Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06002/01
Secção:Contencioso Tributário - 1º Juízo Liquidatário
Data do Acordão:05/11/2004
Relator:Dulce Manuel Neto
Descritores:COMPENSAÇÃO PELA CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
TRIBUTAÇÃO
CONCEITO DE ANTIGUIDADE
Sumário:1. O art. 2º nº 4 do CIRS prevê um regime especial de tributação que beneficia as importâncias atribuídas pela cessação do vínculo laboral ou pela cessação do exercício de funções de gestor, administração ou gerência, excluindo de tributação uma determinada quantia calculada com base na antiguidade ou no número de anos de exercício daquelas funções.
2. Porque a antiguidade constitui um conceito laboral, é no direito laboral que deve procurar-se a solução da questão de saber a antiguidade estabelecida no contrato de trabalho se impõe apenas inter partes, não obrigando terceiros, ou se ela se impõe também à A.Fiscal para efeitos de aplicação do art. 2º nº4 do CIRS, sabido que constitui doutrina corrente (actualmente consagrada no art. 11º da LGT) que sempre que nas normas fiscais se empreguem termos próprios de outros ramos do direito, devem os mesmo ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.
3. O direito laboral prevê um conceito amplo de antiguidade ao permitir que seja tomado em linha de conta o tempo de serviço e a categoria já alcançados noutras entidades patronais, por forma a que ele seja admitido sem prejuízo da antiguidade ali adquirida, pois que tal não é proibido nem pelas normas referidas no nº 1 do art. 12º da LCT nem pelos princípios da boa fé, sendo uma prática atendida nalguns Instrumentos de Regulamentação Colectiva e Trabalho e nos usos da profissão do trabalho e das empresas.
4. Pelo que o estabelecimento de uma antiguidade anterior à da admissão na empresa tanto pode ser obtido por lei (art. 37º da LCT por exemplo), como por contrato individual de trabalho, como por contrato colectivo de trabalho.
5. Estipulando-se no próprio contrato de trabalho do impugnante que o tempo de serviço prestado noutra empresa conta para efeitos de antiguidade, esta não pode ser posteriormente restringida, para efeitos indemnizatórios, ao tempo de serviço prestado nesta última empresa.
6. Nada sugere ou indicia que o conceito de "antiguidade" contido no nº 4 do art. 2º do CIRS não tenha sido usado em toda a sua amplitude, que não possa ter em conta o tempo de serviço (antiguidade) alcançado noutra empresa desde que tal tenha sido expressamente estipulado no contrato laboral pela entidade devedora.
7. Não resultando da lei que esse conceito se refira restritamente ao tempo de serviço na entidade devedora da compensação pela cessação do contrato de trabalho, e nada justificando uma interpretação restritiva da norma de incidência, aquela noção mais lata de antiguidade deve ser aceite para o cálculo da importância sujeita a tributação em sede de IRS.
8. O que não colide com a substância económica do facto tributário que se pretende tributar quando, como no caso vertente, a relação de facto subjacente entre o impugnante e a entidade empregadora prefigura uma dissimulada transferência de estabelecimento, a qual, à luz do art. 37º da LCT, confere aos trabalhadores o direito à manutenção dos contratos de trabalho para todos os legais efeitos, designadamente de antiguidade e do montante indemnizatório que com base nesta é calculado.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juizes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo:


José ....., com os demais sinais dos autos, recorreu para o S.T.A. da sentença que julgou improcedente a impugnação deduzida contra o despacho, proferido em 21/09/98, pelo Subdirector Tributário (com competência delegada pelo Director Distrital de Finanças do Porto) que indeferiu o pedido de rectificação da declaração mod.2 de IRS que apresentou relativamente ao ano de 1994 e que indeferiu a reclamação apresentada em relação à liquidação de IRS efectuada com base nesse declaração.
Nas suas alegações de recurso formula as seguintes conclusões:
1. O presente recurso fundamenta-se exclusivamente em matéria de direito e prende-se unicamente com a forma como deve ser interpretado, no caso, o disposto no nº 4 do art. 2º do CIRS.
2. Na interpretação da lei haverá que ter em conta o disposto no artigo 9º do Código Civil.
3. A douta sentença do Tribunal de 1ª instância conclui que, para efeitos de IRS, haveria que “atender entre a soma recebida a título de indemnização e o resultado da aplicação da fórmula prevista no art. 13º nº 3 do DL 64-A/89, de 27-02” e que a expressão adoptada «a título de compensação global» “não pode aproveitar para efeitos tributários”.
4. Ora, o nº 4 do art. 2º do CIRS, para além de se referir às “... importâncias recebidas a qualquer título ...” nenhuma referência faz ao disposto no nº 3 do citado art. 13º do DL 64-A/89, de 27-02, e as respectivas fórmulas de cálculo não se confundem, sendo que na primeira se opta por um mês e meio de remuneração, enquanto na segunda o legislador se refere a um mês de remuneração.
5. A douta sentença viola assim, salvo sempre o devido respeito por opinião diversa, o nº 2 do art. 9º do Código Civil.
6. O Tribunal “a quo” conclui ainda que o recorrente teria um ano de antiguidade na sociedade “Andrade & Melo, Ldª” e que os efeitos que as partes quiseram contemplar na clausula 8ª do contrato de trabalho celebrado “não se estendem a terceiros, designadamente à Administração Fiscal”.
7. Porém, o nº 4 do art. 2º do CIRS refere-se expressamente ao “número de anos ou fracção de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora” (letra da lei).
8. Presumindo que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, como o impõe o nº 3 do art. 9º do Código Civil, a “ratio” ou fim último daquela expressão consiste em atribuir até determinado montante, calculado com referência a um mês e meio de remuneração, u direito de não tributação em sede de IRS , equiparando trabalhadores que perante a mesma entidade devedora tenham a mesma antiguidade (espírito da lei).
9. Considerando sobretudo a unidade do sistema jurídico, em especial o princípio da consensualidade e liberdade de forma no direito laboral (art. 6º da LCT), e também as condições específicas do tempo em que a lei é aplicada, designadamente a transferência corrente de trabalhadores entre empresas interligadas, temos que a cláusula 8ª do contrato de trabalho de fls. 10 a 12, respeitante à antiguidade, vincula necessariamente a Administração Fiscal.
10. A douta sentença, ao reconhecer para efeitos fiscais apenas um ano de antiguidade do recorrente na “Andrade & Melo, Ldª”, viola também consequentemente a “letra” e o “espírito” do nº 4 do art. 2º do CIRS.
11. Seria mesmo um intolerável abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”, a Adminitração fiscal servir-se do montante de rendimento apurado com base na antiguidade de 4 anos do recorrente para arrecadar maior receita fiscal e impedir a consideração dessa mesma antiguidade para efeitos de não tributação duma pequena parte desse mesmo rendimento.
12. Por último, conclui a douta Sentença que o pagamento de uma compensação que excede aquilo a que o trabalhador tem direito em função do contrato de trabalho não pode colidir com o princípios de Justiça Tributária, nem pode prejudicar ou afectar a incidência real ou base do imposto.
13. Entende o recorrente, todavia, que não seria justo a Administração fiscal distinguir a antiguidade do recorrente, ampliando a sua base de imposto, da antiguidade de outros trabalhadores que, por hipótese, recebessem a mesma “compensação global” acordada com a entidade devedora - a “Andrade & Melo, Ldª” - se esta, no cálculo da compensação global, teve em conta a mesma antiguidade para todos.
14. E, “a contrario”, da parte final do nº 4 do art. 2º do CIRS, poderá aferir-se a regra de não tributação quando exista um vínculo laboral de facto subjacente entre o trabalhador e a entidade devedora e este não tenha recebido qualquer compensação para a sua transferência entre sociedades do mesmo grupo, como ficou provado nos autos (cfr. ponto 4, 6, 7 da matéria de facto provada e fls. 75 a 79 do processo administrativo fiscal apenso à presente impugnação, sob os títulos “visão do contribuinte – síntese cadastral” e “relação inter-sujeito passivo”).
Acresce que
15. Além de aqui valerem as considerações já tecidas na conclusão 4, ainda que a lei colidisse com os Princípios da Justiça Tributária, o que não sucede como ficou demonstrado, sempre haveria que atender ao disposto no nº 2 do art. 8º do Cód.Civil que determina que “o dever de obediência à lei não pode ser afastado sob pretexto de ser injusto ou imoral o conteúdo do preceito legislativo”.

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Não foram apresentadas contra-alegações.
Por Acórdão proferido a fls. 158/161, o S.T.A. declarou-se incompetente, em razão da hierarquia, para o conhecimento do recurso, por considerar que este não versa exclusivamente matéria de direito, declarando competente para o efeito este T.C.A. c
Remetidos os autos a este Tribunal, o Digno Magistrado do MºPº emitiu parecer no sentido do improvimento do recurso por considerar que «Tal como o próprio recorrente admite, na data da cessação do contrato, este só trabalhava para a entidade patronal há um ano. Assim, ainda que no contrato com a entidade patronal conste que a sua antiguidade é anterior, tal cláusula é apenas vinculativa inter-partes não obrigando terceiros, nomeadamente a Administração Fiscal.»
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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Na sentença recorrida julgou-se provada a seguinte matéria de facto:
1. Em 7/03/91 o ora impugnante celebrou um contrato de trabalho por tempo indeterminado com a sociedade “Fábrica Nacional de Relógios, Reguladora, S.A.” - cfr. o teor de fls. 10, que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos;
2. E em 1/01/94, por um único contrato, revogou o contrato referido no nº anterior e celebrou um contrato de trabalho por tempo indeterminado com a firma “Andrade e Mello, Ldª” - cfr. o teor de fls. 11 a 13;
3. Em 28/10/94, o impugnante celebrou o contrato de cessação do contrato de trabalho referido no ponto nº 2) – cfr. o teor de fls. 14.
4. Aquando da revogação do contrato mencionado no nº 1 supra, o impugnante não recebeu da “Fábrica Nacional de Relógios, Reguladora, S.A.” qualquer quantia a título de compensação pecuniária ou outra;
5. Este recebeu uma compensação global de 22.042.000$00 pela cessação do acordo firmado com a “Andrade e Mello, Ldª” (ponto nº 2 supra); nesse acerto de contas foi tido em conta o tempo de trabalho prestado pelo impugnante à sociedade “Reguladora” desde 7/03/91 - ponto nº 1, supra;
6. A sociedade “Andrade & Melo, Ldª” foi constituída por escritura pública outorgada em 18/04/92, tendo como sócios a mencionada “Fábrica Nacional de Relógios, Reguladora, S.A.” e outros;
7. A dita “Andrade & Melo” teve no período compreendido entre 1991 e 1995, como gerente, os administradores da “Fábrica Nacional de Relógios, Reguladora, S.A.” e a soc. “G.N.C. – Gestão, S.A.”;
8. No ano de 1994 o impugnante recebeu da “Andrade & Melo”, além da verba contida no ponto nº 5), a verba de 7.425.000$00 a título de vencimentos e 700.000$00 a título de gratificações; recebeu ainda de vencimentos da “Fábrica de Relógios” 541.666$00;
9. O impugnante, em 15/03/95, apresentou a sua declaração de rendimentos (26.658.666$00) referente ao ano de 1994, com base na qual foi liquidado imposto a pagar de 1.366.209$00, cuja data limite de pagamento ocorreu e 23/08/95;
10. e em 14/08/95 juntou a declaração modelo 1 de substituição (fl. 06 do apenso), tendo alterado o rendimento sujeito a imposto para a soma de 25.983.666$00, com base na existência de erro por parte da entidade patronal, a “Andrade & Mello, Ldª”, que ao calcular a soma da indemnização paga pela cessação do contrato de trabalho celebrado pelo impugnante, não sujeita a IRS, multiplicou por 12, quando deveria ter multiplicado por 14, a importância não sujeita a imposto; simultaneamente, apresentou reclamação contra a liquidação da quantia de IRS referida no ponto nº 9 supra;
11. A A.F. procedeu a nova determinação de rendimento, tendo em conta o disposto no art. 2º nº 4 do CIRS e no art. 13º nº 3 do DL 64-A/89, de 27 de Fevereiro, considerando as quantias recebidas a título de vencimentos, gratificação e indemnização da “Andrade & Mello”, num total de 30.167.000$00 e a quantia de 541.666$00 de vencimentos paga pela “Reguladora” – cfr. fls. 82 do apenso;
12. Com base nestes valores apurou-se haver ainda IRS a cobrar, na importância de 1.147.500$00 - cfr. fls. 83 do apenso;
13. Em 21/09/98 foi proferido o despacho aqui impugnado, que indeferiu a reclamação contida no ponto nº 10 supra;
14. O impugnante efectuou o pagamento por conta no valor de 1.096.209$00, calculado com base nos elementos declarados na 2ª declaração referida no ponto nº 10 supra;
15. Esta impugnação foi apresentada em 4/11/98.

Ao abrigo do disposto no art.712º do CPC adita-se a seguinte matéria de facto que igualmente se mostra provada:
16. No contrato celebrado em 1/01/94 com a sociedade “Andrade e Mello, Ldª” (referido em supra 2.), constam, entre outras, as seguintes cláusulas:
«4ª.
A presente revogação do Contrato de Trabalho, por mútuo acordo, fundamenta-se na criação de unidades industriais autónomas, nos vários sectores de actividade até agora concentrados na “Reguladora, AS”, tendo em vista o melhor aproveitamento de todas as potencialidades económicas e sociais e de mercado.
5ª.
Para que não exista qualquer interrupção na situação profissional do 3º outorgante, em simultâneo, celebra-se o
Contrato de Trabalho, por Tempo Indeterminado
6ª.
A “Andrade Mello, Ldª” admite no seu quadro de pessoal, como Trabalhador, o 3º Outorgante, José Maria Castro Sousa Pinto.
(...)
A “Andrade Mello Ldª”, atribui, e desde já reconhece expressamente, que a antiguidade do 3º Outorgante retroage ao dia 07/03/91, data em que o 3º Outorgante foi admitido no quadro de pessoal da “Fábrica Nacional de Relógios Reguladora,S.A”, e cujo contrato de trabalho foi revogado, por comum acordo, na parte inicial deste instrumento contratual.»
* * *
Em causa nos presentes autos está o montante a considerar para efeitos de tributação em IRS prevista no art. 2º nº 4 do CIRS, pois que segundo o impugnante a declaração mod.2 de IRS que apresentou relativamente ao ano de 1994 estaria errada por nela ter indicado um rendimento incorrecto para efeitos de tributação em IRS, erro que deu azo à apresentação da declaração mod.1 de substituição para rectificação do valor inicialmente declarado e à apresentação de reclamação contra a liquidação de IRS efectuada com base naquela primeira declaração, determinantes do acto de indeferimento impugnado.
O questionado rendimento é aquele que o impugnante recebeu da entidade patronal, a sociedade “Andrade & Melo, Ldª”, de compensação pela cessação do contrato de trabalho na parte sujeita a tributação em IRS por força do disposto no art. 2º nº 4 do CIRS, preceito onde se prevê um regime especial de tributação que beneficia as importâncias atribuídas pela cessação do vínculo laboral ou pela cessação do exercício de funções de gestor, administração ou gerência, excluindo-se de tributação uma determinada quantia calculada com base na antiguidade ou no número de anos de exercício daquelas funções.
Enquanto a A.Fiscal considera que para o cálculo do montante sujeito a tributação se deve ter em conta a antiguidade do impugnante reportada 1/01/94, data em que celebrou o contrato de trabalho cuja cessação deu origem à indemnização (a Andrade & Mello,Ldª), já o impugnante considera que para esse cálculo se deve ter em conta a antiguidade reportada a 7/03/91, data em que celebrou o anterior contrato de trabalho com a sociedade “Fábrica Nacional de Relógios, Reguladora,S.A.” dada, em suma, a seguinte motivação:
- Quando em 1/01/94, por um único acto, foi revogado o contrato de trabalho com a “Fábrica Nacional de Relógios, Reguladora,S.A.” e celebrado o novo contrato com a “Andrade & Mello,Ldª”, ficou expressamente clausulado que tal revogação se devia à criação de unidades industriais autónomas nos vários sectores de actividade daquela “Fábrica”, tendo-se celebrado aquele único acto para que inexistisse qualquer interrupção na situação profissional do impugnante, reconhecendo-se aí que a sua antiguidade retroagia à data em que ele fora admitido no quadro do pessoal da mencionada “Fábrica”, isto é, retroagia a 7/03/91.

Vejamos.
Segundo o disposto nesse art. 2º nº 4 do CIRS «Quando, por qualquer forma, cessem os contratos subjacentes às situações previstas nas alíneas a), b) e c) do nº 1 ou se verifique a cessação das funções de gestor, administrador ou gerente de pessoa colectiva, as importâncias recebidas a qualquer título ficam sempre sujeitas a tributação na parte que exceda o valor da remuneração correspondente a um mês e meio multiplicado pelo número de anos ou fracção de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora, salvo quando nos 12 meses seguintes seja criado novo vínculo com a mesma entidade ou com outra que com ela esteja em relação de domínio ou de grupo, caso em que as importâncias serão tributadas pela totalidade
Ou seja, independentemente do critério utilizado pelas partes no cálculo das importâncias devidas pela cessação do contrato de trabalho, o montante sujeito a tributação é sempre aquele que excede o valor da remuneração correspondente a um mês e meio multiplicado pelo número de anos ou fracção de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora.

No caso vertente, a entidade devedora é, indubitavelmente, a sociedade “Andrade & Mello,Ldª”, tendo sido ela quem, como entidade patronal do impugnante, pagou a compensação pela cessação do contrato de trabalho (cfr. ponto 5º do probatório).
Resta apurar qual era a antiguidade do impugnante nessa entidade devedora, isto é, saber se a antiguidade com base na qual deve ser calculada a importância excluída de tributação corresponde unicamente ao tempo de serviço prestado na empresa devedora, como se entendeu na sentença recorrida, ou corresponde à antiguidade expressamente estipulada no contrato de trabalho quando neste se convenciona englobar, para efeitos de antiguidade, o tempo de serviço prestado numa outra empresa que deu origem à constituição da entidade devedora.

Com efeito, segundo o clausulado no contrato de trabalho com a entidade devedora (a “Andrade & Mello,Ldª”), esta aceitou expressamente que a antiguidade do impugnante retroagia ao dia 07/03/91, data em que ele fora admitido no quadro de pessoal da “Fábrica Nacional de Relógios Reguladora,S.A”.
Tal circunstância deveu-se ao facto de a revogação do contrato com aquela “Fábrica” e a simultânea celebração do contrato com a “Andrade & Mello” ter sido determinada pela criação, a partir dessa “Fábrica”, de unidades industriais autónomas nos vários sectores de actividade, tendo em vista o melhor aproveitamento de todas as potencialidades económicas e sociais e de mercado daquela “Fábrica”, dando origem à criação da “Andrade & Mello”.
Reconhecendo-se, nesse contrato de trabalho celebrado em 1/01/94, uma antiguidade reportada a 7/03/91, a questão que se coloca é a de saber se ela se impõe apenas inter partes, não obrigando terceiros, nomeadamente a A.Fiscal, tal como se entendeu na sentença recorrida, ou se ela se impõe também à A.Fiscal para efeitos de aplicação do art. 2º nº 4 do CIRS.
Porque a antiguidade constitui um conceito laboral, consideramos que é no direito laboral que deve procurar-se a solução da questão, sabido que constitui doutrina corrente (actualmente consagrada no art. 11º da LGT) que sempre que nas normas fiscais se empreguem termos próprios de outros ramos do direito, devem os mesmo ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.

Nos termos do disposto no art. 12º do Decreto-Lei nº 49.408, 24 de Novembro, de 1969 (LCT) «Os contratos de trabalho estão sujeitos, em especial, às normas legais de regulamentação do trabalho, às emitidas pelo Ministro das Corporações e Previdência Social dentro da competência que por lei lhe foi atribuída, as normas emanadas das corporações e as convenções colectivas de trabalho, segundo a indicada ordem de precedência» (nº 1) e,
Desde que não contrariem as normas acima indicadas e não sejam contrários aos princípios da boa fé, serão atendíveis os usos da profissão do trabalho e das empresas, salvo se outra coisa for convencionada por escrito» (nº 2).

Daí que, embora um trabalhador não possa ter a antiguidade que a empresa entenda arbitrariamente dotá-lo, mas tão só e apenas a antiguidade que efectivamente resulte do tempo durante o qual vem exercendo uma função, nada impede que na contagem desse tempo seja tomada em linha de conta o tempo de serviço e a categoria já alcançados noutra ou noutras entidades patronais, por forma a que o trabalhador seja admitido sem prejuízo da sua antiguidade na profissão, pois que tal não é proibido nem pelas normas referidas no nº 1 do art. 12º da LCT nem pelos princípios da boa fé, sendo até por vezes essa prática atendida nos usos da profissão do trabalho e das empresas.
Por isso, não raras vezes os Instrumentos de Regulamentação Colectiva conferem tutela a uma antiguidade mais ampla e, logo, mais favorável do que a antiguidade na empresa É o que acontece, por exemplo, com a situação contemplada na Cláusula 13ª do CCT aplicável ao Sector dos Despachantes Oficiais, publicado no BTE n° 44, de 29.11.78.2 onde se estipula que "Na admissão de qualquer trabalhador será tomado em linha de conta o tipo de serviço e a categoria já alcançada noutra ou noutras entidades patronais, não podendo o trabalhador ser admitido com prejuízo da sua antiguidade..."
, sendo que o estabelecimento de uma antiguidade anterior à da admissão na empresa tanto pode ser obtido por lei (art. 37º da LCT por exemplo), como por contrato individual de trabalho, como por contrato colectivo de trabalho.
O que se compreende face à injustiça flagrante que resultaria, por exemplo, do facto de um trabalhador, porventura com trinta anos de actividade numa empresa, se transferir para uma outra, quiçá do mesmo grupo, pouco tempo antes da cessação do contrato de trabalho, saindo, por isso, manifestamente desauxiliado e injustiçado relativamente àquele outro que nunca tivesse mudado de entidade patronal.
Em suma, os princípios e normas laborais não impõem que no momento da admissão numa empresa o trabalhador seja titular de “antiguidade zero”, sendo legalmente permitido que a entidade patronal aceite a antiguidade correspondente ao tempo de serviço já prestado noutra ou noutras entidades patronais do sector, mantendo-se esse privilégio até à extinção do contrato, a qual vale, por isso, para o cálculo da indemnização devida pela cessação do contrato.
Posto isto, há que salientar que nada sugere ou indicia que o conceito “antiguidade” contido no nº 4 do art. 2º do CIRS não tenha sido usado em toda a sua amplitude, que não possa ter em conta o tempo de serviço (antiguidade) alcançado noutra empresa desde que tenha sido expressamente reconhecido no contrato laboral pela entidade devedora.
Se o próprio contrato de trabalho reconhece e estipula que o tempo de serviço prestado noutra empresa conta para efeitos de antiguidade, esta não pode ser posteriormente restringida, para efeitos indemnizatórios, ao tempo de serviço prestado na última das empresas para quem o trabalhador desempenhou actividade laboral.
Daí que o conceito de antiguidade possa, em termos de direito laboral, ser entendido com esse sentido mais amplo, referindo-se à antiguidade para todos os efeitos do contrato, como é o caso do cálculo de indemnização.
E porque da leitura do art. 2º nº 4 do CIRS não resulta que esse conceito tenha sido utilizado no seu sentido mais restrito, que se refira exclusivamente ao tempo de serviço na entidade devedora, que não possa englobar a antiguidade legal e contratualmente aceite nos moldes acima expostos, é quanto basta para termos de concluir que o impugnante pode invocar, dadas as circunstâncias específicas do caso, essa noção mais lata de antiguidade para o cálculo da importância sujeita a tributação em sede de IRS.
O que, no caso, não colide com a substância económica do facto tributário que se pretende excluir de tributação, atenta a relação de facto subjacente entre o impugnante e a entidade empregadora, prefiguradora de uma dissimulada transferência de estabelecimento (entendido como unidade produtiva autónoma) da “Fábrica Nacional de Relógios Reguladora,S.A” para a “Andrade & Mello, Ldª”, a qual, à luz do art. 37º da LCT, confere aos trabalhadores o direito à manutenção dos contratos de trabalho para todos os legais efeitos, designadamente de antiguidade.
Com efeito, o n 1 do artigo 37º da LCT consagra uma noção ampla de transmissão “a qualquer título”, englobando-se no conceito, como ensina MONTEIRO FERNANDES, in “Direito do Trabalho”, 9ª edição, vol. I, págs. 235-6, os casos de mudança de titularidade do estabelecimento enquanto unidade produtiva autónoma, assim como a fusão ou cisão de sociedades (cfr. Acórdão do S.T.J. na Col. Jur. S.T.J. IV-3/326 e lugares aí citados).
Visto que a nova sociedade “Andrade & Mello” continuou parte da actividade antes desenvolvida pela “Fábrica Nacional de Relógios Reguladora, dando continuidade a uma parcela da organização produtiva que antes era prosseguida por aquela, o que se assemelha a uma verdadeira transferência de estabelecimento (caso em que os trabalhadores transferidos não perdem a antiguidade), seria injusto dar uma interpretação restrita ao conceito de antiguidade de modo a não ter em conta o tempo de serviço prestado naquela “Fábrica” quando o próprio contrato de trabalho salvaguardou esse direito do trabalhador.

Por esta razão, não podemos deixar de discordar da decisão recorrida quando nela se refere que ainda que no contrato de trabalho conste que a antiguidade do impugnante é maior, isso é apenas vinculativo inter-partes, não obrigando terceiros, designadamente a A.Fiscal, e que não podia ser aproveitada para efeitos tributários.
Assim sendo, o impugnante tem direito a ver excluído de tributação uma quantia dos rendimentos que lhe advieram da cessação da relação laboral calculada com base na sua antiguidade, reportada a 7/03/91, assistindo-lhe razão na pretensão de ver reconhecida a ilegalidade da liquidação que não teve em conta esse facto.
Termos em que irá proceder a impugnação, obtendo desta forma provimento o recurso.
* * *
Pelo exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar totalmente procedente a impugnação, com a consequente anulação do acto impugnado com todas as devidas e legais consequências.
Sem custas.

Lisboa, 11 de Março de 2004
Dulce Manuel Neto ( Relator )
José Correia
Eugénio Sequeira