esta questão não esteja em causa nestes autos;
f) contrariamente ao que dizem os recorrentes foi feita a vistoria ao local, e este não está condicionado nem pela REN nem pela RAN, muito embora esta questão também não esteja em causa nestes autos;
g) o local onde está implantado o cemitério localiza-se parte em Espaço Agro Florestal e parte em Espaço Florestal, o que de acordo com o regulamento do PDM admite o uso pretendido, dadas as áreas de cada uma das partes, muito embora também esta questão não esteja em causa nestes autos;
h) não foram violadas assim quaisquer normas legais ou regulamentares, nomeadamente as invocadas pelos ora recorrentes.
Encontram-se assim satisfeitas todas as condições impostas pela decisão transitada em julgado e que decretou parcialmente a providência, pelo que elaborada que está a matéria de facto pertinente à decisão da causa, a providência teria naturalmente que ser indeferida e não é passível de qualquer censura...».
O presente recurso foi admitido por despacho de fls. 680, a subir imediatamente, nos próprios autos, e com o efeito suspensivo requerido pelos Agravantes.
O Mº Juiz “a quo” proferiu despacho (fls 680 e 681) a considerar que a sentença recorrida não enferma da nulidade que lhe vem assacada pelos Agravantes, por a matéria de facto ter sido fixada na sentença de 4-11-2004, estando, na decisão ora recorrida, apenas em causa as condições então impostas, para o que contém a factualidade que a fundamenta.
A Exmª Magistrada do Ministério Público, no uso da faculdade que lhe é conferida pelo nº 1 do art. 146º do CPTA, emitiu parecer:
- A defender haver todo o interesse em manter o efeito suspensivo deste recurso jurisdicional e “isto porque estamos perante uma questão de saúde pública e de preservação do meio ambiental, mais propriamente de não conspurcação das águas que servem a região da Charneca, que se encontram ameaçadas com a instalação dum cemitério num local perto de lençóis de água e de uma fonte de abastecimento público, questão essa que ainda não está, de modo algum, totalmente esclarecida quer neste processo quer na acção principal que ainda não foi decida”;
- A considerar que a sentença recorrida não enferma da nulidade que lhe é assacada pelos Agravantes, uma vez que a mesma não é totalmente carenciada de fundamentação;
- A sustentar dever ser julgado procedente o presente recurso jurisdicional com a consequente revogação da sentença impugnada e a repristinação da sentença que deferiu parcialmente o pedido de suspensão das obras, a qual deve ser mantida até ser proferida decisão transitada no processo principal, designadamente porque:
«... a verificação das circunstâncias de que o Mmo Juiz fez depender a alteração da decisão anterior não implica, só por si, a inverifícação dos requisitos necessários ao deferimento do pedido, nem sequer quanto à manifesta falta de fundamento da pretensão formulada no processo principal.
De facto, a sentença de 4-11-04 justificou o deferimento da suspensão, por considerar verificados os requisitos constantes da alínea b), do n° 1 e n°2, do art. 120° do CPTA (...)
Assim, considerou a referida sentença, que não se estaria perante um caso de flagrante falta de fundamento da pretensão formulada no processo principal, já que também aqui se estaria perante matérias que necessitavam de maior ponderação e análise. Mais considerou que estava demonstrado o periculum in mora já que seria através da decomposição dos cadáveres que poderão contaminar-se os lençóis freáticos. E finalmente considerou, ainda que implicitamente, que prevalecia o prejuízo para os bens ambientais em detrimento do prejuízo económico decorrente da paralisação das obras, determinando, mesmo assim, que não era necessária a sua paralisação e que existiam, por outro lado, matérias que necessitavam de maior aprofundamento, pelo que se determinou a proibição de realização de qualquer funeral e enterramento de cadáveres enquanto não se tiver concluído o estudo geoquímico da água e a definição dos perímetros de protecção.
Ora, o facto de se exigirem mais exames e estudos, é prova cabal de que a falta de fundamento da acção principal não é manifesta; em segundo lugar, porque só nessa acção será apreciada a questão de fundo, ou seja, a legalidade da construção do cemitério, para a qual os estudos que justificaram a alteração da providência teriam interesse, não sendo, contudo, decisivos, uma vez que importa conjugá-los com a demais prova produzida.
Por outro lado, nada se alterou em relação ao periculum in mora dado como verificado nessa sentença, o mesmo acontecendo em relação à ponderação dos interesses em jogo já que nada se concluiu na sentença ora recorrida que fosse passível de demonstrar que o interesse do Município no enterramento dos mortos prevalecia em relação ao interesse dos requerentes na preservação do ambiente e da saúde pública.
Deste modo, não se percebe como é que um estudo e uma delimitação dos perímetros de protecção têm o condão de alterar os pressupostos anteriormente dados como verificados e que justificaram a suspensão das obras em análise.
Isto tanto mais que, como referem os recorrentes, a "matéria de facto" dada como provada, não é susceptível de conduzir a qualquer alteração desses pressupostos, com a consequente alteração da decisão anteriormente tomada.
É, aliás e salvo o devido respeito, manifestamente insuficiente para sustentar o indeferimento da providência em causa, já que esse indeferimento teria que passar pela alteração dos pressupostos em que se baseou a sentença que a deferira, pressupostos esses assentes, necessariamente, em nova matéria de facto».
Com dispensa de vistos, vem o processo à conferência para julgamento.

II- OS FACTOS
Com pertinência para decidir o presente recurso, resulta assente dos autos que:
a)- Por sentença proferida nos presentes autos em 4-11-2004, foi deferida parcialmente a providência requerida pelos ora Agravantes, tendo sido decidido que o ora Agravado podia "prosseguir as obras, determinando-se no entanto a interdição da realização de qualquer funeral com o consequente enterramento de cadáveres, incluindo o seu depósito em jazigos, enquanto não se concluir o estudo geoquímico da água da Fonte da ..., com nova tomada de posição quanto à construção do cemitério por parte do Instituto Geológico e Mineiro e enquanto não estiverem definidos os perímetros de protecção das captações de água existentes na zona”;
b)- Dessa sentença consta designadamente que:
«Com base nos documentos juntos aos autos, nos depoimentos das testemunhas, e considerando ainda os factos admitidos por acordo, apresentam os autos indiciariamente provado com relevância para a decisão que:
1. O local onde se encontra projectada a construção do cemitério do Casal ..., a cargo da Câmara Municipal de Pombal, encontra-se a um nível superior à cota de referência onde estão situados os pontos de captação de água para abastecimento público e da fonte da ... (depoimento de João ..., Manuel ... e Jorge ...);
2. As camadas superiores do terreno onde se projecta instalar o cemitério é constituído por uma primeira camada até aos 0,65m de terra vegetal arenosa de cor preta, seguida de uma camada até aos 2,00 metros de uma areia fina a siltosa, argilosa, de cor acastanhada, com laivos de cor vermelha ou cinzenta. Segue-se até aos 4,40 m uma camada arenosa argilosa com vários níveis de cascalheira de calhaus mal rolados, verificando-se um aumento destes níveis de calhaus para a base. Dos 4,40m aos 8,00m predominam areias muito finas argilosas de cor cinzento claro (doc. do Instituto Geológico e Mineiro e depoimento de Vanda ... e Manuel ...);
3. No espaço adjacente à construção do cemitério encontra-se uma fonte ancestral com três bicas, denominada Fonte da ..., onde ocorrem muitas pessoas para abastecimento próprio (depoimento de João ... e Manuel ...) e que dista da construção do cemitério 475 m (depoimento de Armando ...);
4. No referido local existem ainda vários poços de utilização doméstica (depoimento de João ... e Jorge Manuel ...), estando o mais perto a 110 metros da construção do cemitério;
5. Existem ainda na zona adjacente à construção do cemitério, furos de captação de água para a rede pública de Pombal (depoimento de João ..., Manuel ... e Túlia …), sensivelmente à mesma distância da Fonte da ..., mas para outra direcção;
6. As análises efectuadas à água da fonte da ... têm dado de cerca de 50 % (depoimento de Vítor …) a 57% (depoimento de José …) como sendo própria para consumo;
7. A Direcção Regional do Ambiente e do Ordenamento do Território do Centro em resposta a uma exposição elaborada pelos "Amigos da Fonte dos Moinhos" e referente à construção do Cemitério sustenta: podemos concluir que a viabilidade da implantação do cemitério pretendido dependerá do resultado da vistoria do terreno, prevista no nº 1 do Decreto n. ° 44220, de 3 de Março de 1962 e da verificação do cumprimento das disposições do Regulamento do PDM, quanto à área mínima da (s) parcela (s) desse terreno (doc. 8 anexo à pi);
8. Instituto Geológico e Mineiro elaborou um Estudo para Implementação de um Cemitério em Casal ..., na Área de Pombal, tendo concluído que:
1. Os terrenos seleccionados para localização de cemitérios como mais adequados, devem apresentar características que permitam uma relativa aerifícação e depuração de contaminantes devido à presença de argilas. O terreno em estudo predominantemente areno-argiloso, com nível freático nunca superior a 12,00 metros, obedece às características que acima se referem.
2. A carga contaminante do lixiviado proveniente dos cemitérios é normalmente eliminada até a uma distância não muito afastada da origem. Deve-se ter em atenção a dimensão do cemitério, que condiciona essa carga contaminante e consequentemente essa distância. A Organização Mundial de Saúde considera como água potável os pontos de água para além de 250 metros de distância do cemitério e o ponto de água explorado.
3. Em relação à nascente Fonte ..., como foi referido, encontra-se bacteriologicamente imprópria para consumo, não sendo portanto aconselhado a sua utilização.
4. Por motivos já justificados, devem ser plantadas árvores e arbustos no cemitério, aliás prática já corrente.
5. Os piezómetros agora construídos deverão ser mantidos para que se possam efectuar estudos futuros respeitantes à existência de riscos de contaminação através de monitorização (doc. 5 anexo à contestação)»;
c)- Em 9-06-2005, o Município ... veio requerer que fosse proferida decisão definitiva, juntando para o efeito os estudos datados de 4-05 e de 26-04 de 2005, efectuados pelo Departamento de Ciências da Terra da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, respectivamente sobre a “Definição das Zonas de protecção dos furos municipais de captação hídrica (Charneca Pombal)” e a “Caracterização Hidrogeológica e Hidrogeoquímica da Fonte da ..., …”, a fls 406 a 433 que se dão aqui por integralmente reproduzidas;
d)- Ouvidos os Requerentes opuseram-se ao levantamento da providência com os seguintes fundamentos: não estarem definidos por resolução do Conselho de Ministros e sob proposta da Direcção Regional do Ambiente de Coimbra, de acordo com o DL 382/99, de 22-09, os perímetros de protecção de captações de águas subterrâneas em causa; não terem sido definidas as zonas de protecção imediata, intermédia e alargada, sendo certo que o cemitério está nas actividades que devem ser interditas nas duas primeiras zonas de protecção; tais estudos serem omissos quanto ao aquífero existente debaixo do cemitério;
e)- Por despacho judicial de 28-07-2005, foi indeferido o requerimento do Município referido em c), com fundamento em que não estão reunidas as condições para a reapreciação da providência por não estarem definidos pelo Conselho de Ministros os perímetros de protecção das captações de água em causa;
f)- Por requerimento de 29-03-2006, o Município de Pombal veio invocar, nos termos do nº 3 do art. 123º do CPTA, a caducidade da providência, por estar preenchida a condicionante que impede os funerais e enterramento de cadáveres no cemitério do Casal ..., juntando para o efeito a Resolução do Conselho de Ministros nº 34/2006, publicada no DR, II Série, de 28-03, pela qual foi definida a zona de protecção de captações de água relativas aos furos designados por F1 e F2;
g)- Ouvidos os Requerentes, ora Recorrentes, opuseram que a providência deve manter-se inalterada até ao trânsito em julgado da acção principal por não resultar que: o cemitério não esteja nos perímetros de protecção dos furos designados por F1 e F2; estes dois furos sejam as únicas zonas de captações de água subterrânea existentes no local; e os perímetros de protecção tivessem em conta a fonte da ... que abastece milhares de pessoas;
h)- Instado pelo Tribunal, o Município veio ainda juntar duas plantas, extractos da Carta Militar e da Ortofotocarta do Casal ... (fls 478 e 479), de que consta; a demarcação dos perímetros de protecção - imediato, intermédio e alargado- de captação água subterrânea dos furos designados F1 e F2; a localização do cemitério Casal ... no exterior de qualquer desses perímetros;
i)- Notificados estes documentos aos Requerentes vieram insistir no indeferimento da pretensão de levantamento da providência por tal comprometer irremediavelmente o efeito útil da acção principal, sendo certo que as zonas de protecção previstas na Resolução do Conselho de Ministros nº 34/2006 não se referem à fonte da ... nem ao aquífero que se encontra por baixo do cemitério, pelo que minimamente não resulta que o risco de contaminação das águas da fonte e dos lençóis subterrâneos não seja afectada;
j)- Por sentença de 15-05-2006, foi, ao abrigo do nº 1 do art. 124º do CPTA, alterada a decisão de 4-11-2004, sendo indeferida a providência decretada com fundamento em que foram satisfeitas todas as condições impostas ao Requerido Município e se verifica que não resulta qualquer impedimento que obste a esse indeferimento;
k)- Desta sentença foi interposto recurso jurisdicional pelos Requerentes, tendo este TCA, por Ac. de 13-09-2006 (fls 573 a 576), fixado efeito suspensivo ao recurso e considerado a sentença nula por omissão da matéria de facto provada em que a decisão assentou;
l)- Em cumprimento deste acórdão foi proferida a decisão ora recorrida, de que consta:
«Apenas para a presente decisão considera-se provada a seguinte matéria de facto, com relevância para a decisão:
1-Foi publicada no DR, II Série, de 28 de Março, Resolução do Conselho de Ministros n.° 34/2006 na qual é definido o perímetro de protecção das captações de águas de …, construídos nas margens do ribeiro do …, concelho de ….
2- A Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra procedeu à caracterização Hidrogeológica e Hidrogeoquímica da água da Fonte da ..., …, estudo este que foi realizado em 26 de Abril de 2005 (fls. 430 e segs);
3- O INETI elaborou na informação n.° 66/220/DH/04 sobre a construção do cemitério em Casal ..., após a nossa decisão de 4 de Novembro de 2004 (fls. 160-165 do processo principal)».

III- O DIREITO
O presente recurso vem interposto da decisão judicial que revogou a providência adoptada na sentença de 4-11-2004, na qual foi determinada “a interdição da realização de qualquer funeral com o consequente enterramento de cadáveres, incluindo o seu depósito em jazigos, enquanto não se concluir o estudo geoquímico da água da Fonte da ..., com nova tomada de posição quanto à construção do cemitério por parte do Instituto Geológico e Mineiro e enquanto não estiverem definidos os perímetros de protecção das captações de água existentes na zona”.
A sentença recorrida, proferida ao abrigo do nº 1 do art. 124º do CPTA, revogou esta providência, com fundamento em que se encontravam satisfeitas todas as condições impostas pela decisão de 4-11-2004.
Vejamos, o que se nos oferece dizer.
3.1- Previamente, no entanto, importa decidir a questão do efeito do recurso sobre os efeitos da sentença recorrida.
Os Agravantes requereram, ao abrigo do art. 740°, n° l, alínea d) do CPC, que fosse fixado efeito suspensivo ao presente recurso.
Por despacho de fls 680, o Mº Juiz “a quo” fixou-lhe esse efeito, com fundamento no facto de ter sido o mesmo fixado pelo TCA Sul para o recurso anteriormente interposto da sentença de 15-05-2006 (vide als j) e k) do Ponto II).
O Agravado opôs-se a tal efeito, com fundamento em que os ora Recorrentes “... não alegaram factos suficientemente válidos para que o tribunal altere o efeito do recurso e nem alegaram factos controvertidos susceptíveis de criar no tribunal ad quem de que a decisão está errada”, “Antes pelo contrário”, nada levando “...a suspeitar que a decisão do Tribunal a quo está mal fundamentada”.
Questão idêntica fora já colocada quanto ao efeito do recurso interposto da sentença de 15-05-2006, tendo este TCA, por Ac. de 13-09-2006 (fls 573 a 576), fixado efeito suspensivo a esse recurso com fundamento em que «a decisão que viesse a ser proferida não tinha efeitos práticos, para além do efeito devolutivo tornar absolutamente inútil, bem a decisão a recair sobre ele (cfr. artigos 733º, 734º, nº 1, al. a) e nº 2 e 740º, nº 1 do Cód. Proc. Civil)”.
Dado que, no presente recurso, a questão se coloca exactamente nos termos em que foi posta para aquele recurso, impõe-se conferir-lhe o mesmo tratamento, pelo que não merece censura o efeito fixado a fls 680 pelo Mº Juiz “a quo”.

3.2- Os Agravantes vêm arguir a nulidade da sentença recorrida com fundamento em que a fundamentação que é dada nessa decisão é insuficiente para decretar o levantamento da providência, o que equivale a falta de fundamentação, sendo a sentença nula.
A Exmª Magistrada do Ministério Público pronunciou-se sobre esta questão, concluindo que não se verifica a arguida nulidade por a sentença recorrida não carecer de falta total de fundamentação.
Tem razão esta ilustre Magistrada.
Na verdade, os Agravantes ainda que não refiram qualquer disposição legal, pretendem invocar a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do art. 668º do CPC, com fundamento em falta de especificação dos fundamentos de facto da decisão.
Porém, como é pacífico, essa nulidade só ocorre nos casos de absoluta omissão de motivação de facto ou de direito, e já não naqueles casos em que a mesma seja, porventura, errada ou insuficiente (cfr., na doutrina, Alberto dos Reis, in “Código do Processo Civil” anotado, vol. V, pág 140, e, na jurisprudência, entre muitos, Acs do STA de 14-05-2004, proc. nº 41390 (Pleno), e de 13-02-2007, proc. nº 135/06).
No caso presente, ainda que de um modo não muito claro, o Mº Juiz “a quo” deu por indiciada (“Apenas para a presente decisão considera-se provada a seguinte matéria de facto”) a definição dos perímetros de protecção das captações de águas de dois furos construídos nas margens do ribeiro do … através de Resolução do Conselho de Ministros, a caracterização hidrogeológica e hidrogeoquímica da água da Fonte da ... e a informação do INETI, sendo certo que não podia deixar de estar no seu espírito a conjugação do resultado desses estudos com a factualidade dada por provada na sentença de 4-11-2004 e os termos precisos em que foi, nessa decisão, julgada parcialmente procedente a providência requerida pelos ora Agravantes.
Portanto, independentemente da “especificação de facto” poder ser havida como insuficiente ou deficiente, o certo é que não pode entender-se a sentença como absolutamente omissa, improcedendo, por isso, a arguida nulidade.

3.3- Sobre o mérito do recurso
A apreciação da decisão recorrida supõe necessariamente que se tenha presente a sentença de 4-11-2004, que deferira parcialmente a providência requerida pelos ora Agravantes- de suspensão imediata das obras de construção do cemitério do Casal ..., no sentido de que o ora Agravado podia "prosseguir as obras, determinando-se no entanto a interdição da realização de qualquer funeral com o consequente enterramento de cadáveres, incluindo o seu depósito em jazigos, enquanto não se concluir o estudo geoquímico da água da Fonte da ..., com nova tomada de posição quanto à construção do cemitério por parte do Instituto Geológico e Mineiro e enquanto não estiverem definidos os perímetros de protecção das captações de água existentes na zona”.
Aquela sentença adoptou esta providência com fundamento na verificação dos requisitos da al. b) do nº 1 e nº 2 do art. 120º do CPTA, em síntese, nos seguintes termos:
Quanto ao requisito negativo, estabelecido na 2ª parte da citada alínea b), foi entendido que, no caso dos autos, não é “manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito» porque «Na verdade os requerentes levantam sérias dúvidas quanto à possibilidade de violação de normas ambientais, designadamente as referentes à Lei da Água, levantando ainda dúvidas quanto à possibilidade de as conclusões do documento do Instituto Geológico e Mineiro terem sido elaboradas baseadas em premissas erradas.
Assim verificamos que não estamos perante um caso de flagrante falta de fundamento da pretensão formulada, já que também aqui estamos perante matérias que necessitam de maior ponderação e análise».
- Quanto ao requisito positivo, estabelecido na 1ª parte da mencionada al. b), foi considerado que «Vêm os requerentes invocar neste âmbito, que a construção do cemitério no local indicado irá lesar gravemente o seu direito constitucional a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, já que irá contaminar as águas dos aquíferos aí existentes (...).
Ora considerando que concluída a construção do cemitério poderão iniciar-se os funerais e que será através da decomposição dos cadáveres que poderão contaminar-se os lençóis freáticos está demonstrado o periculum in mora», sendo ainda «De notar que uma decisão na acção principal demorará algum tempo (...), uma eventual decisão favorável, nesta acção, tornar-se-ia inútil, já que durante este período poder-se-ia ter iniciado a contaminação dos aquíferos com a realização dos funerais».
- Quanto ao requisito previsto no referido nº 2, a sentença, entre os interesses em conflito, deu prevalência aos invocados pelos Requerentes.
Na sentença sob recurso o Mº Juiz “a quo” revogou a providência adoptada em 4-11-2004 exclusivamente com base na circunstância de ter sido concluído o “estudo geoquímico” da água da Fonte da ... e de terem sido definidos os perímetros de protecção dos dois furos de captação de água do abastecimento público.
Porém, como refere o parecer da Magistrada do Ministério Público, «... a verificação das circunstâncias de que o Mmo Juiz fez depender a alteração da decisão anterior não implica, só por si, a inverifícação dos requisitos necessários ao deferimento do pedido, nem sequer quanto à manifesta falta de fundamento da pretensão formulada no processo principal».
Com efeito, a sentença de 4-11-2004 podia ser revista para o efeito de ser ponderada a respectiva revogação, alteração ou substituição, mas tal suporia que tais estudos oferecessem elementos novos que afastassem pelo menos algum dos requisitos que justificaram a adopção da providência.
De facto, em conformidade com o nº 1 do art. 124º do CPTA, a decisão tomada no sentido da adopção de uma providência pode ser revogada, alterada ou substituída na pendência da causa principal com fundamento na alteração das circunstâncias inicialmente existentes.
Ora, compulsados os documentos em que a sentença ora recorrida se fundou para revogar a providência adoptada em 4-11-2004, não resulta qualquer alteração da factualidade em que se sustentara o preenchimento dos requisitos da al. b) do nº 1 e nº 2 do art. 120º do CPTA.
Na verdade, nessa decisão deu-se por provado, designadamente, que na zona adjacente ao local de construção do cemitério do Casal ..., existem dois furos de captação de água de abastecimento público, a nascente da Fonte da ... e vários poços de utilização doméstica e, bem assim, que aquele local se encontra a um nível superior à cota de referência onde estão situados os pontos de captação de água.
Esta factualidade não é abalada pela Resolução do Conselho de Ministros que define apenas os perímetros de protecção dos dois referidos furos, demonstrando as cartas das plantas que foram juntas pelo Agravado, que a construção do cemitério está fora deles, mas nada adianta sobre as demais captações de águas subterrâneas.
Do estudo hidroecológico e hidrogeoquímico da nascente da Fonte da ..., associada a um aquífero superior, consta designadamente que a evolução temporal dos corpos e processos hídricos naturais recomendava que esse estudo tivesse sido efectuado ao longo de pelo menos um ano hidrológico, o que não foi possível, tendo os trabalhos de campo decorrido apenas nos meses de Fevereiro e Março, colmatando-se essa lacuna com a utilização de registos e estudos pré-existentes sobre a zona ou região enquadrante.
Ora, desde logo um estudo efectuado nestas condições não é susceptível de pôr em causa os pressupostos do decretamento da providência.
Mas mais, esse estudo admite, no conjunto de actividades potencialmente contaminantes daquele sistema aquífero superior que presumivelmente virão a ocorrer, precisamente a implantação do cemitério.
Portanto, continuam inalterados os fundamentos que justificaram a adopção da providência: não ser flagrante a falta de fundamento da pretensão formulada no processo principal; existir risco de contaminação de lençóis freáticos pela decomposição de cadáveres se for efectuado o seu enterramento no cemitério em questão até à decisão daquele processo; serem os interesses em conflito os que foram ponderados na sentença de 4-11-2004 com prevalência dos invocados pelos Requerentes, ora Agravantes.
Aliás, o próprio Mº Juiz “a quo”, ao justificar o seu entendimento de que a sentença não enferma da nulidade que lhe é assacada pelos Agravantes (a fls 680), vem dizer que essa nulidade não se verifica “dado que houve uma primeira decisão, em 4-11-2004, (...) onde foi fixada matéria de facto sobre a problemática em questão, não tendo havido recurso da mesma”.
Assim sendo, não se descortinando qualquer alteração no circunstancialismo de facto que justificou a adopção da providência cautelar, é de concluir que a sentença recorrida não pôde ter feito correcta aplicação do nº 1 do art. 124º do CPTA, já que a aplicação desta disposição tem como pressuposto necessário a verificação de uma alteração superveniente das circunstâncias em que assentou o decretamento da providência.
Pelo exposto, acordam os Juizes deste Tribunal em:
- Confirmar o efeito suspensivo fixado pelo Mº Juiz “a quo” ao presente recurso jurisdicional;
- Revogar a sentença recorrida, permanecendo na ordem jurídica a anterior decisão de 4-11-2004.

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Custas pelo Agravado, com taxa de justiça reduzida a metade (cfr. arts 73º-A e 73º-E, nº 1, al.f) do CCJ) .

Lisboa, 10 de Maio de 2007

Relator (Elsa Pimentel)
1º Adjunto (Carlos Araújo)
2º Adjunto (Fonseca da Paz)