Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:01784/06
Secção:Contencioso Administrativo - 2º Juízo
Data do Acordão:10/30/2008
Relator:Rogério Martins
Descritores:PRINCIPIO DA IGUALDADE
Sumário:I - O princípio da igualdade não impõe que se trate os funcionários que não reagiram, em tempo, contra um acto que lhes é desfavorável, da mesma forma que são tratados aqueles que reagiram.
II - A situação daqueles que adoptaram a postura de “esperar para ver” não é a mesma daqueles que suportaram os incómodos e as despesas inerentes a um processo judicial. Tratar de forma absolutamente igual essas duas situações que são distintas é que constituiria uma violação dos princípios da justiça e da igualdade.
III - A perda de direitos pela inércia dos interessados em exercê-los nos prazos legais é uma solução jurídica com fundamento evidente, pois é exigida pelo princípio da segurança jurídica que é um dos princípios fundamentais de um Estado de Direito.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes do Tribunal Central Administrativo Sul:

O Ministério das Finanças interpôs o presente RECURSO JURISDICIONAL do acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, de 24.02.2006, pelo qual foi julgada procedente a acção administrativa especial de impugnação de acto administrativo e condenação à prática do acto legalmente devido intentada por Joaquina ....

Invocou para tanto que o acórdão recorrido “cometeu múltiplos vícios de violação de lei, não preservou a segurança jurídica e afastou-se da jurisprudência prevalente.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso jurisdicional.

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Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
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São estas as conclusões das alegações e que definem o objecto do presente recurso jurisdicional.

1. A A. ora recorrida ao não impugnar contenciosamente o despacho do Secretário de Estado do Orçamento de 23.02.2000 colocou-se em situação desigual dos colegas que lançaram mão do recurso contencioso contra esse despacho e obtiveram uma decisão favorável, o acórdão anulatório do TCA de 12 de Dezembro de 2002.
2. A A. ora recorrida ao aceitar o despacho do Secretário de Estado do Orçamento de 23.02.2000 deixou que a sua situação de não reconhecimento do pretendido direito à percepção das reclamadas diferenças de vencimento e de subsídios se consolidasse na ordem jurídica como "caso decidido".
3. A igualdade de situações afere-se em função do comportamento assumido em relação ao acto, o despacho do Secretário de Estado do Orçamento de 23 de Fevereiro de 2000, que foi objecto do Acórdão anulatório do TCA de 2002.12.12. e, não, em função da situação que cada destinatário desse acto plural tinha antes da data de prolação do mesmo.
4. O douto Acórdão recorrido faz tábua rasa das situações consolidadas, que sobrevieram e estão cobertas por "caso decidido" formado na sequência de tal acto administrativo de 23 de Fevereiro de 2000 não ter sido oportunamente impugnado por alguns dos destinatários respectivos, como foi o caso da ora recorrida.
5. Há diferenciação, material e objectiva, de situações, não estando em causa a violação do princípio da igualdade pelo despacho impugnado.
6. A formação de "caso decidido" constitui uma razão material bastante para legitimar a diferenciação de tratamento questionada pela ora recorrida, diferenciação essa que, como é entendimento da jurisprudência, incluindo a firmada pelo Tribunal Constitucional, não é considerada ofensiva do princípio da igualdade justamente porque tem um fundamento material constitucionalmente relevante, que é a preservação da segurança jurídica.
7. A diferenciação de tratamento entre os funcionários que recorreram contenciosamente do despacho de 23 de Fevereiro de 2000 e a ora recorrida que aceitou o mesmo, como é entendimento jurisprudencial, não se fundamenta em qualquer dos motivos indicados no n° 1 do artigo 5o do CPA ou no n° 2 do artigo 13° da CRP.
8. É perfeitamente justo e justificado que quem recorreu ao Tribunal e obteve uma decisão favorável beneficie de tratamento diferente do conferido a quem, como a ora recorrida, não recorreu ao foro judicial.
9. A execução da decisão ora recorrida levaria à criação de situações d desigualdade entre os destinatários do despacho de 23 de Fevereiro de 2j0OO, pois que pedidos de impugnação e de condenação iguais aos formulados na acção em causa foram julgados totalmente improcedentes.
10. O parecer jurídico n° 189/94, trazido à colação pela A. ora recorrida, não foi aduzido pelo ora recorrente para demonstrar que a ora recorrida não está em igualdade de circunstâncias com os recorrentes do processo em que foi proferido, pelo TCA, o Acórdão anulatório de 12 de Dezembro de 2002.
11. O parecer jurídico n° 189/94 foi emitido a propósito dos chamados "tarefeiros" e, na sequência da utilização do mesmo pela A. ora recorrida, o ora recorrente demonstrou que a posição assumida nesse caso, consistente em atribuir a quem não recorreu ao Tribunal os subsídios de férias, de Natal e de almoço, não constitui precedente susceptível de abonar a tese da ora recorrida que, para lá de a sua situação ser diferente da dos tarefeiros, pretende muito mais do que o que foi atribuído àqueles.
12. A vingar a decisão do douto Acórdão recorrido a sua execução implicaria, à margem de qualquer obrigação legal e perante a inexistência de dotação destinada à extensão de efeitos de julgados, a realização de despesas cujo significado e repercussão, considerando a actual conjuntura financeira e as orientações vinculativas em matéria de despesas públicas, designadamente no que se refere à sua contenção, factores que são do conhecimento geral, o douto acórdão recorrido não podia ter deixado de ponderar.
13. Da execução do douto Acórdão recorrido emergiria, ainda, um precedente, que poderia desencadear processos judiciais em quantidade incalculável, pois que seria de prever que fossem muitos os casos, longínquos e próximos, em que seria reivindicada a extensão de efeitos de julgados relativamente a situações, que, como a da ora recorrida, estão cobertas pelo "caso decidido".
14. A realidade da repercussão ao nível orçamental emergente da extensão de efeitos de julgados como o pretendido pela ora recorrida é a razão determinante da prática, uniformemente adoptada pela Administração, consistente em, sem excepção, garantindo a igualdade de tratamento, não estender os efeitos dos julgados a quem não é parte nos processos em que os mesmos são proferidos.
15. A razão de economicidade, considerando os enunciados factores, que são do conhecimento geral, Tribunais incluídos, não carece de prova por força do disposto no artigo 514° do CPC.
16. Na circunstância, atender a razões financeiras, como o fez o despacho impugnado, não configura uma sobreposição à aplicação do princípio da igualdade. Está, antes, a ter-se legitimamente em conta a "chamada justiça do sistema".
17. Inexiste qualquer parecer a fundamentar o acto impugnado que admita a possibilidade de satisfação da pretensão da A. ora recorrida, apenas com a exclusão de juros de mora.
18. A aceitar-se a tese de que o despacho de 18 de Outubro de 1999 do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais reconheceu o direito à percepção das quantias reclamadas pela A. ora recorrida a título de diferenças salariais e subsídios e de juros de mora, é manifesto o decurso do prazo de prescrição previsto no n° 3 do artigo 34° do Decreto-Lei n° 155/99, de 28 de Julho.
19. Logo, inexiste a obrigação legal de pagar à A. ora recorrida qualquer das reclamadas quantias.
20. É irrelevante, face ao princípio do dispositivo consagrado no artigo 264° do CPC, que a prescrição não haja sido invocada na apreciação do pedido apresentado pela ora recorrida.
21. Em resultado da prescrição, não há obrigação principal, não havendo que falar em atraso no cumprimento, pelo que não há quaisquer danos a reparar, nos termos do disposto no artigo 804° do Código Civil.
22. Se houvesse obrigação de juros seriam limitados ao prazo de cinco anos, previsto no artigo 310°, alínea d), primeira parte, do Código Civil.
23. Em qualquer caso, o douto Acórdão recorrido não podia ter decidido a condenação no pagamento dos subsídios e dos juros, uma vez que a A. ora recorrida nas suas alegações, designadamente nas conclusões, restringiu o pedido às diferenças salariais, sendo, pois, as conclusões que delimitam o objecto da acção.
24. Uma vez que a A. ora recorrida optou pela apresentação de alegações é inteiramente aplicável o disposto no n° 1 do artigo 690° do CPC.
25. O douto Acórdão recorrido cometeu múltiplos vícios de violação de lei, não preservou a segurança jurídica e afastou-se da jurisprudência prevalente e, em consequência, não merece ser confirmado.

1. Factos:

Deram-se como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

A - Em 1999-10-06 foi efectuada informação, onde se lê com relevo para a decisão:
" (…) (PFT) de 2ª classe, titular do cartão profissional n.º 13021, Augusto Alberto Nunes dos Santos, licenciado em engenharia e Perito de Fiscalização Tributária (PFT) de 2a classe, titular do cartão profissional n.° 13043, dos quadros da DGCI, e
Joaquina ..., licenciada em direito e inspectora de finanças principal, Susana ..., licenciada em direito e inspectora de finanças principal e Clotilde ..., licenciada em direito e inspectora de finanças principal, do quadro da IGF, aduzem o seguinte:
a) Em 30.09.88 os exponentes Cidália ..., Luísa ..., Lina ..., Maria ..., Cristina ..., Jorge ..., Joaquina ..., Susana ... e Clotilde ..., celebraram contratos de formação com a DGCI nos termos do qual ficaram vinculados, após a frequência integral do curso, a candidatarem-se ao concurso externo de PFT de 2ª classe ou outro compatível com a formação ministrada.
b) Em Janeiro de 1989, na sequência do supracitado curso, as exponentes Cidália ..., Lina ..., Joaquina ..., Susana ... e Clotilde ... foram colocadas a trabalhar no Serviço de Administração do IVA; a exponente Luísa ... foi colocada no Serviço de Administração dos Impostos sobre o Rendimento e a Maria ..., na Direcção Distrital de Finanças de Lisboa, tendo estas exponentes, bem como os restantes exponentes mencionados no ponto 1 da presente informação, concorrido ao concurso externo para PFT 2ª classe, licenciados em Direito e em Engenharia Química e Mecânica, abertos por Avisos publicados no DR, II Série, n.° 302, de 31.12,88, ficando aprovadas conforme consta de lista publicada no DR II Série, n.° 246 de 25.10.89, para os licenciados em direito e de lista publicada no DR II Série, n.° 13 de 16.01.90.

(…)
k) Esta situação de “avençados” durou de 6/01/92 a 8/03/94, para os licenciados em direito e de 6/01/92 a 25/07/94, para os licenciados em engenharia.
l) No período compreendido na aliena anterior foi aberto novos concursos externos por avisos publicados no Diário da República II Série, n,°271, de 18/12/92, para recrutamento de peritos de fiscalização, tributária de 2ª classe, áreas de direito e de engenharia química e mecânica aos quais concorrerem os exponentes - conjuntamente com largas centenas de opositores externos, tendo sido excluídos alguns colegas dos exponentes que, como eles, se encontravam a exercer funções na Administração Fiscal, no mesma regime de avençados – os quais, sendo neles aprovados, só por esta via entraram nos quadros de pessoal da DGCI, começando a vencer peio índice 360.
(…)
3. Do ponto de vista jurídico somos forçados a concluir que entre de 6/01/92 a 8/03/94, no caso dos licenciados em direito, e entre a primeira data e 25/07/94, no caso dos engenheiros, os exponentes prestaram serviço à Direcção-Geral das Contribuições e Impostos em condições semelhantes às que existiriam caso fizessem parte do respectivo quadro de pessoal.
(…)
5. Com efeito, durante os períodos temporais antes referidos, os exponentes cumpriram um horário de trabalho determinado pela Direcção-Geral das Contribuições e impostos, aliás, idêntico ao prestado pelos demais funcionários do quadro, exerceram funções próprias de urna determinada categoria da função pública, sob as ordens e orientação técnica de dirigentes da DGCI de que dependiam directamente embora não percebendo os vencimentos próprios da categoria (índice 550).
(…)
6. As situações descritas claramente configuram a existência de relações jurídicas de emprego público, não formalmente reconhecidas, antes formalmente contrariadas por contratos escritos, durante o" período de vigência dos contratos de avença.
7. Estas relações jurídicas de emprego público encaixam-se na figura do «contrato além do quadro», previsto no artigo 1.*, n.° 1 do Decreto-Lei n.º 200/85, de 25 de Junho.
8. Consequentemente deverão beneficiar do regime especial de contagem de tempo de serviço, previsto no n.* 2 do artigo 3.° do Decreto-Lel n.° 200/85, de 25 de Junho, com as implicações legais em termos remuneratórios e de posicionamento na carreira (salvo, neste aspecto para as exponentes que Ingressaram nos quadros da IGF) e de acordo com o n.° 9 do artigo 38.a do Decreto-Lei n,° 427/89 de 7de Dezembro.

(...) À consideração de SESEAF, 99.10.06, (Assinatura) ",

cfr. fls. 12 a 19 dos autos;

B - Em 1999-10-18, foi proferido pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, seguinte despacho:


- Fls. 12 dos autos.

C - Em 2000-01-07, na informação n°5 da 3ª Delegação da Direcção-Geral do Orçamento, da mesma data, foi exarado o seguinte despacho:
"À consultadoria jurídica da DGO para parecer urgente (...)"
Cfr. fls. 10 dos autos.

D - Em 2000-01-12, a Consultadoria Jurídica da Direcção-Geral do Orçamento proferiu o parecer jurídico n° 9-00, cfr. fls. 28 a 31 dos autos e fls. 15 a 18 do PA;

E - Em 2000-01-26 foi exarado pelo Subdirector-Geral da Direcção-Geral do Orçamento parecer no sentido de ser ouvido o Auditor Jurídico, cfr. fls. 28 dos autos;

F - Em 2000-02-16, o Gabinete do Auditor Jurídico do Ministério das Finanças, a solicitação do Secretário de Estado do Orçamento, formulou o parecer n° 21/00 sob o assunto "Exposição apresentada por peritos de fiscalização tributária, contagem de tempo ao abrigo do Decreto-Lei n° 200/85, de 25 de Junho", do qual se transcrevem os seguintes excertos:
'(...)
Em breve resenha, diremos que vários funcionários rio quadro da Direcção-Geral dos Impostos, peritos de fiscalização tributária, requereram ao Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, não apenas a contagem do tempo de serviço prestado em situação irregular, naquela Direcção-Geral, por lapsos de tempo, compreendidos entre os anos de 1988 e 1994, ano em que ingressaram no respectivo quadro de pessoal, apôs concurso externo e, bem assim, os efeitos remuneratórios provindos da situação descrita.
(...)
não de horário de trabalho, são também índices externos de subordinação jurídica
Efectuada que foi a análise de todos estes elementos, concluiu-se estar provado e confirmado peio serviço que os requerentes prestaram funções, de modo a preencherem os dois elementos que consubstanciam relações jurídicas de emprego publico, embora não formalmente reconhecidos, ou seja, o desempenho das suas actividades laborais, foi feito com subordinação jurídica e económica.
O tipo de relação jurídica criada, configura o contrato além do quadro e encontra-se prevista no Decreto-Lei n.º 200/85, de 25 de Junho (alterado pelos Decretos-Leis n°s 388/87, de 31 de Dezembro e 491/88, de 30 de Dezembro}, mais concretamente no seu artigo 1°.
Dispõe o n° 2 do artigo 3" do diploma ora citado:
"Ao pessoal que venha a ingressar nos quadros da Direcção--Gerai das Contribuições e impostos será contado, para todos OS efeitos, o tempo de serviço prestado na situação anterior".
E a mesma certeza encontramos no n.º 9 do artigo 38° do Decreto-Lei n°. 4-27/89, de 7 de Dezembro, que estipula:
"Sem prejuízo da aplicação de regimes mais favoráveis, o tempo de serviço prestado em situação irregular pelo pessoal aprovado no concurso a que referem os números anteriores releva na categoria de ingresso em que sejam contratados, bem como para efeitos de aposentação e sobrevivência, mediante o pagamento dos correspondentes descontos".
Ê, pois, nosso entendimento não restarem quaisquer dúvidas relativamente ao facto de relevar na categoria em que os requerentes ingressaram, o tempo de serviço, anteriormente prestado em situação irregular.
A outra questão que se coloca é referente a saber se deverão ser efectuados os pagamentos das importâncias relativas a subsídios de férias, Natal e refeição, bem como as diferenças salariais.
Tal como é referido no douto Parecer da Consultadoria Jurídica, urge ter em conta o estabelecido no n° 3 do artigo 34º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de Julho, cuja epígrafe é: "Despesas dos anos anteriores".
Dispõe o n° 3 deste preceito:
“O pagamento das obrigações resultantes das despesas a que se refere o presente artigo prescreve no prazo de três anos a contar da data em que se constituiu o efectivo dever de pagar, salvo se não resultar da lei outro prazo mais curto".
Ora, tanto quanto os elementos apresentados mostram, os requerentes somente solicitaram o pagamento das importâncias relativas aos subsídios e diferenças salariais atrás referenciadas, nos inícios do ano de 1999 ido, ou seja, decorrido que era, há muito, o prazo de prescrição indicada no artigo 34º, n° 3 do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de Julho.
(...)
Nesta conformidade, somos de opinião não dever ser efectuado, aos requerentes, o pagamento de qualquer montante, concernente a subsídios de férias, Natal ou refeição e ainda as diferenças salariais.
(...) cfr. fls. 23 a 27 dos autos, fls. 20 a 24 dos autos.

G - Em 2000-02-23, o Secretário de Estado do Orçamento, proferiu o seguinte despacho:
"Homologo. Conhecimento aos interessados, ao Senhor Auditor Jurídico e à DGO (...)"
cfr. fls. 23 dos autos.

H - Em 2000-03-27, a A. foi notificada do seguinte:
" (...)
a) O tempo de serviço prestado em situação irregular releva na categoria em que ingressou;
b) Não há lugar ao pagamento de qualquer montante concernente a subsídios de Férias, de Natal ou Refeição nem às diferenças salariais (...)", cfr. fls. 26 do PA.

I - Em 2002-12-02, foi proferido Acórdão na 1a Secção, 1ª Subsecção, do TCA, no âmbito do recurso contencioso n° 4572/00 e apensos, no qual foram partes:
Recorrentes: Rita ...; Cidália ...; Lina ...; Luísa ...; Isabel...; Manuel ...; Carlos ...; Augusto...; Maria ...; Vítor ...; Ana ...; Jorge ... e Isabel ....
Recorridos: Secretário Estado do Orçamento
Secretário Estado Assuntos Fiscais
interposto por todos os recorrentes contra o Despacho do Secretário de Estado do Orçamento de 2000-02-23 e por parte deles contra o Despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, de 1999-10-18, sendo que nesta parte em sede de questão prévia foi a mesma julgada procedente por não este último acto não revestir carácter lesivo.
Da apreciação efectuada no mencionado acórdão, transcreve-se o seguinte excerto:
“ (…)
Nos presentes autos é facto assente, e até reconhecido pelo SEO, pois no seu despacho de 23.02.2000 não referiu qualquer ilegalidade do despacho do SEAF de 18.10.99, que os recorrentes têm direito aos quantitativos relativos a subsídios de Férias, de Natal, de refeição e às diferenças salariais reclamadas. Todavia, pretende a autoridade recorrida - SEO - que se verifica a prescrição do art.º 34°, n°3 do DL 155/92, de 28.07.
Sem razão. Com efeito, o prazo de prescrição só se iniciou com o reconhecimento do direito dos ora recorrentes às prestações relativas a subsídio de Férias e subsídio de Natal, de refeição e diferenças salariais decorrentes da devida integração atentos os índices da escala salarial, ou seja, com o reconhecimento de que estes mantinham com a Administração uma relação jurídica de trabalho subordinado, o que ocorreu com a prolação dos despachos do SEAF em 18.10.99.
Os fundamentos da prescrição centram-se na reacção contra a inércia e desinteresse do titular do direito que deixa passar" o tempo em apreciável período de tempo sem exigir o cumprimento do devido.
Assim, o prazo de prescrição só começa a correr quando o direito puder ser exigido - art.º 306°, n° l do CC: O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; (...)".
Ora, antes do despacho do SEAF datado de 18.10.99, não estava reconhecido o direito dos recorrentes aos pagamentos pretendidos, e só em tal data a Administração se constituiu na obrigação de os pagar, logo, só a partir de tal data os recorrentes passaram a poder exigi-los, só a partir de tal data começou a decorrer o prazo da prescrição.
Aliás, no despacho recorrido ora em apreço não se faz qualquer destrinça quanto aos pagamentos que, na lógica argumentativa do despacho, ainda estão dentro do prazo de três anos, tendo-se considerado, desde logo, que tal prazo correu para todos os pagamentos reclamados, o que se não pode aceitar pois os pagamentos reclamados incluem alguns créditos correspondentes a prestações I periódicas, como por exemplo os relativos às diferenças salariais.
Deste modo, o despacho datado de 23.02.2000, do Secretário de Estado do Orçamento, mostra-se inquinado do vício de violação de lei - violação do disposto no art.º 34°, n°3, do DL 155/92, de 28.07, carecendo de ser anulado.
Face ao decidido, fica prejudicado o conhecimento dos demais vícios imputados ao acto.
(…) “
cfr. fls. 32 a 53 dos autos.

J - Em 2003-09-23 foi elaborado pela Direcção de Serviços Jurídicos e de Contencioso da Direcção-Geral dos Impostos, o parecer n° 191/2003, sob o assunto: "Avelina ... - aplicação do acórdão do proferido pelo Tribunal Central Administrativo no recurso contencioso n° 4572/00", do qual se transcrevem os seguintes excertos:
" (...)
3 - Avelina (...) foi uma das funcionárias cujo requerimento deu origem à prolação do despacho do Secretario de Estado do Orçamento (...).
Tendo sido notificada desse acto, não reagiu, porém, contenciosamente contra o mesmo, (doc.2).
Considera a funcionária, contudo, que o supra referido acórdão do TC A, de 12 de Dezembro de 2002 - proferido na sequência do recurso interposto por outros funcionários, na situação da ora requerente, mas que, face ao indeferimento da sua pretensão pelo Secretário de Estado do Orçamento, decidiram impugná-la judicialmente -„ tem eficácia "erga omnes", pois que "se verifica uma ilegalidade objectiva". (...)
A tese apresentada pela recorrente foi defendida pelo Prof. Marcello Caetano.
(...) Se o acto foi anulado com fundamento em razões que só se verificam no recorrente, a eficácia produz-se apenas inter partes; mas se se verificar uma ilegalidade objectiva, e o acto for indivisível, a anulação fá-lo desaparecer totalmente da ordem jurídica e aproveita a quantos por ele tenham sido atingidos, isto é, o caso julgado tem eficácia "erga omnes" (...).
A referida tese está, ainda hoje, porém, longe de merecer consenso entre a doutrina (...)
Existem, pois, nos "actos plurais uma "pluralidade" de actos "singulares" que produzem efeitos nas esferas jurídicas de cada um dos destinatários respectivos.
Ora, é, precisamente, dessa pluralidade resulta que se o destinatário do acto plural, não vendo a sua pretensão satisfeita, não recorre, não pode ficar abrangido pelo julgado de outro dos destinatários que recorreu, e isso porque o "seu" o acto não foi apreciado contenciosamente.
(...) tal é exactamente o que ocorre na situação em apreço: o Secretário de Estado do Orçamento, quando decidiu não deverem ser pagos quaisquer quantitativos "concernentes a subsídio de férias, de Natal ou refeição nem as diferenças salariais" requeridas por vários funcionários 7, praticou tantos actos quantos os funcionários que apresentaram os requerimentos (...).
Existe, pois, na situação sub judice, um único acto, um único despacho, mas dirigido à produção de efeitos concretos na esfera jurídica de cada um dos interessados, então requerentes, (...) situação enquadrável como "acto plural". (...)
Não existe, pois, decisão judicial anulatória do acto do Secretário de Estado do orçamento que definiu a situação da ora requerente.
Acto esse que, dada a inércia da funcionária, que não interpôs oportunamente recurso contencioso, se tornou impugnável, firmando-se na ordem jurídica como caso decidido.
E não tem razão a requerente quando alega, em defesa da sua tese, o princípio da igualdade. (...)
De facto, quem, como a requerente, não impugna, oportunamente, um acto administrativo, permitindo que o mesmo se consolide na ordem jurídica, arriscase a ficar em situação desigual em relação aos que impugnaram actos semelhantes com êxito.
(...)
Assim, é, precisamente, o invocado princípio da igualdade que requer um tratamento desigual para o que, como a situação sub judice, é manifestamente diferente. 4-(...)
Porém, embora tal, como já foi analisado, não corresponda a qualquer direito subjectivo da ora requerente, nada impede a Administração, se for esse o seu entendimento, de decidir pagar-lhe (...) os quantitativos em questão.
Tal não corresponderia a pôr em causa uma decisão jà firmada na ordem jurídica, mas apenas ao exercício pela Administração do seu poder discricionário, com base em motivos de conveniência ou justiça. (...)
_________
7 Entre os funcionários que, então, solicitaram o pagamento dos quantitativos ora em causa está, como já mencionámos, a ora requerente (...)."
cfr. fls. 3 a 9 do PA.

L - Em 2003-09-29 a ora A. requereu ao Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que fosse ordenado o processamento das diferenças salariais relativas ao período em que prestou funções no Serviço de Administração do IVA - DGCI, cfr. fls. 12 do PA;

M - Em 2003-10-21 foi elaborado pela Direcção de Serviços Jurídicos e de Contencioso da Direcção-Geral dos Impostos, o parecer n° 221/2003, sob o assunto: "Joaquina ... - aplicação do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo no recurso contencioso n° 4572/00", do qual se transcrevem os seguintes excertos:
" (...)
A matéria foi já objecto de apreciação no nosso parecer n° 191/2003, de 23 de Setembro, elaborado na sequência de requerimento Interposto por Avelina (...), em situação em tudo semelhante à ora requerente (...)
Assim, e porque inexistem elementos novos que cumpra apreciar, mantemos o entendimento expresso no supra referido parecer, que anexamos (...)"
cfr. fls. 55 e 56 dos autos e fls. 1 e 2 do PA;

N - Em 2004-02-20, o Director-Geral exarou o seguinte despacho no parecer referido em B: "Concordo e mantenho a decisão por falta de fundamento legal que assista à requerente. À Consideração de SESEAF", cfr. fls. 55 dos autos e fls. 1 do PA;

O - Em 2004-03-05, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais exarou despacho de concordância sob o n° 567/2004, no parecer 221/2003, cfr. fls. 55 dos autos e fls. 1 do PA;

P - Em 2004-03-24, foi dirigido a Joaquina ..., pela Direcção de Serviços de Gestão dos Recursos Humanos da Direcção Geral dos Impostos, o of° 1495, com o seguinte teor:
"Assunto: Notificação
Para os efeitos de conhecimento, junto se envia cópia do despacho de 05.03.04 do Senhor Secretario de Estado dos Assuntos Fiscais que recaiu na Informação n° 221/03 da Direcção de Serviços Jurídicos e do Contencioso, relativo a subsídio de Férias e subsídio de Natal, subsídio de Refeição e diferenças salariais decorrentes da devida integração atentos os índices da escala salarial, bem como aos respectivos juros de mora (...)"
cfr. fls. 54 dos autos e fls. 10 do PA;

Q - Em 1994-09-29, a Direcção-Geral da Contabilidade Pública formulou o parecer n° 189/94, sob o assunto: "Pagamento de subsídio de férias, de Natal, e mês de férias a favor de tarefeiros da D.G.C.I.", no qual se lê:
"5. (..) concordamos com o entendimento explanado pela D.G.C.I., no sentido de se considerarem necessariamente incluídos nesse grupo os tarefeiros, reconhecendo-se a existência de uma relação jurídica de trabalho subordinado, e a sua qualidade de agentes administrativos. (...)
10. (...) somos de parecer que devem ser pagos aos recorrentes, bem como ais demais interessados em idêntica situação, os abonos respeitantes aos subsídios de férias e de Natal e mês de férias, de harmonia com o defendido pelos referidos Tribunais Administrativos (...)"
cfr. fls. 27 a 29 dos autos.

R - Através de sobrescrito com data de 2004-07-12 foi remetida a p. i. da presente acção na qual foi aposto o carimbo de entrada de 2004-07-13, cfr. fls. 2 e ss.

*

2. Enquadramento jurídico.

Não se mostra fácil tomar uma posição quanto à questão essencial aqui colocada: se é ou não de aplicar a extensão do julgado anulatório, em sede de execução, a quem não foi parte no processo contencioso, tendo deixado consolidar na ordem jurídica acto administrativo desfavorável.

Propendemos, porém, para a tese oposta, aqui sufragada pelo Ministério Público.

Por regra, a sentença transitada em julgado apenas se impõe aos designados terceiros indiferentes (todos aqueles a quem a sentença não causa qualquer prejuízo jurídico porque deixa intacta a consistência jurídica do seu direito) mas já não estende a sua eficácia aos designados terceiros juridicamente interessados – ver neste sentido Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1963, pp. 288 e seguintes; Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., pp. 726 e seguintes, por referência ao artigo 673º do Código de Processo Civil.

No contencioso administrativo não se vê razões para entendimento diferente.

Em coerência com este entendimento, tem-se defendido que a eficácia “erga omnes” de uma decisão anulatória apenas opera em relação a actos indivisíveis e individuais (neste sentido o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11.06.1996, processo 26097ª, in www.dgsi.pt). Se o acto for plural aqueles a quem beneficiaria a anulação do acto se não intervieram no processo em que o acto foi anulado não podem invocar o efeito erga omnes da decisão anulatória, precisamente por serem terceiros juridicamente interessados.

O mesmo se diga para o processo executivo que se segue à decisão anulatória.

Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva – art.º 45º, n.º1, do Código de Processo Civil.

E

A execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor – art.º 55º, n.º1, do Código de Processo Civil.

Aquele que beneficiaria do caso julgado anulatório não pode, porém, invocá-lo se não interveio no processo declarativo, por não dispor de título executivo que o legitime.

Naturalmente o legislador pode criar excepções a esta regra.

O que sucedeu precisamente com o recente Código de Processo nos Tribunais Administrativos, onde, no seu art.º 161º, n.º1, se dispõe que (com sublinhado nosso):

“1 - Os efeitos de uma sentença transitada em julgado que tenha anulado um acto administrativo desfavorável ou reconhecido uma situação jurídica favorável a uma ou várias pessoas podem ser estendidos a outras que se encontrem na mesma situação jurídica, quer tenham recorrido ou não à via judicial, desde que, quanto a estas, não exista sentença transitada em julgado.

Disposição essa de que a Autora, ora Recorrida, se poderia ter socorrido, por a mesma se aplicar também às decisões proferidas em processos iniciados antes da entrada em vigor do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (neste sentido ver o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17.01.2007, no recurso 0883/06).

Isto se preenchesse os requisitos previstos na lei, o que não sucede.

Na verdade são requisitos para se obter a extensão de caso julgado anulatório favorável (art.º 161º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos):

Requisitos ou pressupostos processuais:

a) A prévia apresentação de pedido nesse sentido junto da Administração – n.º 3.
b) O indeferimento, expresso ou tácito deste pedido – n.º 4.
c) A dedução tempestiva do mesmo pedido junto do tribunal que proferiu a decisão transitada em julgado – n.º4.
d) A prévia utilização do meio processual adequado – que deverá estar pendente – no caso de haver contra-interessados que não tenham intervindo.

Requisitos ou pressupostos substantivos:

a) Que os requerentes se encontrem na mesma situação jurídica das pessoas a que se reportam essas sentenças (nº1);
b) Que quanto a eles não haja sentença transitada em julgado (nº1);
c) Que os casos decididos sejam perfeitamente idênticos (nº2);
d) Que, no mesmo sentido, tenham sido proferidas cinco sentenças transitadas em julgado ou, existindo situações de processos em massa, nesse sentido tenham sido decididos em três casos os processos seleccionados segundo o disposto no art.º 48º (nº2) (cfr. a este propósito o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28.11.2007, recurso 048087G).

A Autora, ora Recorrida, preencheu todos os requisitos processuais e os três primeiros requisitos substantivos. Mas não preencheu último.

Na verdade não ficou documentado no processo que tenham sido proferidas cinco sentenças transitadas em julgado no mesmo sentido. Documentou apenas uma e relativa a apenas 17 funcionários.

Na altura em que foi proferida a decisão judicial transitada em julgado ainda não existia o instituto processual dos processos em massa, mas em todo o caso, estes processos pressupõe a existência de, pelo menos, 20 processos sobre a mesma relação jurídica material ou sobre a interpretação e aplicação das mesmas normas a casos idênticos (o que significa a existência de, pelo menos, 20 interessados) – art.º 48º, n.º1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Pelo que, face à lei vigente quando formulou o pedido de extensão do caso julgado, não lhe assistia o direito a ver aplicada ao seu caso a decisão transitada em julgado que lhe era favorável.

E também não lhe assiste esse direito por força dos princípios da igualdade, da imparcialidade e da justiça.

Desde logo não estamos perante um caso de “precedente” que obrigue a Administração a decidir da mesma maneira casos idênticos que decidiu anteriormente.

A Administração decidiu desfavoravelmente a questão que lhe foi colocada pelos funcionários que estavam na situação da ora Recorrida, pelo despacho do Secretário de Estado do Orçamento de 23.02.2000.

Só teve de decidir em sentido favorável aos funcionários que interpuseram recurso contencioso do acto que lhes tinha expressamente indeferido a pretensão em causa, dado a isso estar obrigada – vinculada – por força de uma decisão judicial transitada em julgado.

E não está documentado – nem a Autora invocou – que a Administração tenha adoptado postura diferente em relação a outros funcionários na mesma situação, ou seja, funcionários que não tenham interposto recurso do referido despacho, desfavorável, de 23.02.2000.

Isto sendo certo que “a posição jurídica daqueles que perante um acto ilegal se dirigem aos Tribunais, dentro do prazo legal de impugnação de actos anuláveis, e obtêm a sua anulação contenciosa é diferente daqueles que, perante um acto idêntico, se conformam com ele e se abstêm de o impugnar” (recente acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 24.09.2008, no processo 0243/08).

O princípio da igualdade não impõe que se trate os funcionários que não reagiram, em tempo, contra um acto que lhes é desfavorável, da mesma forma que são tratados aqueles que reagiram.

A situação daqueles que adoptaram a postura de “esperar para ver” não é a mesma daqueles que suportaram os incómodos e as despesas inerentes a um processo judicial. Tratar de forma absolutamente igual essas duas situações que são distintas é que constituiria uma violação dos princípios da justiça e da igualdade.

Como se diz no citado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, a “perda de direitos pela inércia dos interessados em exercê-los nos prazos legais é uma solução jurídica com fundamento evidente, pois é exigida pelo princípio da segurança jurídica que é um dos princípios fundamentais de um Estado de Direito”.

Ao contrário de ter julgado procedente a acção, o Tribunal a quo deveria, face ao exposto, tê-la julgado improcedente.

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Pelo exposto, os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul acordam em conceder total provimento ao recurso jurisdicional, e, em consequência:

A) Revogam a sentença recorrida.

B) Julgam totalmente improcedente a acção administrativa especial intentada pela ora Recorrente, absolvendo o ora Recorrido de tudo o que é pedido.

Pagará a Recorrentes as custas do processo em ambas as instâncias, fixando-se a procuradoria em 1/5.
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Lisboa, 30 de Outubro de 2008



(Rogério Martins)

(Magda Geraldes)

(Gonçalves Pereira)